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Práticas educativas no paciente diabético e perspectiva do profissional de saúde: uma revisão sistemática

Práticas educativas no paciente diabético e perspectiva do profissional de saúde: uma revisão sistemática

Autores:

Roxana Claudia Condori Iquize,
Fabrício Claudino Estrela Terra Theodoro,
Karla Andréa Carvalho,
Manuela de Almeida Oliveira,
Jônatas de França Barros,
André Ribeiro da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.2 São Paulo abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170034

Introdução

O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica ocasionada quando o pâncreas não efetua produção suficiente de insulina ou o corpo não utiliza a insulina sintetizada de maneira eficiente. Tal processo acarreta aumento da concentração de glicose no sangue (hiperglicemia).1

O estado hiperglicêmico crônico produz complicações macroangiopáticas, como a cardiopatia isquêmica (CI), doença vascular periférica (DVP) e acidente vascular cerebral (AVC). Podem ocorrer ainda complicações microangiopáticas, retinopatia diabética (RD), nefropatia diabética (ND) e neuropatia sensitiva distal (NSD). O comprometimento aterosclerótico das artérias coronarianas dos membros inferiores e cerebrais contribui para a mortalidade no paciente diabético.2

Os índices revelam que o diabetes mellitus é uma doença epidêmica. Dados mundiais mostram que em 1985 havia 30 milhões de adultos doentes; em 1995, o número aumentou para 135 milhões, em 2002 atingia 173 milhões, e a projeção para 2030 é de 300 milhões. O aumento tem ocorrido principalmente devido ao crescimento e envelhecimento da população, maior urbanização, maior quantidade de obesos e sedentários, e o prolongamento na sobrevida de pacientes com DM.3,4

Assim como em outras afecções, a educação é parte fundamental do tratamento do DM, e é evidenciada como o veículo de capacitação das pessoas para realizar o gerenciamento da sua doença. Por se tratar de afecção crônica, grande parte do sucesso do tratamento é construído pela auto-responsabilização do utente, conscientização das restrições impostas pela enfermidade e, principalmente, autocontrole no controle glicêmico. Há variações de intervenções educativas já testadas nos pacientes com DM, embora não tenha sido estabelecido um modelo padronizado aceito como universal ou reconhecido como eficiente para todos os pacientes com a doença.5

A educação para o autocuidado urge atingir toda população de pacientes com DM. Sob essa perspectiva, no ano de 2006 foi criada a National Standards for Diabetes Self-Management Education (DSME), com o objetivo de garantir a qualidade da educação para o autocuidado fornecida aos pacientes com DM nos mais diversos cenários, tendo como base as evidências científicas.6

A educação para a saúde é reconhecida como mecanismo eficaz na capacitação para o autocuidado, em que os pacientes são os autores no controle da afecção; essa estratégia educacional é conhecida por Empowering (Empoderamento). Definida como meio para desenvolvimento da confiança do indivíduo nas suas próprias capacidades, essa intervenção visa maximizar os recursos disponíveis e fornecer aos pacientes o conhecimento, as habilidades e a responsabilidade de efetuar mudanças de atitudes para promoção da melhora na saúde. As quatro bases principais do Empowering são:7 1) dar poder ao indivíduo; 2) liderança; 3) motivação e 4) desenvolvimento (educação e informação).

Diversas medicações estão disponíveis para o tratamento da DM, entretanto, segundo a American Diabetes Association (ADA), apenas 50% dos pacientes que regularmente fazem uso dos mesmos atingem os níveis glicêmicos desejáveis. Outro aspecto do processo terapêutico é constatado na dificuldade de adesão do paciente ao tratamento. Este envolve alteração dos hábitos alimentares, inserção de práticas regulares de atividades físicas, acompanhamento de equipe multidisciplinar especializada e muitas vezes a mudança de rotina familiar. Além do adequado controle glicêmico, o paciente com DM necessita receber intervenções que atuem junto aos demais fatores de risco e complicações crônicas como obesidade, hipertensão, dislipidemia e tabagismo.5

