Compartilhar

Práticas de atenção hospitalar ao recém-nascido saudável no Brasil

Práticas de atenção hospitalar ao recém-nascido saudável no Brasil

Autores:

Maria Elisabeth Lopes Moreira,
Silvana Granado Nogueira da Gama,
Ana Paula Esteves Pereira,
Antonio Augusto Moura da Silva,
Sônia Lansky,
Rossiclei de Souza Pinheiro,
Annelise de Carvalho Gonçalves,
Maria do Carmo Leal

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311X

Cad. Saúde Pública vol.30 supl.1 Rio de Janeiro 2014

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00145213

RESUMEN

El objetivo del estudio fue evaluar el cuidado de los recién nacidos sanos y determinar si existen desigualdades en la prestación de servicios y durante la primera hora de vida. Se utilizó la base de datos de la encuesta Nacer en Brasil. Las ratios se estimaron a través del producto odds ratio (OR) y se realizó un ajuste bruto entre las características del hospital, la madre y la atención del nacimiento con los siguientes resultados: aspiración gástrica y de las vías respiratorias, uso de oxígeno inhalado, incubadora, contacto piel con piel, alojamiento conjunto y ofrecer lactancia materna en la sala de partos y en la primera hora de vida. Existe una alta variación de las prácticas utilizadas en el cuidado del recién nacido. Prácticas consideradas inapropiadas, como el uso de oxígeno inhalado (9,5%), aspiración vías respiratorias (71,1%) y gástrica (39,7%) y el uso de incubadora (8,8%) fueron altos. La lactancia materna en la sala de partos fue baja (16,1%), hasta en los hospitales especializados en la atención a niños (24%). Los resultados sugieren bajos niveles de la adhesión a las buenas prácticas.

Palabras-clave: Recién Nacido; Asistencia Médica; Cuidado da Criança

Introdução

O atendimento ao recém-nascido a termo saudável na sala de parto tem sofrido uma série de modificações nos últimos anos e um dos objetivos é diminuir o excesso de intervenções a ele aplicadas logo após o nascimento. Há evidências de que a maioria das intervenções praticadas é desnecessária e algumas delas podem ser, até mesmo, prejudiciais 1,2,3.

Além disto, sabe-se que o excesso de intervenções na sala de parto afeta a interação mãe/bebê. Tal interação precoce influencia a fisiologia e o comportamento de ambos. O contato corporal mãe/bebê ajuda a regular a temperatura do recém-nascido, a manutenção do equilíbrio acidobásico, o ajuste da respiração e do choro, e promove o comportamento cuidador materno 4. Da mesma forma, o bebê pode regular – ou seja, aumentar – a atenção da mãe para suas necessidades, influenciar o início e a manutenção do aleitamento materno e estimular a liberação de hormônios do trato gastrointestinal, resultando em melhor aproveitamento de calorias ingeridas. Os efeitos de algumas dessas situações podem ainda ser detectadas meses mais tarde 4,5.

Portanto, tem sido recomendado que práticas dirigidas a outras questões não ligadas exclusivamente à sobrevivência precisam ser incorporadas aos cuidados de rotina do recém-nascido 7. Essas práticas incluem clampeamento tardio do cordão umbilical, contato pele a pele imediato mãe-bebê, início precoce do aleitamento materno, método canguru, entre outras. Entretanto, a utilização dessas práticas na assistência ao parto e ao recém-nascido sofre grande variação entre unidades de saúde no mundo, coexistindo ainda com desigualdades geográficas e sociais, diferenças na expertise médica e características demográficas dos pacientes 8,9,10. Tais práticas podem afetar a qualidade do cuidado ofertado, alterando os resultados neonatais imediatos e ao longo da vida 11,12.

A variação nas práticas adotadas no cuidado ao recém-nascido saudável tem sido discutida em várias situações, com diferentes impactos sobre a saúde do recém-nascido. Dados publicados relatam uma enorme disparidade entre a base da evidência científica atual e a prática clínica. Além disso, os clínicos podem não responder à evidência por meio de implementação de mudanças nas políticas e práticas. Isso pode ocorrer por causa da falta de conhecimento ou desacordo com as recomendações, mas especialmente por causa de barreiras locais à implantação 10,13,14,15,16,17.

O objetivo deste estudo foi avaliar as práticas adotadas e identificar se houve variações no atendimento ao recém-nascido saudável a termo na sala de parto e na primeira hora de vida.

Metodologia

Nascer no Brasil é um estudo nacional de base hospitalar composto por puérperas e seus recém-nascidos, realizado no período de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 18. A amostra foi selecionada em três estágios. O primeiro, composto por hospitais com 500 ou mais partos/ano estratificado pelas cinco macrorregiões do país, localização (capital ou não capital), e tipo de hospital (privado, público e misto). O segundo foi composto por dias (mínimo de sete dias em cada hospital) e o terceiro composto pelas puérperas. Em cada um dos 266 hospitais amostrados foram entrevistadas 90 puérperas, totalizando 23.940 sujeitos. Mais informações sobre o desenho amostral encontram-se detalhadas em Vasconcellos et al. 19.

Na primeira fase do estudo, foram realizadas entrevistas face a face com as puérperas durante a internação hospitalar e extraídos dados do prontuário da puérpera e do recém-nato e fotografados os cartões de pré-natal da puérpera. Entrevistas telefônicas foram realizadas antes dos seis meses e aos 12 meses após o parto para a coleta de dados sobre desfechos maternos e neonatais. Informação detalhada sobre a coleta de dados é relatada em do Carmo Leal et al. 18.

Neste estudo foram incluídos apenas as variações no atendimento dos recém-nascidos a termo (≥ 37 semanas de idade gestacional), com peso ao nascer ≥ 2.500g, Apgar do 1o minuto ≥ 7 e de gravidez única. Foram critérios de exclusão nascidos de mães HIV-positivas, recém-nascido com má-formação congênita (caso presente no relato da mãe, no prontuário materno ou no prontuário do recém-nascido) e necessidade de ventilação com pressão positiva nos primeiros minutos de vida. Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, a amostra atual foi de 18.639 recém-nascidos. Todas as análises levaram em consideração o desenho amostral e os números apresentados nas tabelas são valores corrigidos pelo peso amostral 18.

