versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.2 São Paulo fev. 2016 Epub 26-Jan-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160013
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum em adultos e é encontrada em 10-15% dos pacientes com hipertireoidismo. A menos que haja retorno ao eutireoidismo, a cardioversão farmacológica ou elétrica é controversa em pacientes com FA que permanecem com hipertireoidismo.
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da cardioversão elétrica e os preditores de recorrência de FA em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo.
O estudo incluiu pacientes com FA persistente, dos quais 33 (21 homens) apresentavam hipertireoidismo e 48 (17 homens) eutireoidismo. Os pacientes foram sedados com midazolam endovenoso antes de serem submetidos à cardioversão elétrica com choques sincronizados bifásicos. As taxas de recorrência da FA foram registradas.
O tempo médio de seguimento foi de 23,63 ± 3,74 meses no grupo com hipertireoidismo e 22,78 ± 3,15 meses no grupo com eutireoidismo (p = 0,51). A FA recorreu em 14 (43,8%) e 21 (44,7%) pacientes em cada grupo, respectivamente (p = 0,93). Uma análise de regressão multivariada em cada grupo mostrou que a duração da FA foi o único preditor de recorrência de FA com odds ratios de 1,38 (intervalo de confiança [IC] 95% = 1,05 - 1,82, p = 0,02) no grupo com hipertireoidismo e 1,42 (IC 95% = 1,05 - 1,91, p = 0,02) no grupo com eutireoidismo.
As taxas de recorrência da FA a longo prazo foram semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo submetidos com sucesso à cardioversão. A duração da FA foi o único preditor de recorrência da FA em ambos os grupos.
Palavras-Chave: Fibrilação Atrial; Recidiva; Arritmias Cardíacas; Hipertireoidismo; Cardioversão Elétrica
Atrial fibrillation (AF) is the most common arrhythmia in adults, and is encountered in 10-15% of the patients with hyperthyroidism. Unless euthyroidism is restored, pharmacological or electrical cardioversion is controversial in patients with AF who remain hyperthyroid.
The aim of this study was to assess the efficacy of electrical cardioversion and predictors of AF recurrence in hyperthyroid and euthyroid patients.
The study included 33 hyperthyroid (21 males) and 48 euthyroid (17 males) patients with persistent AF. The patients were sedated with intravenous midazolam before undergoing electrical cardioversion delivered by synchronized biphasic shocks. Rates of AF recurrence were recorded.
Mean follow-up was 23.63 ± 3.74 months in the hyperthyroid group and 22.78 ± 3.15 months in the euthyroid group (p = 0.51). AF recurred in 14 (43.8%) and 21 (44.7%) patients in each group, respectively (p = 0.93). Multivariate regression analysis in each group showed that AF duration was the only predictor of AF recurrence, with odds ratios of 1.38 (95% confidence interval [CI] = 1.05 - 1.82, p = 0.02) in the hyperthyroid group and 1.42 (95% CI = 1.05 - 1.91, p= 0.02) in the euthyroid group.
Rates of long-term AF recurrence were similar in successfully cardioverted hyperthyroid and euthyroid patients. The only predictor of AF recurrence in both groups was AF duration.
Key words: Atrial Fibrillation; Recurrence; Arrhythmias, Cardiac; Hyperthyreoidism; Electric Countershock
A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada por ativação atrial não-coordenada seguida posteriormente por disfunção mecânica.1 A FA é a segunda causa mais comum de arritmia na cardiologia após a taquicardia sinusal2 e ocorre em 10 - 15% dos pacientes com hipertireoidismo.