Por meio de ações educativas motivadoras para o uso correto dos medicamentos, de refeições regulares e da adesão a um programa de exercícios adaptados a cada paciente, essa abordagem possui como parâmetro de sucesso a melhora do controle metabólico, redução do risco cardiovascular e controle das complicações crônicas relacionadas ao diabetes, incluindo ambientes apropriados, treinamento dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) para diferentes propostas pedagógicas, cuja finalidade seja orientar ações para a melhoria da qualidade de vida e exercer a autonomia do indivíduo.8

O desenvolvimento do presente estudo se foca em identificar as práticas educativas em saúde desenvolvidas aos indivíduos com DM tipo 2 no Brasil, para permitir-nos refletir sobre nossa realidade nos diversos níveis de atenção à saúde; por outro lado, nos facilitará a elaboração de planos de cuidados específicos dirigidos aos pacientes de acordo às necessidades individuais, tomando em conta a intervenção dos sistemas de saúde para melhoria do Letramento funcional em saúde (LFS) mediante o melhoramento das técnicas de comunicação e materiais escritos mais simplificados e atrativos; assim como, formação de educadores e profissionais de saúde que possam apoiar nesta temática, e a realização de ações de promoção e prevenção para melhorar a qualidade de vida destes pacientes.

Em função desses aspectos citados anteriormente, o presente estudo pretende identificar a produção científica publicada no período de 2010 a fevereiro de 2016 sobre as práticas educativas em pessoas com DM tipo 2, assim como estabelecer a perspectiva dos profissionais de saúde.

Método

A presente revisão sistemática da literatura com abordagem qualitativa foi realizada com ênfase na educação em saúde nos pacientes diabéticos. As seguintes etapas foram seguidas: estabelecimento da questão norteadora; seleção dos artigos utilizando os critérios de inclusão; extração dos artigos incluídos na revisão; avaliação dos estudos incluídos; interpretações dos resultados, e apresentação da revisão integrativa.

A pergunta norteadora da revisão foi: Qual a importância da educação em saúde em populações de pacientes diabéticos, assim como para os profissionais da saúde?

Os dados foram coletados no mês de fevereiro de 2016 nas seguintes plataformas de dados eletrônicos: National Center for Biotechnology Information U.S. National Library of Medicine (PubMed), Medline, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme) e Scopus/Elsevier. Foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): educação em saúde e diabetes mellitus, que totalizaram 517 artigos.

Foram observados os seguintes critérios de inclusão: texto completo disponível online; dentro do intervalo de 2010 a 2016; que os resumos descrevessem práticas de educação às populações com diabetes; práticas de educação voltadas para o profissional; dados coletados no Brasil; artigos em língua portuguesa e inglesa. Foram excluídos os textos que não estivessem completos e disponíveis online; artigos bibliográficos; artigos relacionados à educação formal técnica, estudos de validação de instrumentos/escalas, artigos que avaliavam apenas o conhecimento dos doentes e profissionais e teses.

A avaliação da qualidade dos estudos foi realizada com o uso do protocolo Critical Apppraisal Skills Programme (CASP) ou Programa de habilidades em leitura crítica, integrante do Public Health Resource Unit (PHRU).9 Este protocolo é composto de 10 itens (máximo 10 pontos) para a avaliação dos estudos: 1) objetivo; 2) adequação metodológica; 3) apresentação dos procedimentos teóricos e metodológicos; 4) seleção da amostra; 5) procedimento para a coleta de dados; 6) relação entre o pesquisador e pesquisados; 7) consideração dos aspectos éticos; 8) procedimento para a análise dos dados; 9) apresentação dos resultados; 10) importância da pesquisa. Os estudos foram classificados de acordo com as seguintes pontuações: 6 a 10 pontos (boa qualidade metodológica e viés reduzido), e mínima de 5 pontos (qualidade metodológica satisfatória, porém com risco de viés aumentado). Neste estudo, optou-se por utilizar apenas os artigos classificados de 6 a 10 pontos.

