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Preditores de injúria renal aguda e de mortalidade em uma Unidade de Terapia Intensiva

Preditores de injúria renal aguda e de mortalidade em uma Unidade de Terapia Intensiva

Autores:

Luis Alberto Batista Peres,
Vanessa Wandeur,
Tiemi Matsuo

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800

J. Bras. Nefrol. vol.37 no.1 São Paulo jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150007

Introdução

A injúria renal aguda (IRA) é foco de vários estudos em Nefrologia, pois resulta em complicações renais e sistêmicas graves.1 Apesar da evolução de seu tratamento, apresenta alta prevalência tanto em admissões hospitalares, chegando a 15%, como em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), cerca de 40%.2,3 Possui também alto índice de mortalidade, atingindo 80% dos pacientes internados em UTI, sendo que, dos sobreviventes, 13% dependerão de diálise.4 Estas taxas mantiveram-se praticamente inalteradas mesmo com a otimização da terapêutica.4 Isso ocorre devido ao difícil e tardio diagnóstico de IRA, aumento da idade e subsequente presença de mais comorbidades crônicas dos pacientes e, por fim, utilização intensificada de procedimentos invasivos.5

A IRA é uma síndrome caracterizada por uma deterioração abrupta da função renal que repercute em um rápido declínio na taxa de filtração glomerular, podendo resultar em acúmulo de metabólitos nitrogenados e distúrbios hidroeletrolíticos, responsáveis pelas manifestações clínicas heterogêneas nos pacientes. Apesar de ter diversos critérios diagnósticos publicados, Mehta et al.,6 com o objetivo de uniformizar tais critérios, definiram IRA como: aumento agudo do nível absoluto de creatinina sérica acima de 0,3 mg/dl ou redução do débito urinário inferior a 0,5 ml/Kg/hora por mais de seis horas.

Apresenta etiologia multifatorial, sendo causada por motivos pré-renais, renais intrínsecos e pósrenais. Esta classificação simplifica os mecanismos patogênicos subjacentes relacionados à IRA. Na primeira, geralmente há uma hipovolemia que resulta em hipoperfusão de diversos órgãos, inclusive dos rins, ocorrendo principalmente por sepse, outros estados inflamatórios sistêmicos, cirurgias e traumas.7 Caso haja manutenção da doença de base e da hipoperfusão, o estado transitório de azotemia pré-renal torna-se constante, com lesão celular isquêmica, culminando em necrose tubular aguda, a principal causa de IRA intrínseca. Por fim, a situação que gera a IRA pós-renal é a obstrução das vias urinárias.8-10 Dentre todas estas causas, o choque séptico é o fator que mais comumente contribui para a IRA.10

Fatores de risco de IRA em UTI apontados na literatura incluem a idade avançada, doença renal prévia, sepse, obesidade, hipovolemia, cirurgias, história de hipertensão arterial, doença cardiovascular, dentre outros.11

Os fatores de risco de óbito reconhecidos na literatura em pacientes críticos com IRA incluem: idade avançada, prolongado tempo de hospitalização, elevado escore no Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II), presença de comorbidades, oligúria, hipovolemia, acidose metabólica, sepse, politrauma, assim como o uso de drogas vasoativas e necessidade de ventilação mecânica invasiva.12

Os objetivos do presente trabalho foram avaliar a incidência, a mortalidade e os fatores de risco de IRA e óbito presentes na admissão de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva.

Método

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade Assis Gurgacz, realizou-se um estudo retrospectivo. Foram resgatados os dados dos prontuários dos pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva no período de agosto de 2012 a junho de 2013 (n = 152), apenas durante a permanência na UTI, sempre pelo mesmo pesquisador.