O tromboembolismo arterial, complicação mais grave da FA, resulta frequentemente em acidente vascular cerebral.3 Estudos recentes demonstram que o risco de acidente vascular cerebral isquêmico aumenta significativamente em pacientes com FA.4 A alta incidência de eventos tromboembólicos em pacientes idosos com hipertireoidismo, insuficiência cardíaca e FA está associada com um aumento das taxas de mortalidade e morbidade.5-7
Uma vez que o risco de eventos tromboembólicos está associado com a duração da FA, a restauração mais precoce possível do ritmo sinusal (RS) é importante para diminuir o risco de complicações fatais em pacientes com hipertireoidismo e FA. Embora o hipertireoidismo seja considerado uma causa reversível de FA, apenas dois terços dos pacientes retornam espontaneamente ao RS após seus níveis de hormônios tireoidianos retornarem ao normal.8 Para os pacientes que persistem com FA após recuperarem o eutireoidismo, a cardioversão é uma opção.6,9 No entanto, como o risco de tromboembolismo é substancial em pacientes com FA, o adiamento da cardioversão até o retorno ao eutireoidismo é controverso.
O objetivo deste estudo foi identificar preditores de recorrência de FA e comparar as taxas de recorrência de FA em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo submetidos com sucesso à cardioversão elétrica.
Entre janeiro de 2006 e julho de 2010, um total de 137 pacientes consecutivos se ofereceram voluntariamente para participar deste estudo e foram submetidos à cardioversão eletiva por apresentarem FA persistente, de acordo com indicação clínica. Pacientes com níveis de TSH abaixo dos valores de referência foram considerados como tendo hipertireoidismo. Os níveis hormonais considerados normais foram de 0,34 - 5,60 μlU/mL para o TSH, 2,50 - 4,20 pg/mL para o T3 livre (T3L) e 0,58 - 1,64 pg/dL para o T4 livre (T4L). Os critérios de exclusão para a participação no estudo foram a ocorrência de doença cardíaca valvar grave, história de cirurgia valvar prévia, disfunção ventricular esquerda grave (fração de ejeção [FE] < 50%), aumento importante (> 5 cm) do átrio esquerdo (AE), história prévia de cardioversão elétrica ou farmacológica para FA, história de ablação da FA e presença de FA paroxística. Após a exclusão de 29 pacientes com doença cardíaca valvar grave, 21 com disfunção ventricular esquerda, e seis com FA paroxística, a amostra final foi composta por 81 pacientes com FA persistente.
O comitê de ética do nosso hospital aprovou o protocolo do estudo e nós obtivemos consentimento informado de todos os pacientes incluídos. Nós realizamos exame físico dos participantes, registramos o uso de medicamentos para doenças sistêmicas concomitantes e coletamos amostras de sangue venoso periférico para o hemograma e análise bioquímica.
Os pacientes foram considerados hipertensos quando apresentavam pressão arterial sistólica (PAS) acima de 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) acima de 90 mmHg em duas medidas consecutivas com intervalo de 6 horas, ou quando estavam em uso de anti-hipertensivos. Eles foram caracterizados como diabéticos quando apresentavam glicemias de jejum acima de 126 mg/dL em duas medidas consecutivas, ou usavam antidiabéticos orais ou insulina.
Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia transtorácica (ETT) antes e 24 horas depois da cardioversão, seguindo as diretrizes daAmerican Society of Echocardiography.10 Nós realizamos esta avaliação com o sistema Vivid7 Pro TTE e transdutor de 3,5 MHz com o paciente posicionado em decúbito lateral. Nós calculamos a FE do ventrículo esquerdo com a fórmula de Teichholz a partir de imagens obtidas em modo M de corte paraesternal longitudinal, e medimos o volume do AE com o método área-comprimento biplano modificado.11,12 Para calcular a FEAE, utilizamos a seguinte fórmula (em %): (volume máximo atrial esquerdo [VMaxAE] - volume mínimo atrial esquerdo [VMinAE] /VMaxAEx100). No corte apical de quatro câmaras, nós medimos a velocidade de pico da onda E e o tempo de desaceleração da onda E com Doppler pulsado posicionando o volume da amostra (3 mm) entre as extremidades dos folhetos da valva mitral, e obtivemos imagens do anel mitral lateral com doppler tecidual (DT). Os ganhos foram minimizados, e o filtro do DT e o limite Nyquist foram ajustados para 16 - 20 cm/s para otimizar o sinal do tecido. As velocidades diastólicas precoces do anel mitral (Em) foram medidas.13Todos os dados foram calculados a partir da média de 3 - 5 batimentos consecutivos para acomodar a variação dos intervalos R-R da FA.
