versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.08.012
A prematuridade, definida como nascimento antes de 37 semanas completas, continua sendo a maior causa de mortes e complicações no período neonatal e uma causa importante destes desfechos na infância. As investigações clínicas têm focado tradicionalmente, porém, os prematuros com idade gestacional de 32 semanas ou menos, são, é claro, os que apresentam maior risco. Apenas recentemente estão sendo avaliados com maior atenção os prematuros acima de 33 ou 34 semanas. Na prática, os recém-nascidos de 34 a 36 semanas e seis dias tendem a ser considerados, tanto por obstetras como por neonatologistas, como de risco muito semelhante aos de termo. Esta atitude se reflete na rotina do obstetra, como, por exemplo, na maior liberalidade para interromper a gestação quando há intercorrências maternas e/ou fetais a partir de 34 semanas,1 e também na rotina do neonatologista, pela tendência em deixar estes recém-nascidos em enfermarias de baixo risco ou alojamento conjunto2 e a dar alta precoce.3 Estas práticas se devem, pelo menos em parte, aos resultados dos estudos de Goldenberg et al. 4 e de De Palma et al.5 Estes autores avaliaram o ganho obtido por cada semana adicional de gestação entre 22 e 37 semanas no aumento da sobrevida e diminuição do risco de complicações e/ou sequelas. Eles constataram que o benefício se torna menos importante e mais difícil de ser detectado a partir de 33/34 semanas. Entretanto, tais autores não fizeram comparações destes resultados com os de recém-nascidos a termo.
Estudos mais recentes têm mostrado, porém, que apesar de terem riscos menores que os prematuros com menor idade gestacional, os prematuros entre 34 e 36 semanas têm risco de morte e complicações muito maiores que os recém-nascidos a termo. Além disso, como o número de partos nesta faixa de idade gestacional é maior que nas idades inferiores, o número absoluto de mortes e complicações também pode ser maior. A preocupação com estes achados levou o National Institute of Child Health and Human Development, nos Estados Unidos (EUA), a organizar um grupo de trabalho para estudar este tema.6 Neste encontro foi convencionado denominar prematuro tardio (late preterm) os recém-nascidos de 34 a 36 semanas e seis dias.
Esta revisão pretende levantar os estudos realizados a respeito da prematuridade tardia, independentemente dos aspectos abordados por estes, incluindo também estudos que avaliam estratégias para reduzir a incidência e os resultados indesejados desta condição.
Foram realizadas pesquisas até dezembro de 2012 nos seguintes bancos de dados, utilizando as palavras-chave abaixo:
MEDLINE - late preterm mortality, late preterm morbidity, late prematurity mortality, late prematurity morbidity, late preterm (sempre com a conjunção "and").
LILACS - prematuridade tardia mortalidade, prematuridade tardia morbidade, prematuro tardio mortalidade, prematuro tardio morbidade, prematuro tardio, prematuridade tardia, além das mesmas chamadas em inglês usadas no MEDLINE (sempre com a conjunção "and").
Biblioteca Cochrane: late and preterm. Também foram pesquisadas as referências dos artigos encontrados.
Para a escolha dos estudos a serem discutidos no texto, deu-se preferência para pesquisas com as seguintes características:
estudos de meta-análise;
estudos com exclusão de malformados e com ajustes para variáveis confundidoras;
estudos com casuísticas maiores;
estudos que abordaram aspectos específicos do assunto, não avaliados por outros, inclusive artigos de revisão com esta característica;
estudos realizados no Brasil;
Foram excluídas séries de casos, ou seja, estudos não analíticos, e também estudos em línguas que não o português, inglês ou espanhol.
Foram encontrados 307 artigos abordando o tema, sendo 213 originais (206 na MEDLINE e sete na LILACS) e 94 artigos de revisão, cartas ou editoriais (todos na MEDLINE). São apresentados, a seguir, os resultados dos 65 estudos selecionados, agrupados em tópicos.
a) Aspectos gerais: Não foram encontrados artigos publicados antes do ano 2000, e a grande maioria destes foi publicada após 2005.
Foram encontrados poucos estudos brasileiros. Almeida et al. 7 avaliaram a reanimação neonatal em várias regiões do Brasil, e encontraram necessidade de medidas de ressuscitação em 43,5% dos recém-nascidos prematuros tardios (RNPT). Ortigosa et al.8 compararam grupo de RNPT com crescimento restrito, que nasceram por cesáreas programadas, indicadas por doenças maternas e/ou fetais, com outro grupo de RNPT com crescimento normal, sem fatores de risco e resultantes de parto espontâneo. Encontraram maior proporção de complicações no primeiro grupo, com as seguintes médias: fototerapia (5,78 vs 3,19 dias, p = 0,005); internação em unidade de cuidado intensivo neonatal (UCIN) (5,92 vs 1,28 dias; p < 0,0001); dias de internação (16,36 vs 4,58; p = 0,0001); hipoglicemia (24% vs 6%, p = 0,047); hemorragia intraventricular (12% vs 0, p = 0,037). Eles concluem que os RNPT com crescimento restrito têm risco maior que aqueles sem esta condição. Os autores, porém, não realizaram controle para variáveis confundidoras. Barros et al.9 encontraram maior frequência de resultados anormais em um exame neurocomportamental realizado nas primeiras 24/72 horas de vida. Kao et al.10 estudaram aspectos do comportamento dos RNPT relacionados à aptidão para as mamadas, verificando significativamente menor aptidão em relação ao nascido a termo. Santos et al.,11 a partir de uma coorte de crianças nascidas em Pelotas (RS) em 2004, conduziram dois estudos. Porto et al.12 realizaram ensaio clínico para avaliar o efeito do uso de corticoesteroides antenatais nos RNPT. Araújo et al.13 estudaram mortalidade e morbidade. Estes últimos quatro estudos serão apresentados em outras seções deste texto. Os demais estudos apresentados foram realizados em outros países.
