versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.11 Rio de Janeiro nov. 2019 Epub 28-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.02022018
Com a maioria das pessoas enfrentando um período de doença terminal antes da morte1,2, é frequente os profissionais de saúde precisarem comunicar más notícias sobre o diagnóstico e prognóstico aos pacientes3-5. Contudo, informar sobre uma situação de terminalidade de vida ainda é uma tarefa difícil para muitos profissionais da saúde3,5,6; por isso, é frequente ocorrer a omissão parcial ou total de informações sobre a doença, ou então dar a informação à família e não ao paciente7-9. A literatura aponta várias razões para os médicos relutarem em dar informações prognósticas para os pacientes, tais como: falta de formação adequada em comunicação de notícias difíceis, dificuldades de aceitar não ser possível oferecer cura ao paciente, receio das reações dos pacientes e/ou dos familiares e incertezas sobre o prognóstico da doença3,4,10,11. No entanto, a informação é fundamental para aqueles que enfrentam uma doença grave e avançada e a compreensão das preferências do paciente em relação às informações possibilita uma resposta adequada dos profissionais3,10,12. A informação, devidamente esclarecida, pode ajudar o paciente e familiares a tomar as decisões sobre os tratamentos, definir metas realistas, ajudar no seu planejamento de vida e aumentar a esperança ao invés de diminuí-la4,13. Além disso, quando o paciente recebe menos informações é mais provável que as suas preferências em fim de vida não sejam atendidas14, sendo mais propensos a receber cuidados agressivos antes da morte4,15.
Além disso, há evidências de que a maioria das pessoas, de diferentes culturas, quando questionada, prefere ser sempre informada sobre o diagnóstico, seja físico ou psiquiátrico; e uma proporção menor, mas substancial, quer saber informações prognósticas detalhadas, embora menos quando esta informação não é favorável3,7,8,12,16-18. Um estudo europeu de base populacional mostrou que numa situação hipotética de doença grave, como o câncer, e com menos de um ano de vida, 73.9% dos participantes preferem ser sempre informados sobre o tempo de vida limitado3. Além disso, 81.3% dos participantes gostariam de ser sempre informados sobre os sintomas e os problemas e 89.5% preferem ser sempre informados sobre as opções de cuidados (serviços disponíveis, lugares onde poderia receber assistência, tratamentos e medicação)3.
Outro estudo com pacientes de dois hospitais de câncer de São Paulo (Brasil) e médicos especialistas em oncologia, que atuam em todo o Brasil, mostrou que 92% dos pacientes acham que todos os pacientes devem saber sobre o estágio terminal da doença7. Esse estudo também demonstra a relutância de alguns médicos e familiares em fornecer informação. Os dados mostram que 18.3% dos médicos e 20.8% dos familiares acham que nem todos os pacientes devem saber sobre a fase terminal da doença, em comparação com 8% dos pacientes7. Esses dados revelam que alguns médicos adotam uma relação mais paternalista com os pacientes e alguns familiares podem criar barreiras na transmissão de informações sobre a fase terminal da doença para o paciente7.
As preferências das pessoas idosas por informações prognósticas são de particular interesse, pois é o grupo populacional que mais enfrenta doenças graves em estágio avançado e que precisa tomar decisões mais complexas19,20. Além disso, a idade avançada de pacientes com câncer é considerada um dos fatores de risco para receber menos informação sobre o prognóstico9,21. Estudos anteriores mostram que geralmente os pacientes idosos com câncer21-23 querem ser totalmente informados numa situação de doença que ameaça à continuidade da vida. No entanto, também existem estudos que mostram uma maioria de pacientes idosos com câncer com uma preferência por não querer ser informados sobre a expectativa de vida14 ou por não querer ser totalmente informados sobre a doença24. Além disso, as pessoas idosas preferem receber mais informação sobre o diagnóstico do que o prognóstico14,25,26 e querem saber menos informações do que os mais jovens14,24,27. Um estudo europeu de base populacional mostrou que as pessoas com idade <70 anos foram mais propensas a querer saber sobre o tempo de vida limitado3. Na Bélgica, outro estudo de base populacional, mostrou que os participantes mais jovens (com idade entre 25-34, 35-44 e 45-54 anos) foram mais prováveis de querer ser totalmente informados sobre a doença12.