Como segundo instrumento utilizado na elaboração desta revisão sistemática, foi utilizada a Classificação Hierárquica das Evidências para Avaliação dos Estudos,10 e contempla os seguintes níveis: 1) revisão sistemática ou metanálise; 2) ensaios clínicos randomizados; 3) ensaio clínico sem randomização; 4) estudos de coorte e de caso-controle; 5) revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; 6) único estudo descritivo ou qualitativo; 7) opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialidades. Ao final da análise destes dois instrumentos, totalizaram-se 15 artigos.

A leitura dos textos foi realizada por dois revisores, e em caso de dúvida a respeito da seleção, optamos por expor os textos ao terceiro revisor. Após a aplicação do protocolo CASP para avaliação da qualidade, a amostra final foi constituída de 15 artigos.

Resultados

A Tabela 1 sintetiza os resultados desta pesquisa, detalhando a quantidade de artigos encontrados, pré-selecionados, excluídos e enfim separados para esta revisão. Foram utilizados os descritores da saúde (DeCS) educação em saúde e diabetes mellitus e o uso do protocolo CASP, como mencionado anteriormente. A plataforma de dados onde foi gerado o maior número de publicações, foi a Biblioteca Virtual em Saúde Bireme (193), PubMed (158), Scopus/Elselvier (104), Scielo (38), e Medline (24); o aproveitamento dos artigos foi maior na Bireme.

Tabela 1 Distribuição dos artigos encontrados e selecionados por bases de dados 

Bases de Dados Encontrados Pré-selecionados Excluídos Analisados
PubMed 158 17 12 4
Medline 24 8 7 1
Scielo 38 16 13 3
Bireme 193 13 10 3
Scopus 104 18 14 4
TOTAL 517 45 30 15

O idioma português foi predominante, com nove publicações (60%), seguido por seis publicações (40%) no idioma inglês. Deve-se destacar que muitos deles oferecem opções de texto em idioma inglês, espanhol e português. Este resultado traduz a incipiência de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e publicadas em periódicos estrangeiros.

Quanto ao tipo de delineamento de pesquisa, a amostra apresenta 11 estudos descritivos ou qualitativos (nível de evidência VI), e quatro estudos clínicos randomizados (nível de evidência II).

A abordagem da pesquisa qualitativa e descritiva permite responder às questões relacionadas à percepção dos indivíduos e dos profissionais em relação à ação educativa e possibilita o entendimento das intervenções desenvolvidas com vistas à promoção da saúde. Por outra parte, os estudos clínicos randomizados permitem avaliar a existência ou não de mudança no comportamento dos indivíduos depois da participação nos programas educativos, sendo este último um estudo mais específico.

A Educação Permanente em Saúde, descrita como atividade educativa de caráter contínuo e que tem seu eixo norteador na transformação do processo de trabalho em um centro privilegiado de aprendizagem, visa favorecer a construção de novos conhecimentos no esforço de transformar a rede de saúde em um espaço de ensino-aprendizagem.11

O custo oneroso dos dispositivos de medição glicêmica, dos medicamentos que tratam a resistência à insulina orgânica e da própria insulina a ser administrada nos pacientes DM são outros desafios a serem vencidos pelas equipes multidisciplinares. Embora a legislação nacional do Brasil preveja a distribuição gratuita desses medicamentos, é necessário que o paciente esteja sendo acompanhado por médico que prescreva a sua indicação.12 Desta forma, o acesso da população a essas equipes também pode ser relatado como fator determinante para o alto número de diagnósticos de DM sem acompanhamento regular.

O embasamento teórico dos trabalhos estudados seguiu predominantemente a linha de Paulo Freire13 a qual expressa a "TEORIA LIBERTADORA". Nela, o educando é construtor dos seus próprios conhecimentos através das circunstâncias do cotidiano. A fundamentação também é baseada na teoria de Dorothea Orem14 por meio do "AUTOCUIDADO", em que se reforça a participação ativa dos profissionais da saúde e concorda plenamente com a finalidade de promover a saúde, objetivizando e fomentando o processo de emancipação dos pacientes.