Teune et al.14 realizaram a única meta-análise encontrada nesta revisão, englobando mais de 29 milhões de partos. Seus resultados serão apresentados nas seções subsequentes. Suzuki et al.15 não encontraram diferenças na evolução neonatal em RNPT resultantes de gestações gemelares dicoriônicas comparados com gestações únicas. Refuerzo et al. 16 estudaram complicações neonatais apenas em gestações múltiplas, comparando RNPT com aqueles a termo, e também o desfecho composto por um ou mais dos seguintes eventos: morte neonatal, membrana hialina, sepse, enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar, hemorragia intraventricular, leucomalacia periventricular, pneumonia e retinopatia. Encontraram risco relativo (RR) de 24,9 (IC 95% 4,8-732,2) para os RNPT.
Um conceito tradicional em Obstetrícia é o de que, uma vez constatada a maturidade pulmonar através de testes realizados no líquido amniótico, é remota a possibilidade de problemas importantes no recém-nascido. Alguns estudos recentes têm, porém, relativizado este conceito. Kamath et al.17 mostraram maior frequência de suplementação de oxigênio com odds ratio (OR) de 19,14 (IC95% 1,62-226), fototerapia (OR 6,67; IC95% 1,52-29) e hipoglicemia (OR 3,95; IC95% 1,76-8,85), em RNPT com testes de maturidade confirmatórios, em comparação com os de termo. Os autores avaliaram três diferentes testes: lecitina/esfingomielina, fosfatidilglicerol e contagem de corpos lamelares, e o critério de maturidade assumido foi a positividade concomitante nos três testes. Bates et al.18 compararam 459 recém-nascidos de 36 a 38 semanas e seis dias, todos com testes positivos para maturidade (relação lecitina/esfingomielina maior ou igual a dois e maior ou igual a 3,5 para diabéticas), com 13.339 recém-nascidos com 39 ou 40 semanas, cujas mães não foram submetidas a estes testes. Estudaram um desfecho composto por: morte neonatal, morbidade respiratória, hipoglicemia, icterícia que necessitou tratamento, convulsões, enterocolite necrosante, encefalopatia hipóxico-isquêmica, leucomalácia periventricular e sepse. Encontraram OR ajustado de 1,7 (IC95% 1,1-3,5) para as gestações com menos de 39 semanas. Para membrana hialina, encontraram OR 7,6 (IC95% 2,2-26,6). Tennant et al.19 avaliaram a frequência de membrana hialina e taquipneia transitória de 34 a 39 semanas com a utilização de uma sequência de testes de maturidade pulmonar. Na sua instituição, na ocorrência de um resultado negativo ou inconclusivo (relação surfactante/albumina), realiza-se um segundo teste, que pode ser fosfatidilglicerol ou relação lecitina/esfingomielina. Estes encontraram complicações respiratórias em 38,9% dos casos nos quais a maturidade foi confirmada pela relação lecitina/esfingomielina como segundo teste. Estes estudos mostram, primeiro, que a confirmação laboratorial de maturidade pulmonar não garante a ausência de problemas respiratórios,e, segundo, que a imaturidade de outros sistemas também pode causar complicações neonatais importantes.
Lisinkova et al. 20 realizaram um grande estudo de tipo ecológico incluindo dados nacionais referentes ao ano de 2004 dos EUA, Canadá e 26 países europeus. Eles mostraram que nos países nos quais a taxa de RNPT foi maior, a taxa de natimortos e de neomortos foi menor. Encontraram que, para um aumento de 1% na taxa de partos entre 32 e 37 semanas, existe diminuição dos óbitos intrauterinos acima de 32 semanas, medido por um OR ajustado de 0,94 (IC95% 0,92-0,96). O mesmo aumento se associa à diminuição das mortes neonatais acima de 32 semanas (OR ajustado 0,88; IC95% 0,85-0,91), dos óbitos intrauterinos com 37 ou mais semanas (OR ajustado 0,88; IC95% 0,85-0,91) e das mortes neonatais com 37 ou mais semanas (OR ajustado 0,82; IC95% 0,78-0,86). O argumento dos autores é que os partos resultantes de interrupção médica nesta faixa (32 a 37 semanas) são, em geral, benéficos, pois geralmente foram feitos naqueles fetos ou neonatos que iriam morrer. Portanto, apesar do grande número de estudos mostrando os maiores riscos da prematuridade tardia em relação à gravidez de termo, eles argumentam que as crianças nascidas de interrupções nesta fase não poderiam ser comparadas às de termo, pois estariam, tanto na vida intrauterina como na neonatal, sob um risco maior, sendo a intervenção protetora. Haveria então o chamado viés de indicação, e o estudo ecológico seria uma alternativa para superar este viés.21
No mesmo sentido, Joseph et al.22 argumentam que a avaliação do resultado neonatal das interrupções de gestação deveriam ser feitos dentro do grupo específico de risco. Apresentam em seu estudo dados nacionais dos EUA, comparando-se os anos de 1996-1997 com 2004-2005, na população de filhos de mulheres com quadros hipertensivos. Houve um aumento nos nascimentos de 34 a 36 semanas, que foi concomitante a uma diminuição da mortalidade neonatal nesta mesma faixa. Apresentam também dados de outros países, mostrando resultados semelhantes. Argumentam, portanto, que os aumentos de interrupções nesta faixa, recentemente relatados, têm sido, de modo geral, benéficos. Seus argumentos, do mesmo modo que os de Lisinkova et al.,20 são baseados em análises do tipo ecológico, ou seja, análises que comparam populações, e não indivíduos.