A maioria dos estudos sobre as preferências por informações são focados principalmente em pacientes com câncer e na fase final da vida12. Alguns países têm realizado estudos de base populacional sobre as preferências em fim de vida, incluindo sobre informações, para tomar decisões de políticas públicas, tais como, o desenvolvimento de programas educacionais para conscientizar a população e profissionais da saúde sobre essas questões12,28. No Brasil, apesar do avanço nos últimos anos dos cuidados paliativos, pouco se sabe sobre as preferências em fim de vida da população, incluindo sobre informações prognósticas. Sendo assim, torna-se fundamental realizar estudos sobre a opinião das pessoas em relação às suas preferências para conscientizar os profissionais da saúde sobre a importância da inclusão do respeito às vontades dos pacientes nos cuidados em fim de vida.
O objetivo deste estudo é conhecer as preferências de pessoas idosas, residentes na comunidade, por informações sobre o seu tempo de vida limitado, sintomas e problemas e opções disponíveis para cuidados numa situação de doença grave, com menos de um ano de vida; e examinar a influência dos fatores sociodemográficos na preferência por ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado.
Trata-se de um estudo transversal, realizado entre fevereiro e julho de 2015. O universo do estudo é definido pelos indivíduos com idade ≥60 anos, de ambos os sexos, residentes no município de Belo Horizonte, Minas Gerais (MG), Brasil. A primeira etapa para a definição da amostra deste estudo consistiu em consultar no Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o tamanho da população idosa de Belo Horizonte. Após verificarmos que o total dessa população é de 299.177 pessoas, seguimos para a segunda etapa que consistiu em calcular o tamanho da amostra. Após consultar a tabela Krejcie and Morgan29 verificou-se que o tamanho da amostra necessária para ser representativa da população idosa de Belo Horizonte, com um nível de confiança de 95%, considerando o cenário mais conservador (p = 0.5) e uma margem de erro de 5%, é de, aproximadamente, 400 indivíduos. Na terceira etapa considerou-se a distribuição por grupo etário (60-69 anos; 70-79 anos; ≥ 80 anos) e gênero da população idosa da cidade de Belo Horizonte para o cálculo das subamostras30. O número de pessoas idosas em cada estrato foi calculado, utilizando o método de amostragem estratificada, de uma forma proporcional, de modo a garantir que a distribuição de participantes amostrados por idade e gênero fosse correspondente à distribuição real da população.
A coleta dos dados decorreu no Centro de Referência da Pessoa Idosa (CRPI), vinculado à Secretaria Municipal Adjunta de Direitos da Cidadania (SMADC) e nos grupos de convivência de idosos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), gerenciado pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS). Foram selecionados pela SMAAS dez grupos de convivência de idosos do CRAS, de forma a realizar as entrevistas em todas as regionais da cidade de Belo Horizonte (Barreiro, Centro-Sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova). Os grupos de convivência de idosos dos CRAS(s) e o CRPI são programas de política social da Prefeitura de Belo Horizonte para atenção às pessoas idosas residentes na comunidade. A escolha destes locais de coleta dos dados foi devido ao perfil não institucionalizado dos participantes. O estudo foi autorizado pela coordenadora do CRPI e pelo Secretário Municipal Adjunto de Assistência Social da SMAAS.
O estudo foi divulgado no microfone ou, quando o grupo era menor, pessoalmente pela primeira autora ou pelos profissionais que trabalham no local. Os questionários foram aplicados por entrevista individual pela 1ª autora, que recebeu formação da equipe que formou os entrevistadores que aplicaram o questionário na Europa. Os critérios de inclusão foram: idade ≥ 60 anos, residir na cidade de Belo Horizonte e ser capaz de dar o consentimento livre e esclarecido. Com a indicação dos profissionais que trabalham no CRPI e nos grupos de convivência, foram excluídos os indivíduos não orientados no tempo e no espaço.
