versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.1 Rio de Janeiro jan. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.29932016
The fear of falling constitutes a real risk factor for falls. It has also been associated with functional decline, decreased quality of life and increased social isolation among the elderly population. This study analyzed predictors of the fear of falling in elderly Portuguese people that live in the community. A cross-sectional study with a convenience sample of 98 participants (57.1% women; mean age 74.07 ± 8.74 years) was conducted. Data were collected with a protocol which includes a questionnaire for sociodemographic and health information, the Activity Specific Balance Confidence Scale, the Hospital Anxiety and Depression Scale, the Lubben Social Network Scale-6, the Timed Up and Go, and Five Times Sit to Stand Test. Data were analyzed using descriptive and inferential statistics. The results showed that female gender (p = 0.01), the perception of good (p = 0.01) and moderate (p = 0.02) physical health and the symptoms of depression (p ≈ 0.00) are predictors of fear of falling. Controlling these predictors is a fundamental aspect for promoting the independence of elderly people minimizing the consequences that are associated with the fear of falling.
Key words Elderly people; Fear of falling; Predictors; Community
O aumento da esperança de vida e da proporção de pessoas idosas nas estruturas demográficas tem suscitado várias preocupações em torno dos episódios incapacitantes, nomeadamente a ocorrência de quedas.
O grupo ProFaNE (Prevention of Falls Network Europe)1 definiu a queda como “um evento inesperado no qual o participante desce para o chão ou outro nível inferior”.
As quedas são uma importante causa de morbilidade e mortalidade2 representando um problema de saúde pública3 e uma das grandes síndromes geriátricas4,5. Estima-se que todos os anos cerca de 30% das pessoas idosas sofram, pelo menos, uma queda6,7, número que aumenta para 32% a 42% em pessoas com mais de 70 anos8 e cerca de 50% para pessoas com mais de 80 anos7.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde3, as pessoas com mais de 70 anos, principalmente do sexo feminino, apresentam taxas de mortalidade associadas a quedas superiores às pessoas mais jovens. As causas para este fenômeno podem estar associadas à diminuição da força muscular9, à osteoporose, à prevalência de doenças crônicas e a uma maior restrição à vida doméstica10,11.
Tinetti e Kumar12 revelam que os fatores de risco mais associados à ocorrência de quedas são a existência de quedas anteriores, a medicação e os distúrbios da força, da marcha e do equilíbrio.
De fato, as quedas têm um impacto significativo na qualidade de vida e saúde da própria pessoa que caiu, na sua família e na comunidade, implicando custos elevados em cuidados de saúde7. Estima-se que 70% das quedas levam ao aparecimento do medo de cair13, e que este é observado em cerca de 20,8% a 85% da população idosa5. Estima-se também que 12% a 65% da população idosa a viver na comunidade e que não tenha sofrido qualquer queda apresente medo de cair14,15. A prevalência de medo de cair parece aumentar com a idade e ter maior prevalência no sexo feminino16,17.
Tinetti e Powell18 descreveram o medo de cair como uma “preocupação permanente em relação à queda que leva a pessoa idosa a evitar desempenhar as atividades de vida diárias”.
O medo de cair tem sido reconhecido como um fator de risco de quedas e um determinante de funcionalidade e qualidade de vida na população idosa5,14,19. Há evidências que o medo de cair leva à restrição da atividade e participação, aumentando a perda da confiança e diminuindo a capacidade para evitar as quedas13,20. Esta restrição da atividade é observada em 50% das pessoas idosas com medo de cair13 e pode originar declínio funcional, atrofia muscular, falta de equilíbrio, alterações na marcha, depressão, isolamento social, com repercussões evidentes na qualidade de vida4,14,15,19.
