versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.6 São Paulo dez. 2017 Epub 27-Nov-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170171
Estudos Clínicos demonstram que até 40% dos pacientes não respondem à terapia de ressincronização cardíaca (TRC), assim a seleção apropriada dos pacientes é fundamental para o sucesso da TRC na insuficiência cardíaca.
Avaliação de preditores de mortalidade e resposta à TRC no cenário brasileiro.
Estudo de coorte retrospectivo incluindo os pacientes submetidos à TRC em hospital terciário no Sul do Brasil entre 2008-2014. A sobrevida foi avaliada através de banco de dados da Secretaria Estadual de Saúde (RS). Os preditores de resposta ecocardiográfica foram avaliados utilizando método de regressão de Poisson. A análise de sobrevida foi feita por regressão de Cox e curvas de Kaplan Meyer. Um valor de p bicaudal inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Foram incluídos 170 pacientes com seguimento médio de 1011 ± 632 dias. A mortalidade total foi de 30%. Os preditores independentes de mortalidade identificados foram idade (hazzard ratio [HR] de 1,05; p = 0,027), infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio (HR de 2,17; p = 0,049) e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (HR de 3,13; p = 0,015). O percentual de estimulação biventricular em 6 meses foi identificado com fator protetor de mortalidade ([HR] 0,97; p = 0,048). Os preditores independentes associados à reposta ecocardiográfica foram ausência de insuficiência mitral, presença de bloqueio de ramo esquerdo e percentual de estimulação biventricular.
A mortalidade nos pacientes submetidos à TRC em hospital terciário foi independentemente associada à idade, presença de DPOC e IAM prévio. O percentual de estimulação biventricular avaliado 6 meses após o implante do ressincronizador foi independentemente associado a melhora da sobrevida e resposta ecocardiográfica.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca / mortalidade; Terapia de Ressincronização Cardíaca; Volume Sistólico; Bloqueio de Ramo; Estudo de Coortes
Clinical studies demonstrate that up to 40% of patients do not respond to cardiac resynchronization therapy (CRT), thus, appropriate patient selection is critical to the success of CRT in heart failure.
Evaluation of mortality predictors and response to CRT in the Brazilian scenario.
Retrospective cohort study including patients submitted to CRT in a tertiary hospital in southern Brazil from 2008 to 2014. Survival was assessed through a database of the State Department of Health (RS). Predictors of echocardiographic response were evaluated using Poisson regression. Survival analysis was performed by Cox regression and Kaplan Meyer curves. A two-tailed p value less than 0.05 was considered statistically significant.
A total of 170 patients with an average follow-up of 1011 ± 632 days were included. The total mortality was 30%. The independent predictors of mortality were age (hazard ratio [HR] of 1.05, p = 0.027), previous acute myocardial infarction (AMI) (HR of 2.17, p = 0.049) and chronic obstructive pulmonary disease (COPD) (HR of 3.13, p = 0.015). The percentage of biventricular stimulation at 6 months was identified as protective factor of mortality ([HR] 0.97, p = 0.048). The independent predictors associated with the echocardiographic response were absence of mitral insufficiency, presence of left bundle branch block and percentage of biventricular stimulation.
Mortality in patients submitted to CRT in a tertiary hospital was independently associated with age, presence of COPD and previous AMI. The percentage of biventricular pacing evaluated 6 months after resynchronizer implantation was independently associated with improved survival and echocardiographic response.
Keywords: Heart Failure / mortality; Cardiac Resynchronization Therapy; Stroke Volume; Bundle-Branch Block; Cohort Studies
A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) tem o potencial de melhorar morbidade, mortalidade e remodelamento reverso em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) refratária à terapia medicamentosa.1-5 Ao longo dos últimos anos, baseado nos benefícios apresentados em grandes ensaios clínicos1,4,6 a TRC está sendo largamente utilizada em pacientes com ICC, fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) diminuída e que apresentam QRS largo, principalmente na presença de padrão de bloqueio de ramo esquerdo (BRE). No Brasil, existe documentação de relação de custo-efetividade aceitável para o uso de TRC no cenário do sistema público.7 Contudo, além do alto custo para o sistema de saúde, aproximadamente 30%-40% dos casos selecionados para o tratamento não se beneficiam da TRC, conforme dados dos grandes estudos em ressincronização. Por isso, esforços redobrados devem ser realizados na seleção, implante e acompanhamento dos pacientes potencialmente candidatos à TRC. A seleção apropriada ou a exclusão de pacientes com poucos benefícios da terapia é estratégia desejada para que se obtenha maior taxa de sucesso na TRC.8 A avaliação dos pacientes respondedores pode ajudar na seleção daqueles que serão submetidos à TRC, tornando o procedimento mais custo-efetivo e evitando potenciais eventos adversos a pacientes que não terão benefício clínico dessa terapia.
O objetivo principal do presente estudo é a avaliação de mortalidade total e de preditores de resposta ecocardiográfica à TRC. Como objetivos secundários, buscou-se avaliar o desfecho composto mortalidade total e hospitalização por ICC, a sobrevida e a classe funcional dos pacientes após a TRC.