b) Frequência e tendência temporal: A frequência de RNPT em relação ao total dos partos depende do tipo de instituição onde o estudo é feito, sendo maior nos centros de atenção terciária. Em todas as séries, porém, os RNPT correspondem à maioria dos prematuros. Furzán e Sánchez,23 McIntire et al. 24 e Guasch et al. 25 encontraram que, da população de prematuros, 63,2%, 76% e 79% eram RNPT, respectivamente. Carter et al. 26 verificaram uma prevalência de 9% de prematuridade para os EUA como um todo, de 2000 a 2006, sendo que os RNPT corresponderam à grande maioria dos prematuros.
Vários relatos indicam um aumento nos RNPT ao longo do tempo. Davidoff et al. 27 mostraram uma mudança na idade gestacional média ao nascimento, passando de 40 semanas em 1992 para 39 em 2002, entre todos os partos espontâneos dos EUA, sendo que isto foi atribuído ao aumento dos RNPT. Yoder et al.28 encontraram aumento de 37% na proporção de RNPT em um centro terciário nos EUA, de 1990 a 1998. Uma parte deste aumento deveu-se ao aumento das gestações múltiplas resultantes de fertilização "in vitro", mas, provavelmente, grande parte deste aumento foi provocado por um maior número de interrupções médicas da gestação, e possivelmente também por outros fatores ainda não bem identificados.
Não existem dados sobre a frequência de RNPT no Brasil, sendo que existe dificuldade até para se conhecer com precisão a frequência de prematuros como um todo, devido à baixa confiabilidade dos dados sobre idade gestacional.29 Uma revisão recente mostrou taxas para prematuridade, em geral, de até 15% para o Sul e Sudeste (1978-2004), e de até 10,2% para o Nordeste (1984-1998), mas não conseguiu dados das regiões Norte e Centro-Oeste.30
c) Condições causais e associadas: As causas dos partos espontâneos nos RNPT provavelmente não diferem muito daquelas nas idades gestacionais mais baixas, inclusive no aspecto de que, em grande parte dos casos, estas não são conhecidas. Hiltunen et al.31 mostraram que o estado de portadora do Fator V de Leiden por parte da mãe aumenta o risco de prematuridade tardia, mas não o de prematuridade precoce. Porém, esta condição está provavelmente associada a uma parcela pequena desses nascimentos. Santos et al.,11 no Brasil, encontraram associação de prematuridade tardia com idade materna menor que 20 anos, com razão de prevalência (RP) de 1,3 (IC95% 1,1-1,6) e, também, com ausência de cuidado pré-natal, RP 2,4; (IC95% 1,4-4,2).
Um aspecto importante é conhecer a proporção de RNPT resultantes de interrupção médica da gestação e também quais as indicações específicas destas interrupções. Laughon et al.32 relataram 29,8% de casos resultantes de partos espontâneos, 32,3% de rotura prematura de membranas ovulares (RPMO), 31,8% de interrupções médicas e 6,1% de causas não documentadas. Gyamfi-Bannerman et al.33 encontraram 32,3% de partos decorrentes de interrupção médica, sendo que, deste grupo, em 56,7% dos casos as interrupções foram baseadas em condutas não baseadas em evidências científicas. Destes, 80,3% tinham plano de saúde privado vs 59% do grupo com interrupções fundamentadas (p < 0,001). Reddy et al.34 relataram 49% de partos espontâneos (excluindo-se RPMO) e 23,2% de interrupções "sem indicações registradas". Holland et al.35 encontraram 36% de partos espontâneos (também sem RPMO) e 17% de interrupções que eles avaliaram como "potencialmente evitáveis", incluindo neste último grupo 8,2% de interrupções "eletivas", que para os autores significa interrupção "sem indicação médica". Nestes dois últimos estudos, as interrupções "sem indicações registradas" ou "potencialmente evitáveis" estiveram associadas ao atendimento médico privado. No Brasil, na maioria dos hospitais públicos, não existe a interrupção por solicitação da paciente ou por conveniência do médico, ou, ao menos, não estão previstas estas situações. É bem conhecida no Brasil, porém, a grande frequência de interrupções de gestações no setor privado, quase sempre por cesárea.36 É possível que parte destas interrupções ocorra na faixa dos prematuros tardios.
d) Morbidade neonatal: Muitos estudos abordaram complicações nos RNPT, em comparação com nascidos a termo. Todos, sem exceção, encontraram maior morbidade neste grupo em um ou mais aspectos, com significância estatística. Na maior parte destes estudos foi feito controle para variáveis confundidoras. Em muitos deles foram excluídas gestações múltiplas, de alto risco e malformações.