Como o número de recém-nascidos disponíveis para esta análise foi menor do que o total da amostra, os cálculos do tamanho da amostra post-hoc foram realizadas. Levando-se em conta uma prevalência de 50% dos recém-nascidos que receberam uma intervenção durante o parto, e um nível de 5% de significância, a menor amostra utilizada neste artigo tinha um poder de 90% para detectar diferenças de, pelo menos, 2%.

Foram considerados dois grupos de variáveis-desfecho na atenção ao recém-nascido saudável: o primeiro grupo considerado como práticas inadequadas (aspiração de vias aéreas e gástrica, uso do oxigênio inalatório e uso de incubadora 1,2,3) e o segundo grupo considerado como boas práticas clínicas (contato pele a pele logo após o nascimento, oferta do seio materno na sala de parto, amamentação na primeira hora de vida e alojamento conjunto direto da sala de parto 6,7,10). Amamentação na primeira hora de vida, neste estudo, foi entendida como a oferta do seio materno até 59 minutos após o parto.

As variáveis independentes usadas para avaliação das variações nas práticas clínicas de atendimento ao recém-nascido saudável foram: região (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste ou Sul), localidade (capital e não capital) e Hospital Amigo da Criança (sim ou não) como características do hospital; idade materna (< 20 anos, 20-34, ≥ 35), escolaridade (menor que ensino fundamental completo, ensino fundamental completo, ensino médio completo, ensino superior completo), cor da pele autorreferida (branca, preta, parda, amarela/indígena) e parição (primípara, 1 a 2 partos anteriores, três ou mais partos anteriores) como características maternas; acompanhante durante o parto (sim, não), tipo de parto (vaginal, cesariana) e fonte de pagamento ao parto (público ou privado) como características da assistência ao parto. Foram classificadas como parto de financiamento privado as mulheres que tiveram o seu parto em estabelecimentos exclusivamente privados, os quais foram ou pagos pelo plano ou por desembolso direto ou as com parto em estabelecimentos do SUS ou mistos cujos partos foram cobertos pelo plano de saúde. As restantes foram classificadas na categoria de parto com financiamento público.

Todas as variáveis de desfecho e independentes selecionadas foram coletadas nas informações contidas nos prontuários hospitalares e validadas pelo questionário aplicado às pacientes.

Foram realizadas análises bivariadas com as variáveis independentes e as variáveis- desfecho. Para identificar variações, foram calculadas as proporções e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) para as intervenções e as boas práticas segundo as variáveis independentes. Para a análise multivariada, foram utilizados procedimentos de regressão logística. Todas as variáveis independentes foram incluídas no modelo multivariado. Foram estimadas as razões de produtos cruzados odds ratio (OR) ajustados (e respectivos IC95%) para todas as variáveis de exposição. Foram testadas interações entre as variáveis estudadas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz e nos das instituições participantes. Foram obtidos termos de consentimento livre e esclarecido de todas as puérperas participantes do estudo.

Resultados

A aspiração de vias aéreas superiores ocorreu em alto percentual, variando de 62,5%, no Nordeste, a 76,8%, no Sudeste, assim como a aspiração gástrica, que variou de 33,8%, no Nordeste, a 47,8%, no Centro-oeste. O uso de oxigênio inalatório (8,8%) e de incubadora (8,7%) também foi elevado, dadas as características de baixo risco desses recém-nascidos. As proporções das intervenções foram mais frequentes em hospitais sem o título Hospital Amigo da Criança, em partos com pagamento privado, em mulheres com maior nível de escolaridade, brancas, primíparas e que realizaram cesariana (Tabela 1).

Tabela 1 Intervenções consideradas inadequadas realizadas em recém-nascidos saudáveis segundo características sociodemográficas: análise bivariada. Brasil, 2011-2012. 