A prevalência do medo de cair nas pessoas idosas representa uma estreita relação com múltiplos fatores, nomeadamente a idade avançada, ser do sexo feminino, reduzida satisfação com a vida, fraca percepção do estado de saúde e de autoeficácia, sedentarismo e obesidade, falta de equilíbrio, decréscimo na mobilidade e marcha, viver sozinho e/ou com rede social reduzida, índices baixos de atividade física, problemas de visão, polimedicação e histórico de queda6,16,17.
Na literatura científica o medo de cair é descrito como um fenômeno psicológico que leva a estados de ansiedade e sintomas depressivos e distresse psicológico4,15,19,20, o que exige uma maior atenção no controle percebido sobre o cair14,21.
Já a inatividade decorrente dos sintomas associados ao medo de cair pode resultar em graves alterações emocionais, psicológicas e sociais, traduzindo-se em perda de autonomia e independência com implicações no desempenho das atividades de vida diária (AVD) das pessoas idosas e a um aumento dos sentimentos de fragilidade e insegurança22,23. Por sua vez, o isolamento social, a redução ou mesmo restrição das AVD, os sintomas de depressão, a perda de independência funcional aumenta o medo de cair podendo resultar no aumento do risco de queda5,17,19,20 e ser um dos fatores mais incapacitantes no cotidiano das pessoas idosas22.
Desconhecem-se estudos em Portugal acerca dos preditores do medo de cair com pessoas idosas a viver na comunidade, assim, este estudo teve como objetivo analisar os preditores do medo de cair em pessoas idosas portuguesas na comunidade.
Foi conduzido um estudo transversal, de caráter descritivo-correlacional. Considerando o medo de cair, avaliado pela Escala de Confiança no Equilíbrio específica para a Atividade24 como variável dependente, estabeleceu-se uma amostra total com um mínimo de 80 participantes, de acordo com os critérios propostos por Bryman e Cramer25, segundo os quais o tamanho da amostra dever ser no mínimo igual a cinco vezes o número de itens da escala. O método de amostragem foi não-probabilístico por conveniência e os critérios de inclusão para participação no estudo foram os seguintes: indivíduos de nacionalidade portuguesa com idade igual ou superior a 60 anos; aceitar participar voluntariamente no estudo; e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídas todas as pessoas: acamadas; hospitalizadas nos últimos 3 meses; dependentes do uso de cadeira de rodas; com amputação das extremidades inferiores; institucionalizadas; e com diagnóstico clínico de perturbação psiquiátrica grave.
O processo de coleta de dados decorreu entre Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015, após obtenção de parecer favorável pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E). As direções de paróquias e centros de convívio na região centro de Portugal foram contatadas presencialmente pela primeira autora. Neste contato, foram explicados os objetivos e metodologias do presente estudo, e solicitada a colaboração para identificar potenciais participantes. Cumpridas as formalidades de pedidos de autorização às entidades identificadas, e após parecer positivo, estas identificaram potenciais participantes que respeitassem os critérios de inclusão/exclusão e mediaram os contatos entre a primeira autora e os participantes. Previamente à coleta de dados, todos os participantes foram esclarecidos quanto à natureza e objetivos do estudo, métodos e meios pelos quais ele seria conduzido, solicitando a sua participação voluntária. Foram identificados 103 participantes, mas 5 recusaram participar do estudo por falta de tempo. Após os esclarecimentos e concordância em participar, os mesmos foram convidados a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.
Para a coleta de dados foi administrado um protocolo por entrevista, aplicado na residência de cada participante e com duração aproximada de 30 minutos que incluiu um questionário de informação sociodemográfica e de saúde, a Escala de Confiança no Equilíbrio específica para a Atividade (CEA)24, a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS)26, a Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (LSNS-6)27, o Timed Up and Go (TUG)28, e o Teste de Sentar e Levantar Cinco Vezes (TSL5*)29.
Este questionário, dividido em duas partes foi desenvolvido com base na checklist da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde30. A primeira parte é composta por questões que visam recolher informação sociodemográfica (gênero, idade, escolaridade, estado civil, ocupação habitual) e a segunda parte é composta por questões relativas à saúde (quedas, medo de cair, percepção de saúde física, mental e emocional).