Foram coletados os seguintes dados: idade, gênero, motivo da internação na unidade, sendo exemplificada como diagnóstico na admissão clínico ou cirúrgico, comorbidades associadas como: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica, doenças respiratórias e tabagismo, cirurgia pré-admissão na UTI, drogas utilizadas, exames laboratoriais disponíveis, volume urinário nas primeiras 24 horas, necessidade de tratamento dialítico ou cirurgias durante a internação, ventilação mecânica, presença de infecção/sepse e sítio primário se conhecido e se houve evolução para óbito.

Critério de IRA foi aumento na creatinina superior a 0,3 mg/dL ou aumento superior a 50% dos valores basais e/ou presença de oligúria sem resposta à reposição volêmica adequada. Critério de IRA dialítica foi necessidade de terapia substitutiva da função renal (hemodiálise ou diálise peritoneal) durante o internamento na UTI. Hipocalemia foi considerada quando o potássio plasmático foi menor que 3,5 e hipercalemia quando > que 5,5 mEq/L. Hiponatremia foi considerada quando o sódio plasmático foi menor que 135 e hipernatremia quando > que 145 mEq/L. Acidose foi considerada quando o pH plasmático foi < que 7,35. Foram calculados os escores RIFLE, APACHE II, SOFA e a escala de Glasgow na admissão.

Os dados foram armazenados em banco de dados do Microsoft Excel e analisados por meio das estatísticas descritivas: media de desvio interquartil e frequência bruta e percentual. Foi calculada a incidência de IRA, IRA dialítica e a mortalidade. Foram utilizados os testes qui-quadrado, t de Student, Mann-Whitney e o exato de Fisher, conforme adequado. Foi realizada análise de regressão logística bivariada e multivariada para o óbito e para a IRA em função dos fatores de risco na admissão na UTI. Para análise multivariada foram incluídas no modelo todas as variáveis que apresentaram valor de p < 0,20 na análise bivariada e a seguir utilizou-se o método de seleção de variáveis stepwise.

Resultados

A idade média dos pacientes foi de 57,1 ± 20 anos, variando entre 19 a 88 anos, e 92 (60,1%) eram do sexo masculino. O tempo médio de permanência na UTI foi de 12 ± 11,8 dias (variando de dois a 50 dias). O principal motivo de internamento foi por causas clínicas em 110 pacientes (72,3%). Houve necessidade de ventilação mecânica nas primeiras 24 horas em 60,8% dos pacientes. Foram submetidos a procedimento cirúrgico antes da admissão na UTI 42 (27,6%) pacientes e durante o internamento 31 (20,7%) pacientes.

O APACHE II médio foi de 18,9 ± 8,3 e o SOFA médio foi de 4,5 ± 2,9 na admissão. Apresentaram sepse 44 (28,7%) pacientes. Quanto ao critério RIFLE inicial, 26 pacientes foram enquadrados no grupo Risk, 28 no Injury e 46 no Failure. IRA ocorreu em 81 pacientes (53,2%). Terapia substitutiva da função renal foi requerida em 19 pacientes, correspondendo a uma incidência de IRA dialítica de 12,5%. A mortalidade global na UTI foi de 35,9%, na IRA não dialítica foi de 43,2% e na IRA dialítica foi de 84,2%.

A Tabela 1 apresenta os dados clínicos dos pacientes de acordo com a ocorrência ou não de IRA. Observa-se que no grupo com IRA a idade foi superior e tanto os diagnósticos clínicos de admissão como a sepse durante a internação foram mais prevalentes, bem como a prevalência elevada de hipertensão arterial sistêmica. Notamos maior necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI) nos pacientes com IRA. Na admissão, o APACHE II e o SOFA foram mais elevados e a escala de coma de Glasgow mostrou-se mais baixa. A mortalidade foi superior nos pacientes do grupo de IRA. Na Tabela 2 são apresentados os dados laboratoriais dos pacientes de acordo com a ocorrência ou não de IRA. Constata-se que os pacientes com IRA tiveram elevadas taxas de creatinina, ureia e lactado, porém, níveis reduzidos de bicarbonato e, subsequentemente, maior número de pacientes com acidose metabólica. Os distúrbios de potássio foram mais frequentes no grupo com IRA. Estes dados mostram diferença estatisticamente significativa (p < 0,05).

