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Preparação e colocação de enxertos de cartilagem “em ilha" em timpanoplastia

Preparação e colocação de enxertos de cartilagem “em ilha" em timpanoplastia

Autores:

Veysel Yurttas,
Fatih Yakut,
Ahmet Kutluhan,
Kazım Bozdemir

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.6 São Paulo set./dez. 2014

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.08.007

Introdução

O objetivo da timpanoplastia é o fechamento das perfurações da membrana timpânica, a restauração da audição e de uma cavidade da orelha média saudável. Embora a timpanoplastia seja um procedimento de sucesso em 70 a 90% das orelhas médias com ventilação adequada, o prognóstico é mais sombrio nos casos com disfunção tubárea, processos adesivos, infecção, fibrose, e defeito total da membrana timpânica.1,2 Muitos materiais de enxerto autógenos têm sido utilizados, sendo vários do tipo alógeno (homógeno) e, em menor número, de materiais heterógenos para o fechamento de perfurações timpânicas e reconstrução da orelha média e do canal auditivo.3

As principais vantagens da cartilagem são sua firmeza e o metabolismo braditrófico, o que torna essa estrutura particularmente adequada em condições difíceis, como perfurações subtotais, otite adesiva e reoperação.4

O objetivo do presente estudo foi preparar o material para enxerto de cartilagem e avaliar seu efeito no percentual de sucesso da timpanoplastia.

Método

Trata-se de um estudo retrospectivo com 87 pacientes submetidos à reparação da membrana timpânica nos casos de perfuração de tímpano entre dezembro de 2007 e outubro de 2011. Todos os pacientes apresentavam otite média sem colesteatoma.

Foram obtidos dados sobre idade, gênero, tamanho das perfurações, primeira cirurgia ou cirurgia de revisão, tempo transcorrido entre timpanoplastias para os casos de revisão, gap aéreo-ósseo (GAO) médio global pré e pós-operatório e o tempo médio de acompanhamento, para todos os pacientes.

Técnica cirúrgica

A técnica de utilização de ilhas de cartilagem para timpanoplastia foi realizada sob anestesia geral, com abordagem retro-auricular. O material do enxerto foi coletado do pericôndrio conchal, e a cartilagem preferida foi a cartilagem conchal, por sua forma côncava e facilidade de aquisição através do acesso retro-auricular. A cartilagem foi dissecada e ressecada circunferencialmente nos 0,2 mm da borda do enxerto com um bisturi n° 15. Além disso, foi realizada uma ressecção em cunha da cartilagem do enxerto, desde o rebordo até a região central, para a etapa de posicionamento do cabo do martelo, com preservação do pericôndrio (fig. 1). O pericôndrio foi colocado medialmente junto aos remanescentes da membrana timpânica ou ao anel timpânico. O cabo longo do martelo foi posicionada na área da cunha ressecada do enxerto, utilizando uma abordagem do tipo chave/fechadura (lock-and-key) para estabilização do enxerto.

Figura 1 Enxerto de cartilagem conchal “em ilha". 

Resultados

A média de idade dos 87 pacientes (48 homens e 39 mulheres) era de 27,3 ± 11,2 anos (intervalo, 13-40 anos). Dentre os pacientes, 27 se apresentavam com perfuração central benigna, 43 tinham perfuração subtotal, seis exibiam membrana timpânica adesiva e dez apresentavam perfuração total (tabela 1). As timpanoplastias prévias haviam sido realizadas em outro hospital. Todos os pacientes eram casos de primeira revisão. Na primeira cirurgia, o material utilizado tinha sido fáscia do músculo temporal. O GAO pré-operatório médio era de 37,27 ± 12,35 dB e o GAO pós-operatório de 27,58 ± 9,84 dB. O acompanhamento pós-operatório médio foi de 15,3 meses (intervalo, 7-21 meses). O tempo transcorrido entre a timpanoplastia malsucedida e a timpanoplastia de revisão foi de 10-23 meses.