A Escala de Confiança no Equilíbrio específica para a Atividade (Escala CEA) (no original, Activities-specific Balance Confidence Scale - ABC) é uma das mais utilizadas para avaliar o medo de cair. Foi desenvolvida por Powell e Myers (1995) e é usada para medir a confiança na capacidade de manter o equilíbrio durante a realização das AVD5,21. Trata-se de um questionário constituído por 16 itens avaliados numa escala visual analógica, cuja pontuação varia entre 0% (“sem nenhuma confiança”) e 100% (“confiança completa”). Quanto maior a pontuação obtida, maior o nível de confiança no desempenho das 16 AVD31.
A CEA apresenta, para a população idosa na comunidade, adequada consistência interna com um valor de alpha de Cronbach de 0,9632 e fiabilidade teste-reteste elevada (r = 0,92; p < 0,001)31. A versão portuguesa deste instrumento demonstrou boa fiabilidade teste-reteste e inter-observador, e adequada consistência interna (alpha de Cronbach de 0,95)24.
A Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (no original, Hospital Anxiety and Depression Scale - HADS) foi desenvolvida por Zigmond e Snaith em 1983, com o objetivo de auxiliar os profissionais de saúde no reconhecimento de componentes emocionais associadas à doença física e que podem afetar os níveis de distresse provocados pela doença, confundir o diagnóstico e prolongar a recuperação26. Esta escala permite avaliar a depressão e a ansiedade em contexto hospitalar, no entanto mostrou ser útil em contextos de saúde de cuidados primários, como centros de saúde, centros comunitários, contextos psiquiátricos, assim como um instrumento de rastreio da ansiedade e depressão para a população em geral26.
Trata-se de um instrumento de autorresposta composto por duas subescalas: uma que mede a ansiedade (HADS-A) e outra a depressão (HADS-D). Cada subescala tem 7 itens, com 4 opções de resposta numa escala de tipo Likert, pontuadas de 0 a 3, atingindo uma pontuação máxima de 21 pontos cada. As pontuações normativas baseadas no estudo para a validação da versão portuguesa da HADS consideram os seguintes valores para a ansiedade e depressão: 0 a 7 – normal, 8 a 10- leve, 11 a 14 – moderada, e 15 a 21 - severa26. Vários estudos recomendam como ponto de corte as pontuações que variam entre 8/9, contudo, este valor não foi estudado para a população portuguesa. No entanto, pode assumir-se, para efeitos de rastreio, estes valores, dada a semelhança das restantes propriedades psicométricas com as versões originais e adaptadas para outros países26. Neste estudo foi considerado como ponto de corte a pontuação igual ou superior a 8 que é indicativo de sintomatologia ansiogena/depressiva.
A versão portuguesa da HADS evidencia propriedades psicométricas semelhantes às de estudos internacionais, com valores de alpha de Cronbach de 0,76, para a subescala ansiedade, e de 0,81, para a subescala depressão, e o valor de correlação entre as escalas de 0,5826.
A Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (no original, Lubben Social Network Scale 6 - LSNS-6) é um instrumento breve, constituído por seis itens que avaliam o isolamento social em pessoas idosas, através da sua percepção de apoio social recebido por familiares e amigos27. A LSNS-6 tem por base duas subescalas: uma que avalia as relações familiares e outra, as relações de amizade, com três itens cada. A pontuação total resulta do somatório dos seis itens, que varia de 0 a 30 pontos, sendo que as respostas a cada um dos itens variam numa escala entre 0 e 5. Cada subescala apresenta uma pontuação que varia entre 0 e 15. Para facilitar a interpretação da pontuação total da LSNS-6, foi identificado o ponto de corte de 12, pelo que a pessoa idosa que apresente pontuações inferiores a 12 é identificada como socialmente isolada27.