O instrumento utilizado para coleta dos dados foi elaborado em um dos grupos de trabalho do projeto europeu, financiado pelo 7º Programa Quadro da Comissão Europeia, denominado “Reflecting the Positive diveRsities of European prIorities for reSearch and Measurement in end of life cAre (PRISMA)”31. O questionário analisa as preferências e prioridades para os cuidados de fim de vida, numa situação hipotética de doença grave, como o câncer, com menos de um ano de vida. É composto por duas partes, a primeira inclui 10 perguntas sobre as preferências e as prioridades em fim de vida e a segunda parte inclui questões sobre as caraterísticas sociodemográficas e as experiências com a doença, morte e morrer32.
Neste estudo utilizou-se a versão adaptada para o Brasil32. Por recomendações de profissionais brasileiros com vasta experiência no cuidado com idosos e nos cuidados paliativos, houveram mudanças na versão brasileira do questionário em relação ao original32. No questionário brasileiro optamos por diversificar os exemplos de doença grave (não só o câncer), alargando o grupo de doenças crônicas graves e ameaçadoras à continuidade da vida, tais como, a cardiopatia, a doença pulmonar obstrutiva crônica, a insuficiência renal e a doença de Alzheimer. Além disso, as entrevistas realizadas no Brasil foram realizadas com a técnica de administração por entrevista presencial. Na Europa3, o questionário foi aplicado pelo telefone e, no Quênia33 foi administrado como inquérito de rua.
Nesse estudo serão analisadas as seguintes questões: Se você tivesse uma doença grave, e tivesse eventualmente menos de um ano de vida, (i) gostaria de ser informado/a que o seu tempo de vida era limitado? (ii) gostaria de ser informado/a sobre os sintomas e problemas que provavelmente iria ter? (iii) gostaria de ser informado/a sobre as opções disponíveis para cuidados (serviços disponíveis, lugares onde poderia receber assistência, tratamentos e medicação) e como esses poderiam afetá-lo/la?. As quatro opções de respostas para as três perguntas foram: sim, sempre; sim, mas apenas se eu perguntasse; não; não sei.
Os dados coletados foram tratados no Microsoft Excel 2010® e SPSS Statistics 22.0®. A normalidade das distribuições foi testada usando o teste Kolmogorov-Smirnov (estatística de teste: KS). No caso de distribuições não-normais, utilizaram-se os testes não paramétricos de comparação de medianas de duas amostras independentes (Mann-Whitney, estatística de teste: MW) e de comparação de medianas de mais do que duas amostras independentes (Kruskal-Wallis, estatística de teste: KW). No caso do teste Kruskal-Wallis apresentar diferenças significativas entre os grupos, são efetuadas comparações múltiplas entre os pares de grupo, de forma a detectar entre que grupos é que existem essas diferenças. No caso das variáveis contínuas não-normais, os dados são descritos pela mediana (Med) e pelo primeiro e terceiro quartis ([Q1-Q3]).