  Aspiração de vias aéreas superiores Aspiração gástrica O2 inalatório Uso de incubadora Total
n * % IC95% n * % IC95% n * % IC95% n * % IC95% n *
Região                          
 Norte 1.226 72,5 59,8-82,4 595 35,2 24,1-48,0 71 4,2 2,8-6,2 100 5,9 1,9-17,0 1.692
 Nordeste 3.276 62,5 51,8-71,9 1.775 33,8 25,0-44,0 282 5,4 3,8-7,6 268 5,1 2,4-10,5 5.246
 Sudeste 6.233 76,8 70,3-82,3 3.529 43,5 36,0-51,3 1.004 12,4 9,3-16,3 796 9,8 6,7-14,2 8.112
 Sul 1.729 72,1 61,5-80,7 890 37,1 26,5-49,0 174 7,3 5,2-10,1 423 17,6 8,8-32,3 2.399
 Centro-oeste 770 64,7 49,7-77,3 568 47,8 32,1-63,8 108 9,1 5,8-14,1 32 2,7 1,7-4,3 1.190
Localidade                          
 Capital 4.786 71,4 63-78,4 3.157 47,1 38,1-56,2 544 8,1 5,8-11,2 467 7,0 4,6-10,4 6.707
 Não capital 8.448 70,8 65,4-75,7 4.200 35,2 29,9-40,9 1.096 9,2 7,3-11,4 1.152 9,7 6,6-13,9 11.932
Iniciativa Hospital Amigo da Criança                          
 Não 7.961 70,2 64,4-75,5 4.280 37,8 31,8-44,0 1.083 9,6 7,4-12,3 1.198 10,6 7,2-15,2 11.335
 Sim 5.273 72,2 64,6-78,7 3.077 42,1 35,1-49,5 556 7,6 5,9-9,8 421 5,8 3,8-8,6 7.304
Idade materna (anos)                          
 10-19 2.388 69,0 63,9-73,7 1.285 37,1 31,8-42,8 265 7,7 6,2-9,4 220 6,4 4,7-8,5 3.460
 20-34 9.506 71,4 66,8-75,6 5.374 40,4 35,6-45,3 1.209 9,1 7,5-11 1.191 9,0 6,6-12,0 13.312
 ≥ 35 1.339 71,7 66,1-76,8 698 37,4 32,1-43,1 166 8,9 6,7-11,7 207 11,1 7,4-16,4 1.866
Escolaridade materna (anos de estudo)                          
 ≤ 7 3.282 68,7 63,3-73,6 1.836 38,4 32,7-44,6 326 6,8 5,4-8,5 325 6,8 4,9-9,4 4.778
 8-10 3.353 70,5 65,4-75,1 1.870 39,3 34,1-44,7 399 8,4 6,6-10,6 356 7,5 5,4-10,3 4.757
 11-14 5.301 72,5 67,6-76,9 2.962 40,5 35,2-46,0 738 10,1 8,2-12,3 693 9,5 6,8-13 7.311
 ≥ 15 1.247 72,9 64,5-79,9 667 39,0 31,7-46,7 171 10,0 7,7-13,0 241 14,1 8,7-22,2 1.711
Cor da pele autorreferida                          
 Branca 4.704 73,4 68,5-77,8 2.519 39,3 34,0-44,8 614 9,6 7,7-11,8 768 12,0 8,5-16,7 6.412
 Preta 1.089 69,2 62,1-75,2 618 39,2 32,4-46,4 137 8,7 6,6-11,4 120 7,6 5,3-10,8 1.574
 Parda 7.219 69,7 64,6-74,3 4.101 39,6 34,5-44,9 853 8,2 6,7-10,0 711 6,9 5,0-9,3 10.362
 Amarela 160 76,8 67,3-84,2 93 44,5 34,4-55,0 29 14,1 7,5-25,1 18 8,7 3,8-18,4 208
 Indígena 60 73,8 54,9-86,7 26 31,9 20,9-45,3 5 5,8 2,1-14,6 2 2,2 0,5-8,9 81
Número de partos anteriores                          
 0 6.141 71,4 66,6-75,7 3,379 39,3 34,4-44,3 798 9,3 7,6-11,3 807 9,4 6,9-12,6 8.601
 1-2 5.832 71,3 66,7-75,4 3,267 39,9 35,1-44,9 707 8,6 7,0-10,6 696 8,5 6,2-11,6 8.186
 ≥ 3 1.261 68,1 61,9-73,7 711 38,4 32,0-45,1 134 7,3 5,6-9,3 116 6,3 4,5-8,7 1.852
Acompanhante na sala de parto                          
 Não 8.659 70,7 65,5-75,4 4,775 39,0 33,6-44,6 978 8,0 6,6-9,7 996 8,1 5,8-11,3 12.244
 Sim 4.571 71,5 65,8-76,6 2,581 40,4 34,6-46,4 660 10,3 7,9-13,4 622 9,7 6,6-14,1 6.390
Tipo de parto                          
 Vaginal 6.324 69,6 64,6-74,2 3,522 38,8 33,2-44,6 580 6,4 5,0-8,1 495 5,5 4,0-7,4,0 9.082
 Cesariana 6.911 72,3 67-77 3,835 40,1 35,2-45,3 1.060 11,1 9,1-13,4 1,124 11,8 8,5-16,1 9.557
Fonte de pagamento do parto                          
 Público 10.479 71,1 66,2-75,6 5,826 39,6 34,2-45,1 1.205 8,2 6,5-10,2 976 6,6 4,8-9,1 14.731
 Privado 2.756 70,5 60,7-78,8 1,530 39,2 31,9-46,9 435 11,1 8,9-13,8 643 16,5 10,2-25,5 3.908
Brasil 13.234 71,0 66,5-75,1 7,357 39,5 34,8-44,4 1.640 8,8 7,3-10,6 1,619 8,7 6,5-11,6 18.639

IC95%: intervalo de 95% de confiança.* Valores corrigidos pelo peso amostral.

O contato pele a pele da mãe com o recém-nascido logo após o nascimento foi mais frequente na Região Sul (32,5%), assim como a oferta do seio materno na sala de parto (22,4%). Porém, as proporções de oferta do seio na sala de parto ainda são baixas em todas as regiões do Brasil (16,1%), sendo a menor proporção encontrada na Região Nordeste (11,5%). Nos hospitais com o título Amigo da Criança, a ida ao seio na sala de parto foi significativamente maior, mas ainda baixa (24%). O afastamento do bebê da mãe também variou significativamente entre as regiões do Brasil. Na Região Norte, 87,3% dos recém-nascido foram encaminhados ao alojamento conjunto com a mãe, enquanto na Região Sudeste esse valor foi de apenas 61,4%. Os recém-nascidos de parto vaginal e em estabelecimentos do SUS apresentaram chance significativamente menor para o afastamento da mãe após o parto, o mesmo ocorrendo para as adolescentes, para as mulheres menos escolarizadas, indígenas e multíparas e para aqueles que nasceram em hospitais de capital e nos que possuíam o titulo Hospital Amigo da Criança (Tabela 2).

Tabela 2 Boas práticas realizadas em recém-nascidos saudáveis segundo características sociodemográficas: análise bivariada. Brasil, 2011-2012. 