Esse estudo de coorte retrospectivo incluiu pacientes portadores de ICC, submetidos à TRC isolada ou associada ao cardiodesfibrilador implantável (CDI). Foram incluídos todos os pacientes submetidos ao implante de marcapasso cardíaco multissítio (ressincronizador cardíaco) pelo sistema único de saúde (SUS), no Serviço de Cardiologia do Hospital São Lucas da PUC-RS, entre os anos de 2008 a 2014. Foi realizada pesquisa nos prontuários do hospital conferindo a lista de procedimentos que incluíram TRC. Foram excluídos do presente protocolo pacientes com idade inferior a 18 anos, que fizeram apenas troca isolada do gerador ou que estavam alocados erroneamente nos registros (ex: pacientes submetidos ao implante de isolado de CDI). Não foram excluídos aqueles pacientes que pudessem ter apresentado problemas técnicos do gerador do marcapasso ou eletrodos. A seleção de pacientes partiu de 191 pacientes portadores de ICC e terapia médica otimizada (TMO) que constavam no Registro de Implantes de TRC no HSL-PUCRS (SUS 2008-2014). Após revisão dos prontuários foram excluídos 21 pacientes que constavam nesse registro de TRC: 13 pacientes tinham sido submetidos à troca de gerador, 4 pacientes tinham idade inferior a 18 anos, 2 pacientes não tiveram seus dados acessados, 1 paciente constava 2 vezes no registro e 1 paciente havia sido submetido ao implante de CDI isolado.
A população do estudo é constituída de pacientes com disfunção ventricular grave com terapia médica otimizada. Após o preenchimento dos critérios de inclusão, foram coletados os dados dos pacientes no ambulatório de Estimulação Cardíaca - Marcapasso desta instituição. O investigador responsável preencheu um protocolo sistematizado de avaliação baseado no prontuário desses pacientes até a última consulta no ambulatório. Todos os pacientes submetidos à TRC tem seguimento no ambulatório de estimulação cardíaca para avaliação do marcapasso multissítio. A primeira avaliação ocorre em 30 dias após o implante e após a cada 6 meses (ou antes se necessário por intercorrências clínicas). Pacientes sem acompanhamento clínico recente (últimos 6 meses) foram convidados a realizar revisão do seu marcapasso ou entrevistados por telefone. Os dados de mortalidade foram aferidos no banco de dados de Notas de Óbito da Secretaria Estadual de Saúde do RS, através do Núcleo de Informação de Mortalidade (NIS-RS). O seguimento dos pacientes foi até 22/09/2015, data final da avaliação dos óbitos na Secretaria de Saúde. Uma planilha com os dados de todos os pacientes participantes do estudo foi cruzada com a planilha de óbitos do NIS-RS até data estabelecida acima. Além disso houve tentativa de contato telefônico com os participantes do estudo.
Os desfechos principais avaliados foram a mortalidade total em médio prazo e a resposta ecocardiográfica à TRC. O desfecho secundário foi o composto de mortalidade ou hospitalização por ICC. A definição de resposta ecocardiográfica foi considerada como um incremento da fração de ejeção (FE) de ventrículo esquerdo (VE) ≥ 5% ou redução no volume sistólico final de ventrículo esquerdo (VSFVE) ≥ 15%. A definição de resposta foi baseada em critérios descritos em estudos prévios.9
As variáveis quantitativas foram descritas como média e desvio-padrão, exceto pelo tempo de seguimento, que foi apresentado em mediana e amplitude interquartílica. As variáveis qualitativas foram descritas como frequência absoluta e percentual. A distribuição das variáveis quantitativas foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Na análise bivariada foram realizados teste t não-pareado para variáveis quantitativas e teste de qui-quadrado para variáveis qualitativas. Teste exato de Fisher foi usado quando apropriado para as variáveis qualitativas.
Para avaliar os preditores de resposta ecocardiográfica foram utilizadas análises univariadas e multivariadas de regressão de Poisson com variâncias robustas (desfecho binário). A análise de sobrevida foi feita por regressão de Cox e curvas de Kaplan Meyer. O critério de entrada para a variável no modelo multivariado foi de que a mesma apresentasse um valor p inferior a 0,20 na análise univariada. Tamanho de amostra inicial de 110 pacientes foi calculado no programa WinPEPI (versão 11.43) com objetivo de identificar risco de 2,2 para a etiologia isquêmica considerando um nível de significância de 5%, poder de 80% e taxa de mortalidade estimada em 25%, usando como base dados de sub-estudo do CARE-HF.10 As demais análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS versão 20.0. Um valor de p bicaudal inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Esse estudo consiste numa coorte retrospectiva com utilização de dados de prontuário, sem a identificação de dados de pacientes incluídos. Dessa forma, foi aplicado termo de utilização de dados, preenchido pelo pesquisador responsável. Quando foi necessário realizar entrevista ou avaliação clínica com o paciente foi aplicado termo de consentimento livre e esclarecido. Esse projeto de pesquisa foi aprovado no comitê de ética em pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CEP-PUCRS, CAAE: 46267815.3.0000.5336).