Para descrever variáveis categóricas, utilizaram-se as frequências N (%). De modo a determinar os fatores associados à preferência de ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado, foi efetuada uma regressão logística. A associação bi-variada (ser informado sempre versus as outras opções de resposta) e cada uma das variáveis independentes (gênero, grupo etário, escolaridade, estado civil, religião, etnia, atividade profissional nos últimos 7 dias, rendimento atual, com quantos adultos vive, com quantas crianças vive, saúde geral, preferência pelo local de morte, local menos preferido de morte, experiência com doença e morte) foram analisadas. Para despistar possíveis variáveis de confundimento, foi realizada uma regressão logística multivariada, na qual foram incluídas como co-variáveis aquelas que demonstraram uma associação estatisticamente significativa com a variável dependente (ser informado sempre versus as outras opções de resposta) na regressão logística simples. Valores de p ≤ 0.05 são considerados significativos.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Departamento de Ciências Sociais e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto/Portugal e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH). Para os participantes que aceitaram participar do estudo foi explicado o objetivo da pesquisa e todos tiveram tempo de fazer perguntas e esclarecer dúvidas. Após concordarem, todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A maioria dos participantes são aposentados (80.5%), declaram que o rendimento atual “dá para viver” (51.7%) e são da religião católica (66.8%). Do total de participantes, 53.5% avaliam a saúde geral como boa. Além disso, 19.0% já receberam um diagnóstico de doença grave nos últimos cinco anos; e 66.0% já estiveram envolvidos nos cuidados ou no apoio a um familiar/amigo nos seus últimos meses de vida (Tabela 1).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Grupo etário | ||
60-69 anos | 217 | 54.3 |
70-79 anos | 121 | 30.3 |
≥80 | 62 | 15.5 |
Gênero | ||
Mulher | 241 | 60.3 |
Homem | 159 | 39.7 |
Escolaridade | ||
Sem escolaridade formal | 30 | 7.5 |
Até 4 anos de estudo | 149 | 37.3 |
Até 8 anos de estudo | 54 | 13.5 |
Até 11 anos de estudo | 122 | 30.5 |
Ensino superior | 45 | 11.3 |
Estado civil | ||
Solteiro | 61 | 15.3 |
Casado/união de fato | 167 | 41.8 |
Separado/divorciado | 50 | 12.5 |
Viúvo | 122 | 30.5 |
Religião | ||
Católica Apostólica Romana | 267 | 66.8 |
Evangélica | 63 | 15.8 |
Espírita | 37 | 9.3 |
Outra | 11 | 2.8 |
Não tem | 22 | 5.5 |
Etnia | ||
Branca | 114 | 28.5 |
Preta | 63 | 15.8 |
Parda e outra (1: amarela; 1: indígena) | 223 | 55.8 |
Atividade profissional nos últimos 7 dias | ||
Estudante | 26 | 6.5 |
Desempregado (à procura de emprego ou à espera de emprego, mas não à procura de emprego) | 41 | 10.3 |
Situação de doença ou incapacidade | 5 | 1.3 |
Trabalho remunerado | 136 | 34.0 |
Aposentado | 323 | 80.8 |
Pensionista | 102 | 25.5 |
Doméstica | 34 | 8.5 |
Outra | 38 | 9.5 |
Rendimento atual | ||
Muito difícil viver | 24 | 6.0 |
Difícil viver | 55 | 13.8 |
Dá para viver | 207 | 51.7 |
Permite viver confortavelmente | 114 | 28.5 |
Com quem vive: adultos (incluindo ele próprio) | ||
Com 0 adulto (o próprio) | 76 | 19.0 |
Com 1 adulto | 153 | 38.3 |
Com 2 adultos | 98 | 24.5 |
Com 3 adultos | 39 | 9.8 |
Com 4 ou mais adultos | 34 | 8.5 |
Com quem vive: crianças | ||
Nenhuma | 351 | 87.8 |
1 criança | 34 | 8.5 |
2 ou mais crianças | 15 | 3.8 |
Como avalia a sua saúde geral | ||
Razoável | 76 | 19.0 |
Boa | 214 | 53.5 |
Muito boa | 110 | 27.5 |
Preferência pelo local de morte | ||
Própria (inclui: casa de um familiar ou amigo)* | 209 | 52.2 |
Unidade de cuidados paliativos | 71 | 17.8 |
Hospital- mas não numa unidade de cuidados paliativos | 86 | 21.5 |
Instituição de longa permanência para idosos (ILPI) | 34 | 8.5 |
Local menos preferido de morte | ||
Própria casa | 60 | 15.0 |
Casa de um familiar ou amigo | 88 | 22.0 |
Unidade de cuidados paliativos | 8 | 2.0 |
Hospital- mas não numa unidade de cuidados paliativos | 85 | 21.3 |
ILPI | 159 | 39.8 |
Experiência com doença e morte | ||
Familiar ou amigo diagnosticado com doença grave nos últimos 5 anos | 299 | 74.8 |
Viveu de perto a morte de familiar ou amigo nos últimos 5 anos | 270 | 67.5 |
Recebeu diagnóstico de doença grave nos últimos 5 anos | 76 | 19.0 |
Envolvido no apoio a familiar ou amigo nos últimos meses de vida | 264 | 66.0 |
(*) Apenas 2 indivíduos escolheram a opção "casa de familiar ou amigo" como local de morte preferido.