  Contato pele a pele logo após o nascimento Ofereceu o seio materno na sala de parto Alojamento conjunto Mamou na 1a hora de vida Total
n * % IC95% n * % IC95% n * % IC95% n * % IC95% n *
Região                          
 Norte 469 27,9 20,6-36,5 212 12,5 6,7-22,2 1.477 87,3 80,7-92,1 980 57,9 52,7-63,2 1.692
 Nordeste 1.510 28,8 24-34,2 603 11,5 8,1-16,1 3.744 71,4 64,8-77,5 2.167 41,3 37,6-45,3 5.246
 Sudeste 2.175 26,9 22,6-31,6 1.463 18,1 13,1-24,5 4.977 61,4 53,3-69,0 3.393 41,8 36,5-47,6 8.112
 Sul 780 32,5 26,5-39,2 538 22,5 15,6-31,3 1.801 75,1 61,4-85,1 1.161 48,4 40,2-56,8 2.399
 Centro-oeste 302 25,5 17,9-34,9 187 15,8 9,9-24,2 854 71,8 58,0-82,4 599 50,4 44,0-57,0 1.190
Localidade                          
 Capital 2.343 35,0 29,6-40,8 1.350 20,1 14,6-27,1 5.053 75,4 68,4-81,3 3.009 44,9 40,6-49,4 6.698
 Não capital 2.893 24,3 21,6-27,2 1.653 13,9 11,2-17,2 7.800 65,5 60,0-70,6 5.291 44,5 40,7-48,3 11,908
Iniciativa Hospital Amigo da Criança                          
 Não 2.456 21,7 19,0-24,7 1.253 11,1 7,5-16,1 6.590 58,1 51,6-64,6 4.208 37,1 33,2-41,4 11,335
 Sim 2.780 38,1 33,6-42,9 1.751 24,0 20,0-28,6 6.263 85,8 82,0-89,1 4.092 56,0 52,7-59,7 7.304
Idade materna (anos)                          
 10-19 985 28,5 25,1-32,2 558 16,1 12,7-20,3 2.573 74,4 70,2-78,5 1.770 51,2 47,7-54,9 3.460
 20-34 3.745 28,2 25,4-31,1 2.176 16,4 13,4-19,8 9.108 68,4 64,0-72,7 5.879 44,2 41,1-47,4 13.312
 ≥ 35 506 27,2 23,8-30,9 270 14,5 12,1-17,4 1.171 62,8 57,2-68,3 651 34,9 31,6-38,6 1.866
Escolaridade materna (em anos de estudo)                          
 ≤ 7 1.489 31,2 27,6-35,1 778 16,3 13,5-19,5 3.541 74,1 70,0-78,2 2.446 51,2 48,2-54,4 4.778
 8-10 1.332 28,0 24,8-31,5 801 16,8 13,3-21,1 3.444 72,4 67,8-76,6 2.304 48,4 45,1-51,9 4.757
 11-14 1.902 26,1 23,5-28,8 1.186 16,3 12,9-20,3 4.882 66,8 61,5-71,9 3.022 41,3 37,9-45,2 7.311
 ≥ 15 491 28,7 23,2-35,1 228 13,3 9,6-18,2 938 54,8 46,3-63,2 496 29,0 24,6-33,9 1.711
Cor da pele autorreferida                          
 Branca 1.781 27,8 24,9-31,0 1.121 17,5 (14,0-21,7 4.146 64,7 59,1-70,1 2.619 40,8 36,9-45,1 6.412
 Preta 418 26,5 21,7-31,9 285 18,1 12,9-24,9 1.120 71,1 65-76,7 787 50,0 45,3-55,0 1.574
 Parda 2.934 28,4 25,2-31,8 1.532 14,8 12,2-17,9 7.366 71,1 66,9-75,1 4.738 45,7 42,9-48,7 10.362
 Amarela 61 29,3 22,4-37,3 36 17,3 11,0-26,1 156 75,0 66,9-81,7 100 48,0 37,4-58,8 208
 Indígena 40 50,0 34,3-65,6 28 34,8 17,0-58,3 64 78,7 60,1-90,0 55 67,4 50,4-80,8 81
Número de partos anteriores                          
 0 2.328 27,1 24,2-30,3 1.289 15,0 12,0-18,6 5.803 67,5 62,7-72,1 3.594 41,8 38,6-45,2 8.601
 1-2 2.352 28,8 26,1-31,7 1.380 16,9 13,9-20,4 5.660 69,1 64,9-73,3 3.739 45,7 42,7-49,0 8.186
 ≥ 3 555 30,1 25,6-34,9 334 18,0 14,7-21,9 1.390 75,1 70,7-79,2 966 52,2 48,3-56,0 1.852
Acompanhante na sala de parto                          
 Não 2.867 23,5 21,0-26,1 1.453 11,9 9,7-14,4 8.310 67,9 63,5-72,2 5.354 43,7 40,6-47,1 12.244
 Sim 2.366 37,1 32,3-42,1 1.549 24,3 20,1-29,0 4.538 71,0 64,5-76,9 2.944 46,1 42,1-50,3 6.390
Tipo de parto                          
 Vaginal 3.799 41,9 37,9-45,9 2.066 22,8 18,3-28,0 7.124 78,4 73,8-82,6 5.376 59,2 55,8-62,7 9.082
 Cesariana 1.436 15,1 13,0-17,5 937 9,8 7,9-12,1 5.729 60,0 55,1-64,9 2.923 30,6 27,7-33,8 9.557
Fonte de pagamento do parto                          
 Público 4.271 29,1 26,0-32,3 2.530 17,2 14,1-20,8 10.848 73,6 69,4-77,7 7.313 49,6 46,5-52,9 14.731
 Privado 965 24,8 20,7-29,3 473 12,1 8,8-16,6 2.005 51,3 42,1-60,6 987 25,3 20,8-30,5 3.908
Brasil 5.235 28,2 25,5-31,0 3.003 16,1 13,3-19,4 12.853 69,0 64,7-73,1 8.300 44,5 41,7-47,6 18.639

IC95%: intervalo de 95% de confiança.* Valores corrigidos pelo peso amostral.

Na análise ajustada, a Região Nordeste permaneceu como fator de proteção para a realização da aspiração de vias aéreas superiores. Já a aspiração gástrica foi menos frequente nos municípios do interior. O uso do O2 inalatório foi menos frequente nas regiões Norte e Nordeste e nos recém-nascidos de partos vaginais. Permaneceram associadas a menor uso de incubadora a Região Centro-oeste, parto vaginal e parto com pagamento público (Tabela 3).

Tabela 3 Regressão logística multivariada para intervenções realizadas em recém-nascidos saudáveis. Brasil, 2011-2012. 