As principais condições de morbidade estudadas foram: respiratória, metabólica, sepse, hemorragia intracraniana, enterocolite necrosante, susceptibilidade à infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR), admissão em unidade de cuidado intensivo neonatal (UCIN) e prolongamento da internação. A tabela 1 resume os achados dos estudos selecionados sobre morbidade11 , 13 , 14 , 37 - 40 e aponta os aspectos mais importantes do desenho de cada um deles.
Tabela 1 Complicações neonatais nos recém-nascidos prematuros tardios comparados com os de termo: medidas de efeitos ou de associação e intervalos de confiança de 95%
Complicações | Autores | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Hernández- | Santos | Melamed | Dani | Consortium | Teune et al.14,f | Araújo et al.13,d | |
Díaz et al.38,a | et al.11,b | et al.40,c | et al.39,d | on Safe | |||
Labor et al.37,e | |||||||
OR (IC95%) | RR (IC95%) | % (p) | RR (IC95%) | OR (IC95%) | RR (IC95%) | OR (IC95%) | |
Membrana hialina | 4,2 x 0,1 (< 0,001) | 7,5 (3,4-16,7) | 40,1 (32,0-50,3) | 17,3 (9,8-30,6) | 4,0 (3,6-4,5) | ||
Taquipineia transitória | 8,6 x 0,9 (< 0,001) | 14,7 (11,7-18,8) | 48,5 (19,3-122,5) | ||||
Hipertensão pulmonar | 3,7 (2,3–6,0) | 0,2 x 0,03 (< 0,02) | |||||
Pneumonia | 0,7 x 0,1 (< 0,001) | 7,6 (5,2-11,2) | 4,3 (1,6-11,5) | ||||
Apneia | 1,8 x 0,2 (< 0,001) | 15,7 (11,8-20,9) | 23,3 (5,3-102,6) | ||||
Pneumotórax | 1,0 x 0,1 (< 0,001) | 3,4 (1,8-6,4) | |||||
Septicemia | 0,4 x 0,04 (< 0,001) | 5,6 (1,3-24,2) | |||||
Hemorragia intracraniana | 0,2 x 0,02 (< 0,001) | 4,9 (2,1-11,7) | |||||
Enterocolite necrotizante | 7,5 (3,3-17,3) | ||||||
Icterícia com fototerapia | 18 x 2,5 (< 0,001) | 3,0 (2,2-4,0) | 5,0 (1,7-14,6) | ||||
Hipoglicemia | 6,8 x 0,4 (< 0,001) | 12,4 (10,1-15,4) | 7,4 (3,0-18,1) | 5,9 (3,6-9,5) | |||
Hipocalcemia | RR 13,2 (4,8-36,5) | ||||||
Hipotermia | 0,7 x 0,1 (< 0,001) | 10,8 (4,6-25,0) | |||||
Dificuldades alimentares | 2,7 (1,2-6,2) | 6,5 (2,5-16,9) | |||||
Necessidade de | 2,3 (1,5-2,4) | ||||||
reanimação neonatal | |||||||
Apgar < 7 no 5º minuto | 2,6 (1,4-4,9) | 2,7 (1,1-6,5) | |||||
Morbidade neonatal em geral | 2,8 (2,3-3,5) | ||||||
Admissão em UTI Neonatal | 1,6 (1,2-2,1) | 19,7 x 2,8 (< 0,001) | 19,8 (8,7-44,8) | 25,2 (16,2-39,1) | |||
Prolongamento da | 18,7 x 1,9 (< 0,001) | 3,5 (2,8-4,4) | |||||
internação hospitalar |
RR, Risco Relativo
OR, Odds Ratio
IC, intervalo de confiança
UTI, unidade de terapia intensiva.
a Foram excluídos os malformados, mas não foram excluídas gestações de risco nem gestações múltiplas; realizou-se controle para variáveis confundidoras, inclusive para gestações múltiplas.
b Não foram excluídos malformados nem gestações de risco, mas foram excluídas gestações múltiplas e realizados controles para variáveis confundidoras.
c Foram excluídos malformados, gestações de risco, gestações múltiplas, várias indicações de cesárea e todos os fórcipes; realizou-se controle para variáveis confundidoras.
d Não foram excluídos malformados, gestações de risco nem gestações múltiplas, nem foram realizados controles para variáveis confundidoras.
e Não se excluiu gestações múltiplas, gestações de risco nem malformados; realizou-se controle para variáveis confundidoras, inclusive para malformações e gestações múltiplas.
f Estudo de meta-análise
Obs.: Todos os estudos que constam da tabela são observacionais.