Foram incluídos 170 pacientes submetidos à TRC "de novo" entre os anos de 2008 a 2014. O tempo médio de seguimento foi de 1.011 ± 632 dias (mediana de 901 dias; intervalo interquartil de 489-1473). Houve 51 mortes nesse período, correspondendo a uma taxa de mortalidade total de 30%. A mortalidade cardiovascular avaliada no período foi de 15,3%, o que corresponde a aproximadamente metade da mortalidade total. As características dos pacientes, estratificadas por mortalidade e resposta ecocardiográfica estão descritas nas Tabelas 1 e 2 respectivamente.
Tabela 1 Características da população submetida a TRC estratificada pela sobrevida
Todos pacientes (n = 170) | Vivos (n = 119) | Mortos (n = 51) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Idade, IdadeIIdade, anos | 63,5 ± 12 | 61,4 ± 11,7 | 68,3 ± 11,4 | p < 0,001a |
Sexo (Masculino) | 115(67,6%) | 79(66,4%) | 36(70,6%) | p = 0,72b |
Tipo dispositivo (CDI-TRC) | 137(80,6%) | 99(83,2%) | 38(74,5%) | p = 0,21b |
Etiologia ICC (Não-Isquêmica) | 89(56,7%) | 67(60,4%) | 22(47,8%) | p = 0,16b |
Classe NYHA | p = 0,35b | |||
I | 1 (0,7%) | 1(0,9%) | 0(0%) | |
II | 23 (15,2%) | 17(15,7%) | 6(14%) | |
III | 98 (64,9%) | 73(67,6%) | 25(58,1%) | |
IV | 29 (19,2%) | 17(15,7%) | 12(27,9%) | |
HAS | 131 (79,9%) | 90(78,9%) | 41(31,3%) | p = 0,83b |
DM | 53 (32,3%) | 36(31,6%) | 17(34%) | p = 0,86b |
IAM prévio | 57 (36,1%) | 34(30,9%) | 23(47,9%) | p = 0,048b |
DPOC | 17 (10,4%) | 9(7,9%) | 8(16%) | p = 0,16b |
IRC | 40 (24,4%) | 24(21,1%) | 16(32%) | p = 0,17b |
Fibrilação Atrial | 52(31,7%) | 29(25,4%) | 23(46%) | p = 0.01b |
Medicações | ||||
IECA | 97(60,2%) | 70(62,5%) | 27(55,1%) | p = 0,39b |
ARA II | 34(21,1%) | 26(23,2%) | 8(16,3%) | p = 0,40b |
Beta bloqueador | 140(87%) | 98(87,5%) | 42(85,7%) | p=0,80b |
Espironolactona | 105(65,2%) | 76(67,9%) | 29(59,2%) | p=0,36b |
Eletrocardiograma | ||||
QRS | 157,6 ± 28,6 | 156,7 ± 28,5 | 159,7 ± 29 | p = 0,58a |
BRE | 102(61,8%) | 76(66,1%) | 26(52%) | p = 0,12b |
BRD | 10(6,1%) | 3(2,6%) | 7(14%) | p = 0,009c |
BRI | 10(6,1%) | 4(3,5%) | 6(12%) | p = 0,069c |
QRS ≥ 150 ms | 90(54,9%) | 64(56,1%) | 26(52%) | p = 0,73b |
Ritmo | p = 0,16b | |||
Sinusal | 111(67,3%) | 82(71,9%) | 29(56,9%) | |
Marca-passo | 24(14,5%) | 14(12,3%) | 10(19,6%) | |
Fibrilação Atrial | 30(18,2%) | 18(15,8%) | 12(23,5%) | |
Ecocardiograma | ||||
FE | 26,8 ± 7 | 27,8 ± 6,5 | 24,6 ± 7,5 | p = 0,01a |
AE | 4,8 ± 0,7 | 4,6 ± 0,7 | 5,2 ± 0,7 | p ≤ 0,001a |
PSAP | 44 ± 16,5 | 40 ± 16,6 | 50,8 ± 13,7 | p = 0,007a |
VSFVE | 140 ± 53,1 | 139,3 ± 50,7 | 141,8 ± 58,7 | p = 0,83a |
VDFVE | 202 ± 63 | 202 ± 57 | 201,5 ± 74,6 | p = 0,97a |
Insuficiência mitral | p = 0,02b | |||
Mínima | 15(17,9%) | 14(23,3%) | 1(6,7%) | |
Leve | 50 (59,5%) | 37(61,7%) | 13(54,2%) | |
Moderada | 14 (16,7%) | 6(10%) | 8(33,3%) | |
Grave | 5 (6%) | 3(5%) | 2(8,3%) | |
FE pós-TRC | 34,7 ± 11,4 | 37,3% ± 11,1 | 26,9% ± 8,4 | p ≤ 0,001a |
Eletrodo VE (Seio Coronário) | 158(92,9%) | 108(90,8%) | 50(98%) | p = 0,11c |
BIV | 95,5%(± 9,7) | 96,6%(± 8,2) | 92,1%(± 12,9) | p = 0,02a |
BIV ≥ 95% | 111 (79,3%) | 92(86%) | 19(57,6%) | p ≤ 0,001b |
Dados expressos com média ± desvio padrão ou números absolutos (percentual).