Variáveis preditoras Aspiração de vias aéreas superiores Aspiração gástrica O2 inalatório Uso de incubadora
OR (IC95%) OR (IC95%) OR (IC95%) OR (IC95%)
Características do hospital        
 Região        
  Norte 0,77 (0,38-1,54) 0,61 (0,31-1,19) 0,33 (0,20-0,57) * 0,73 (0,22-2,38)
  Nordeste 0,47 (0,27-0,83) * 0,6 (0,35-1,03) 0,44 (0,27-0,67) * 0,53 (0,21-1,33)
  Sudeste 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sul 0,72 (0,40-1,30) 0,77 (0,42-1,41) 0,56 (0,35-0,91) 2,04 (0,77-5,39)
  Centro-oeste 0,50 (0,24-1,02) 0,96 (0,44-2,07) 0,71 (0,40-1,28) 0,27 (0,14-0,50) *
 Localidade        
  Capital 1,00 1,00 1,00 1,00
  Não capital 0,96 (0,61-1,52) 0,61 (0,38-0,98) * 1,08 (0,68-1,71) 1,14 (0,62-2,1)
 Iniciativa Hospital Amigo da Criança        
  Não 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sim 0,79 (0,52-1,21) 0,86 (0,56-1,32) 1,00 (0,64-1,55) 1,41 (0,72-2,74)
Características da puérpera        
 Idade materna em(anos)        
  10-19 0,91 (0,8-1,04) 0,9 (0,79-1,02) 1,00 (0,83-1,22) 0,87 (0,71-1,06)
  20-34 1,00 1,00 1,00 1,00
  ≥ 35 1,06 (0,89-1,25) 0,87 (0,76-1,01) 0,93 (0,74-1,16) 1,05 (0,83-1,34)
 Escolaridade materna (em anos de estudo)        
  ≤ 7 0,82 (0,59-1,14) 1,03 (0,78-1,37) 0,97 (0,65-1,43) 1,18 (0,74-1,89)
  8-10 0,80 (0,58-1,11) 0,97 (0,74-1,27) 1,05 (0,73-1,51) 1,08 (0,78-1,49)
  11-14 0,87 (0,64-1,17) 1,00 (0,78-1,27) 1,12 (0,84-1,48) 0,99 (0,72-1,36)
  ≥ 15 1,00      
 Cor da pele autorreferida        
  Branca 1,00 1,00 1,00 1,00
  Preta 0,86 (0,68-1,09) 0,97 (0,77-1,23) 1,08 (0,83-1,41) 1,00 (0,71-1,42)
  Parda 0,93 (0,78-1,10) 1,06 (0,91-1,22) 1,07 (0,90-1,28) 0,88 (0,68-1,14)
  Amarela 1,26 (0,81-1,95) 1,22 (0,82-1,82) 1,76 (0,92-3,35) 1,04 (0,49-2,22)
  Indígena 1,23 (0,50-3,00) 0,75 (0,42-1,32) 0,91 (0,30-2,73) 0,34 (0,08-1,57)
 Número de partos anteriores        
  0 1,04 (0,94-1,15) 0,99 (0,89-1,10) 1,03 (0,90-1,19) 1,12 (0,98-1,29)
  1-2 1,00 1,00 1,00 1,00
  ≥ 3 0,87 (0,71-1,07) 0,96 (0,79-1,17) 1,02 (0,79-1,33) 0,90 (0,68-1,19)
Características da assistência ao parto        
 Acompanhante na sala de parto        
  Não 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sim 0,87 (0,65-1,17) 0,89 (0,67-1,18) 1,14 (0,83-1,56) 0,78 (0,55-1,12)
 Tipo de parto        
  Vaginal 0,86 (0,72-1,02) 0,91 (0,75-1,10) 0,53 (0,44-0,65) * 0,58 (0,47-0,72) *
  Cesariana 1,00 1,00 1,00 1,00
 Fonte de pagamento do parto        
  Público 1,14 (0,67-1,96) 1,03 (0,68-1,53) 1,03 (0,66-1,58) 0,48 (0,26-0,88) *
  Privado 1,00 1,00 1,00 1,00

IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.* Valor de p < 0,05.

Após o ajuste para confundimento, as variáveis que se relacionaram significativamente ao maior contato pele a pele da mãe com o recém-nascido logo após o nascimento foram: nascer em hospitais com título Hospital Amigo da Criança, ter tido acompanhante durante o parto e parto vaginal. As mulheres com parto no interior, com menor escolaridade e com parto com pagamento público tiveram menos chance de contato pele a pele precoce. Em relação à oferta do seio materno na sala de parto mantiveram-se associadas a essa variável: nascer em hospital com título Hospital Amigo da Criança, ter tido acompanhante durante o parto e parto vaginal. Já as mulheres da região Nordeste ofereceram menos o seio para o recém-nascido na sala de parto. Em relação à ida do recém-nascido para o alojamento conjunto com as mães, ela foi maior no Norte do país. Também se mantiveram associadas a tal desfecho ter nascido em hospital com Iniciativa Hospital Amigo da Criança implantada, ter tido acompanhante durante o parto, parto vaginal e pagamento público do parto (Tabela 4). As variáveis associadas à maior chance de amamentação na 1a hora de vida foram nascer na região Norte ou Centro-oeste, em hospitais com título Hospital Amigo da Criança, ter tido acompanhante durante o parto, parto vaginal e parto financiado pelo SUS. Já as mulheres com 35 anos ou mais e primíparas amamentaram menos na 1a hora de vida (Tabela 4).

Tabela 4 Regressão logística multivariada para boas práticas realizadas em recém-nascidos saudáveis. Brasil, 2011-2012. 

