versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.3 Brasília jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300012
to analyze feeding practices and factors associated with early introduction of complementary feeding of children aged under six months born in a maternity hospital in the northwest region of Goiânia, Goiás, Brazil.
cross-sectional study conducted between August/2005 and February/2007; early introduction of complementary feeding was investigated (outcome of interest) and possible associated factors (sociodemographic, maternal, pregnancy, child-related and food consumption variables); the prevalence ratio was determined using a Poisson regression model with robust adjustment of variance.
362 children aged under six months were assessed and it was found that 95.3% of children received water (77.5%), fruit (62.7%), juices (57.2%), and savoury food (55.1%) early; after adjusted analysis outcome prevalence was higher among children of mothers who smoked (PR=1.02; CI95%: 1.01;1.04) and lower in primiparous mothers (PR=0.97; CI95%: 0.95;0.99).
prevalence of early introduction of complementary feeding was high and associated with environmental and gestational factors.
Key words: Infant; Breast Feeding; Supplementary Feeding; Maternal and Child Health; Cross-Sectional Studies
analizar las prácticas alimenticias y factores asociados a la introducción precoz de alimentos complementarios en niños menores de seis meses nacidos en maternidad en la región noroeste de Goiânia, Goiás, Brasil.
estudio transversal realizado de agosto/2005 a febrero/2007; se investigó la introducción precoz de alimentos complementarios y factores sociodemográficas, maternos, gestacionales, relativos al niño y consumo alimenticio; se calcularon razones de prevalencia e intervalos de confianza al 95% (IC95%), usando regresión de Poisson, con ajuste robusto de varianza.
se evaluaron 362 niños de los cuales 95,3% recibieron precozmente agua (77,5%), frutas (62,7%), jugos (57,2%) y comidas (55,1%); después del análisis ajustado, se encontró mayor prevalencia de la variable de desenlace en niños de madreS fumadoras (RP=1,02; IC95% 1,01;1,04), en cuanto esa prevalencia fue menor en primíparas (RP=0,97; IC95% 0,95;0,99).
la prevalencia de introducción precoz de alimentos complementarios fue elevada, asociada a factores ambientales y gestacionales.
Palabras-clave: Lactante; Lactancia Materna; Alimentación Suplementaria; Salud Materno-Infantil; Estudios Transversales
Entre os aspectos que interferem na saúde da criança, destacam-se a alimentação e a nutrição. O aleitamento materno exclusivo (AME) até os seis meses de idade, com inserção gradativa de alimentos complementares após esse período, é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).1
O aleitamento materno configura-se como elemento essencial para (i) garantir o crescimento e o desenvolvimento psicológico e motor adequados, (ii) atender as necessidades nutricionais da criança, (iii) propiciar fatores de promoção e proteção para a saúde materno-infantil, (iv) reduzir a morbimortalidade na primeira infância, (v) aumentar o vínculo afetivo e (vi) reduzir o dispêndio financeiro.1-3 Quando a amamentação é realizada na primeira hora após o parto, pode diminuir consideravelmente os riscos de mortes neonatais, o que representa um indicador de excelência dessa prática.4,5
A transição entre o aleitamento materno exclusivo e a introdução de alimentos variados na alimentação da criança pode trazer intercorrências, principalmente quando a oferta é realizada antes do completo desenvolvimento fisiológico.6 O início da alimentação complementar precocemente, ou seja, anteriormente ao sexto mês de vida da criança,2 relaciona-se ao aumento de risco e da frequência de infecções gastrointestinais, devido à diminuição dos fatores protetores do leite materno e à introdução de água e alimentos contaminados. Nesse período, a diarreia tem sua frequência aumentada e pode propiciar a desnutrição, comprometendo o sistema imunológico. O lactente desnutrido torna-se mais susceptível a adquirir outras enfermidades, estabelecendo-se um ciclo de desnutrição e infecção que aumenta a mortalidade infantil.7
Dados da 'II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal'8 revelaram mudanças positivas na prevalência de AME em crianças menores de quatro meses: na macrorregião Centro-Oeste, de 40,8 para 55,1%, e no município de Goiânia, capital do estado de Goiás, de 23,7 para 41,2%, no período de 1999 a 2008. Tal condição, todavia, encontra-se muito aquém da recomendação dos órgãos oficiais.1,2 Somando-se a isto, destaca-se também a introdução precoce de água, chás, sucos e comida de sal, logo no primeiro mês de vida.8
O objetivo deste trabalho foi analisar as práticas alimentares e fatores associados à introdução precoce da alimentação complementar entre crianças menores de seis meses nascidas em maternidade na região noroeste de Goiânia-GO, Brasil.