Boyce et al.41 observaram taxa de hospitalização por infecção pelo VSR no primeiro ano de vida (por 1.000 crianças), de 66 para nascidos entre 29 e 32 semanas, 57 entre 33 e 37 semanas e 30 no termo. Horn et al.42 estudaram a evolução durante a internação por infecção pelo VSR no primeiro ano de vida, em função da idade gestacional no nascimento, e encontraram frequência maior de intubação orotraqueal (p = 0,002) e maior duração da internação (p < 0,0001) em crianças nascidas entre 33 e 35 semanas vs 36 ou mais.
e) Mortalidade: Todos os estudos que abordaram o tema mostraram maior mortalidade, tanto neonatal como infantil, nos RNPT comparados aos recém-nascidos a termo. Os estudos de Guasch et al.,25 Teune et al.,14 Kramer et al.,43 Crump et al.,44 Santos et al.,11 e Araújo et al. 13 se encontram resumidos na tabela 2, onde estão também resumidos os aspectos mais importantes do desenho destes. Crump et al.44 mostraram que a maior mortalidade se mantém nos primeiros cinco anos de vida, desaparece na segunda infância e adolescência e reaparece no adulto jovem. Pulver et al.45 compararam mortalidade neonatal e infantil nos RNPT vs termo (39 a 42 semanas), levando em conta a relação peso/idade gestacional. Após exclusão das doenças congênitas, encontraram RR de 14,2 (IC95% 4,1-49,1) para morte neonatal nas meninas RNPT pequenas para a idade gestacional, comparadas às de termo adequadas para a idade gestacional. As RNPT adequadas para a idade gestacional também tiveram risco elevado na mesma comparação (RR 4,1; IC95% 1,7-9,6). Também encontraram resultados semelhantes para mortalidade infantil. Concluíram que os RNPT pequenos para a idade gestacional são um grupo de risco especialmente aumentado para morte neonatal e infantil. McIntire et al.24 compararam a mortalidade neonatal de 34 até 42 semanas, tomando como referência a mortalidade em 39 semanas, que foi a mais baixa na população do seu estudo, e detectaram mortalidade decrescente e significativamente maior que a referência até 37 semanas. Estes autores incluíram apenas gestações de baixo risco, excluíram malformados e realizaram ajustes para variáveis confundidoras.
Tabela 2 Mortalidade dos recém-nascidos prematuros tardios em comparação com recém-nascidos a termo: medidas de efeito e intervalos de confiança de 95%
Autores | Desfecho | ||
---|---|---|---|
Mortalidade | Mortalidade no | Mortalidade no | |
neonatal | primeiro ano de vida | adulto jovem (18 a 36 anos) | |
Kramer et al. (EUA)43,a | OR 2,9 (2,8-3,0) | - | - |
Kramer et al. (Canadá)43,a | OR 4,8 (4,0-5,0) | - | - |
Santos et al.11,b | RR 5,1 (1,7-14,9) | RR 2,1 (1,0-4,6) | - |
Guasch et al.25,c | OR 4,7 (2,3-9,5) | - | - |
Crump et al.44,a | - | - | HR 1,3 (1,1-1,5) |
Teune et al.14,c | RR 5,9 (5,0-6,0) | RR 3,7 (2,9-4,6) | - |
Araújo et al.13,b | OR 9,1 (2,4-33,9) | - | - |
RR, Risco Relativo
OR, Odds Ratio
HR, Hazard Ratio.
Obs.: Todos os estudos que constam da tabela são observacionais.
a Não foram excluídos malformados nem gestações de risco, mas foram excluídas gestações múltiplas; foram realizados controles para variáveis confundidoras, inclusive para malformações.
b Não foram excluídos malformados nem gestações de risco, mas foram excluídas gestações múltiplas; foram realizados controles para variáveis confundidoras.
c Não foram excluídos malformados, gestações de risco nem gestações múltiplas; não foram realizados controles para variáveis confundidoras.
d Estudo de meta-análise.
f) Efeitos de longo prazo: Raby et al.46 estudaram uma coorte em Boston, EUA. Compararam crianças nascidas entre 36 e 38,5 semanas que não tinham malformações, não foram admitidas em UCIN e não tiveram infecção respiratória no primeiro ano de vida, com controles nascidos entre 38,6 e 40 semanas. Aos seis anos, as do primeiro grupo tiveram maior risco de asma, comparadas às do segundo (OR ajustado 5,6; IC95% 2,5--12,38). Woythaler et al.47 encontraram nos RNPT, comparados aos nascidos a termo, maior frequência de retardo de desenvolvimento mental aos dois anos (OR 1,52; IC95% 1,26-1,82) e de retardo de desenvolvimento psicomotor (OR 1,56; IC95% 1,30-1,89). No Brasil, Santos et al.48 mostraram maior frequência de crescimento inadequado aos dois anos (OR 2,30; IC95% 1,40-3,77). Peacock et al.49 estudaram o desempenho em testes regulares nas escolas de educação infantil, comparando nascidos entre 32 e 37 semanas com nascidas a termo, encontrando menor frequência de aprovação nos prematuros (OR ajustado 0,74; IC95% 0,59-0,92). Teune et al. 14 encontraram maior risco para paralisia cerebral (RR 3,1; IC95% 2,3-4,2) e retardo mental (RR 1,5; IC95% 1,2-1,9). Moster et al.50 relataram maior risco de esquizofrenia (RR 1,4; IC95% 1,1-1,8) e menor proporção de jovens que completam a universidade (OR 0,87; IC95% 0,84-0,89). Teune et al. 14 encontraram menor chance de terminar o ensino médio (RR 0,96; IC95% 0,95-0,97). Crump et al.,51 em estudo com cerca de 650.000 neonatos na Suécia, encontraram associação entre prematuridade e diabetes nos adultos jovens (25 a 37 anos), inclusive com 35 a 36 semanas. Para esta faixa, encontraram risco para diabetes de qualquer tipo (OR ajustado 1,18; IC95% 1,04-1,33) e para diabetes tipo I (OR ajustado 1,22; IC95% 1,05-1,42).