  Contato pele a pele logo após o nascimento Ofereceu o seio na sala de parto Alojamento conjunto Mamou na 1a hora de vida
OR (IC95%) OR (IC95%) OR (IC95%) OR (IC95%)
Características do hospital        
 Região        
  Norte 1,12 (0,69-1,81) 0,66 (0,31-1,40) 4,14 (2,12-8,11) * 1,88 (1,33-2,66) *
  Nordeste 1,17 (0,83-1,66) 0,61 (0,39-0,96) * 1,49 (0,92-2,40) 0,92 (0,70-1,22)
  Sudeste 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sul 1,23 (0,87-1,74) 1,12 (0,67-1,87) 1,65 (0,82-3,34) 1,20 (0,80-1,80)
  Centro-oeste 0,95 (0,6-1,5) 0,87 (0,40-1,88) 1,39 (0,60-3,23) 1,61 (1,06-2,43) *
 Localidade        
  Capital 1,00 1,00 1,00 1,00
  Não capital 0,76 (0,58-0,99) * 0,85 (0,50-1,43) 0,85 (0,50-1,44) 1,28 (0,97-1,69)
 Iniciativa Hospital Amigo da Criança        
  Não 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sim 1,85 (1,44-2,39) * 2,16 (1,28-3,64) * 3,04 (1,95-4,74) * 1,70 (1,33-2,20) *
Características da puérpera        
 Idade (anos)        
  10-19 0,81 (0,69-0,96) 1,08 (0,74-1,57) 1,07 (0,94-1,21) 1,08 (0,95-1,25)
  20-34 1,00 1,00 1,00 1,00
  ≥ 35 1,09 (0,92-1,31) 0,93 (0,77-1,13) 0,95 (0,83-1,10) 0,81 (0,71-0,93) *
 Escolaridade materna (em anos de estudo)        
  ≤ 7 0,69 (0,52-0,92) * 0,95 (0,77-1,17) 1,06 (0,77-1,46) 1,03 (0,81-1,3)
  8-10 0,7 (0,52-0,93) 0,92 (0,63-1,33) 1,08 (0,81-1,43) 0,98 (0,79-1,21)
  11-14 0,73 (0,56-0,95) 0,91 (0,64-1,29) 1,13 (0,85-1,51) 1,01 (0,83-1,23)
  ≥ 15       1,00
 Cor da pele autorreferida        
  Branca 1,00 1,00 1,00 1,00
  Preta 0,82 (0,63-1,07) 1,01 (0,72-1,41) 1,02 (0,77-1,36) 1,17 (0,94-1,46)
  Parda 0,96 (0,82-1,13) 1,04 (0,79-1,36) 1,02 (0,87-1,20) 0,98 (0,86-1,12)
  Amarela 0,95 (0,64-1,41) 0,85 (0,73-1,00) 1,27 (0,82-1,96) 1,11 (0,75-1,63)
  Indígena 1,59 (0,92-2,75) 2,02 (0,86-4,71) 0,96 (0,34-2,67) 1,76 (0,86-3,61)
 Número de partos anteriores        
  0 1,03 (0,89-1,18) 0,88 (0,76-1,03) 0,95 (0,84-1,06) 0,88 (0,78-0,98) *
  1-2 1,00 1,00 1,00 1,00
  ≥ 3 0,87 (0,71-1,06) 1,05 (0,85-1,28) 1,02 (0,85-1,22) 1,01 (0,85-1,19)
Características da assistência ao parto        
 Acompanhante na sala de parto        
  Não 1,00 1,00 1,00 1,00
  Sim 1,72 (1,35-2,23) * 2,11 (1,70-2,62) * 1,61 (1,23-2,13) * 1,41 (1,19-1,65) *
 Tipo de parto        
  Vaginal 4,89 (4,02-5,98) * 2,45 (1,80-3,32) * 1,82 (1,43-2,31) * 2,64 (2,25-3,10) *
  Cesariana 1,00 1,00 1,00 1,00
 Fonte de pagamento do parto        
  Público 0,64 (0,49-0,83) * 1,07 (0,74-1,57) 1,66 (1,11-2,50) * 1,67 (1,27-2,20) *
  Privado 1,00 1,00 1,00 1,00

IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.* Valor p < 0,05.

Foram testadas interações entre as variáveis, e a única interação encontrada para os desfechos foi o título de Hospital Amigo da Criança em partos com pagamento privado nas variáveis amamentação na primeira hora de vida e contato pele a pele precoce.

Discussão

Observou-se ainda no Brasil grande variação entre as práticas usadas na assistência ao recém-nascido saudável na sala de parto. Práticas julgadas inadequadas ainda foram muito empregadas e outras consideradas como boas práticas ainda não foram incorporadas. Variações em práticas médicas têm sido descritas desde 1938, quando Glover 20 descreveu diferenças nas taxas de tonsilectomia em diferentes regiões geográficas no Reino Unido. Estudos iniciados por Wennberg & Gittelson, na década de 70, abordam a existência de variações em práticas médicas para diferentes procedimentos cirúrgicos e mesmo após ajuste para idade, renda, prevalência da doença, características demográficas dos pacientes, as variações persistiram para muitas práticas e terapias 15,16,17. Na área neonatal, a presença de variações nas práticas usadas na assistência ao recém-nascido também é verificada em várias práticas comumente utilizadas 21,22,23,24, além das estudadas.

Desde 2010, o uso de oxigênio na sala de parto em recém-nascidos saudáveis vem sendo avaliado como inadequado e, apesar disso, eles ainda recebem tal procedimento. O mesmo vem acontecendo em relação à aspiração de vias aéreas superiores e gástrica. Os protocolos clínicos baseados nas melhores evidências disponíveis recomendam que recém-nascidos saudáveis devam ser assistidos junto de suas mães e não necessitam desses procedimentos 1. Apesar disso, encontramos neste estudo altas proporções de utilização dessas práticas (uso de oxigênio, aspiração de vias aéreas e gástricas) em um grupo de recém-nascidos que delas não necessitariam. Essas proporções são altas em todas as regiões do país e ocorrem independentemente do tipo de pagamento do parto. Na análise ajustada, a Região Nordeste aparece como fator de proteção para a aspiração de vias aéreas, o parto fora da capital como fator de proteção para a aspiração gástrica e as regiões Norte e Nordeste e o parto vaginal como fatores de proteção para o uso de oxigênio inalatório. Os outros fatores de exposição estudados não foram associados significativamente com essas práticas, demonstrando que, provavelmente, são práticas disseminadas e que há, ainda, grande desconhecimento sobre as novas evidências disponíveis.

Por muitos anos, os treinamentos de recursos humanos para assistência na sala de parto recomendavam essas práticas, que ainda se apresentam amplamente nas condutas em sala de parto. Desincorporar técnicas e tecnologias dominantes, largamente praticadas, mostra-se difícil, assim como mudar comportamentos e práticas de profissionais de saúde 16,17. As razões para a não aderência a boas práticas não foi objetivo deste estudo. Todavia, a não aderência se mostrou alta e não justificada por questões estruturais, como acontece na maioria dos estudos sobre qualidade do cuidado 25,26.