Trata-se de estudo transversal, aninhado a uma coorte: 'Fatores determinantes da duração do aleitamento materno na região noroeste de Goiânia'. Ou seja, os resultados apresentados no presente trabalho provêm de recorte seccional.
O estudo foi conduzido entre agosto de 2005 e fevereiro de 2007. Neste período, o número de habitantes de Goiânia era estimado em 1.200.000. Destes, 10,0%, aproximadamente, residiam na região noroeste, localizada a 18 km do centro da cidade e representada por uma população de baixo poder aquisitivo. Destaca-se, como critério para a escolha do noroeste do município como objeto do presente estudo, o fato de contar com uma única maternidade pública - certificada como Hospital Amigo da Criança -, responsável pelo atendimento da maioria das gestantes moradoras da região e áreas de abrangência.9
O tamanho amostral total do projeto matriz, datado de 2004, foi calculado assumindo-se o número de 2.909 nascidos vivos na região, segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), uma prevalência de aleitamento materno exclusivo aos 30 dias de 27,0%,10 nível de significância (α) de 5,0%, margem de erro de 2,5 pontos percentuais, intervalo de confiança de 95,0% (IC95%) e perda prevista para estudo longitudinal de 30,0%, totalizando 362 recém-nascidos de ambos os sexos.
Realizou-se o convite às mães para participarem do estudo considerando-se a ordem de internação para o parto. Foram incluídas crianças nascidas vivas a termo, de mães que residiam na região noroeste de Goiânia-GO. Foram excluídas mães com complicações obstétricas na gestação e/ou parto ou de partos gemelares, além daquelas com problemas de saúde que impedissem ou dificultassem a amamentação. Mãe e criança foram acompanhadas no domicílio aos 30, 120 e 180 dias de vida da criança ou até a interrupção da amamentação.
Para realização deste estudo, as mães foram entrevistadas mediante aplicação de um questionário padronizado exclusivamente para a pesquisa, constituído de questões objetivas.9 Foram investigadas as seguintes variáveis:
Sociodemográficas
- renda per capita mensal (em salário mínimo: <0,5; 0,5 a 1,0; >1,0); e
- sexo (masculino ou feminino);
Maternas
- fumante e/ou etilista após o parto (sim ou não; foram consideradas fumantes e/ou etilistas as mães que consumiram tabaco e/ou bebidas alcoólicas após o parto em qualquer quantidade);
- idade (em anos: <20; 20 a 35; >35);
- situação conjugal (com ou sem companheiro);
- escolaridade (em anos de estudo: ≤4; 5 a 8; 9 a 12; ≥12); e
- ocupação (trabalhava fora ou em casa);
Gestacionais
- fumante e/ou etilista durante a gestação (sim ou não; foram consideradas fumantes e/ou etilistas as mães que consumiram tabaco e/ou bebidas alcoólicas durante a gestação em qualquer quantidade);
- primiparidade (sim ou não);
- realização de pré-natal, (sim [para qualquer número de consultas] ou não);
- recebimento de informações sobre alimentação infantil durante o pré-natal (sim ou não);
- intervalo intergestacional (<24 ou ≥24 meses); e
- tipo de parto (vaginal ou cesariana);
Relativas à criança
- baixo peso ao nascer (sim [<2500 g] ou não [≥2500 g]);
- uso de chupeta (sim ou não); e
- uso de mamadeira (sim ou não); e
Alimentos consumidos
- água, chá, suco, fruta, leite, mingau e comida de sal.