Na Tabela 2 são caracterizadas as práticas educativas desenvolvidas para indivíduos com diabetes no Brasil nos anos de 2010 a 2016, descrita nos artigos incluídos nesta pesquisa.

Tabela 2 Características dos artigos em relação ao local de realização da atividade, público alvo, fundamentação teórica e recurso/instrumento pedagógico 

Autores Local de realização da atividade Público alvo Fundamentação teórica Recurso/Instrumento Pedagógico
Pereiraet al., 201215 Ambulatório 62 adultos Paulo Freire Aulas expositivas, atividades grupais
Torreset al., 201016 Posto de saúde 85 profissionais Paulo Freire Aulas expositivas, círculos de discussão
Torreset al., 201117 Posto de saúde 63 adultos Paulo Freire Aulas expositivas, atividades grupais
Brito e Santos, 201118 Posto de saúde 14 adultos Dorotea Orem Aulas expositivas, atividades grupais
Torreset al., 200919 Hospital 104 adultos Paulo Freire Dinâmicas interativas e lúdicas fundamentadas em jogos educativos, baseados nos conhecimentos teóricos e práticos
Torreset al., 201120 Centro de Pesquisa e Extensão Universitária 27 adultos Paulo Freire Dinâmicas lúdicas e interativas, cartilhas, jogos
Rodrigueset al., 200921 Centro de Pesquisa e Extensão Universitária 83 adultos > 60 Paulo Freire Atividades grupais: dramatizações, role playing, dinâmicas de grupo, troca de experiências.
Landimet al., 201122 Centro de Pesquisa e Extensão Universitária 43 adultos > 60 Dorotea Orem Grupos educacionais desenvolvido em 4 sessões com equipe multidisciplinar.
Scainet al., 200923 Clínica médica, Hospital 104 Adultos Dorotea Orem Grupos educacionais desenvolvido em 4 sessões, estimulando a participação ativa durante as aulas, fazendo perguntas e relato da sua experiência
Torreset al., 201024 Posto de saúde 23 profissionais Paulo Freire Grupos focais
Rodrigueset al., 201025 Ambulatório Equipe da saúde da família 5 Profissionais Paulo Freire Oficinas educativas
Matsumotoet al., 201226 Posto de saúde 166 adultos Paulo Freire Atividades grupais: aulas expositivas, círculos de discussão
Fariaet al., 201327 Posto de saúde 51 profissionais Paulo Freire Fornecimento de material educativo e de controle de taxas
Pereiraet al., 201428 Hospital 232 Adultos Paulo Freire Grupos educacionais desenvolvido em 12 sessões cada 15 dias por 6 meses monitorado por enfermeira ou profissional de saúde
Imazuet al., 201529 Serviço de saúde dentro do "Programa de Monitoramento de Pacientes Crônicos" 150 adultos Paulo Freire Consultas de enfermagem bianuais, Monitoramento telefone e atividade de grupos educativos.

Os trabalhos foram, em sua maioria, operacionalizados em Postos de Saúde (60%), seguidos por Centros de Pesquisa e Extensão Universitária (20%), Hospital (20%), e outros serviços (20%). Nas intervenções os pacientes foram atendidos por uma equipe multiprofissional: médicos, odontólogos, psicólogos, assistente social, nutricionistas e enfermeiros.

O público alvo relatado nos estudos compunha-se de adultos diabéticos em 11 estudos (69,2%) e profissionais de saúde em quatro estudos (30,8%).

De acordo com os resultados encontrados, pode-se observar a predominância dos pacientes com DM com mais de 60 anos de idade (57,65 ± 15); do sexo feminino 66,72%; escolaridade fundamental incompleto 72,22%, fundamental completo 18,18% e ensino fundamental médio ou superior 9,09%; e renda familiar de 1,5 ± 2 salários mínimos.15,17-23,27-29

O período relatado da estratégia educativa foi em sua maioria de quatro encontros, nos quais foram desenvolvidas atividades grupais, dinâmicas, palestras e outras abordagens motivacionais no intuito de promover a conscientização e processo do cuidado emancipatório do paciente.