Tabela 1 Dados clínicos dos pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva de acordo com a ocorrência de IRA 

Variável Com IRA Sem IRA Valor de p
(n = 100) (n = 52)
Sexo Masculino 63 (63,0%) 31 (59,6%) 0,684*
Idade mediana (P25-P75) 64,5 (48,0-76,75) 52,0 (33,25-63,00) 0,001
Diagnóstico
Clínico 78 (78%) 32 (61,5%) 0,031*
Cirúrgico 22 (22%) 20 (38,5%)  
Comorbidades
Com comorbidades 79 (79%) 32 (61,5%) 0,021*
Sem Comorbidades 21 (21%) 20 (38,5%)  
HAS 60 (60%) 17 (32,7%) 0,001*
DM 26 (26%) 7 (13,5%) 0,075*
Glasgow mediana (P25-P75) 10,00 (6,00-14,75) 13,50 (9,25-15,00) 0,004
VMI na admissão 72 (72,0%) 22 (42,3%) < 0,001*
DVA na admissão 10 (10%) 5 (9,6%) 0,940*
Uso de aminoglicosídeo 8 (8,0%) 5 (9,6%) 0,765
Sepse na admissão 32 (32%) 12 (23,1%) 0,250 *
Diurese < 400 mL 4 (4%) 0 (0,0%) 0,300
APACHE II mediana (P25-P75) 21,00 (15,00-7,75) 15,00 (9,00-18,00) < 0,001
SOFA mediano (P25-P75) 5 (4-7) 2 (1-4) < 0,001
Tempo de UTI dias mediana (P25-P75) 8,50 (4-16) 7 (3-23,75) 0,243
Óbito 52 (52%) 3 (5,8%) < 0,001*

*Teste de qui-quadrado;

Teste de Mann-Whitney;

Teste exato de Fisher.

Tabela 2 Dados laboratoriais dos pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva de acordo com a ocorrência de IRA 

Exames laboratoriais na admissão (Média ± dp) Com IRA (n = 100) Sem IRA (n = 52) Valor de p
Creatinina (mg/dL) mediana (P25-P75) 1,68 (1,06-2,93) 0,82 (0,63-0,99) < 0,001*
Ureia (mg/dL) mediana (P25-P75) 67,15 (38,6-111,05) 30 (21,88-42,15) < 0,001*
Hiponatremia (mEq/L) 36 (36%) 22 (42,3%) 0,448
Hipernatremia (mEq/L) 6 (6%) 1 (1,9%) 0,423
Hipocalemia (mEq/L) 11 (11%) 12 (23,1%) 0,049
Hipercalemia (mEq/L) 17 (17%) 2 (3,8%) 0,020
Lactato (mmol/L)      
mediana (P25-P75) 1,6 (1-2,8) 1,3 (0,9-1,8) 0,023*
Bicarbonato (mEq/L)      
mediana (P25-P75) 20,95 (17-25) 24,75 (20,9-27,45) 0,001*
Acidose na admissão (%) 54 (54%) 16 (30,8%) 0,006

HA: Hipertensão arterial; DM: Diabete melito; VMI: Ventilação mecânica invasiva; DVA: Droga vasoativa; Acute Physiology and Chronic Health Evaluation: APACHE II; Sequential Organ Failure Assessment: SOFA; P25: Percentil 25; P75: percentil 75;

*Teste de Mann-Whitney;

Teste de qui-quadrado,

Teste exato de Fisher.