Todos os pacientes foram avaliados com ecocardiografia transesofágica (ETE) com um transdutor de 6 MHz para excluir a presença de trombos atriais antes da cardioversão.
O procedimento foi realizado com eletrocardiograma (ECG) de uma derivação gravado continuamente e com monitoramento da frequência cardíaca e pressão arterial. Nós obtivemos as velocidades de fluxo sanguíneo (enchimento e esvaziamento) no apêndice atrial esquerdo (AAE) com Doppler pulsado em corte longitudinal durante o ETE através do posicionamento do volume da amostra no terço proximal (cerca de 1 cm para dentro) da cavidade do AAE. O AE e o AAE foram cuidadosamente rastreados em diversos cortes em busca de evidência de trombos.
Foi realizada anticoagulação antes da cardioversão com infusão endovenosa contínua de heparina (17 U/kg) em pacientes em tratamento ineficaz ou sem tratamento com varfarina. A dose de heparina foi ajustada para manter o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) entre 1,5 a 2 vezes o valor normal. Os pacientes com eutireoidismo sem trombo intracardíaco nos exames de ETT e ETE receberam amiodarona intravenosa (dose inicial de 5 mg/kg e dose de manutenção de 10 - 15 mg/kg/h por 24 horas). Em pacientes com hipertireoidismo, foi iniciado tratamento com betabloqueador através da infusão de esmolol (dose inicial de 500 mg/kg durante 1 min e dose de manutenção de 0,05 mg/kg/min com incrementos de 0,05 mg/kg/min a cada 5 min de acordo com a frequência ventricular para atingir uma dose máxima de 0,2 mg/kg/min) seguida por metoprolol (50 - 100 mg via oral) e propiltiouracil (dose inicial de 150 - 300 mg/dia e dose de manutenção determinada de acordo com a resposta clínica).
Os pacientes foram sedados antes da cardioversão com midazolam por via intravenosa (dose inicial de 3 mg seguida de injeções de 1 mg até a sedação). A cardioversão elétrica transtorácica por corrente direta (CD) foi realizada em uma unidade de terapia intensiva com choques de CD bifásicos e sincronizados com a utilização de um cardioversor-desfibrilador (Cardiolife TEC 5531, Nihon Kohden Corporation, Japão). A quantidade inicial de energia a ser aplicada na cardioversão foi fixada em 150 J e os níveis subsequentes foram de 200 J e 270 J. Choques de CD externos e bifásicos foram aplicados a critério do médico até atingir o nível mais alto de energia (270 J) ou até restauração do RS. A cardioversão foi considerada bem-sucedida quando o RS durou mais de um minuto após o procedimento. Os pacientes que recuperaram o RS após a cardioversão receberam anticoagulação efetiva (razão normalizada internacional [RNI] maior que 2,0) por 1 mês com varfarina (dose inicial de 5 mg/dia ajustada posteriormente para manter o RNI entre 2 - 3). Após a alta hospitalar, a amiodarona foi interrompida, metoprolol por via oral 100 - 200 mg/dia foi mantido e propafenona 150 - 300 mg/dia (ambos ajustados de acordo com a frequência cardíaca) foi iniciada nos dois grupos. A frequência e o ritmo cardíaco foram monitorados com ECG de 12 derivações. Os pacientes foram avaliados 1, 2 e 4 semanas após o procedimento com exame físico, ECG e determinação da RNI. A varfarina foi interrompida 1 mês após o procedimento nos pacientes que recuperaram o RS e foi prescrita novamente de acordo com o risco de tromboembolismo nos pacientes que apresentaram recorrência da FA. As visitas de acompanhamento foram realizadas mensalmente para monitoramento do ritmo cardíaco e os pacientes foram orientados a procurar o hospital imediatamente se apresentassem sintomas de palpitações ou ritmo irregular.