A respeito dos dados inerentes à tabela, constata-se que 12 dos artigos utilizaram um programa educativo em DM nos quais se avaliam tanto a intervenção individual como grupal dos pacientes. Melhores resultados foram observados nestes últimos, observou-se maior interatividade entre os educandos em atividades didáticas, audiovisuais, informativas e práticas. Ficou evidenciado que as temáticas desenvolvidas nos grupos foram basicamente dirigidas ao autocuidado e independência do paciente.

A maioria dos estudos selecionados tiveram como tema principal a importância da prática regular de atividade física,15-20,22,23,26,28 alimentação balanceada15-23,25,26,28,29 e complicações e cuidados com os pés.15-20,22,23,25 Percebemos que estes fatores são primordialmente básicos para as pessoas com diabetes.

Alguns estudos abordaram outros temas, dentre estes a fisiopatologia da doença,16,19-21,26,28,29 causas sinais e sintomas,16,23,26 prevenção das complicações agudas e crônicas da doença,19,20,21,23,28,29 monitoramento e controle glicêmico.21-23,25,27,28

Poucos estudos mencionaram o gerenciamento do diabetes na intercorrência de alguma outra doença21 e, apesar de todos estes fatores estarem relacionados a mudanças no estilo de vida, um único estudo focou bem sobre este tema.22

Um estudo destacou a importância de reorientar as práticas de educação do paciente, para melhorar as competências dos profissionais, metas de trabalho e avaliação das intervenções educativas, a fim de estabelecer estratégias para a promoção da saúde e prevenção e controle da doença.24

Outro aspecto a ser mencionado foi a abordagem dialógica adotada na construção de cada etapa de aprofundamento sobre o tema, marcadas pela realidade vivenciada e na adoção de estratégias pedagógicas baseadas em dinâmicas individuais ou grupais que propiciaram o encontro do saber técnico-científico, rompendo-se com o modelo tradicional de transmissão de informações. Os profissionais mostraram-se interessados e sensibilizados em relação à importância da integração da equipe para promoção e educação em diabetes. Foi enfatizada a importância de planejar e sistematizar programas educativos voltados ao diabetes, respeitando as necessidades, valores e crenças dos usuários, assim como o uso de uma linguagem apropriada pelo profissional para a abordagem de diferentes temas.16,24-26

A qualidade de vida do diabético está intrinsicamente relacionada com todos estes fatores, mas dois estudos abordaram bem este tema.27,28

Os temas abordados apresentaram interseção entre si e versaram sobre atividades físicas, alimentação, cuidados com os pés diabéticos, complicações e automonitoração.

Discussão

Nesse contexto, foi observado na literatura investigada que a intervenção educativa em saúde melhora a autopercepção do paciente acerca do diabetes mellitus, bem como promove a capacitação do profissional a nível informacional e de vivências na assistência e cuidado do indivíduo com diabetes. Como o atendimento à pessoa com DM é multidisciplinar, a educação continuada em saúde deve envolver todos os especialistas: médico, enfermeiro, nutricionista, dentista, psicólogo e assistente social. A educação continuada, além de manter os profissionais atualizados, tem se mostrado eficiente nos resultados obtidos quanto aos monitoramentos de ANTES e DEPOIS das manobras de educação para a saúde.

A qualidade de vida da pessoa com diabetes mellitus está intimamente ligada ao monitoramento glicêmico e este, à quantidade e qualidade da informação recebida por ele e por sua equipe multidisciplinar. A abordagem educativa prevê parceria entre o educando e o educador, o que promove diversas aquisições vantajosas para o controle da afecção e pode diminuir cerca de 1% o nível glicêmico a cada 23,5 horas de convívio do paciente com um profissional especializado.3

A atividade educacional pode acontecer individualmente ou em grupo, presencialmente, por telefone ou internet; ser realizada por profissionais ou entre pares de pacientes; diariamente, semanalmente ou mensalmente; com ou sem o envolvimento da família do paciente.