O desfecho do estudo foi a introdução de qualquer alimento/bebida que não o leite materno em idade inferior a seis meses. Para tanto, adotou-se as definições da Organização Mundial da Saúde11 e do Ministério da Saúde do Brasil8 para (i) aleitamento materno exclusivo - AME -, condição na qual a criança recebe apenas o leite humano, sem outros líquidos ou alimentos semi-sólidos ou sólidos, excetuando medicamentos, (ii) aleitamento materno - AM -, condição na qual a criança recebe leite materno e outros alimentos, e (iii) desmame - interrupção total do aleitamento materno.
Os dados foram digitados no programa Microsoft Excel 2007(r). Inicialmente, as variáveis foram expressas em frequências e/ou média e desvio-padrão. As estimativas das razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% - IC95% - foram obtidas por meio de um modelo de regressão bruta e ajustada, por regressão de Poisson com ajuste robusto de variância e seleção hierarquizada de variáveis explanatórias (Figura 1).
Figura 1 Modelo hierárquico da associação entre introdução precoce da alimentação complementar e variáveis em estudo
O modelo hierarquizado deste estudo, apresentado na Figura 1, foi realizado conforme proposto por Victora e colaboradores,12 em que as variáveis estudadas foram alocadas em três blocos: distal; medial, em dois níveis; e proximal. No ajuste do modelo, as variáveis que apresentaram p<0,20 na análise bruta foram inseridas na análise ajustada, do bloco distal para o proximal, na ordem crescente da magnitude de associação com o desfecho. Na análise múltipla, as variáveis que apresentaram p<0,10 na etapa de entrada permaneceram no modelo até o final, mesmo que tenham perdido sua significância em etapas posteriores e sido consideradas significativas as que apresentaram p<0,05. Para tanto, foi utilizado o programa estatístico Stata versão 12.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de Goiás: Protocolo no 054/2004. Todas as mães assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram convidadas 397 puérperas para participação no estudo. Houve 31 recusas maternas, três exclusões por endereço fora da área de abrangência e uma por preenchimento incompleto do formulário, totalizando 362 crianças. A amostra apresentou quantidade ligeiramente maior de crianças do sexo masculino e a maioria das famílias participantes detinham renda per capita menor que um salário mínimo (Tabela 1).
Tabela 1 Características sociodemográficas, gestacionais, maternas, relativas à criança menor de seis meses (n=362) e associação entre introdução precoce de alimentos complementares e variáveis estudadas na região noroeste de Goiânia, Goiás, 2005 a 2007
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%
b) Regressão de Poisson
c) Salário mínimo à época: variou de R$ 300,00 a R$ 350,00
d) Diferenças nas frequências absolutas correspondem aos valores faltantes
A média de idade materna foi de 23,3 anos (desvio-padrão: 5,2), sendo que a maioria encontrava-se entre 20 e 35 anos de idade e havia estudado oito anos ou menos. Quanto à ocupação materna, 78,0% não trabalhavam fora do lar e 79,1% coabitavam com o companheiro (Tabela 1). Aproximadamente quatro em cada cinco mães relataram não fazer uso de bebida alcoólica ou tabaco em qualquer quantidade durante a gestação e nos primeiros seis meses de vida da criança (Tabela 1).
Em torno de 40,0% das mães participantes do estudo eram primíparas. Entre aquelas com gestações anteriores, mais da metade teve intervalo intergestacional maior ou igual a 24 meses. Embora quase a totalidade delas realizasse pré-natal, revelou-se que apenas três quartos das mães receberam durante a gestação e pré-natal informações sobre a importância do aleitamento materno exclusivo para o binômio mãe-filho. Também se observou a realização de parto vaginal pela maioria delas (Tabela 1).