Os dados foram coletados e analisados com SPSS 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio-padrão e comparadas com os testes t de Student e Mann-Whitney U. As variáveis categóricas foram expressas em porcentagens e comparadas com o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher, quando apropriado. Análises de regressão logística univariada e multivariada foram utilizadas para determinar os preditores significativos de recorrência da FA após a cardioversão. A sensibilidade e a especificidade da duração da FA em predizer a recorrência da FA foi analisada através da análise de curvas ROC(receiver operating characteristic). Valores de p menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
A cardioversão foi bem-sucedida em 79 pacientes e malsucedida em dois pacientes, um do grupo com eutireoidismo e outro do grupo com hipertireoidismo. A taxa de sucesso da cardioversão nos grupos com eutireoidismo e hipertireoidismo foram de 97,6% (42 de 43 pacientes) e 96,9% (32 de 33 pacientes), respectivamente. Entre os pacientes com cardioversão bem-sucedida, houve uma prevalência do sexo masculino no grupo com hipertireoidismo e do sexo feminino no grupo com eutireoidismo (p = 0,006) (Tabela 1). O diabetes foi significativamente mais frequente no grupo com eutireoidismo (p = 0,01) (Tabela 1). Como esperado, ambos os grupos apresentaram diferenças significativas nos níveis de TSH (p < 0,001), T3L (p = 0,001) e T4L (p < 0,001) (Tabela 2). Pacientes com hipertireoidismo iniciaram tratamento com antitireoidianos logo após o diagnóstico do hipertireoidismo e o mantiveram durante a cardioversão.
Tabela 1 Características basais dos pacientes
Hipertireoidismo (n = 32) | Eutireoidismo (n = 47) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 65,53 ± 6,53 | 61,17 ± 10,34 | 0,09 |
Género (M/F) | 21 (65,6%) / 11 (34,4%) / | 16 (34,0%) / 31 (66,0%) / | 0,006 |
Pulsação (batimentos/min) | 113,56 ± 18,90 | 109,63 ± 20,14 | 0,38 |
PAS (mmHg) | 140,59 ± 16,57 | 138,93 ± 16,67 | 0,66 |
PAD (mmHg) | 86,71 ± 9,29 | 84,78 ± 9,49 | 0,37 |
Diabetes mellitus | 0 (0%) | 8 (17%) | 0,01 |
Hipertensão | 25 (78,1%) | 37 (78,7%) | 0,94 |
Eventos cerebrovasculares | 1 (3,1%) | 1 (2,1%) | 0,78 |
Doença arterial coronariana | 0 (0%) | 2 (4,3%) | 0,23 |
Tabagismo | 5 (15,6%) | 4 (8,5%) | 0,32 |
Escore CHA2DS2-VASc | 1,8 ± 1,1 | ,0 1±12, | 0,31 |
Dislipidemia | 2 (6,7%) | 4 (8,5%) | 0,71 |
Ácido acetilsalicílico | 30 (93,8%) | 42 (89,4%) | 0,50 |
Betabloqueador | 27 (84,4%) | 33 (70,2%) | 0,64 |
BCC | 1 (3,1%) | 1 (21%) | 0,78 |
Inibidores da ECA | 24 (75,0%) | 33 (70,2%) | 0,64 |
BRA | 1 (3,1%) | 3 (6,4%) | 0,51 |
Estatina | 0 (0%) | 2 (2,5%) | 0,23 |
Diuréticos | 0 (0%) | 1 (2,1%) | 0,40 |
Varfarina | 12 (37,5%) | 17 (36,2%) | 0,90 |
Duração da FA (meses) | 5,92 ± 4,10 | 6,22 ± 4,52 | 0,75 |
Energia CV (J) | 214,68 ± 44,72 | 221,91 ± 43,11 | 0,47 |
FA: fibrilação atrial; M: masculino; F: feminino; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina; Inibidores da ECA: enzima de conversão da angiotensina; BCC: bloqueadores do canal de cálcio; CHA2DS2-VASc: sistema de pontuação baseado na presença de insuficiência cardíaca, hipertensão, idade ≥ 75 (peso duplo), diabetes, acidente vascular cerebral (peso duplo), doença vascular, idade 65 - 74 anos e categoria do gênero (feminino); CV: cardioversão; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.