Os dados (Tabela 2) mostram que numa situação de doença grave, com menos de um ano de vida, a maioria das pessoas idosas (74.0%) gostaria de ser sempre informada sobre o tempo de vida limitado. Quando juntamos as opções [“sim, sempre” e “sim, mas apenas se eu perguntasse”], observamos que 78.5% dos participantes gostariam de receber a informação sobre o prognóstico de vida. A opção de não ser informado foi a segunda mais escolhida (20.5%).
Gostaria de ser informado sobre | Grupos etários, Homens | Grupos etários, Mulheres | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
60-69 | 70-79 | ≥ 80 | 60-69 | 70-79 | ≥ 80 | ||
Tempo de vida limitado | |||||||
Sim, sempre | 79 (84.9%) | 38 (80.9%) | 15 (78.9%) | 84 (67.7%) | 55 (74.3%) | 25 (58.1%) | 296 (74.0%) |
Sim, mas apenas se eu perguntasse | 2 (2.2%) | 0 (-) | 1 (5.3%) | 10 (8.1%) | 2 (2.7%) | 3 (7%) | 18 (4.5%) |
Não | 12 (12.9%) | 8 (17.0%) | 3 (15.8%) | 27 (21.8%) | 17 (23.0%) | 15 (34.9%) | 82 (20.5%) |
Não sei | 0 (-) | 1 (2.1%) | 0(-) | 3 (2.4%) | 0(-) | 0(-) | 4 (1.0%) |
Sintomas e problemas | |||||||
Sim, sempre | 86 (92.5%) | 46 (97.9%) | 16 (84.2%) | 107 (86.3%) | 70 (94.6%) | 32 (74.4%) | 357 (89.3%) |
Sim, mas apenas se eu perguntasse | 1 (1.1%) | 1 (2.1%) | 0 (-) | 7 (5.6%) | 2 (2.7%) | 2 (4.7%) | 13 (3.3%) |
Não | 5 (5.4%) | 0(-) | 3 (15.8%) | 10 (8.1%) | 2 (2.7%) | 9 (20.9%) | 29 (7.3%) |
Não sei | 1 (1.1%) | 0(-) | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 1 (0.3%) |
Opções disponíveis de cuidados | |||||||
Sim, sempre | 90 (96.8%) | 47 (100%) | 17 (89.5%) | 117 (94.4%) | 73 (98.6%) | 41 (95.3%) | 385 (96.3%) |
Sim, mas apenas se eu perguntasse | 0 (-) | 0 (-) | 1 (5.3%) | 3 (2.4%) | 1 (1.4%) | 2 (4.7%) | 7 (1.8%) |
Não | 3 (3.2%) | 0 (-) | 1 (5.3%) | 4 (3.2%) | 0 (-) | 0 (-) | 8 (2.0%) |
Não sei | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 0 (-) | 0(-) |
A preferência por ser informado sobre o tempo de vida limitado (74.0%) foi menor em relação à ser informado sobre os sintomas e problemas (89.3%) e ser informado sobre as opções disponíveis para cuidados (serviços disponíveis, lugares onde poderia receber assistência, tratamentos e medicação) (96.3%) (Tabela 2). A preferência por ser informado sobre os sintomas e problemas foi maior para os homens (93.0%) do que para as mulheres (86.7%). Em relação à ser informado sobre as opções disponíveis de cuidados, observou-se que a preferência dos homens (96.8%) por informações continua superior à das mulheres (95.8%).
A preferência por ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado pode ser observada pela maioria dos homens (83.0%) e das mulheres (68.0%) de todos os grupos etários, sendo que a percentagem de homens que gostariam de ser informados é superior, em todos os grupos etários, em relação às mulheres (Tabela 2). Os resultados da regressão logística indicam que ser mulher é um fator protetor significativo relativo a querer ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado (OR=0.436: 95% IC: 0.266-0.714) (Tabela 3). Além disso, escolher a casa de um familiar ou amigo como local menos preferido de morte é considerado um fator de risco significativo ao fato de se querer ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado (OR=2.605: 95% IC: 1.225-5.540; Ref: própria casa).