Entre as crianças, a prevalência de baixo peso ao nascer foi baixa (4,7%); e 59,1% fizeram o uso de chupeta e 62,5% de mamadeira, nos primeiros seis meses de vida (Tabela 1).
Com relação ao aleitamento materno exclusivo, observou-se baixa prevalência em todos os seguimentos da pesquisa, sendo encontradas 47,1% de crianças em AME aos 30 dias de vida. Essa prevalência diminuiu com o aumento da idade da criança, para 22,3% no quarto mês e apenas 4,7% no sexto mês de vida do bebê, e como consequência desse processo, aumentaram os percentuais de desmame e/ou de introdução de outros alimentos com manutenção do aleitamento materno (Figura 2).
Figura 2 Distribuição (%) de crianças menores de seis meses (n=362) em aleitamento materno exclusivo, em aleitamento materno e desmamadas, segundo idade da crianca na região noroeste de Goiânia, Goiás, 2005 a 2007
O tipo de alimentos complementares introduzidos na alimentação das crianças variou conforme sua idade, sendo mais comum, no primeiro mês, o consumo de chás (32,6%) e água (19,1%). No quarto mês, não somente manteve-se destacado como foi acentuado o consumo de água (54,1%) e chás (31,5%), acompanhado de outros leites (18,0%) e sucos (11,5%). No sexto mês, verificou-se o consumo de todos os alimentos investigados, sendo os principais a água (77,5%), frutas (62,7%), sucos (57,2%) e comida de sal (55,1%) (Figura 3).
Figura 3 Prevalência (%) do consumo de alguns tipos de alimentos por crianças menores de seis meses (n=362) segundo idade, na região noroeste de Goiânia, Goiás, 2005 a 2007
Na análise univariada, apresentaram associação com a introdução precoce da alimentação complementar a variável materna 'fumante após o parto' (RP=1,02; IC95% 1,01;1,04; p=0,007), as variáveis gestacionais 'ser fumante' (RP=1,03; IC95% 1,01;1,04; p=0,007), 'etilista' (RP=1,02; IC95% 1,01;1,04; p=0,007), 'primípara' (RP=0,96; IC95% 0,94;0,99; p=0,006) e 'ter realizado pré-natal' (RP=0,98; IC95% 0,96;0,98; p=0,007), e as variáveis relativas à criança 'baixo peso ao nascer' (RP=1,02; IC95% 1,01;1,04; p=0,007) e 'uso de chupeta' (RP=1,04; IC95% 1,01;1,08; p=0,031).
Após análise multivariável, observou-se menor razão de prevalência da introdução precoce da alimentação complementar nos primeiros seis meses de vida de crianças de mães primíparas (RP=0,97; IC95% 0,95;0,99; p=0,026), enquanto observou-se maior razão dessa prevalência entre crianças de mães fumantes (RP=1,02; IC95% 1,01;1,04; p=0,009).
A introdução precoce da alimentação complementar pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo idade materna (mães jovens),13,14 baixa escolaridade,15,16 ocupação no lar,13,15,17 baixa renda,18 ausência de companheiro,13,14,16,19,20 gestante-mãe fumante e/ou etilista,21,22 não realização do pré-natal,2,4,5,23 baixo peso ao nascer24-27 e uso de artefatos (chupeta e/ou mamadeira).22,28
A observação de menor prevalência de alimentação complementar antes dos seis meses de vida de crianças cujas mães eram primíparas contrapõe-se a achados de outros estudos, segundo os quais a experiência prévia de ser mãe influencia positivamente na decisão de amamentar, bem como no desempenho da amamentação. Cabe ressaltar que essa condição deve ser discutida considerando-se o contexto socioeconômico, cultural e familiar do qual depende não apenas a díade mãe-filho, como também a situação do nascimento de cada filho.3,13,16,24 As autoras do presente estudo sugerem que a relação observada pode ser indicativa da insegurança ou mesmo incerteza de mães primíparas sobre a oferta de alimentos às crianças ou até mesmo, uma maior adesão às ações de aconselhamento recebidas na maternidade, reconhecida como Hospital Amigo da Criança.