A Tabela 3 apresenta os dados clínicos dos pacientes de acordo com a necessidade dialítica. Observa-se que no grupo com IRA dialítica as comorbidades, a sepse e oligúria foram mais frequentes. Houve maior necessidade de ventilação mecânica, assim como também os escores APACHE II e SOFA foram elevados, enquanto o escore de coma de Glasgow reduzido. O tempo de internação na UTI foi maior e a frequência de óbito mais prevalente.

Tabela 3 Dados clínicos dos pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva que apresentaram IRA de acordo com a necessidade dialítica 

Variável IRA dialítica (n = 19) IRA não dialítica (n = 133) Valor de p
Sexo     0,528*
Masculino 13 (68,4%) 81 (60,9%)  
Idade em anos     0,560
Mediana (P25-P75) 66 (51-71) 60 (43-71,5)  
Diagnóstico     0,493*
Clínico 15 (78,9%) 95 (71,4%)  
Cirúrgico 4 (21,1%) 38 (28,6%)  
Comorbidades     0,085*
Com comorbidades 17 (89,5%) 94 (70,7%)  
Sem Comorbidades 2 (10,5%) 39 (29,3%)  
HAS 13 (68,4%) 64 (48,1%) 0,098*
DM 8 (42,1%) 25 (18,8%) 0,021*
Glasgow     0,006
mediana (P25-P75) 6 (6-13) 13 (6-15)  
VMI na admissão 19 (100%) 75 (56,4%) < 0,001*
DVA na admissão 1 (5,3%) 14 (10,5%) 0,695
Uso de aminoglicosídeo 0 (0%) 13 (9,8%) 0,373
Sepse na admissão 10 (52,6%) 34 (25,6%) 0,015*
Diurese < 400 mL 3 (15,8%) 1 (0,8%) 0,006
APACHHE II     < 0,001
mediana (P25-P75) 28 (22-33) 17 (12,5-23,5)  
SOFA     < 0,001
mediana (P25-P75) 7 (6-10) 4 (2-6)  
Tempo de UTI dias mediana (P25-P75) 13 (6-23) 8 (4-13,5) 0,035
Óbito 16 (84,2%) 39 (29,3%) < 0,001*

HA: Hipertensão arterial; DM: Diabete melito; VMI: Ventilação mecânica invasiva; DVA: Droga vasoativa; Acute Physiology and Chronic Health Evaluation: APACHE II; Sequential Organ Failure Assessment: SOFA;

*Teste de qui-quadrado;

Teste de Mann-Whitney;

Teste exato de Fisher.

Quanto aos dados laboratoriais na admissão dos pacientes de acordo com a necessidade dialítica mostrados na Tabela 4, a creatinina, ureia e calemia foram mais elevadas e o bicarbonato foi mais baixo no grupo que recebeu tratamento dialítico. Estes dados mostram diferença estatisticamente significativa (p < 0,05).

Tabela 4 Dados laboratoriais dos pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva que apresentaram IRA de acordo com a necessidade dialítica 

Exames laboratoriais na admissão (Média ± dp) IRA dialítica (n = 19) IRA não dialítica (n = 133) Valor de p
Creatinina (mg/dL) mediana (P25-P75) 2,85 (1,77-4,05) 1,04 (0,80-1,75) < 0,001*
Ureia (mg/dL) mediana (P25-P75) 84,3 (56,6-153) 42,7 (28-72,75) < 0,001*
Hiponatremia (mEq/L 8 (42,1%) 50 (37,6%) 0,705
Hipernatremia (mEq/L) 2 (10,5%) 5 (3,8%) 0,212
Hipocalemia (mEq/L) 1 (5,3%) 22 (16,5%) 0,310
Hipercalemia (mEq/L) 8 (42,1%) 11 (8,3%) < 0,001
Lactato (mmol/L)     0,334*
mediana (P25-P75) 2,5 (0,8-3,4) 1,5 (1,0-2,2)  
Bicarbonato (mEq/L)     0,006*
mediana (P25-P75) 19,5 (14-22,8) 22,9 (18,8-26,1)  
Acidose na admissão (%) 16 (84,2%) 54 (40,6%) < 0,001

P25: Percentil 25; P75: Percentil 75;

*Teste de Mann-Whitney;

Teste de qui-quadrado;

Teste exato de Fisher.