Fatores | OR [95% IC] | p-value |
---|---|---|
Grupo etário (ref: 60-69 anos) | ||
70-79 anos | 1.100 [0.652 - 1.856] | 0.720 |
≥80 anos | 0.602 [0.329 - 1.102] | 0.100 |
Gênero (ref: homem) | ||
Feminino | 0.436 [0.266 - 0.714] | 0.001* |
Estado Civil: (ref: solteiro/a) | ||
Casado(a) ou em União Estável | 1.357 [0.696 - 2.648] | 0.370 |
Separado(a) ou Divorciado(a) | 0.902 [0.395 - 2.055] | 0.805 |
Viúvo(a) | 0.960 [0.485 - 1.902] | 0.908 |
Escolaridade (ref: s/escolaridade) | ||
Até 4 anos de estudo | 0.584 [0.209 - 1.634] | 0.306 |
Até 8 anos de estudo | 0.475 [0.154 - 1.461] | 0.194 |
Até 11 anos de estudo | 0.518 [0.183 - 1.462] | 0.214 |
Ensino Superior | 0.618 [0.191 - 2.005] | 0.423 |
Religião (ref: Católica Apostólica Romana) | ||
Evangélica | 1.393 [0.727 - 2.670] | 0.318 |
Espírita Kardecista | 1.194 [0.514 - 2.774] | 0.681 |
Outras | 5.969 [0.775 - 45.976] | 0.086 |
Não tem religião | 1.353 [0.482 - 3.797] | 0.566 |
Etnia (ref: branca) | ||
Preta | 0.790 [0.399 - 1.565] | 0.499 |
Parda | 1.030 [0.612 - 1.732] | 0.912 |
Outras | 0.341 [0.021 - 5.631] | 0.452 |
Rendimento atual (ref: muito difícil) | ||
Difícil | 0.976 [0.323 - 2.948] | 0.966 |
Dá para viver | 0.836 [0.316 - 2.210] | 0.718 |
Permite viver confortavelmente | 1.187 [0.426 - 3.307] | 0.743 |
Saúde geral (ref: muito ruim) | ||
Razoável | 0.976 [0.323 - 2.948] | 0.966 |
Boa | 0.836 [0.316 - 2.210] | 0.718 |
Muito boa | 1.187 [0.426 - 3.307] | 0.743 |
Familiar/amigo diag. com doença grave nos últimos 5 anos (ref: sim) | ||
Não | 0.778 [0.472 - 1.285] | 0.327 |
Viveu de perto a morte de familiar/amigo nos últimos 5 anos (ref: sim) | ||
Não | 0.988 [0.614 - 1.592] | 0.961 |
Recebeu diag. de doença grave nos últimos 5 anos (ref: sim) | ||
Não | 0.859 [0.479 - 1.539] | 0.609 |
Envolvido no apoio a familiar/ amigo nos últimos meses de vida (ref: sim) | ||
Não | 1.376 [0.846 - 2.238] | 0.198 |
Preferência pelo local de morte (ref: própria casa ou casa de familiar ou amigo) | ||
Unidade de cuidados paliativos | 0.883 [0.479 - 1.631] | 0.692 |
Hospital | 0.745 [0.426 - 1.302] | 0.745 |
ILPI | 1.049 [0.447 - 2.462] | 0.912 |
Local menos preferido de morte (ref: própria casa) | ||
Em casa de um familiar ou amigo | 2.605 [1.225 - 5.540] | 0.013* |
Unidade de cuidados paliativos | 0.965 [0.210 - 4.432] | 0.963 |
Hospital | 1.658 [0.811 - 3.389] | 0.166 |
ILPI | 1.666 [0.884 - 3.141] | 0.114 |
*significativo a um nível de significância de 5%.