Tabela 1 Perfuração pré e pós-operatória da MT 

Perfuração pré-operatória da MT, n (%) Perfuração pós-operatória da MT, n (%)
Perfuração central, 27 (31) -
Perfuração subtotal, 43 (49) 3(3,5)
Otite aderente, 6 (7) 1(1)
Perfuração total, 11 (13) 2(2,3)

Medidas de desfecho

O enxerto medial (underlay) de cartilagem conchal resultou em um percentual de pega do enxerto de 93% com um reparo intacto. Não ocorreu lateralização ou deslocamento do enxerto para a orelha média, e nem foi observada formação de bolsa de retração durante o seguimento dos pacientes. A figura 2 ilustra o resultado anatômico de um enxerto 12 meses depois da operação. No pós-operatório, seis pacientes se apresentaram com perfurações entre a membrana timpânica remanescente e a parte cartilaginosa do enxerto. A figura 3 é uma imagem representativa de um enxerto perfurado sete meses após a cirurgia.

Figura 2 Foto do resultado anatômico, 12 meses após a cirurgia. 

Figura 3 Perfuração entre a membrana timpânica remanescente e a parte cartilaginosa do enxerto, sete meses após a operação. 

Todas as perfurações recorrentes eram menores do que as perfurações iniciais, tendo ocorrido em três pacientes que apresentavam inicialmente uma perfuração subtotal, em um paciente com uma membrana adesiva e em dois com perfuração total (uma revisão) (tabela 1).

Discussão

Até bem pouco tempo, a fáscia do músculo temporal era o material de enxerto de uso mais comum nas cirurgias de timpanoplastia, e o percentual de sucesso chegava perto dos 90% no fechamento da membrana timpânica.5,6 As causas para insucesso na timpanoplastia com uso de enxerto de fáscia de músculo temporal eram: doença otológica grave; doenças do cabo do martelo e cirurgias de revisão do arco do estribo; atelectasia; colesteatoma; timpanoes-clerose; perfurações grandes (> 50% do diâmetro total da membrana timpânica) e anteriores; exposição à fumaça de tabaco; otorréia presente no momento da cirurgia; e doença bilateral.7,8 Tendo em vista que a fáscia do músculo temporal é composta por fibras elásticas irregularmente dispostas e por tecido conjuntivo fibroso, geralmente não é possível prever as dimensões pós-operatórias do enxerto.9 Um material de enxerto mais rígido e mais resistente à reabsorção e à retração pode resultar em taxas de sucesso mais favoráveis. Assim, materiais cartilaginosos para enxerto são preferíveis para grandes perfurações, apresentando melhores resultados quanto à pega do enxerto, comparativamente com a timpanoplastia com fáscia de músculo temporal.

Após a descrição de enxertos cartilaginosos feita por Heerman em 1962, outros autores publicaram sobre a técnica em paliçada e enxertos de ilhas de pericôndrio para pacientes com atelectasia, perfurações e colesteatoma.1013 A principal vantagem da timpanoplastia com enxerto cartilaginoso é que a epitelização pode continuar sobre a superfície da cartilagem, mesmo se vier a ocorrer descolamento anterior do enxerto. A outra vantagem é que essa técnica evita a formação de sinéquias entre o enxerto e o promontório, pois não há necessidade de usar materiais esponjosos na orelha média para sustentação do enxerto. Acredita-se que o enxerto cartilaginoso tenha uma taxa metabólica muito baixa. Este absorve seus nutrientes por difusão, é fácil de trabalhar por ser maleável e resiste à deformação decorrente de variações de pressão. No presente estudo, coletamos a cartilagem conchal com seu pericôndrio posterior; a cartilagem foi ressecada em 0,2 mm ao redor do enxerto, com preservação do pericôndrio. Em seguida, o pericôndrio foi posicionado medialmente à membrana timpânica (ou ao anel timpânico). Em nossa técnica, a ressecção em cunha da cartilagem desde a região periférica até a região medial do enxerto (para o cabo do martelo) foi realizada com preservação do pericôndrio, com posicionamento do cabo do martelo nesse sulco, pela abordagem lock-and-key, para estabilização do enxerto.