aTeste T não pareado; bTeste Qui-quadrado;
bTeste Qui-quadrado;
cTeste Exato de Fisher. CDI - TRC: cardiodesfibrilador implantável + Terapia de Ressinconização Cardíaca; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus; IAM: infarto agudo do miocárdio; DPOC: doença pulmonar obstrutuva crônica; IRC: insuficiência Renal Crônica; IECA: Inibidor da enzima de conversão em angiontensina; ARA II: antagonista do receptor de angitensina II; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; BRD - bloqueio de ramo direito; BRI: bloqueio de ramo indeterminado; FE: fração de ejeção, AE: átrio esquerdo; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; VSFVE: volume sistólico final do ventrículo esquerdo; VDFVE - volume diastólico do ventrículo esquerdo; Eletrodo de VE - local onde foi posicionado eletrodo (com percentil de posicionamento eletrodo via seio coronário ao lado); BIV: estimulação biventricular em 6 meses.
Tabela 2 Características da população submetida a TRC estratificada pela presença de resposta ecocardiográfica
Pacientes com eco pré e pós implante (n = 71) | Com Resposta ECO (n = 42) | Sem Resposta ECO (n = 29) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Idade, anos Idade, anos | 61,6 ± 10,4 | 61,7 ± 9,9 | 61,6 ± 11,2 | p = 0,97a |
Sexo (Masculino) | 51(71,8%) | 31(73,8%) | 20(69%) | p = 0,79b |
Tipo dispositivo (CDI-TRC) | 64(90,1%) | 38(90,5%) | 26(89,7%) | p = 0,9c |
Etiologia ICC (Não-Isquêmica) | 40(57,1%) | 26(61,9%) | 14(50%) | p = 0,34b |
Classe NYHA | p = 0,13b | |||
I | 0 (0%) | 0(%) | 0(0%) | |
II | 13 (20,3%) | 7(20%) | 6(20,7%) | |
III | 38 (59,4%) | 24(68,6%) | 14(48,3%) | |
IV | 13(20,3%) | 4(11,4%) | 9(31%) | |
HAS | 58(81,7%) | 35(83,3%) | 23(79,3%) | p = 0,76b |
DM | 21(29,6%) | 12(28,6%) | 9(31%) | p = 1b |
IAM prévio | 27(39,1%) | 11(26,8%) | 16(57,1%) | p = 0,01b |
DPOC | 5(7%) | 4(9,5%) | 1(3,4%) | p = 0,32c |
IRC | 18(25,4%) | 10(23,8%) | 8(27,6%) | p = 0,78b |
Fibrilação atrial | 17(23,9%) | 10(23,8%) | 7(24,1%) | p = 1b |
Medicações | ||||
IECA | 51(72,9%) | 30(73,2%) | 21(72,4%) | p = 1b |
ARA II | 15(21,4%) | 9(22%) | 6(20,7%) | p = 1b |
Beta bloqueador | 63(90%) | 36(87,8%) | 27(93,1%) | p = 0,7c |
Espironolactona | 48(68,6%) | 28(68,3%) | 20(69%) | p = 1b |
Eletrocardiograma | ||||
QRS | 158,4 ± 24,7 | 162,5 ± 24,4 | 152,6 ± 24,4 | p = 0,13a |
BRE | 46 (64,8%) | 31(73,8%) | 15(51,7%) | p = 0,08b |
BRD | 6 (8,6%) | 0(0%) | 6(21,4%) | p = 0,002c |
BRI | 6 (8,6%) | 4(9,5%) | 2(7,1%) | p = 0,7c |
QRS≥150ms | 45(65,2%) | 28(68,3%) | 17(37,8%) | p = 0,6b |
Ritmo | p = 0,86b | |||
Sinusal | 52 (74,3%) | 30(73,2%) | 22(75,9%) | |
Marcapasso | 9(12,9%) | 5(12,2%) | 4(13,8%) | |
Fibrilação Atrial | 9(12,9%) | 6(14,6%) | 3(10,3%) | |
Ecocardiograma | ||||
FE | 27,8 ± 7,8 | 27,8 ± 6,5 | 24,6 ± 7,6 | p = 0,012a |
AE | 4,7 ± 0,8 | 4,5 ± 0,7 | 4,9 ± 0,9 | p = 0,1a |
PSAP | 43,4 ± 16,2 | 39,93 ± 16,6 | 50,81 ± 13,7 | p = 0,007a |
VSFVE | 143 ± 55,9 | 155,6 ± 59,2 | 130,52 ± 49,9 | p = 0,08a |
VDFVE | 210 ± 62,8 | 218,5 ± 61,6 | 201 ± 64 | p = 0,28a |
Insuficiência mitral | p = 0,03b | |||
Mínima | 11(21,2%) | 9(34,6%) | 2(7,7%) | |
Leve | 30 (57%) | 15(57,7%) | 15(57,7%%) | |
Moderada | 9 (17,3%) | 2(7,7%) | 7(26,9%) | |
Grave | 2 (3,8%) | 0(0%) | 2(7,7%%) | |
FE pós-TRC | 34,4 ± 10,4 | 39,8% ± 9,4 | 26,7% ± 6,2 | p ≤ 0,001a |
Eletrodo VE (Seio Coronário) | 66 (93%) | 38(90,5%) | 28(96,6%) | p = 0,32c |
BIV | 95,3 ± 9,3% | 98,4 ± 2,6% | 90 ± 13,5% | p ≤ 0,001a |
BIV ≥ 95% | 48(77,4%) | 36(92,3%) | 12(52,2%) | p ≤ 0,001b |
Dados expressos com média ± desvio padrão ou números absolutos (percentual).