A Tabela 5 apresenta a análise multivariada dos fatores de risco de IRA em função das variáveis na admissão dos pacientes. A creatinina e a ureia mais alta na admissão, assim como a necessidade de ventilação mecânica invasiva no internamento na UTI, foram fatores de risco independentes de IRA.

Tabela 5 Regressão logística para IRA de pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva em função dos fatores de risco 

Variável Modelo completo Modelo seleção forward 
OR I.C.95% Valor de p OR I.C.95% Valor de p
Sexo (Masculino/ Feminino) 0,40 0,10 1,65 0,208        
Idade (anos) 1,03 0,99 1,08 0,162        
Diagnóstico (Clínico/ Cirúrgico) 1,17 0,24 5,61 0,848        
Comorbidades (Com/Sem) 0,26 0,04 1,66 0,154        
Glasgow 0,92 0,70 1,21 0,562        
VMI na admissão (Sim/ Não) 4,46 0,75 26,48 0,100 4,48 1,47 13,70 0,008
DVA na admissão (Sim/ Não) 0,65 0,06 7,49 0,727        
Uso de aminoglicosídeo (Sim/Não) 1,29 0,11 15,52 0,842        
Sepse na admissão (Sim/ Não) 0,36 0,07 1,80 0,216        
Diurese < 400 mL (Sim/ Não) 2936,00 0,00 . 0,999        
APACHE II 0,97 0,85 1,10 0,590        
SOFA 1,00 0,70 1,43 0,987        
Creatinina na admissão (mg/dl) 96,08 6,83 1351,70 0,001 67,65 8,91 513,39 < 0,001
Ureia na admissão (mg/dl) 1,05 1,02 1,09 0,002 1,05 1,02 1,07 0,001
Hiponatremia na admissão (mEq/L) (Sim/Não) 0,43 0,11 1,64 0,216        
Hipernatremia na admissão (mEq/L) (Sim/ Não) 4,17 0,00 50593627 0,864        
Hipocalemia na admissão (mEq/L) (Sim/Não) 0,32 0,05 2,01 0,225        
Hipercalemia na admissão (mEq/L) (Sim/Não) 0,98 0,03 31,14 0,990        
Lactato na admissão (mmol/L) 1,12 0,65 1,96 0,682        
Bicarbonato (mEq/L) na admissão 0,98 0,87 1,11 0,769        
Acidose na admissão (Sim/Não) 1,43 0,38 5,38 0,595        

VMI: Ventilação mecânica invasiva; DVA: Droga vasoativa; Acute Physiology and Chronic Health Evaluation: APACHE II; Sequential Organ Failure Assessment: SOFA.

Na Tabela 6 apresentamos a análise multivariada dos fatores de risco de óbito presentes na admissão dos pacientes. A maior frequência de diagnóstico clínico, altas taxas de necessidade de VMI, elevados níveis de ureia e lactato e hipernatremia foram fatores de risco independentes de mortalidade na UTI.

Tabela 6 Regressão logística para o óbito em função dos fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva de 152 pacientes admitidos na Unidade de Terapia Intensiva 