Variações nas práticas médicas vêm sendo atribuídas a vários fatores, entre eles, à opção médica individual, conhecida como “estilo de prática” 27. No entanto, outros fatores podem contribuir para essas variações, como características dos pacientes, contexto socioeconômico, questões culturais, de liderança, entre outras 28,29. Neste estudo, por exemplo, o parto vaginal aparece de forma significativa como fator de proteção para o uso de oxigênio inalatório, assim como nascer nas regiões Norte e Nordeste. Dessa forma, o “estilo de prática” não responderia sozinho pelas variações. O uso de incubadora e a consequente separação mãe-bebê também foram observados em proporção alta, sendo muito mais frequentes em regiões e populações em que o poder aquisitivo é maior, evidenciando que há uma contradição entre o acesso às melhores práticas e as classes econômicas, ou seja, quanto maior o poder aquisitivo maior foi o uso de práticas não recomendadas. O tipo de parto também contribuiu significativamente para a separação mãe-bebê: o parto vaginal demonstrou efeito protetor.

Outra questão é a oportunidade de ir ao seio materno na sala de parto e o contato com o bebê na primeira hora de vida. Novamente, o tipo de parto exerceu influência significativa no uso desta prática. Os recém-nascidos que nasceram de parto vaginal apresentaram maior chance de serem amamentados na sala de parto, assim como os recém-nascidos cujas mães tinham acompanhante na sala de parto e aqueles que nasceram em hospitais com título de Hospital Amigo da Criança. Houve variação nessa prática, de 9,8% a 22,8%, nas proporções de amamentação na sala de parto, considerando o tipo de parto, e de 11,9% a 24,3%, considerando a presença de acompanhante na sala de parto. A idade materna, parição, nível de escolaridade e a fonte de pagamento do parto não influenciaram em tal prática. Outros autores também encontraram forte associação entre o tipo de parto e a oportunidade de ir ao seio materno na sala de parto 30,31. Todavia, diferentemente do estudo do Boccolini et al. 30, neste estudo não foi encontrada diferença nessa variável em relação ao tipo de pagamento (público ou privado). Há uma diferença de dez anos entre a coleta de dados do nosso estudo e o de Boccolini 31, apontando uma provável melhora dessa prática no Brasil, seguindo as recomendações do 4o passo da Iniciativa Hospital Amigo da Criança 33.

O passo 4 do processo de implantação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança é considerado cumprido quando ocorre o contato pele a pele entre o recém-nascido e sua mãe na primeira meia hora de vida e a amamentação na primeira hora após o parto 32. Neste estudo, apesar do contato pele a pele relatado ter sido em torno de 28% em todo o Brasil, as proporções de amamentação na sala de parto foram baixas, variando de 11,5% a 22,4% entre as regiões do país. A Região Sul é a região com maiores índices de amamentação na sala de parto (22,4%). O Nordeste é a região do país com a maior frequência de hospitais com leitos obstétricos do SUS credenciados pela iniciativa Hospital Amigo da criança 32 e se associou com a não oferta do seio materno na sala de parto. Esse achado foi inesperado em nosso estudo porque nascer em hospitais com título de Hospital Amigo da Criança foi fator de proteção significativo para a oferta do seio na sala de parto. Apenas 41,3% dos recém-nascidos saudáveis no Nordeste foram amamentados na primeira hora de vida, ou seja, além de não mamar na sala de parto, o recém-nascido também foi privado do seio materno durante toda a primeira hora de vida. Esses resultados também são diferentes dos encontrados na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, em 2006 (PNDS-2006) 33. Embora a metodologia de coleta tenha sido diferente, na PNDS foi observada proporção de 43% de recém-nascidos amamentados na primeira hora, com vantagem para o interior e regiões Norte e Nordeste do país 33.

As variáveis que se apresentaram significativamente associadas ao uso de boas práticas na sala de parto após ajuste para confundimento foram parto vaginal, nascer em hospital com título de Hospital Amigo da Criança e ter acompanhante na sala de parto. O parto vaginal aparece em nosso estudo como protetor para a maioria das boas práticas estudadas: contato pele a pele precoce, oferta do seio materno na sala de parto, amamentação na primeira hora de vida e ida para o alojamento conjunto com a mãe. Nascer em hospitais com título de Amigo da Criança também foi fator protetor para o uso das boas práticas relacionadas ao contato pele a pele e amamentação na análise ajustada. Em 2009, o conjunto de recomendações da iniciativa Hospital Amigo da Criança foi revisado pela Organização Mundial de Saúde e a elas foram acrescentadas abordagens mais abrangentes relativas às boas práticas endereçadas também à mãe 34. Alguns estudos têm demonstrado a associação entre a existência de hospitais com o título de Amigo da Criança e menores proporções de cesárea 35,36. Portanto, a via de parto (vaginal) e o nascimento em Hospitais Amigo da Criança devem exercer juntos um efeito protetor na exposição do recém-nascido às boas práticas. O pagamento público do parto também oferece papel protetor para ida ao alojamento conjunto e oferecer seio na primeira hora de vida, mas não para o contato pele a pele e a oferta do seio na sala de parto.

Uma das limitações deste estudo é o fato de ele não ter permitido a análise das razões para a não aderência a boas práticas e nem ter explicado todas as variações nas práticas clínicas. Outra seria que, apesar de termos observado interação entre ter tido parto em Hospital Amigo da Criança e o pagamento privado do parto, dentre todos os hospitais amostrados, apenas um obedecia a esse critério e o ele possui um modelo de atenção distinto com metas associadas à incorporação de boas práticas na atenção ao parto e, nesse caso, provavelmente o ambiente favoreceu uma maior incorporação de boas práticas.

Concluindo, no Brasil, onde a maioria dos partos é hospitalar, observa-se, grande variação no cuidado rotineiro do recém-nascido saudável logo após o nascimento. Os resultados deste estudo evidenciam que as novas diretrizes para atendimento ao recém-nascido saudável não foram incorporadas à prática clínica. A não aderência talvez não se tenha dado por diferenças na disponibilidade de recursos, uma vez que os partos aconteceram em hospitais onde tais recursos estavam disponíveis.