aTeste T não pareado;
bTeste Qui-quadrado;
cTeste Exato de Fisher. CDI-TRC: cardiodesfibrilador implantável+Terapia de Ressincronização Cardíaca; ICC: insuficiência cardíaca; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus; IAM: infarto agudo do miocárdio; DPOC: doença pulmonar obstrutuva crônica; IRC: insuficiência Renal Crônica; IECA: Inibidor da enzima de conversão em angiontensina; ARA II: antagonista do receptor de angitensina II; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; BRD: bloqueio de ramo direito; BRI: bloqueio de ramo indeterminado; FE: fração de ejeção; AE: átrio esquerdo; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; VSFVE: volume sistólico final do ventrículo esquerdo; VDFVE: volume diastólico do ventrículo esquerdo; Eletrodo de VE: local onde foi posicionado eletrodo (com percentil de posicionamento eletrodo via seio coronário ao lado); BIV: estimulação biventricular em 6 meses.
A mortalidade cumulativa no 1º, 2º e 3º ano de seguimento foram, respectivamente, 11,2% (19 pacientes), 21,2% (36 pacientes) e 25,9% (44 pacientes). A Tabela 3 ilustra os preditores clínicos independentemente associados à mortalidade: idade (hazzard ratio [HR] de 1,05; p = 0,027), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (HR de 3,13; p = 0,015) e infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio (HR de 2,17; p = 0,049). A idade foi analisada como variável contínua, sendo identificado um aumento do risco de mortalidade de 5% para cada ano de vida a mais. Como esperado, um maior percentual de estimulação biventricular foi característica protetora para mortalidade (HR de 0,972; p = 0,048). Para cada percentual a mais de estimulação biventricular houve uma redução de 2,8% de mortalidade. Nas Figuras 1A e 1C, respectivamente, pode ser vista a curva de sobrevida para mortalidade total de acordo com a presença de IAM prévio e porcentagem de estimulação ventricular na avaliação de 6 meses. Ressalta-se o intenso efeito sobre a mortalidade daqueles pacientes que alcançaram taxa de estimulação biventricular maior do que 95% em 6 meses, com diferenças absolutas de morte após 1.500 dias de acompanhamento de aproximadamente 40%. Além disso, também realizamos estratificação entre pacientes com e sem resposta ecocardiográfica sobre mortalidade total, que pode ser apreciada na Figura 2A.
Tabela 3 Análise univariada e modelo de risco proporcional de Cox para desfecho de mortalidade total.
Análise univariada | Análise multivariada | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
HR | 95% CI | p | HR | 95% CI | p | |
Idade | 1,05 | 1,02-1,1 | 0,001 | 1,05 | 1.01-1,09 | 0,027 |
DPOC | 2,33 | 1,09-5,01 | 0,030 | 3,13 | 1,25-7,82 | 0,015 |
FA crônica | 1,79 | 1,03-3,13 | 0,039 | |||
BRE | 0,60 | 0,34-1,04 | 0,070 | |||
BIV.6m | 0,97 | 0,95-0,99 | 0,008 | 0,972 | 0,94-1 | 0,048 |
IAM prévio | 1,91 | 1,08-3,37 | 0,026 | 2,17 | 1,003-4,70 | 0,049 |
IRC | 1,82 | 1,005-3,30 | 0,048 | |||
TRC sem CDI | 1,63 | 0,87-3,06 | 0,130 |
HR: "Hazard Ratio"; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FA: fibrilação atrial; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; BIV.6m: estimulação biventricular em 6 meses; IAM: infarto agudo do miocárdio; IRC: insuficiência renal crônica; TRC: terapia de ressincronização cardíaca; CDI: cardiodesfibrilador implantável.