Variável Modelo completo Modelo seleção stepwise
OR I.C.95% Valor de p OR I.C.95% Valor de p
Sexo (Masculino/ Feminino) 0,533 0,201 1,416 0,207        
Idade (anos) 1,000 0,969 1,033 0,984        
Diagnóstico (Clínico/ Cirúrgico) 3,710 1,041 13,216 0,043        
Comorbidades (Com/ Sem) 1,028 0,270 3,914 0,968        
Glasgow 1,143 0,951 1,374 0,155        
VMI na admissão (Sim/Não) 11,117 2,740 45,103 0,001 10,176 3,546 29,197 <0,001
DVA na admissão (Sim/Não) 1,098 0,202 5,957 0,913        
Uso de aminoglicosídeo (Sim/Não) 0,705 0,121 4,122 0,698        
Sepse na admissão (Sim/Não) 0,451 0,146 1,391 0,166        
Diurese < 400 mL (Sim/Não) 90,613 0,104 79032,469 0,192        
APACHE II 1,026 0,940 1,120 0,571        
SOFA 1,146 0,915 1,434 0,236        
Creatinina na admissão 0,764 0,566 1,030 0,077        
Uréia na admissão 1,017 1,004 1,031 0,010 1,011 1,002 1,019 0,011
Hiponatremia na admissão (Sim/Não) 0,885 0,331 2,367 0,808        
Hipernatremia na admissão (Sim/Não) 20,472 1,291 324,672 0,032 16,278 1,202 220,522 0,036
Hipocalemia na admissão (Sim/Não) 0,316 0,072 1,376 0,125        
Hipercalemia na admissão (Sim/Não) 0,461 0,089 2,379 0,355        
Lactato na admissão 1,597 1,111 2,295 0,011 1,440 1,097 1,892 0,009
Bicarbonato em mEq/L na admissão 1,032 0,945 1,128 0,480        
Acidose na admissão (Sim/Não) 1,271 0,451 3,579 0,650        

VMI: Ventilação mecânica invasiva; DVA: Droga vasoativa; Acute Physiology and Chronic Health Evaluation: APACHE II; Sequential Organ Failure Assessment: SOFA.

Discussão

Realizamos um estudo retrospectivo de pacientes admitidos num período de dez meses em uma única Unidade de Terapia Intensiva com o objetivo de avaliar a incidência, a mortalidade e as características clínicas na admissão dos pacientes com IRA, bem como os fatores de risco de IRA e óbito.

A IRA é uma frequente complicação em pacientes em Unidades de Terapia Intensiva, sendo responsável por uma incidência de cerca de 40%.13 No presente estudo, observou-se que a incidência de IRA foi mais elevada, presente em aproximadamente 66% dos pacientes. É importante ressaltar que o perfil de pacientes atendidos nesta unidade é muito variável. Em nosso estudo, percebemos que havia pacientes de baixo grau de gravidade, com escala de coma de Glasgow de 13 a 15 e baixos escores de APACHE II e SOFA, porém, uma grande parcela dos pacientes tinha elevados graus de gravidade e complexidade, com baixa escala de coma de Glasgow e altos escores de APACHE II e SOFA, com necessidade de ventilação mecânica invasiva e drogas vasoativas. Isso reflete a heterogeneidade dos pacientes avaliados no presente estudo.

Apesar de atualmente haver uma preponderância do sexo masculino nos casos de IRA,14 em nosso estudo o predomínio do sexo masculino não teve significância estatística.

A população atendida em unidades de terapia intensiva de adultos vem apresentando elevação na faixa etária.13 No nosso estudo, os pacientes com IRA eram cerca de 10 anos mais velhos em média se comparado ao grupo sem IRA, apresentando significância estatística (p < 0,05). A população estudada apresenta uma elevada taxa de admissão devido às condições clínicas.

Em um estudo de coorte retrospectivo realizado em 2008 por Peres et al.15 na mesma região, porém, em UTI diferente, a incidência de IRA dialítica foi de 7,1%; já neste, foi de 12,5%. Um motivo pelo qual houve diferença na incidência pode ser a idade média superior no presente estudo (58 anos) enquanto no outro foi de 48 anos. Um estudo brasileiro semelhante a este que corrobora com tal fato é o de Carmo et al.,16 que relataram uma incidência de 9,5%, com idade média de 53 anos. Quanto à IRA não dialítica, a incidência na literatura pode ultrapassar os 67% em pacientes críticos.17,18 Em nosso estudo, a IRA não dialítica foi em torno de 53%.