Tabela 2 Achados ecocardiográficos e bioquímicos dos pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo
Hipertireoidismo (n = 32) | Eutireoidismo (n = 47) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Hemoglobina (g/dL) | 12,13 ± 1,09 | 12,49 ± 1,34 | 0,20 |
Leucócitos (x103) | 8,03 ± 1,43 | 8,37 ± 1,07 | 0,22 |
Plaquetas (x103) | 282,18 ± 67,76 | 275,65 ± 52,76 | 0,63 |
Glicose (mg/dL) | 98,93 ± 7,01 | 105,38 ± 20,84 | 0,09 |
Ureia (mg/dL) | 30,00 ± 8,13 | 36,80 ± 8,15 | 0,52 |
Creatinina (mg/dL) | 0,99 ± 0,16 | 1,00 ± 0,14 | 0,74 |
Na (mmol/L) | 140,90 ± 2,53 | 139,82 ± 2,67 | 0,07 |
K (mmol/L) | 4,55 ± 0,36 | 4,50 ± 0,35 | 0,50 |
TSH (mIU/mL) | 0,018 ± 0,003 | 2,77 ± 1,36 | < 0,001 |
T3L (pg/mL) | 6,67 ± 6,24 | 2,57 ± 0,60 | 0,001 |
T4L (pg/mL) | 2,39 ± 1,23 | 1,26 ± 0,14 | < 0,001 |
FEVE (%) | 60,68 ± 6,72 | 62,42 ± 6,20 | 0,24 |
Diâmetro AE (cm) | 4,40 ± 0,36 | 4,39 ± 0,34 | 0,89 |
Diâmetro do AE 24a horas (cm) | 4,32 ± 0,37 | 4,36 ± 0,34 | 0,60 |
Volume máximo do AE (mL) | 88,11 ± 21,89 | 79,15 ± 24,07 | 0,09 |
Volume máximo do AE 24a horas (mL) | 99,76 ± 23,23 | 92,73 ± 24,33 | 0,21 |
FEAE (%) | 45,26 ± 5,53 | 43,78 ± 8,23 | 0,46 |
FEAE 24a horas (%) | 55,14 ± 4,33 | 53,96 ± 5,56 | 0,42 |
PVEsAAE (cm/seg) | 0,47 ± 0,07 | 0,47 ± 0,12 | 0,92 |
VMesAAE (cm/sec) | 0,39 ± 0,06 | 0,39 ± 0,10 | 0,88 |
PVEnAAE (cm/sec) | 0,51 ± 0,07 | 0,50 ± 0,13 | 0,66 |
VMEnAAE (cm/sec) | 0,41 ± 0,07 | 0,40 ± 0,10 | 0,54 |
E mitral (cm/seg) | 0,79 ± 0,14 | 0,77 ± 0,15 | 0,54 |
E mitral 24a horas (cm/sec) | 0,73 ± 0,18 | 0,69 ± 0,17 | 0,52 |
A mitral 24a horas (cm/sec) | 0,47 ± 0,16 | 0,40 ± 0,16 | 0,08 |
A mitral ITV 24a horas (cm) | 9,10 ± 2,73 | 8,40 ± 2,27 | 0,48 |
E1 VE lateral (cm/sec) | 0,10 ± 0,02 | 0,10 ± 0,02 | 0,83 |
E1 VE lateral 24a horas (cm/sec) | 0,09 ± 0,03 | 0,09 ± 0,03 | 0,77 |
E/E1 mitral | 8,17 ± 2,74 | 8,24 ± 3,47 | 0,93 |
E/E1 mitral 24a horas | 7,80 ± 2,42 | 7,90 ± 2,52 | 0,89 |
TSH: hormônio estimulante da tireoide; T3L: tri-iodotironina livre; T4L: tiroxina livre; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo; FEAE: fração de ejeção do átrio esquerdo; PVEsAAE: pico da velocidade de esvaziamento do apêndice atrial esquerdo; VMEsAAE: velocidade média de esvaziamento do apêndice atrial esquerdo; PVEnAAE pico da velocidade de enchimento do apêndice atrial esquerdo; VMEnAAE velocidade média de enchimento do apêndice atrial esquerdo; E: onda de enchimento diastólico inicial; A: onda de enchimento diastólico tardio; ITV: integral tempo-velocidade, E1: onda diastólica inicial ao Doppler tecidual.