Figura 1 Curva de Kaplan-Meyer de mortalidade total (A) e de sobrevida livre de morte total ou hospitalização (B) estratificados por presença de IAM e de mortalidade total (C) e de sobrevida livre de morte total ou hospitalização (D) estratificados por presença de estimulação biventricular superior ou igual a 95%
Durante o seguimento, 64 pacientes (37,6%) apresentaram morte ou hospitalização por ICC. Os fatores independentemente associados à mortalidade ou hospitalização por ICC foram fibrilação atrial (FA) (HR de 2,01; p = 0,03), DPOC (HR de 2,84; p = 0,01) e IAM prévio (HR de 2,02; p = 0,03) ( Tabela 4). De forma similar, um maior percentual de estimulação biventricular também foi fator protetor em relação à mortalidade ou hospitalização por ICC (HR de 0,97; p = 0,03). Nas Figuras 1B e 1D, respectivamente, pode ser vista a curva de sobrevida de acordo com a presença de IAM prévio e porcentagem de estimulação ventricular na avaliação de 6 meses.
Tabela 4 Análise univariada e modelo de risco proporcional de Cox para desfecho de hospitalização ou mortalidade total.
Análise univariada | Análise multivariada | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
HR | 95% CI | p | HR | 95% CI | p | |
FA Crônica | 1,74 | 1,05-2,86 | 0,030 | 2,01 | 1,06-3,84 | 0,03 |
Idade | 1,03 | 1,01-1,06 | 0,002 | |||
DPOC | 2,73 | 1,36-5,45 | 0,004 | 2,84 | 1,27-6,37 | 0,01 |
BRD | 3,18 | 1,56-6,47 | 0,001 | |||
BRE | 0,51 | 0,31-0,84 | 0,008 | |||
BIV.6m | 0,97 | 0,95-0,99 | 0,004 | 0,97 | 0,95-0,99 | 0,035 |
IAM prévio | 2,08 | 1,26-3,45 | 0,004 | 2,02 | 1,06-3,87 | 0,03 |
QRS>150 | 0,65 | 0,40-1,07 | 0,095 |
HR: "Hazard Ratio"; FA: fibrilação atrial; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; BRD: bloqueio de ramo direito; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; BIV.6m: estimulação biventricular em 6 meses; IAM: infarto agudo do miocárdio.
Conforme critérios previamente descritos, 42 pacientes (59%) apresentaram resposta ecocardiográfica. Para esta análise, avaliamos apenas aqueles pacientes que tinham dados ecocardiográficos antes e após TRC (n = 71). Na análise multivariada de possíveis preditores de resposta ecocardiográfica benéfica, os fatores independentemente associados foram presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) (HR de 2,58; p = 0,03), maior percentual de estimulação biventricular em 6 meses (HR de 1,12; p = 0,03) e ausência de insuficiência mitral moderada a grave (HR de 6,43; p = 0,005), como pode ser visto na Tabela 5.
Tabela 5 Análise univariada e multivariada para resposta ecocardiográfica após TRC
Análise univariada | Análise multivariada | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
RR | 95 % CI | p | RR | 95% CI | p | |
Insuf. Mitral Mín.* | 4,5 | 1,24-16,25 | 0,022 | 6,43 | 1.76-23,46 | 0,005 |
Insuf. Mitral leve* | 2,75 | 0,74-10,13 | 0,128 | |||
DPOC | 1,39 | 0,85-2,25 | 0,184 | |||
Estreitamento QRS | 1,42 | 0,84-2,40 | 0,193 | |||
BRE | 1,53 | 0,94-2,49 | 0,085 | 2,58 | 1,08-6,17 | 0,03 |
BIV.6m | 3,5 | 1,27-9,67 | 0,016 | 1,12 | 1,01-1,25 | 0,030 |
IAM prévio | 0,57 | 0,35-0,93 | 0,026 | |||
Duração QRS | 1,01 | 0,99-1,017 | ||||
Atrio Esquerdo | 0,75 | 0,55-1,02 | 0,070 | |||
VSFVE | 1,01 | 1,00-1,01 | 0,042 | |||
Fração Ejeção | 0,97 | 0,95-0,99 | 0,032 |
RR: risco relativo; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica ; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; BIV.6m: estimulação bi-ventricular em 6 meses; IAM: infarto agudo do miocárdio; VSFVE: volume sistólico final de ventrículo esquerdo.
*Comparação com insuficiência mitral moderada a grave.
Além disso, foi realizada análise de sobrevida estratificada entre pacientes com e sem resposta ecocardiográfica (Figura 2). De forma interessante, os pacientes que apresentaram resposta ecocardiográfica tiveram um risco estatisticamente menor de mortalidade total e grande impacto no desfecho combinado de mortalidade e hospitalização por IC, com diferença absoluta superior a 40% após 1.500 dias de seguimento.
Foram analisados 101 pacientes nos quais foram disponibilizados dados relativos à classe funcional em 12 meses. Identificamos que 71,3% dos pacientes apresentaram melhora de pelo menos 1 estágio de classe funcional no seguimento desse estudo. Os pacientes que apresentaram melhora na classe funcional apresentaram um risco 69% menor de mortalidade, conforme avaliado por regressão de Cox (HR de 0,31 para mortalidade; p = 0,006).