Quanto à relação entre o início da alimentação complementar antes dos seis meses e o hábito de fumar da mãe, a Academia Americana de Pediatria-Comitê de Drogas, desde 2008, afirma que a lactante fumante tem diminuição da secreção láctea e aumento da incidência de doenças respiratórias, tanto nela quanto na criança.21,22 O presente estudo confirmou essa evidência, revelando que a prevalência de alimentação complementar iniciada precocemente foi maior entre as crianças de mães fumantes, quando comparadas às crianças de mães que não fumavam após o parto.
A introdução de alimentos antes dos seis meses de vida ocasiona prejuízos à saúde do bebê, sendo os mais comuns a nutrição inadequada e infecções causadas por contaminantes presentes nos alimentos mal higienizados e/ou mal acondicionados, além de gerar maior risco para as alergias em função da imaturidade fisiológica e levar a maiores gastos financeiros para a família.2,8,11,15,18
A prevalência de aleitamento materno é variável entre as grandes regiões do país e também em relação à idade da criança. Os valores encontrados na literatura oscilaram entre 29,8 e 84,4%, sendo maiores nos primeiros meses, com tendência a diminuição na medida em que aumentava a idade da criança.15-17 No presente estudo, a prevalência de oferta de chá no primeiro mês de vida do bebê foi maior em relação à de oferta de água, possivelmente explicada pela utilização do chá como medicamento para melhora de cólicas.29 Os chás, assim como a água, também são contraindicados: podem levar a saciedade, diminuir a ingestão de leite materno e assim, causarem déficit calórico, além de representarem foco potencial de contaminação.2,8,15
Culturalmente, mães acreditam que líquidos, como sucos e outros leites, são complementares ao leite materno, oferecem mais energia e nutrientes aos bebês. Entretanto, a introdução precoce de alguns alimentos, como o leite de vaca, podem desencadear processos alérgicos, ademais de a exposição prematura a proteínas diferentes do leite humano estar associada ao aumento do risco de diabetes tipo 1 e de doenças atópicas, como asma.8
O 'Guia alimentar para crianças menores de dois anos', publicado pela OPAS e Ministério da Saúde, recomenda que os alimentos complementares (carnes, tubérculos, cereais, leguminosas, frutas e legumes) sejam oferecidos após os seis meses de idade quando as crianças já possuem maturidade fisiológica para mastigar, deglutir e digerir. Além dos prejuízos citados, a introdução precoce da alimentação complementar contribui para uma redução significativa da absorção de ferro, presente no leite materno, o que pode levar à anemia.2
A realização do pré-natal é indispensável no sentido de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança. Trata-se de um momento oportuno para a discussão de pontos importantes do cuidado infantil, incluindo o aleitamento materno e a alimentação complementar.2 Apesar da ausência de associação entre o desfecho do presente estudo e essa variável, é reconhecido que as consultas de pré-natal fornecem informações essenciais para a promoção do aleitamento materno. O aleitamento materno, especialmente quando dispensado na primeira hora pós-parto, aumenta o vínculo mãe-filho (contato pele a pele) na sala de parto e reduz consideravelmente a morbimortalidade infantil, constituindo uma prioridade para a promoção da saúde das crianças e um indicador de excelência da amamentação, ademais de corresponder ao Passo 4 da iniciativa Hospital Amigo da Criança.4,5,23 Outrossim, a forma de categorização da variável 'realização do pré-natal' pelos autores do presente estudo, ao considerar qualquer número de consultas, pode ter influenciado nos achados de sua pesquisa.