A escala LSNS-6 apresenta adequada consistência interna com valor de 0,798, medida através do alpha de Cronbach. As subescalas apresentam igualmente uma consistência interna adequada, com valores de 0,756 e 0,732 para a subescala “família” e subescala “amigos”, respectivamente27. A análise de correlação item-total (obtida com recurso coeficiente de correlação intraclasse - CCI) assume valores entre 0,457 e 0,631, indicando a homogeneidade dos itens da escala. Por outro lado, as correlações item-subescala assumem valores entre 0,552 e 0,649 para a subescala “Família” e entre 0,466 e 0,657 para a subescala “Amigos”27.
O Timed Up and Go (TUG) foi elaborado por Mathias, Nayak e Isaacs, em 1986, e adaptado por Podsiadlo e Richardson28, em 1991, tendo por objetivo avaliar a mobilidade funcional, o risco de queda e os distúrbios da marcha e do equilíbrio. O teste consiste no participante levantar-se de uma cadeira (com altura do assento aproximadamente de 46 cm e altura de braço de 65 cm), sem ajuda dos braços, andar numa distância de três metros, virar-se 180°, voltar em direção à cadeira e sentar-se. O participante deve receber a instrução “vá” para iniciar o teste e o tempo será cronometrado em segundos, a partir da instrução até o momento em que apoie novamente o dorso no encosto da cadeira28,29,33.
Através deste teste é possível distinguir pessoas idosas com desempenho normal e independentes nas AVD quando realizam a tarefa em menos de 10 segundos; acima de 30 segundos, os participantes são considerados dependentes na maioria das AVD e na mobilidade28. Embora não haja consenso na literatura, sugere-se o ponto de corte do TUG de 12 segundos e as pessoas idosas com tempos mais longos na execução do teste estarão mais propensas a cair34. Neste estudo foi considerado o melhor desempenho em duas tentativas.
O TUG tem apresentado boas propriedades psicométricas, nomeadamente em termos de fiabilidade teste-resteste (CCI = 0,75 e 0.93) e inter-observador (CCI = 0.99)33.
O Teste de Sentar e Levantar Cinco Vezes (no original, Five Times Sit to Stand Test - FTSS) é um teste simples, rápido e não invasivo utilizado para avaliar o equilíbrio funcional e a confiança no equilíbrio35. Foi desenvolvido e validado em 1985 por Csuka e McCarty e avalia o tempo necessário para uma pessoa se sentar e levantar de uma cadeira cinco vezes consecutivas36.
Este teste inicia-se com o participante sentado com os braços cruzados sobre o peito e com as costas apoiadas no encosto da cadeira. Após garantir que a postura está correta, o pesquisador dá as instruções quero que se levante e sente cinco vezes, o mais rápido que conseguir, assim que eu disser ‘vá’ e pede ao participante para se levantar na totalidade entre as repetições do teste sem tocar no encosto da cadeira durante as mesmas37. O tempo começa a ser cronometrado quando o pesquisador pronuncia a palavra “vá” e termina quando o participante se senta após a quinta repetição37. O tempo que o participante demora para completar o teste é registado em segundos e são realizadas duas tentativas separadas por um minuto de descanso entre elas35.
Segundo Bohannon29, os valores de referência do teste devem refletir a idade: 11,4 segundos (60 a 69 anos); 12,6 segundos (70 a 79 anos); e 14,8 segundos (80 a 89 anos). Neste estudo foi considerado o melhor desempenho em duas tentativas.
O TSL5* tem apresentado boas propriedades psicométricas em termos de fiabilidade teste-reteste para pessoas idosas na comunidade e de validade38,39.
Os dados relativos à caracterização da amostra foram analisados com recurso à estatística descritiva através do cálculo de frequências absolutas e relativas e de medidas de tendência central e dispersão (média e desvio padrão).