O presente estudo avalia a efetividade da TRC na prática do dia-a-dia, em um centro cardiológico de alta complexidade de um hospital terciário público e universitário no Brasil. Nossos dados demonstram taxa de mortalidade anual cumulativa semelhante àquela observada em grandes ensaios clínicos internacionais, bem como taxa de resposta ecocardiográfica ao redor de 60%. De forma consistente, também encontramos que a taxa de estimulação biventricular foi importante preditor de desfechos clínicos. No cenário nacional, existem poucos estudos que se propõem a avaliar a evolução de pacientes submetidos a TRC no mundo real, considerando as circunstâncias e peculiaridades do atendimento da IC. Neste contexto, nossos resultados são importantes para avaliação da efetividade da TRC em âmbitos local e nacional, permitindo aprimoramento na seleção de candidatos e no planejamento do melhor acompanhamento desses pacientes. Enfatizamos que esse estudo foi realizado apenas com pacientes do SUS, em um hospital terciário, que recebe pacientes de todo o estado do Rio Grande do Sul para avaliação e tratamento. Dessa forma acreditamos que esse estudo representa com fidedignidade a realidade da maior parte dos pacientes submetidos à TRC no nosso país.
O nosso estudo incluiu maioria de pacientes com implante de CDI-TRC (80,6%) em relação à TRC isolada. Este é um estudo retrospectivo que avaliou todos os pacientes submetidos à TRC isolada ou CDI-TRC no período avaliado. Como já descrito anteriormente, existem dados de custo-efetividade do implante de TRC no cenário público.7O implante de TRC isolado é custo-efetivo em pacientes do sistema público brasileiro, como demonstrou Bertoldi EG et al.11 Esse autor demonstrou que para pacientes elegíveis para CDI o implante de CDI-TRC ainda é marginalmente custo-efetivo.11Salientamos que todos os casos foram discutidos no Serviço de Cardiologia com participação da equipe assistente e as condutas baseadas nas melhores práticas e evidências disponíveis no momento do implante.
A mortalidade total nesta coorte foi de 30% em um seguimento médio de 34 meses e de 21,2% em 2 anos de seguimento. Destacamos uma taxa baixa de mortalidade cardiovascular (15,3%), correspondendo a aproximadamente metade das mortes totais. Estes dados foram derivados do Serviço de Informação de Óbito (SIM/RS) da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, que incorpora compulsoriamente todas as declarações de óbito do estado. A mortalidade dos pacientes submetidos à TRC do estudo CARE-HF em 1 e 2 anos foi de 9,2% e 18% respectivamente, sendo a mortalidade total de 20% em 29,4 meses,1 inferior à que encontramos. Considerando a mortalidade em 2 anos os nossos dados são próximos aos dados da mortalidade do CARE-HF nesse período. Embora a mortalidade total do nosso estudo seja maior do que a do CARE, a mortalidade cardiovascular do nosso estudo foi baixa (51% vs. 83% de mortalidade cardiovascular no do CARE-HF). Em estudo recentemente publicado realizado em um centro no Brasil, com pacientes incluídos entre 2008 e 2013, a mortalidade total foi de 25% (29/116) durante seguimento de 34 ± 17 meses.12
No presente estudo, os preditores independentes de mortalidade total foram: idade, DPOC e IAM prévio. Idade avançada e comorbidades clínicas são sistematicamente identificados como preditores de desfechos clínicos em pacientes com IC.13-15 Diversos estudos prévios já demonstram que o paciente com IC de etiologia isquêmica apresenta pior resposta à TRC, presumivelmente relacionada à presença de cicatrizes fibróticas extensas.16,17 A despeito disso, existem pacientes isquêmicos que respondem adequadamente à TRC, e esforços têm sido empregados para identificação de fatores que possam identificar maior probabilidade de resposta. A identificação de áreas cardíacas com maior atraso mecânico e/ou elétrico, antes e durante o implante do ressincronizador, através de ecocardiografia ou através da mensuração direta, pode ajudar a refinar a indicação de TRC nos pacientes isquêmicos e não isquêmicos. Alguns estudos atuais já têm apresentado resultados preliminares no emprego dessas técnicas.3,18-20 O uso da ressonância magnética nuclear cardíaca também pode ajudar a evitar cicatrizes e pode melhorar a taxa de resposta à TRC, particularmente nos pacientes isquêmicos,21 havendo relatos de áreas cicatriciais mais extensas entre os não-respondedores.16,17
Adicionalmente, observamos que o percentual de estimulação biventricular avaliado em 6 meses pós-implante foi associado a maior sobrevida. Existem dados consistentes na literatura que apontam na mesma direção. Recomenda-se que o percentual de estimulação biventricular deva ser o máximo possível, idealmente perto de 100%, o que se associaria a uma maior probabilidade de melhora clínica.22 Estes achados reforçam o conceito de que profissionais que lidam com pacientes com ICC avançada devam estar atentos e acompanhando periodicamente os pacientes no pós-implante para obter o maior benefício clínico possível. Existem situações específicas, como a presença ou surgimento de fibrilação atrial e ectopias, por exemplo, que podem diminuir significativamente a taxa de estimulação biventricular, reduzindo a chance de resposta clínica. Nesse estudo podemos observar claramente que pacientes com percentual de estimulação biventricular elevado (especialmente quando ≥ 95%) tiveram redução de mortalidade total e do desfecho combinado de morte e hospitalização por ICC. Nossos dados sugerem que para cada 1% a mais de estimulação biventricular, observamos redução do risco de mortalidade em 2,8%, independente de outros fatores. Esse resultado foi observado mesmo considerando que a média de estimulação biventricular dos nossos pacientes já era relativamente alta. Portanto, nossos dados estão de acordo com estudos prévios e confirmam o conceito vigente de "quanto maior a estimulação melhor será a resposta". Além disso, existem outros ajustes potenciais relativos à temporização dos estímulos em ventrículos direito e esquerdo e sua relação com achados eletrocardiográficos, que não foram possíveis de serem realizados nesse estudo por se tratar de uma coorte retrospectiva.