Neumann et al.4 conseguiram 100% de pega do enxerto em seu estudo de timpanoplastia com cartilagem em paliçada; esses autores não observaram reabsorções ou defeitos recorrentes da membrana timpânica reconstruída. Khan et al.14 utilizaram um enxerto composto de cartilagem/pericôndrio tragal em fatias, e seu percentual de sucesso alcançou 97,67%. Sismanis et al.15 descreveram seus casos de revisão de timpanoplastia, tendo obtido 93,5% de sucesso. No presente estudo, o percentual de sucesso de nossa técnica foi de 93%. Em nossos pacientes, não ocorreu lateralização ou colapso do enxerto para a orelha média. Embora a espessura do enxerto tenha diminuído o espaço da orelha média, em nossos casos não foi observado qualquer efeito adverso na audição.

Embora o percentual de sucesso na pega do enxerto nos casos de timpanoplastia com enxerto cartilaginoso seja elevado, o ganho auditivo pode não ser satisfatório, devido ao seu efeito na elasticidade da membrana timpânica. Mas, apesar do que pensam muitos cirurgiões, estudos recentemente publicados demonstraram que não existe diferença estatisticamente significativa entre timpanoplastias com fáscia do músculo temporal e com cartilagem, em termos de resultados no nível de audição.5,6,16-21 Dornhoffer6 relatou um valor para GAO de 6,8 dB para a timpanoplastia com enxerto cartilaginoso. Gerber et al.5 constataram uma melhora média de 10 dB no limiar de condução aérea. Vale salientar que Bozdemir et al.22 relataram melhores resultados para a audição com a aplicação do enxerto de fáscia de músculo temporal vs. cartilagem conchal. No presente estudo, obtivemos resultados auditivos satisfatórios em nossos pacientes. Esse resultado pode ser decorrente da maior estabilização, graças ao adelgaçamento da parte cartilaginosa do enxerto.

No período pós-operatório imediato, observamos seis perfurações do enxerto. Estas se encontravam situadas entre a membrana timpânica remanescente e a parte cartilaginosa do enxerto. Sismanis et al.15 relataram que dois de três de

seus insucessos com os enxertos foram secundários a coles-teatomas residuais da orelha média; esses problemas ocorreram no ático. Tek et al.23 observaram três insucessos em suas timpanoplastias com enxerto cartilaginoso - todos consistindo de perfurações anteriores.

Muitos autores acreditam que a timpanoplastia com enxerto cartilaginoso possa proporcionar suficiente estabilidade estrutural durante os momentos de pressão negativa na orelha média, sendo capaz de resistir prontamente a uma disfunção persistente da trompa de Eustáquio.24 Altuna et al.24 observaram que a timpanoplastia com enxerto cartilaginoso é muito efetiva em casos de revisão, tendo demonstrado percentuais aceitáveis de sucesso tanto no fechamento das membranas timpânicas quanto na audição, em perfurações de alto risco. Sua taxa de sucesso na aplicação dos enxertos foi de 87%. Além disso, as perfurações pós-cirúrgicas dos casos desses autores eram pequenas, tendo sido decorrentes do mau posicionamento da cartilagem. Em nosso estudo, apenas um caso de revisão apresentou insucesso no enxerto, com a perfuração tendo ocorrido na parte anterior do enxerto e entre a membrana remanescente e a parte cartilaginosa do mesmo. Kaziktas et al.1 obtiveram percentuais de sucesso de 95,7% nas timpanoplastias com cartilagem em paliçada e de 75% nas timpanoplastias com fáscia de músculo temporal. Em nosso estudo, o enxerto apresentou pega em 40 (93%) de 43 pacientes com perfurações subtotais.

No presente estudo, nossa experiência com a timpanoplastia com uso da cartilagem conchal demonstra que o procedimento é muito efetivo, particularmente em casos de perfuração total, atelectasia, perfuração isolada de membrana timpânica e de otorréia presente no momento da cirurgia.

Conclusão

A timpanoplastia com enxerto cartilaginoso “em ilha", é procedimento efetivo para todos os tipos de pacientes destinados a essa cirurgia. Este material proporciona melhor pega do enxerto e resultados auditivos mais favoráveis, caso seja adequadamente preparado e posicionado.

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