Utilizou-se a regressão linear múltipla para determinar a influência das variáveis independentes (gênero, idade, educação, medo de cair, percepção de saúde física, mental e emocional, ansiedade, depressão, isolamento social, mobilidade e equilíbrio funcional) sobre o comportamento da variável dependente, a pontuação total na Escala CEA. A variável independente permaneceu no modelo se apresentou um nível descritivo do teste menor que 0,05.
Para a construção dos modelos de regressão linear múltipla as variáveis qualitativas com duas categorias foram codificadas como 0 ou 1, em que o valor do coeficiente obtido refere-se à categoria da variável codificada como 1.
Para todas as variáveis analisadas o nível de significância estatística foi definido como α = 0.05 e os dados foram analisados através do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22 para Windows.
A amostra foi constituída por 98 participantes com uma média etária de 74,07 ± 8,74 anos, sendo que 56 (57,1%) são do gênero feminino (Tabela 1). Relativamente às habilitações literárias predomina a escolaridade entre o 1 e 4 anos (n = 76). A maioria dos participantes é casada (n = 72) e encontra-se na situação de reforma (n = 81).
Tabela 1 Características sociodemográficas e dados gerais de avaliação.
Variáveis | n (%) | |
---|---|---|
Gênero | ||
Feminino | 56 (57,1) | |
Masculino | 42 (42,9) | |
Idade (M±DP*) | 74,07±8,74 | |
Escolaridade (M±DP) | 3,68±2,25 | |
0 anos | 10 (10,2) | |
1-4 anos | 76 (77,6) | |
mais de 4 anos | 12 (12,2) | |
Estado Civil | ||
Solteiro | 9 (9,2) | |
Casado | 72 (73,5) | |
Divorciado | 1 (1,0) | |
Viúvo | 16 (16,3) | |
Ocupação Habitual | ||
Emprego remunerado | 12 (12,2) | |
Trabalho doméstico | 4 (4,1) | |
Reformado | 81 (82,7) | |
Outro | 1 (1,0) | |
Quedas | ||
Não | 80 (81,6) | |
Sim | 18 (18,4) | |
Medo de cair | ||
Sim | 48 (49,0) | |
Não | 50 (51,0) | |
Percepção da saúde física | ||
Muito boa | 12 (12,2) | |
Boa | 30 (30,6) | |
Moderada | 42 (42,9) | |
Má | 14 (14,3) | |
Percepção da saúde mental e emocional | ||
Muito boa | 16 (16,3) | |
Boa | 49 (50,0) | |
Moderada | 25 (25,5) | |
Má | 8 (8,2) | |
CEA (M±DP) | 85,93±17,29 | |
HADS-A (M±DP) | 4,81±5,56 | |
Normal | 76 (77,6) | |
Ligeira | 4 (4,1) | |
Moderada | 11 (11,2) | |
Severa | 7 (7,1) | |
HADS-D (M±DP) | 4,87±5,71 | |
Normal | 74 (75,5) | |
Ligeira | 6 (6,1) | |
Moderada | 10 (10,2) | |
Severa | 8 (8,2) | |
LSNS-6 | ||
Domínio “Família” (M±DP) | 8,55±2,95 | |
Domínio “Amigos” (M±DP) | 6,12±3,48 | |
TSL5* (M±DP) | 12,89±5,37 | |
TUG (M±DP) | 10,96±5,16 |
*M- Média; DP- Desvio Padrão.
A generalidade dos participantes relatou não ter sofrido qualquer queda no último ano (n = 80) e o número médio de quedas por pessoa/ano foi de 0,28 ± 0,64. No entanto, 48 participantes relataram sentir medo de cair.
A maior parte considera a sua saúde física (n = 73) e mental (n = 76) “moderada” e/ou “boa”.
Na escala CEA observou-se uma pontuação média de 85,93 ± 17,29, sendo que 93 participantes obtiveram uma pontuação igual ou superior a 50%.