Ambos os grupos com hipertireoidismo e eutireoidismo apresentaram semelhantes durações de seguimento (23,63 ± 3,74 meses e 22,78 ± 3,15 meses, respectivamente, p = 0,51), taxas de recorrência da FA (43,8% [14 pacientes] e 44,7% [21 pacientes], respectivamente, p = 0,93) (Figura 1) e tempo de recorrência da FA (6,81 ± 4,53 meses e 7,90 ± 4,22 meses, respectivamente, p = 0,52). Uma análise de regressão univariada incluindo pacientes do grupo com eutireoidismo revelou que a idade, duração da FA, quantidade de energia aplicada na cardioversão, história de hipertensão, FEAE, pico da velocidade de esvaziamento do AAE (PVEsAAE), velocidade média de esvaziamento do AAE (VMEsAAE), pico da velocidade de enchimento do AAE (PVEnAAE) e uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) foram preditores significativos de recorrência da FA (p = 0,03, p < 0,01, p = 0,01, p = 0,03, p = 0,04, p = 0,02, p = 0,03, p = 0,048 e p = 0,04, respectivamente). Na análise de regressão multivariada, a duração da FA foi o único preditor significativo de recorrência da FA no grupo com eutireoidismo (odds ratio [OR] = 1,42, intervalo de confiança de 95% [IC] = 1,05 - 1,91, p = 0,02). No grupo com hipertireoidismo, a duração da FA (p < 0,01), a velocidade máxima da onda A do fluxo mitral na 24a. hora (p = 0,01) e a integral tempo-velocidade (p = 0,02) emergiram como preditores significativos de recorrência da FA na análise de regressão univariada, enquanto que neste grupo a duração da FA foi também o único preditor de recorrência de FA na análise multivariada (OR = 1,38, 95% CI = 1,05 - 1,82, p = 0,02]. Análises de curva ROC mostraram que as taxas de sensibilidade e especificidade de uma FA com duração de 9,5 meses em predizer a recorrência da FA foram 60% e 78%, respectivamente, no grupo com eutireoidismo e 55% e 76%, respectivamente, no grupo com hipertireoidismo (Figura 2).
Figura 1 Taxa de recorrência da fibrilação atrial em pacientes com eutireoidismo e hipertireoidismo.RS: ritmo sinusal; FA: fibrilação atrial
Este estudo avaliou as taxas e os preditores de recorrência da FA após cardioversão em indivíduos com eutireoidismo e hipertireoidismo. O achado principal foi que a longo prazo as taxas de recorrência da FA foram semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo após cardioversão e que a duração da FA foi o único parâmetro preditivo de recorrência da FA em ambos os grupos.