Destacamos que a população estudada concorda com os critérios de indicação vigentes no momento do implante, visto ser uma terapia onerosa e pouco disponível no nosso meio. Considerando que 61% dos pacientes apresentavam BRE e em torno de 20% dos pacientes eram portadores marcapasso com estimulação ventricular e piora da classe funcional, o que também é uma indicação precisa de ressincronização cardíaca, ao todo aproximadamente 82% dos pacientes tinham BRE ou estimulação ventricular pelo marcapasso.15
Avaliamos também os desfechos composto de mortalidade e hospitalização por ICC, além de resposta ecocardiográfica. Quanto ao desfecho composto de mortalidade e hospitalização por ICC, os preditores clínicos foram FA, DPOC e IAM prévio. A estimulação biventricular, de forma consistente, foi fator protetor. Nos pacientes caracterizados com resposta ecocardiográfica benéfica (remodelamento reverso) nesse estudo (aumento de FEVE e/ou redução de volume sistólico), a mortalidade foi significativamente menor. Os principais preditores de resposta à TRC, já relatados na literatura, são sexo feminino, etiologia não isquêmica da ICC, presença de BRE e QRS ≥ 150 ms.15,23 No nosso estudo o percentual de resposta ecocardiográfica foi de 59,1% com 40,9% de não respondedores, o que estaria compatível com a faixa de 30-40% de não respondedores relatados na literatura. Dados de 15 estudos agrupados em artigo recente demonstraram uma taxa de resposta clínica de 67% e em sub-análise do estudo PROSPECT a taxa de resposta ecocardiográfica foi de 57%, com 43% de não respondedores.23-26 As variáveis independentemente associadas à resposta ecocardiográfica na nossa análise foram ausência de insuficiência mitral, presença de BRE e estimulação biventricular. Enfatizamos que o percentual de pacientes com melhora clínica sintomática em 12 meses, avaliada pela classe funcional da NYHA, foi de 71,3%. Dessa forma, considerando-se a melhora da classe funcional como critério de resposta, tivemos 28,7% de não respondedores à TRC. Assim como no estudo de Boidol et al, a melhora da classe funcional está significativamente correlacionada com diminuição da mortalidade, o que confere maior valor a esse critério de resposta, embora de caráter subjetivo.9
De uma forma geral, o presente estudo confirma vários achados da literatura e pode nos ajudar a selecionar pacientes candidatos à TRC no contexto nacional. Deve-se salientar que após o implante de ressincronizador deve ser mantido contato próximo, com revisões frequentes para avaliação e possíveis ajustes, como, por exemplo, intervenções para otimizar o percentual de estimulação biventricular. Essas intervenções podem ser medicamentosas ou através de procedimentos como, por exemplo, a ablação do nó AV em pacientes com fibrilação atrial, o que permitirá percentual de estimulação biventricular estar próximo de 100%.
As principais limitações desse estudo referem-se a possíveis viéses de informação, visto se tratar de estudo retrospectivo de revisão de prontuário com taxa não ideal de informações inexistentes. Em especial, tivemos número limitado de pacientes com dados ecocardiográficos adequados antes e após implante do ressincronizador (71), e um "missing" de 69 pacientes na avaliação clínica da classe funcional. Muitos pacientes não fizeram exames de controle ou os fizeram em outros locais diferentes, no hospital de referência. Esse é um estudo retrospectivo de vida real, com pacientes do sistema público de saúde nacional, o que o torna relevante no contexto regional e nacional. Limitações na coleta de dados desse tipo de estudo são um grande problema de logística, mas acreditamos que o nosso trabalho possa ainda representar amostra fidedigna da nossa população, até mesmo porque os resultados obtidos são coerentes, à despeito do "missing" de dados.
A mortalidade nos pacientes submetidos à TRC em hospital terciário no sul do Brasil foi independentemente associada à idade, presença de DPOC e IAM prévio. O percentual de estimulação biventricular avaliado 6 meses após o implante do ressincronizador foi independentemente associado à melhora da sobrevida e menor risco do desfecho combinado de morte e hospitalização. Resposta ecocardiográfica adequada, aferida por indícios de remodelamento reverso, também foi associada a menor risco de mortalidade total e hospitalização por ICC.