Observou-se uma pontuação média de 4,81 ± 5,56 para a subescala de ansiedade (HADS-A), e de 4,87 ± 5,71 para a subescala de depressão (HADS-D). A maioria dos participantes não apresenta sintomatologia ansiogena (n = 76) nem depressiva (n = 74).
Em relação à LSNS-6, observou-se uma pontuação total de 14,67 ± 4,55, e uma pontuação média de 8,55 ± 2,95 para o domínio “família” e de 6,12 ± 3,48 para o domínio “amigos”. Considerando as pontuações totais da LSNS-6, observou-se que a maioria dos participantes (n = 74) não se encontra em risco de isolamento social porque apresenta uma pontuação global média igual ou superior a 12.
Relativamente às variáveis de condição física, concretamente o equilíbrio funcional, avaliado pelo TSL5* verificou-se um tempo médio em segundos de 12,89 ± 5,37. Na mobilidade funcional, avaliada pelo TUG verificou-se um tempo médio em segundos de 10,96 ± 5,16.
A análise do modelo de regressão linear permite observar a existência de um declive negativo e estatisticamente significativo entre a pontuação na CEA e o gênero feminino, ou seja, as mulheres terão em média menos 4,22 pontos na CEA do que os homens; no caso da idade, à medida que a idade dos participantes aumenta, a pontuação na CEA diminui, contudo não é um resultado estatisticamente significativo (Tabela 2).
Tabela 2 Resultados do Modelo de Regressão Linear.
Variáveis | Coeficientes | p-value | IC (95%) | |
---|---|---|---|---|
Gênero | - 4,22 | 0,01 | [-7,58;-0,86] | |
Idade | ||||
60-69 anos | 0,38 | 0,95 | [-10,45; 11,22] | |
70-79 anos | - 0,09 | 0,99 | [-10,52;10,33] | |
80-89 anos | - 0,71 | 0,88 | [-10,19;8,77] | |
Educação | ||||
0 anos | - 5,38 | 0,07 | [-13,37; 0,60] | |
1 a 4 anos | - 2,72 | 0,13 | [-8,57; 1,10] | |
Medo de Cair | 10,08 | 0,00 | [6,07; 14,08] | |
Percepção de Saúde Física | ||||
Muito boa | 2,98 | 0,46 | [- 4,86; 10,81] | |
Boa | 7,27 | 0,01 | [1,47; 13,08] | |
Moderada | 6,56 | 0,02 | [1,23; 11,90] | |
Percepção de Saúde Mental e Emocional | ||||
Muito boa | 4,25 | 0,32 | [-4,08; 12,57] | |
Boa | 2,44 | 0,50 | [- 4,56; 12,57] | |
Moderada | - 2,37 | 0,50 | [- 9,25; 4,51] | |
HADS-A | ||||
normal | - 16,80 | 0,05 | [- 33,75; 0,15] | |
ligeira | - 13,77 | 0,08 | [- 29,10; 1,56] | |
moderada | - 5,14 | 0,25 | [- 13,85; 3,57] | |
HADS-D | ||||
normal | 26,04 | 0,00 | [9,48; 42,61] | |
ligeira | 18,54 | 0,02 | [3,28; 33,80] | |
moderada | 15,19 | 0,00 | [6,78; 23,59] | |
LSNS-6 | 0,01 | 0,99 | [- 4,63; 4,65] | |
TSL5* | - 1,52 | 0,00 | [- 2,17; - 0,87] | |
TUG | - 0,11 | 0,75 | [- 0,79; 0,57] |
Em relação à escolaridade, no caso dos participantes sem educação formal como o declive é negativo, significa que haverá um decréscimo na pontuação total da escala, contudo os resultados não são significativos.
Na questão “Tem medo de cair?”, não ter medo de cair significa um aumento de 10,08 pontos na CEA, um resultado estatisticamente significativo.
Na percepção de saúde física, o declive em todas as categorias é positivo, e a pontuação mais alta na escala é obtida na categoria “boa”.