A FA é o distúrbio de ritmo mais comum na prática clínica e é considerada um fator de risco independente para eventos cardiovasculares,14,15 com aumento da frequência com o envelhecimento. Idade, sexo masculino, cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca congestiva e distúrbios valvares do coração estão entre os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da FA.15 Devido aos batimentos cardíacos rápidos e irregulares, trombos podem se formar no coração de pacientes com FA. A entrada desses trombos na corrente sanguínea pode causar complicações que aumentam a morbidade e mortalidade associadas com a doença, tais como embolia periférica e derrame, em particular.15 A FA crônica carrega um risco anual de complicações tromboembólicas de 3 - 4%; este risco é 5 - 7 vezes maior do que o encontrado em pacientes com RS.16
Um nível sérico baixo de TSH é um fator de risco independente para FA.17,18 Um estudo realizado em mais de 23.000 pacientes encontrou FA em 2,3% dos pacientes com eutireoidismo, 12,7% daqueles com hipertireoidismo subclínico e 13,8% com hipertireoidismo clínico.19 Siu et al.8 mostraram que no período de um de 1 ano, 9,4% dos pacientes com hipertireoidismo e FA apresentaram acidente vascular cerebral isquêmico em comparação a 3,1% nos pacientes sem hipertireoidismo. A incidência de acidente vascular cerebral isquêmico em pacientes com hipertireoidismo e FA tem sido descrita como sendo significativamente maior do que a encontrada em pacientes com eutireoidismo.4,20
Uma abordagem comum de tratamento da FA induzida por hipertireoidismo é a normalização inicial dos níveis de hormônios tireoidianos.8 Apesar do hipertireoidismo ser considerado uma causa reversível de FA, apenas 60 - 70% dos pacientes com hipertireoidismo retornam para um RS quando os hormônios tireoidianos normalizam, com os restantes 30 - 40% dos pacientes mantendo FA permanente.8O retorno ao RS ocorre dentro das primeiras 8-10 semanas depois que os hormônios tireoidianos retornam aos níveis normais.21 Este período é muito longo quando se considera o impacto de uma complicação tromboembólica.9 A restauração do RS diminui o risco de eventos tromboembólicos e melhora a função da bomba cardíaca.8
Mais de um terço dos pacientes apresentam recorrência da FA nas primeiras duas semanas após a cardioversão. O risco de recorrência diminui mais tarde e se torna estável durante o período de seguimento.22 Um estudo relatou que enquanto a taxa de sucesso da cardioversão é de cerca de 90% em casos com duração de FA abaixo de 1 ano, o risco de recorrência é de 40% nos primeiros 6 meses e 50 - 60% ao final do primeiro ano, mesmo com o uso de medicamentos antiarrítmicos.23 A duração média da FA em nossos pacientes foi de 6 meses e 97,5% (79 de 81) retornaram ao RS. Esta elevada taxa de sucesso pode ser explicada pelo encontro em nossos pacientes de FA de curta duração, AE com dimensões reduzidas, pré-medicação com drogas antiarrítmicas, idade jovem e função ventricular esquerda adequada. Em pacientes com hipertireoidismo, o estado hipertireóidico preservou a função contrátil do AE e do AAE, que aumentaram a taxa de sucesso da cardioversão.
Um estudo realizado por Emery e Staffurth24 demonstrou que após uma cardioversão bem-sucedida, 45% dos pacientes mantêm o RS durante 2 anos. Esta proporção diminuiu para 36% quando o acompanhamento foi maior (média de 7,4 anos).24 Siu et al.8 demonstraram que as taxas de recorrência da FA 24 meses após uma cardioversão bem-sucedida foram de 59% em pacientes com FA e hipertireoidismo comparadas com 83% naqueles com FA e sem disfunção tireoidiana. O risco de recorrência da FA em nosso estudo foi semelhante em pacientes com hipertireoidismo (14 pacientes, taxa de recorrência 43,8%) e eutireoidismo (21 pacientes, taxa de recorrência 44,7%, p = 0,93). As diferenças em taxas de recorrência entre nosso e outros estudos podem ser atribuídas a durações diferentes da FA e a características ecocardiográficas dos pacientes.21-24 Um estudo semelhante mostrou um risco de recorrência de 30% no primeiro ano após a cardioversão, que aumentou para 60 e 79% quando a cardioversão foi adiada por 12 e 36 meses, respectivamente8. O risco de recorrência da FA foi menor em pacientes com hipertireoidismo quando comparado ao de pacientes com eutireoidismo,8 embora outro estudo como o nosso tenha encontrado um ritmo semelhante em ambos os grupos.25 Considerando-se as complicações da FA e o longo período de 8 a 10 semanas necessário para os níveis de hormônios tireoidianos normalizarem, a cardioversão pode ser realizada em pacientes com hipertireoidismo mesmo antes de retornarem ao eutireoidismo.