No modelo de regressão logística multivariada foram incluídas como variáveis independentes o gênero e o local menos preferido de morte, que continuaram a ser significativas (Tabela 4). Assim, os fatores associados significativamente com o fato de querer ser sempre informado sobre o tempo de vida limitado foram: ser mulher (OR= 0.446: 95% CI:0.269-0.738; Ref: homem) e ter escolhido a casa de um familiar ou amigo como o local menos preferido de morte (OR= 2.423: 95% CI:1.130-5.198; Ref: própria casa).
Variáveis: | OR [95% IC] | p-value |
---|---|---|
Gênero (ref: homem) | ||
Mulher | 0.446 [0.269 - 0.738] | 0.002* |
Local menos preferido de morte (ref: própria casa) | ||
Casa de um familiar ou amigo | 2.423 [1.130 - 5.198] | 0.023* |
Unidade de cuidados paliativos | 1.059 [0.228 - 4.925] | 0.942 |
Hospital - mas não numa unidade de cuidados paliativos | 1.497 [0.724 - 3.095] | 0.276 |
ILPI | 1.415 [0.739 - 2.706] | 0.295 |
*significativo a um nível de significância de 5%.
Do nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a investigar as preferências de pessoas idosas brasileiras, residentes na comunidade da cidade de Belo Horizonte, por informações numa situação de doença grave, com menos de um ano de vida. Os dados mostram que a maioria dos participantes gostaria de ser sempre informada sobre o tempo de vida limitado (74.0%). No entanto, esta preferência foi menor do que querer saber sobre os sintomas e os problemas decorrentes da doença (89.3%) e as opções disponíveis para cuidados de saúde (96.3%). Um estudo europeu de base populacional mostrou que a maioria dos participantes (73.9%) quer ser sempre informada sobre o tempo de vida limitado3. No entanto, as análises por grupo etário mostram uma preferência maior dos idosos de Belo Horizonte, principalmente do grupo etário mais velho (60-69 anos: 75.1%; ≥ 70 anos: 72.7%) do que dos europeus (60-69 anos: 74.2%; ≥ 70 anos: 67.5%)3.
Esses resultados indicam que os profissionais de saúde precisam estar equipados de conhecimentos e habilidades para estabelecer uma boa comunicação com os pacientes3,4. Além disso, precisam estar preparados para antecipar notícias sobre o prognóstico e para dar informações sobre a doença e os tratamentos disponíveis para os pacientes em terminalidade de vida3. É também fundamental saber identificar e respeitar as preferências daqueles que não querem ser informados, que no estudo de Belo Horizonte foi a segunda opção mais escolhida pelos participantes (20.5%). Deve-se prover suporte para os profissionais de saúde por meio de treinamentos sobre comunicação em fim de vida e incluir nos currículos acadêmicos disciplinas que abordem o tema dos cuidados paliativos4. É ainda relevante promover campanhas para esclarecer a população brasileira sobre questões que envolvem a morte e morrer e sobre cuidados paliativos e incentivá-las a conversar com os clínicos sobre as suas vontades e preferências em fim de vida.
Estudos sugerem que a preferência por querer receber a informação depende do tipo de população estudada14,34. Alguns países tradicionalmente católicos, tal como a Itália, têm sido associados a maior resistência em comunicar a informação completa para o paciente gravemente doente e com uma medicina de tradição paternalista3,35. Outros estudos mostram que as preferências por informações prognósticas podem ser influenciadas por grupos étnicos e raciais34. No entanto, os nossos dados mostram que apesar da maioria dos participantes se declarar católicos (66.8%) e ainda ser comum encontrar no Brasil médicos com uma postura paternalista em relação aos seus pacientes7,36, a maioria das pessoas idosas quer sempre ser informada sobre o tempo de vida limitado. Uma das explicações para esse resultado pode ter sido devido ao perfil das pessoas idosas que participaram do estudo. O estudo foi realizado em locais onde são oferecidos às pessoas idosas diversos serviços, incluindo atividades físicas, alfabetização e informática, e programas para garantir a promoção e defesa dos seus direitos. Assim, as pessoas idosas que frequentam esses locais têm um perfil mais ativo e que cuidam da sua saúde e têm saúde para o fazer. Talvez as pessoas idosas com outro perfil, tal como mais dependentes fisicamente, podem ter outras preferências. No entanto, essas relações não estão claras. Embora a evidência mostre que a divulgação do prognóstico é fundamental nos cuidados com pessoas idosas, faltam estudos sobre as preferências por informações nessa população34.