g) Reinternações e custos: Bird et al.52 constataram maior gasto pelo sistema de saúde para os RNPT no primeiro ano de vida. A diferença média (valores ajustados) foi de 108 dólares norte-americanos para atendimento ambulatorial (IC95% 58-158) e de 597 dólares para atendimento hospitalar (IC95% 528-666), para cada criança, comparada com as de 37 a 42 semanas. McIntire et al. 24 encontraram gasto hospitalar médio de 6.094 dólares norte-americanos para cada neonato de 34 semanas e de 2.019 para 36 semanas, vs 1.258 dólares para 39 semanas (p < 0,001). Jain et al. 53 relataram que 17,7% dos atendimentos de emergência, nos primeiros 31 dias de vida, eram de RNPT, comparados com a média nacional de 8,8% nos EUA para partos nesta faixa de idade gestacional. Escobar et al. 54 encontraram maior número de reinternações entre 15 e 182 dias em neonatos de 36 semanas, comparados com 38 a 40 semanas (RR 1,67; IC95% 1,23-2,25). Murthy et al.,55 em Illinois, EUA, observaram um aumento histórico na frequência de induções de parto entre 34 e 37 semanas: de 5,4 por mil em 1991, para 15,2 por mil em 2003 (p < 0,001). Mostraram também um aumento das demandas legais por erro médico, que consideraram associado ao aumento das induções (p = 0,004).
h) Amamentação: Tem sido documentada maior frequência de dificuldades na amamentação nos RNPT, como, por exemplo, desmame precoce, crescimento insuficiente e desidratação, além de icterícia relacionada à lactação.56
i) Estratégias para abordar o problema: A relevância dos riscos aumentados dos RNPT, como visto acima, está fartamente documentada e têm sido feitos estudos para avaliar possíveis estratégias para abordar a questão.
Podemos considerar:
1) Tentativa de tocólise: A maior parte dos serviços de Obstetrícia realiza tocólise até 33 semanas e seis dias de gestação.57 Existe evidência de pequeno benefício nos resultados neonatais com a o uso da mesma.58 Atribui-se parte deste benefício ao fato de se conseguir tempo adicional de gestação para a ação dos corticoesteroides administrados à mãe, para acelerar a maturidade pulmonar fetal. Não está claro, porém, se estes benefícios se estendem até a faixa de idade dos RNPT. É possível que a conduta de não realizar tocólise após 34 semanas se deva, em parte, ao fato de não ser comum a utilização de corticoesteroides neste período. Novos estudos sobre tocólise neste grupo são necessários.
2) Rediscutir as rotinas de interrupção da gestação: A decisão de realizar o parto antes do trabalho de parto espontâneo, seja por indução ou por cesárea, é situação frequente em Obstetrícia. Para cada condição, procura-se avaliar o risco de a gestação continuar vs os riscos associados à indução e os associados à cesárea, quando a indução falha ou quando esta é contraindicada. Além disto, e ainda mais importante, quando se decide pela interrupção antes do termo, avalia-se o risco materno e/ou fetal da continuidade da gestação vs o risco da prematuridade. Esta avaliação não é simples e está sujeita a erros, como toda avaliação de risco. O conhecimento de que os riscos do nascimento entre 34 e 37 semanas são maiores que os que se imaginava anteriormente poderia mudar a conduta tradicionalmente padronizada em algumas situações clínicas, tais como:
Rotura prematura de membranas pré-termo (RPM-pt): É bastante comum nos serviços de Obstetrícia a conduta de interromper a gestação na RPM-pt a partir de 34 semanas, com ou sem avaliação de maturidade pulmonar.59 Estudos recentes, porém, têm questionado esta prática. Uma revisão da Biblioteca Cochrane60 teve como foco a conduta expectante em comparação à interrupção em gestações com menos de 37 semanas. Não foram encontradas diferenças significativas, tanto nos resultados maternos como nos neonatais. Mateus et al.61 observaram maior frequência de membrana hialina em gestantes com RPM-pt, que tiveram a gestação interrompida com 34 semanas, comparadas às com interrupção com 35 (RR 3,4; IC95% 1,5-7,7) e com 36 semanas (RR 8,6; IC95% 2,7-27,5). Também verificaram diferenças significativas nas mesmas comparações para admissão em UCIN e tempo de hospitalização. As interrupções foram feitas eletivamente, isto é, na ausência de infecção ou outras intercorrências além da RPM-pt. Não houve nenhum caso de sepse nesta série de 192 casos. Um ensaio clínico recente,62 (PPROMEXIL) com 536 gestantes entre 34 e 37 semanas comparou a interrupção por indução ou cesárea (por indicação obstétrica) 24 horas após a rotura vs a conduta expectante, com vigilância para infecção até 37 semanas. Não encontraram diferença significativa para sepse neonatal. Verificaram, entretanto, maior incidência de hipoglicemia (RR 2,16; IC95% 1,363,43) e icterícia (RR 1,47; IC95% 1,131,90) no grupo de interrupção. Uma extensão deste estudo,63 com 200 gestantes, mostrou resultados semelhantes, mesmo quando os dados foram analisados em conjunto com o estudo anterior. Existe atualmente outro ensaio clínico em andamento (PPROMT64), com cerca de 1.800 gestantes, com o mesmo objetivo. Os autores do estudo PPROMEXIL62 acreditam que, mesmo que o estudo PPROMPT ou uma meta-análise incluindo este e os demais ensaios clínicos mostre uma diferença significativa em relação à sepse neonatal, esta diferença não teria relevância clínica, pois a incidência desta complicação foi muito pequena (1,1% no grupo expectante vs 0,4% no grupo de interrupção, no PPROMEXIL). Os autores atribuem esta baixa incidência ao uso contemporâneo mais frequente de antibióticos profiláticos nos casos de RPM-pt. Atribuem também a este uso a diferença dos resultados dos estudos atuais comparados aos mais antigos, feitos com o mesmo objetivo.