Já a percepção de saúde mental e emocional dos participantes não afeta significativamente o valor da pontuação total da escala, apesar do declive nas categorias “muito boa” e “boa” ser positivo, ou seja, nestas categorias a pontuação na escala aumentaria, quando comparada com a categoria “moderada” em que a pontuação da escala diminuiria.
Verificou-se que a presença de sintomatologia depressiva e uma pontuação mais elevada no TSL5* emergem como preditores de medo de cair avaliado pela CEA. Já os estados de sintomatologia ansiógena, o isolamento social (LSNS-6) e a mobilidade funcional (TUG) não afetam significativamente a pontuação global da CEA.
Este estudo procurou determinar os preditores de medo de cair em pessoas idosas portuguesas na comunidade.
Verificou-se que as mulheres têm em média menos 4,22 pontos na CEA do que os homens, ou seja, o gênero feminino é preditor do medo de cair; no caso da idade à medida que a idade dos participantes aumenta, a pontuação na CEA diminui, contudo não é um resultado estatisticamente significativo. Este resultado corrobora os estudos de Lach16, Zijlstra et al.17, Scheffer et al.5, Denkinger et al.40 no que respeita à prevalência do medo de cair aumentar com o gênero feminino, já a idade e a escolaridade não emergiram como variáveis preditoras do medo de cair, como concluíram os mesmos autores.
Segundo a Organização Mundial de Saúde3 as pessoas com mais de 70 anos, principalmente do gênero feminino, apresentam taxas de mortalidade associadas a quedas superiores às pessoas mais jovens. As causas para este fenômeno podem estar associadas à diminuição da força muscular9, à osteoporose, à prevalência de doenças crônicas, a uma maior restrição à vida doméstica nas mulheres10, e a deficits nas funções sensoriais que afetam o equilíbrio e a marcha na realização de tarefas múltiplas41. Estas causas poderão ser minimizadas através da avaliação do risco individual e doméstico, sobretudo a utilização de precauções básicas de segurança durante as atividades de vida diária, como uma boa iluminação, utilização de calçado adequado e adaptações ambientais41–43.
Com o processo de envelhecimento podem ainda ocorrer alterações vertibulares que interferem no equilíbrio gerando tonturas44. Estas são o principal fator associado a quedas nas pessoas idosas45 potenciando medo de cair46. Segundo Ricci et al. há uma maior prevalência de tonturas nas pessoas idosas com histórico de quedas quando comparados aos que não apresentam tal histórico45.
O risco de queda encontra-se também associado à baixa escolaridade47, uma vez que baixa escolaridade pode ser indicativa de um menor conhecimento de meios de prevenção. No caso específico da CEA, existem evidências que a versão original desta escala apresenta uma maior capacidade de resposta para pessoas idosas com nível de funcionalidade mais elevado e abrange atividades com grau de dificuldade acrescido14,21, e neste estudo a maioria dos participantes tem baixa escolaridade, razão pela qual a escolaridade pode não ter surgido como preditora do medo de cair.
Os presentes resultados vão também ao encontro de estudos prévios no que respeita à relação entre o medo de cair avaliado pela CEA e as variáveis de saúde, nomeadamente a questão “Tem medo de cair? ” e a percepção de saúde. O medo de cair é um determinante de quedas relacionado com fatores pessoais que pode levar à restrição da atividade e participação, aumentando a perda da confiança e diminuindo a capacidade para evitar as quedas11,13,20,23,48.
Importa também referir que uma pior percepção de saúde emergiu como preditor do medo de cair, resultado que se encontra em conformidade com os estudos de Lach16, Zijlstra et al.17, Scheffer et al.5, nos quais se observou que o medo de cair nas pessoas idosas representa uma estreita relação com a fraca percepção do estado de saúde e autoeficácia, indicativo de menor condição física40, e declínios na motivação e confiança, com implicações diretas na adesão às intervenções preventivas de quedas.