O gênero pode exercer um papel significativo nas preferências pela informação e tomada de decisões em saúde37. Os homens foram mais propensos a querer receber informações sobre o tempo de vida limitado do que as mulheres. Estudos anteriores também encontraram uma preferência maior dos homens por informações prognósticas do que das mulheres3,38. Alguns estudos mostram que mulheres com câncer avançado são mais prováveis de ter um papel mais ativo nas decisões em saúde mas desejam maior apoio emocional dos seus oncologistas38,39. Por outro lado, os pacientes homens têm um papel mais passivo na tomada de decisão mas desejam receber mais informações sobre sua saúde38,39. Além disso, sabe-se que o gênero é um fator que influencia a maneira como as pessoas idosas envelhecem e a sua relação com os cuidados com à saúde40. Sendo assim, homens e mulheres podem ter percepções e comportamentos diferentes relacionadas aos cuidados de saúde no final da vida.
Os resultados também indicam que aqueles que escolheram a opção “casa de um familiar ou amigo” como local de morte menos preferido foram mais propensos a escolher ser sempre informados sobre o tempo de vida limitado do que aqueles que escolheram a “própria casa”. Os nossos dados mostram que a maioria das pessoas idosas quer participar da tomada de decisão em saúde tanto num cenário de capacidade de tomar decisões (95.3%) como de incapacidade (64.5%)41. Talvez aqueles que escolheram a opção “casa de um familiar ou amigo” têm mais receio de que neste local exista uma menor possibilidade de exercer sua autonomia para tomar decisões e, assim, desejam mais informações do que aqueles que escolheram a “própria casa”, que é um local mais provável de ter suas preferências respeitadas. No entanto, as evidências sobre o local de morte, especialmente com a população idosa, ainda não está claro e menos evidência existe sobre o local menos preferido de morte2,42,30. Sendo assim, são necessários mais estudos para analisar a influência desses fatores nas preferências.
Este estudo apresenta algumas limitações. Como referido anteriormente, as pessoas idosas com mais dependência funcional e fragilidade podem ter sido sub-representadas. Sendo assim, estudos futuros devem incluir participantes com maior dependência funcional. Nenhum dos participantes avaliou a sua saúde geral como ruim ou muito ruim, sendo assim, é possível que alguns tenham dificuldade em imaginar uma situação de doença grave, com menos de um ano de vida. No entanto, 19.0% dos participantes de Belo Horizonte já tinham enfrentado uma doença grave nos últimos cinco anos e ≥66.0% já tiveram, nos últimos cinco anos, algum familiar próximo/amigo com diagnóstico de doença grave, ou viveram de perto a morte de familiar/amigo ou estiveram envolvidos nos cuidados ou apoio a algum familiar/amigo nos últimos meses de vida. Sendo assim, as experiências dos participantes com a doença grave e a morte ajudaram a contextualizar o cenário hipotético utilizado no questionário. Recomenda-se que, no futuro, sejam realizados estudos com pessoas idosas com doença avançada para verificar se as preferências por informações mudam quando são confrontadas com um diagnóstico ruim.
Os resultados do estudo mostram que a maioria das pessoas idosas de Belo Horizonte, residentes na comunidade, quer ser informada sobre o tempo de vida limitado numa situação de doença avançada. Os homens são mais propensos de querer receber informações prognósticas do que as mulheres. Os resultados deste estudo são um alerta para os profissionais de saúde que cuidam de pessoas idosas com doença grave e com prognóstico limitado. É fundamental estabelecer uma comunicação eficaz com o paciente, o mais precocemente possível, para que as suas preferências sejam comunicadas e respeitadas.