Crescimento fetal restrito e oligohidrâmnio: Galan65 propõe para o crescimento fetal restrito, caso não haja alteração nas avaliações de bem-estar fetal ou outras alterações que justifiquem a interrupção precoce, que a interrupção se realize entre 37 e 38 semanas. Este autor propõe a mesma conduta nos casos de oligohidrâmnio isolado, sem RPM-pt. Baschat66 realizou extensa revisão sobre o crescimento fetal restrito. Ele enfatiza, hoje, são identificados dois tipos de apresentação desta condição: uma de início precoce, detectável antes de 34 semanas, e outra que se detecta após esta idade. Segundo este autor, nos casos de início tardio, as sequelas neurológicas e cognitivas detectadas a longo prazo se associam principalmente às alterações circulatórias compensatórias da hipoxemia, detectadas normalmente pela dopplervelocimetria, especialmente da artéria cerebral média. Pode-se, então, supor que, na ausência destas alterações, sob vigilância cuidadosa, seria aceitável aguardar o termo da gestação ou até próximo dele.
Diabetes na gestação: Catalano e Sacks67 afirmam que a melhor época para a interrupção da gestação nas várias situações clínicas de diabetes é questão ainda controversa, e que são necessários ensaios clínicos para que estas condutas sejam definidas com maior fundamentação. Vignoles et al.68 estudaram os casos de insuficiência respiratória grave em recém-nascidos de mães diabéticas que tiveram parto após 34 semanas. Em análise multivariada, encontraram como fatores de risco independentes para esta complicação a prematuridade (OR 6,13; IC 1,8-21,2) e o diabetes gestacional (OR 11,55; IC 3,9-33,9).
Pré-eclâmpsia: Existe um razoável consenso de que, para um quadro de pré-eclâmpsia grave, não é recomendável que se aguarde o termo da gestação. Não é claro, porém, qual a melhor época para a interrupção na pré-eclâmpsia leve. É necessário que se avalie o risco de piora do quadro materno e fetal em oposição aos riscos da prematuridade. Existe um ensaio clínico em andamento, que compara os resultados da conduta expectante vs interrupção nos RNPT.69
3) Considerar a utilização de corticoesteroides: Existem evidências sobre benefícios na utilização de corticoesteroides para indução de maturidade pulmonar fetal até 34 semanas, não sendo claros os benefícios acima desta idade. Do mesmo modo que em relação à tocólise, é comum a conduta de limitar o uso de corticoesteroides até 34 semanas.70 Alguns estudos observacionais sugerem benefícios desta prática nos RNPT, com redução da morbidade respiratória71 (OR 0,39) e da morbidade em geral72 (OR 0,24). Um ensaio clínico realizado na Turquia mostrou diminuição da doença da membrana hialina e da necessidade de ressuscitação neonatal.73 Um ensaio clínico no Brasil não mostrou benefícios para morbidade respiratória, porém mostrou menor proporção, embora não significativa, de morbidade em geral, nos casos que receberam o corticoesteroide: 62% nas tratadas vs 72% no grupo controle (p = 0,08).12 Outro ensaio clínico mostrou menos admissão em UCIN em neonatos de termo resultantes de cesáreas fora de trabalho de parto e cujas mães receberam este medicamento.74 São necessários novos ensaios clínicos com este objetivo.
4) Mudanças nas rotinas neonatais: Podemos apontar como exemplo ser mais restrito na escolha de alojamento conjunto ou berçário de baixo risco,2 assim como na alta precoce.3 Bhutani & Johnson75 enfatizam, com base no seu estudo de neonatos com kernicterus, que grande parte dos RNPT que desenvolveram esta complicação teve alta precoce, e que na maior parte das vezes não se levou em conta os fatores de risco para esta complicação, dentre estes a prematuridade.