Os principais preditores de recorrência da FA após uma cardioversão bem-sucedida são disfunção ventricular esquerda grave, aumento de volume do AE e FA anterior com longa duração.22 A longa duração da FA leva ao aumento de volume atrial e desenvolvimento de circuitos reentrantes atriais adicionais. Além disso, o tempo de condução atrial encurta devido às alterações fibrosas e inflamatórias no tecido miocárdio atrial. Estes fatores levam à FA permanente e a maiores taxas de recorrência.26,27 Em nosso estudo, os preditores de recorrência da FA foram avaliados em indivíduos tanto com hipertireoidismo quanto com eutireoidismo e o único preditor significativo de recorrência da FA foi uma FA com longa duração.
Aumento nos níveis de proteína C reativa (PCR), peptídeo natriurético atrial (ANP) e peptídeo natriurético cerebral (BNP), e diminuição nos níveis de aldosterona foram demonstrados ser preditores de recorrência da FA. Estes marcadores bioquímicos refletem inflamação e ativação dos sistemas neuro-hormonal e renina-angiotensina-aldosterona. Há interesse crescente em explorar a participação da inflamação e do estresse oxidativo na fisiopatologia da FA. Uma metanálise sugeriu que o aumento dos níveis basais de PCR está associado com um risco maior de recorrência da FA após cardioversão elétrica bem-sucedida, embora tenha havido heterogeneidade significativa entre os estudos.28 Devido à ativação neuro-hormonal, os níveis de ANP e BNP aumentam em pacientes com FA e diminuem após cardioversão bem-sucedida. No entanto, as evidências analisando o valor preditivo dos peptídeos natriuréticos são conflitantes.29 Recentemente, outros fatores fisiopatológicos associados com o sistema renina-angiotensina-aldosterona foram avaliados através da determinação dos níveis de aldosterona. O nível sérico de aldosterona é um marcador de remodelação estrutural atrial, e níveis mais baixos deste hormônio têm sido associados com uma taxa menor de recorrência de FA.30 Nosso estudo não avaliou marcadores bioquímicos, embora o hipertireoidismo possa influenciar os níveis de ANP e BNP o que pode ter interferido com os resultados.
Em pacientes com eutireoidismo, um atraso eletromecânico no AE e a duração da onda P têm sido demonstrados como preditores de recorrência de FA.31,32 Além disso, os estudos analisando a duração da onda P apresentaram heterogeneidade significativa.32,33
A principal limitação do nosso estudo é o pequeno tamanho da amostra. Apesar disso, nosso estudo apresenta uma alternativa de tratamento que pode prevenir complicações fatais em pacientes com hipertireoidismo e FA. Outra limitação é que nós não avaliamos marcadores bioquímicos ou parâmetros eletrocardiográficos e eletromecânicos, que poderiam ter sido afetados por muitos fatores. As conclusões preliminares deste estudo devem ser confirmadas em estudos clínicos controlados com um tamanho de amostra maior de pacientes com FA induzida por hipertireoidismo.
O hipertireoidismo é uma causa de FA, e apenas 65 - 70% dos pacientes retornam espontaneamente para um RS depois dos níveis hormonais normalizarem. Todos os pacientes com FA, independente de terem hipertireoidismo ou eutireoidismo, têm um risco substancial de tromboembolismo. Para prevenir esta complicação, pacientes com hipertireoidismo podem ser submetidos à cardioversão antes mesmo de recuperarem o eutireoidismo.
As taxas de recorrência da FA são semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo e a duração da FA é o único preditor de recorrência de FA em ambos.