REFERÊNCIAS

Perlman JM, Wyllie J, Kattwinkel J, Atkins DL, Chameides L, Goldsmith JP, et al. Part 11: Neonatal resuscitation: 2010 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations. Circulation 2010; 19;122(16 Suppl 2):S516-38.
Kiremitci S, Tuzun F, Yesilirmak DC, Kumral A, Duman N, Ozkan H. Is gastric aspiration needed for newborn management in delivery room? Resuscitation 2011; 82:40-4.
Aguilar AM, Vain NE. The suctioning in the delivery room debate. Early Hum Dev 2011; 87 Suppl 1:S13-5.
Winberg J. Mother and newborn baby: mutual regulation of physiology and behavior- a selective review. Dev Psychobiol 2005; 47:217-29.
Winniccot DW. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora Martins Fontes; 1999.
Moore ER, Anderson GC, Bergman N, Dowswell T. Early skin-to-skin contact for mothers and their healthy newborn infants. Cochrane Database Syst Rev 2007; (3):CD003519.
Organização Pan-Americana da Saúde Além da sobrevivência: práticas integradas de atenção ao parto, benéficas para a nutrição e a saúde das mães e crianças. Washington DC: Organização Pan-Americana da Saúde; 2007.
do Carmo ML, Gama SG, Cunha CB. Desigualdades sociodemográficas e suas consequências sobre o peso do recém-nascido. Rev Saúde Pública 2006; 40:466-73.
Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377:1778-97.
Luna MS, Alonso CR, Mussons FB, Urcelay IE, Conde JR, Narbona E, et al. Recomendaciones para el cuidado y atención del recién nacido sano en el parto y en las primeras horas después del nacimiento. An Pediatr (Barc) 2009; 71:349-61.
Belizán JM, Cafferata ML, Belizán M, Althabe F. Health inequality in Latin America. Lancet 2007; 370:1599-600.
Hill Z, Tawiah-Agyemang C, Manu A, Okyere E, Kirkwood BR. Keeping newborns warm: beliefs, practices and potential for behaviour change in rural Ghana. Trop Med Int Health 2010; 15: 1118-24.
Acolet D. Quality of neonatal care and outcome. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2008; 93:F69-73.
Soll RF. Evaluating the medical evidence for quality improvement. Clin Perinatol 2010; 37:11-28.
Wennberg JE, Wennburg JE. Practice variations and the challenge to leadership. Spine (Phila Pa 1976) 1996; 21:910-6.
Wennberg J, Gittelsohn. Small area variations in health care delivery. Science 1973 ; 182:1102-8.
Cabana MD, Rand CS, Powe NR, Wu AW, Wilson MH, Abboud PA, et al. Why don’t physicians follow clinical practice guidelines? A framework for improvement. JAMA 1999; 282:1458-65.
do Carmo Leal M, da Silva AA, Dias MA, da Gama SG, Rattner D, Moreira ME, et al. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health 2012; 9:15.
19.  Vasconcellos MTL, Silva PLN, Pereira APE, Schi-lithz AOC, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Desenho da amostra Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento. Cad de Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S49-58.
Glover JA. The incidence of tonsillectomy in school children. Proc R Soc Med 1938; 31:1219-36.
Abu Jawdeh EG, O’Riordan M, Limrungsikul A, Bandyopadhyay A, Argus BM, Nakad PE, et al. Methylxanthine use for apnea of prematurity among an international cohort of neonatologists. J Neonatal Perinatal Med 2013; 6:251-6.
Wibaut B, Saliba E, Rakza T, Lassale B, Hubert H, Wiel E. Enquête nationale sur les pratiques transfusionnelles pendant la période néonatale en vue de l’élaboration de recommandations selon la méthodologie de la Haute Autorité de santé. Transfus Clin Biol 2012; 19:145-7
Aliaga S, Price W, McCaffrey M, Ivester T, Boggess K, Tolleson-Rinehart S. Practice variation in late-preterm deliveries: a physician survey. J Perinatol 2013; 33:347-51.
Ersdal HL, Vossius C, Bayo E, Mduma E, Perlman J, Lippert A, et al. A one-day “Helping Babies Breathe” course improves simulated performance but not clinical management of neonates. Resuscitation 2013; 84:1422-7.
McKeever J, Fleur RS. Overcoming barriers to Baby-Friendly status: one hospital’s experience. J Hum Lact 2012; 28:312-4.
Pitchforth E, Lilford RJ, Kebede Y, Asres G, Stanford C, Frost J. Assessing and understanding quality of care in a labour ward: a pilot study combining clinical and social science perspectives in Gondar, Ethiopia. Soc Sci Med 2010; 71:1739-48.
Mercuri M, Gafni A. Medical practice variations: what the literature tells us (or does not) about what are warranted and unwarranted variations. J Eval Clin Pract 2011; 17:671-7.
Davis P, Gribben B, Lay-Yee R, Scott A. How much variation in clinical activity is there between general practitioners? A multi-level analysis of decision-making in primary care. J Health Serv Res Policy 2002; 7:202-8.
Stano M. Evaluating the policy role of the small area variations and physician practice style hypotheses. Health Policy 1993; 24:9-17.
Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MI, Vasconcellos AG. Factors associated with breastfeeding in the first hour of life. Rev Saúde Pública 2011; 45: 69-78.
Parry JE, Ip DK, Chau PY, Wu KM, Tarrant M. Predictors and consequences ofin-hospital formula supplementation for healthy breastfeeding newborns. J Hum Lact 2013; 29:527-36.
Araújo MFM, Schmitz BAS. Doze anos de evolução da iniciativa hospital amigo da criança no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2007; 22:91-9.
Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).
World Health organization, United Nations Children’s Fund. Baby-Friendly Hospital Initiative: Revised, Updated and Expanded for integrated Care. 2009 (acessado em 30/Jun/2013).
Di Mario S, Cattaneo A, Gagliotti C, Voci C, Basevi V. Baby-Friendly Hospitals and Cesarean Section Rate: A Survey of Italian Hospitals. Breastfeed Med. 2013; 8:1-6.
Prior E, Santhakumaran S, Gale C, Philipps LH, Modi N, Hyde MJ. Breastfeeding after cesarean delivery: a systematic review and meta-analysis of world literature. Am J Clin Nutr 2012; 95:1113-35.