Em todos os casos, a intervenção educativa tem efeito benéfico nos resultados obtidos e objetivam prestar assistência ao paciente com DM, com vistas a diminuir e controlar os seus níveis glicêmicos. O esforço, contudo, esbarra em diversos fatores complicadores, que estão muitas vezes relacionados à própria causa da DM2, quais sejam, falta de disponibilidade e disposição para a prática de atividades físicas, dislipidemia oriunda da síndrome metabólica e falta de educação nutricional.

Essas condições são, por vezes, uma conjuntura que impõe culturalmente a resistência às mudanças necessárias para o controle e monitoramento glicêmico, bem como o cuidado das doenças consequentes do DM a serem prevenidas, consideradas de alta morbidade.

O nível de escolaridade pode ser considerado fator determinante da efetividade de um programa educativo, principalmente em pacientes com DM, que necessitam adquirir determinados conhecimentos para conseguir desenvolver o seu autocuidado. A baixa escolaridade é relatada como fator que interfere na adesão ao tratamento medicamentoso, pois as drogas para o tratamento do diabetes são consideradas complexas e necessitam de compreensão de seu uso por parte dos pacientes.30

Os grupos nos estudos apresentaram-se homogêneos quanto à escolaridade, desde que possuíam ensino fundamental incompleto principalmente, o que possibilitou a comparação de aprendizagem entre eles. Outros estudos também encontraram o predomínio desse nível de escolaridade em pacientes com DM.30,31

A idade avançada encontrada nessa população não representou dificuldades na aprendizagem, resultado diferente de estudo que analisou as barreiras para a educação em diabetes e concluiu que pessoas mais idosas, além de outras dificuldades, também apresentam limitações na educação.32

Um aspecto importante a assinalar que também deve ser considerado, principalmente com aqueles pacientes com DM com maior idade e menos anos de estudo e o Letramento em saúde, um item que não foi avaliado nos estudos mencionados, e ainda pouco explorado em estudos no Brasil, a mencionar o estudo de Sampaio et al.,33 em que foi avaliado por meio de teste específicos o LFS de pacientes diabéticos atendidos pelo SUS e seu controle glicêmico.

Há um outro estudo brasileiro recente junto a diabéticos, mas realizado com idosos, grupo etário não enfocado no presente estudo, e que utilizou um instrumento de aferição de letramento em saúde que não avalia a habilidade de numeramento. Os resultados desse estudo apontam que, entre os pacientes entrevistados que têm diabetes tipo 2, o nível de letramento funcional em saúde não apresentou associação significante com o controle glicêmico, tanto considerando glicemia de jejum como hemoglobina glicada.

No entanto, na análise estratificada por numeramento e capacidade leitora, houve associação entre maiores níveis de glicemia de jejum e numeramento inadequado.34 Esses achados não condizem com estudos semelhantes realizados em outros países, nos quais existe uma tendência de correlação significativa entre os níveis insuficientes de letramento e o mau controle glicêmico.35

O programa educativo implementado nestes estudos elevou os conhecimentos após a aplicação de instrumentos técnicos, principalmente questionários aplicados sistematicamente antes e após os programas educativos sobre diabetes. Estes estudos focaram principalmente na utilização de estratégias de ensino, como folhetos, dramatizações, relatos de experiências e visitas domiciliares resultando no incremento dos conhecimentos sobre a doença.15,17-23,27-29 O período de seguimento foi de seis a 12 meses, encontrando resultados positivos e concluindo que intervenções educativas que envolvem a colaboração dos pacientes podem ser mais efetivas.

As abordagens educativas voltadas para o profissional de saúde confirmaram que a capacitação continuada favorece a efetivação do trabalho grupal e a discussão crítica na busca de soluções para prática de saúde. Foi relatado em um dos estudos que o processo dialógico da educação para o profissional promoveu a socialização da equipe multidisciplinar e gerou consequente troca de saberes e experiências.

Os estudos revelaram fatores capacitantes na execução do processo ensino-aprendizagem tais como surgimento de análise crítica dos problemas em que educação está inserida voltada para busca de soluções, valorização da troca dialógica, troca de saberes para produção do conhecimento, atuação do profissional no papel educativo como protagonista do processo consciente do conhecimento.