Muitos estudos mostram maior mortalidade e maior frequência de várias complicações nos RNPT, comparados às crianças de termo. Esta diferença é estatisticamente significativa e clinicamente relevante na maior parte das comparações. Chama a atenção o fato de o conjunto dos estudos mostrar não apenas associação com mortes e problemas neonatais, mas também com doenças e sequelas que se manifestam a longo prazo. O argumento de que estas associações são confundidas pela maior frequência nos RNPT de condições que por si próprias pioram o prognóstico, como doenças maternas, RPM-pt, malformações etc., é pouco consistente, uma vez que grande parte dos estudos excluiu ou realizou ajustes para estas condições. As conclusões dos estudos de Goldenberg et al.4 e De Palma et al.5 são, provavelmente, válidas. A peculiaridade em relação a eles, porém, é que nestes estudos as comparações foram feitas apenas dentro do grupo de prematuros. Ao se comparar os RNPT com crianças a termo, o que foi feito nos estudos mais recentes, percebeu-se que os primeiros têm um risco de morte e complicações algumas vezes maior e elevado para os padrões contemporâneos.
Podemos, provavelmente, dizer que já estamos em um momento não mais de confirmação da consistência e da magnitude destas associações (prematuridade tardia com desfechos indesejados), mas sim de avaliação das estratégias propostas para a abordagem deste problema. Como discutido acima, são necessários estudos com este grupo, tanto ensaios clínicos como estudos observacionais, abordando aspectos como uso de corticoesteroides antenatais, tentativa de tocólise e reavaliação das rotinas de interrupção de gestações de alto risco. Também são esperadas propostas de maior vigilância neonatal para estes prematuros.
Os estudos de Lisinkova et al.20 e de Joseph et al.,22 publicados recentemente, podem causar grande polêmica. Contudo, os argumentos apresentados pelos autores se aplicariam, basicamente, aos partos resultantes de interrupção médica. O risco aumentado dos RNPT em relação ao termo, porém, não se resume às gestações de alto risco ou às interrupções médicas. Muitos dos estudos apresentados incluíram apenas gestações de baixo risco,24 , 40 e mesmo estes mostraram associação importante com mortes e complicações. Além disso, na maior parte das séries, a maioria dos RNPT é resultante de partos espontâneos. Das estratégias discutidas acima para abordar a questão da prematuridade tardia, apenas a reavaliação das interrupções médicas poderia ser questionada, se levarmos em conta os argumentos destes autores. Porém, mesmo as demosntrações sobre as interrupções podem ser questionadas. As limitações dos estudos ecológicos são bem conhecidas.76 Estes fazem comparações entre populações diferentes, e as análises não são, portanto, realizadas na base individual. Não se pode ter certeza, por exemplo, que as crianças que não morreram na vida intrauterina ou no período neonatal nas populações com maior taxa de prematuridade tardia sejam justamente aquelas cuja gestação foi interrompida entre 32 e 37 semanas. Uma possibilidade que não pode ser afastada é a de que o menor número de neomortos e natimortos se deva a uma melhor qualidade da assistência obstétrica e neonatal em geral nestas populações, e que a maior disponibilidade de métodos de vigilância materna e fetal conduza, paralelamente, a uma maior taxa de interrupções antes do termo, e que esta maior taxa leve a uma piora relativa dos resultados. Outra possibilidade é a de que os resultados encontrados se devam, em parte, à maior taxa de interrupções e, em parte, à melhor assistência em geral, e que o resultado atribuído pelos autores ao primeiro componente seja "contaminado" pela atuação do segundo componente. De qualquer modo, jamais foi colocada a proposta de não se interromper nenhuma gestação antes de 37 semanas. A ênfase, levando-se em conta os conhecimentos acrescentados pelos estudos discutidos neste texto, é de que, ao se comparar os riscos de continuidade da gestação com os da prematuridade, não se deve considerar que as gestações entre 34 e 37 semanas sejam "praticamente de termo", e que não exista benefício em prolongá-las, e que se avalie cada caso clínico de modo individualizado.
Uma modalidade de prematuridade tardia, que é provavelmente importante no Brasil, embora também ocorra em outros países, é aquela resultante de motivos pessoais, não médicos, da paciente e/ou do médico, que levam à interrupção da gestação. É possível que este tipo de interrupção ocorra mais frequentemente com 37 semanas completas, por ser, por definição, uma gestação a termo, mas ainda com morbidade e mortalidade maiores em comparação com 39 semanas.24 Como discutido acima,33 - 36 na seção "Condições causais e associadas", este tipo de situação ocorre mais frequentemente no setor privado. É difícil conhecer a frequência exata deste tipo de interrupção, pois é comum que essa motivação não seja explicitamente documentada, sendo justificada sob outros diagnósticos ou indicações. Do mesmo modo, uma política das instituições hospitalares para diminuir esta prática teria resultados limitados, primeiro, pela dificuldade de identificação dos casos e, segundo, pela dificuldade de normatização da atividade médica privada. Podemos acreditar, porém, que parte da tendência que alguns profissionais têm para esta prática se deva ao pressuposto de que ela não tenha consequências importantes. Poderíamos esperar, portanto, que a divulgação de resultados de estudos mais recentes, como os discutidos acima, possa mudar certas práticas, pelo menos em parte.