Analisando especificamente a pontuação na CEA com a HADS, verificou-se que a depressão emergiu como preditor do medo de cair, ou seja, na presença de sintomatologia depressiva, a pontuação na CEA é menor, indicativa de maior medo de cair. Este resultado está em linha com estudos anteriores nos quais se observou uma associação entre o medo de cair e os estados de depressão4,5,15,17,19,20,22, ou seja, os sintomas depressivos tendem a condicionar a participação em atividades físicas e funcionais por medo da incapacidade em realizá-las, enfatizando a necessidade de estratégias de intervenção multidimensionais para minimizar o medo de cair e, consequente, o risco de queda. Já a ansiedade não surgiu como fator preditor do medo de cair, no entanto tem influência direta na marcha e no equilíbrio funcional, afeta a autoeficácia durante a realização das AVD e consequentemente aumenta o medo de cair40.
A LSNS-6 apresentou uma pontuação média superior para o domínio “família” (8,55 ± 2,95) e verificou-se que a maioria dos participantes (n = 74) não se encontra em risco de isolamento social27. No entanto, apesar de não ser um resultado significativo, verificou-se que os participantes sem risco de isolamento social apresentam em média uma pontuação mais elevada na CEA, ou seja, existe uma relação negativa e significativa entre o medo de cair e o apoio social recebido, resultado em conformidade com estudos prévios40. Razões culturais poderão explicar o fato deste resultado ser pouco significativo e neste estudo o isolamento social não ser um preditor forte do medo de cair, na medida em que a sociedade portuguesa se caracteriza ainda por fortes laços de solidariedade familiar e comunitária49 em particular nos meios maioritariamente rurais, onde o estudo foi conduzido. Neste sentido, as redes de entreajuda baseadas em laços de parentesco e de vizinhança característicos do meio rural, através das quais pequenos grupos sociais trocam apoio numa lógica de reciprocidade poderá ajudar a compreender este resultado.
Relativamente às variáveis de condição física, concretamente o equilíbrio funcional, avaliado pelo TSL5* verificou-se um tempo médio em segundos de 12,89 ± 5,37, e na mobilidade funcional, avaliada pelo TUG verificou-se um tempo médio em segundos de 10,96 ± 5,16, pontuação superior ao que a literatura considera como um desempenho normal, independente e sem alterações no equilíbrio (10 segundos)28.
Analisando de que forma a pontuação no TSL5* e no TUG predizem a pontuação na CEA, verificou-se que, à medida que o tempo médio aumenta no TSL5* e TUG, a pontuação CEA é menor, indicativo de maior medo de cair. Contudo neste estudo o resultado apenas foi significativo no TSL5*. De fato, a prevalência do medo de cair nas pessoas idosas representa uma estreita relação com múltiplos fatores, nomeadamente a falta de equilíbrio, decréscimo na mobilidade e marcha5,20,40.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Utiliza uma amostra por conveniência, selecionada a partir da mesma zona geográfica, comprometendo a generalização dos resultados à população idosa portuguesa da comunidade. Para além disso, os questionários foram aplicados em contexto de entrevista e não por autopreenchimento, podendo levar a algum viés nas respostas, particularmente daqueles com baixo grau de escolaridade. Em estudos futuros seria desejável utilizar uma amostra probabilística mais alargada e analisar o constructo medo de cair com recurso a outros instrumentos de avaliação para determinar se os resultados se mantinham idênticos aos alcançados pela CEA.
Apesar das limitações, os resultados do presente estudo enfatizam a necessidade do desenvolvimento de estratégias de intervenção multifatoriais e costumizadas com vista à prevenção de quedas e ao medo a elas associado. Neste sentido, são necessários estudos que analisem como é que as intervenções poderão afetar o medo de cair e a sua associação com o gênero, percepção de saúde e variáveis psicológicas.