A creatinina e ureia mais elevadas na admissão, assim como necessidade de ventilação mecânica invasiva durante o internamento na UTI, foram fatores de risco independentes de IRA. Mais especificamente para IRA dialítica, os fatores de risco em nosso estudo foram: presença de morbidades, necessidade de ventilação mecânica e desenvolvimento de sepse na internação, baixa escala de coma de Glasgow, escores de APACHE II e SOFA elevados, e, por fim, tempo de internamento mais prolongado na UTI. Quanto aos dados laboratoriais na admissão, observa-se que creatinina, ureia e potássio foram superiores e os níveis de bicarbonato foram inferiores.

A mortalidade dos pacientes portadores de IRA permaneceu elevada nas últimas décadas, apesar dos avanços diagnósticos e terapêuticos ocorridos. Entre os pacientes com IRA grave, na presença de falência de múltiplos órgãos com necessidade dialítica, a taxa de mortalidade pode chegar a 80%.19,20 No presente estudo, cerca de 80% dos pacientes com IRA dialítica foram a óbito, semelhante aos dados apresentados na literatura. Há relatos antigos de que a necessidade de diálise é um fator associado à maior mortalidade nestes indivíduos.21

Os fatores de risco independentes para óbito neste estudo foram: diagnóstico clínico, elevados níveis de creatinina, ureia, sódio e lactato na admissão e necessidade de ventilação mecânica invasiva. A oligúria ocorre frequentemente em pacientes com IRA na UTI e é mais sensível do que elevações na creatinina plasmática,22 sendo reconhecida como um preditor precoce de alta mortalidade em pacientes críticos, porém, neste estudo não se mostrou preditora de mortalidade. No estudo de Peres et al.,15 a oligúria foi fator independente de óbito.

Os fatores de risco de óbito reconhecidos na literatura em pacientes críticos com IRA incluem: idade avançada, prolongado tempo de hospitalização, elevado escore no APACHE II, presença de comorbidades, oligúria, elevado nível de lactato, hipovolemia, acidose metabólica, sepse, politrauma, assim como o uso de drogas vasoativas e necessidade de ventilação mecânica invasiva.

Em nosso estudo, o diagnóstico clínico, elevados níveis de ureia, sódio e lactato na admissão, bem como necessidade de VMI, foram preditivos de elevada mortalidade. Tentamos utilizar critérios simples à admissão já implantados em nossa unidade para predizer IRA e mortalidade nesta instituição.

Samimagham et al.23 estudaram 235 pacientes admitidos em uma UTI, utilizando critérios na admissão para predizer IRA. No grupo que desenvolveu IRA, observaram que idade avançada, potássio e APACHE II elevados na admissão foram preditores independentes de IRA na UTI. No estudo de Peres et al.,15 o grupo que evoluiu com IRA apresentou idade, níveis de potássio e APACHE II superiores na admissão, porém, não foram fatores de risco independentes na análise multivariada. Estes últimos resultados apresentados foram semelhantes aos do nosso estudo, pois apesar de que a idade, o APACHE II, e os níveis de potássio terem sido mais elevados, não apresentaram significância estatística na análise multivariada.

Dentre as principais limitações deste estudo, incluímos o fato de não possuirmos um número elevado de pacientes e o caráter retrospectivo do mesmo. Porém, como há uma padronização de registros de dados na UTI, acreditamos que os dados são confiáveis. Este estudo abre perspectivas de futuras pesquisas em nossa Instituição.

Conclusão

A incidência e a mortalidade de IRA são elevadas em nosso meio, sendo reconhecidos os fatores de risco para este sério problema de saúde pública. Há necessidade de mais estudos para descobrir estratégias terapêuticas inovadoras e prevenir a IRA em UTI, reduzindo sua mortalidade.

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