Apesar de a maternidade estudada ter recebido o título de Hospital Amigo da Criança, ainda são necessários mais esforços da instituição para a promoção do aleitamento materno e da introdução adequada da alimentação complementar saudável. Nesse sentido, é fundamental que o papel das ações básicas de promoção, proteção e assistência à saúde nos ambulatórios de pediatria e obstetrícia seja revisto, especialmente o trabalho da equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Se a associação entre baixo peso ao nascer e a introdução precoce da alimentação complementar foi confirmada na análise bruta, após a análise ajustada, essa associação deixou de ser significativa. Pode-se inferir que, embora o baixo peso seja considerado por alguns autores 25,26 como fator preditor para a interrupção precoce e a baixa frequência da duração da amamentação,27 essa associação tenha-se confundido pela presença de outras variáveis de níveis mais distais.
O uso de chupeta e/ou mamadeira está relacionado à introdução da alimentação complementar precoce, de forma bastante definida,14,15,23,28 podendo estimular a introdução de líquidos logo no sétimo dia de vida da criança, prejudicando assim o AME.28 Esses utensílios são usados com frequência pelas mães para a cessação do choro da criança, muitas vezes pela sua dificuldade em distinguir entre manifestação de fome e outras necessidades da criança.13 Embora não tenha sido associado o uso da mamadeira com o desfecho no presente estudo, essa prática pode levar à redução das mamadas e consequente diminuição do estímulo à produção de leite, o que induz a mãe a oferecer mamadeiras com leite não humano, com o objetivo de saciar a fome das crianças.8,30 Por essa razão, o uso e mamadeiras deve ser desestimulado nas estratégias de educação em saúde e campanhas locais. O uso da chupeta, igualmente, deve ser desestimulado, embora sua associação não se tenha mantido na análise ajustada.
Os resultados do presente estudo evidenciaram que a introdução precoce da alimentação complementar influenciou negativamente na duração do aleitamento materno exclusivo, bem menor que a recomendada pela OMS e Ministério de Saúde. Mostram-se necessárias medidas protetoras dessa prática. Dos fatores analisados, demonstraram favorecer a introdução precoce de alimentos o hábito de fumar nos primeiros seis de vida da criança e a primiparidade.
Tais achados reforçam a necessidade de ações efetivas para reverter esse quadro, sendo essencial a consolidação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no Sistema Único de Saúde, fundamentada na promoção da alimentação adequada e saudável, iniciada na gestação e, desde as primeiras horas de vida da criança, focada nos efeitos protetores da amamentação e na introdução correta da alimentação complementar. O sucesso na consecução dessas ações depende da participação efetiva dos profissionais lotados nas unidades de atenção básica à saúde, em promoverem o aleitamento materno à gestante, nutriz e demais cuidadores nos espaços que assistem a mãe e seu bebê, além do envolvimento dos familiares e demais indivíduos no apoio a ambos.
Entre as limitações deste estudo, destacam-se aquelas inerentes a pesquisas realizadas com informações autorreferidas, sujeitas a vieses de recordatório ou influenciadas pelo fato de os entrevistados conhecerem os comportamentos socialmente aceitos. As limitações inerentes a estudos transversais, como a possibilidade de causalidade reversa, foram minimizadas pelo fato de este estudo estar aninhado a uma coorte. Cabe destacar que se trata de uma pesquisa local, de caráter institucional, realizada nos anos de 2007 e 2008. Não obstante, suas informações são extremamente relevantes para o cenário atual da saúde materno-infantil, visto que podem estimular os gestores locais e os profissionais de saúde a proporem medidas efetivas de intervenção com o propósito de modificar o quadro apresentado.
Diante dos achados aqui apresentados, verifica-se a necessidade da realização de maiores investigações nos estabelecimentos de serviços de saúde, sobre os fatores determinantes da introdução precoce da alimentação complementar. Seus resultados deverão contribuir para a melhor orientação dos profissionais de saúde, a quem caberá o reforço do momento oportuno da oferta de alimentação complementar adequada e saudável, com manutenção do aleitamento materno até os dois anos ou mais de vida da criança.