Dentre os benefícios das atividades de intervenção junto ao paciente, destacam-se, sob a perspectiva do profissional, o vínculo com paciente, humanização do atendimento, oportunidade para reflexão, trocas para a construção do conhecimento, capacitação. Este último torna-se essencial para a atualização permanente, o que contribui para melhorar a qualificação do profissional. O intercâmbio e o estudo das informações, como também a sua prática, favorecem a aprendizagem multidisciplinar e profissional, na qual ação-reflexão-ação foram construídas concomitantemente.

Nossa análise mostrou que os profissionais relataram limitações no sucesso da educação continuada dos pacientes, sendo algumas destas o conhecimento profissional insuficiente ou o manejo inadequado com os pacientes.

Alguns poucos estudos declararam que as dificuldades encontradas foram o número reduzido de pacientes participantes, tempo curto de acompanhamento do processo educativo e abandono do programa. Ressalta-se, contudo, que as estratégias interventivas dos programas educativos, na maioria dos documentos analisados, foram efetivas e favoráveis ao desenvolvimento cognitivo, emocional e motivacional, promovendo, assim, o autogerenciamento dos pacientes.

Estas ações tornaram o paciente colaborativo no manejo de sua qualidade de vida e promoveram significantes diminuições dos níveis de hemoglobina glicosada, assim como outros índices fisiopatológicos e mesmo antropométricos, como melhoras dos resultados da avaliação física dos utentes.

Conclusão

A presente revisão permitiu sintetizar as estratégias utilizadas, estabelecer parâmetros comparativos entre as abordagens descritas na produção científica e apontar para a necessidade de sistematização e aperfeiçoamento no processo de educação em saúde, associado aos programas para DM.

Ao estudar as variáveis clínicas e o autogerenciamento dos cuidados em diabetes, observou-se que é relevante considerar os aspectos demográficos, sociais e culturais do viver dos clientes para que se possa obter uma mudança de comportamento, favorecendo melhor convivência com a doença. Apontando que a educação é fundamental para o autogerenciamento dos cuidados da doença, e auxilia na redução de complicações crônicas.

Assim, vale ressaltar a importância que deve ser dada às medidas educativas e ao LFS, no sentido de melhorar a compreensão das orientações direcionadas aos cuidados com a saúde sobretudo no processo educativo do paciente com DM. Há de se considerar, sobretudo, o papel que tem o baixo nível de LFS para a saúde individual e coletiva, quando se tratar de planejamento e gestão dos serviços em saúde. Torna-se, assim, fundamental que as equipes de saúde sejam alertadas para a inter-relação existente entre o cuidado e o letramento em saúde para futuras pesquisas na área.

Pode-se concluir que as práticas educativas dirigidas aos pacientes com DM no Brasil, nos artigos pesquisados, mostraram que a educação em saúde é uma ferramenta que estimula a participação ativa dos indivíduos em todas as fases: planejamento, desenvolvimento e implantação das atividades educativas e, portanto, favorece o aprendizado, com o propósito de conseguir mudanças no estilo de vida; também, minimiza as dificuldades encontradas em relação ao conhecimento e atitude dos pacientes diabéticos para o manejo da doença no seu dia-a-dia.

A participação de uma equipe multiprofissional também foi abordada como uma estratégia utilizada para a construção de controle metabólico e aumento da adesão ao tratamento, dentro do qual se deve sinalar o importante destaque do enfermeiro como o principal profissional responsável pela promoção da educação em saúde.

Finalmente, além de que nos últimos anos se tenta a implementação de um programa estruturado de cuidado de doenças crônicas, a realização desta pesquisa evidenciou a necessidade de homogeneizar e treinar os profissionais que prestam assistência aos indivíduos diabéticos, assim como os preparar como facilitadores da aprendizagem para o melhoramento da qualificação profissional, uniformização e sistematização de um atendimento de qualidade ao doente em termos de integralidade, desenvolvimento da autonomia e educação em saúde.

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