versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.1 Rio de Janeiro jan. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015211.00262015
A obesidade é um sério problema de saúde pública da atualidade. Embora esta condição seja reconhecida como uma epidemia global desde o final dos anos de 19901, suas estimativas têm crescido em várias localidades, sobretudo em países em desenvolvimento e em idades cada vez mais precoces2,3. No Brasil, dados confirmam a elevada presença de obesidade infantil no país, com taxas superiores a 10% entre crianças de 5 a 9 anos de idade4. Não obstante, a obesidade centralizada (acúmulo excessivo de gordura na região central do corpo) também tem crescido na população infantil de diversos países5,6.
Diferentes indicadores antropométricos têm sido utilizados para identificar a presença de obesidade geral (especialmente, o índice de massa corporal [IMC]), ou centralizada (por exemplo, circunferência da cintura [CC] e razão cintura-estatura [RCEst])1,7,8. O IMC é um exemplo de um indicador de obesidade geral frequentemente utilizado na prática clínica e epidemiológica, devido à fácil aplicação, baixo custo e forte poder de predição de fatores de risco à saúde cardiovascular (por exemplo, pressão arterial elevada e hipergliceridemia) da criança1,7. A CC representa o acúmulo de gordura abdominal e pode predizer o risco cardiovascular tão bem ou até melhor do que o IMC8,9. Outros estudos têm destacado que a RCEst é um importante indicador de obesidade centralizada na infância, pois aumenta a predição do risco cardiovascular quando aliada à classificação do IMC10,11. Portanto, o diagnóstico da obesidade com base na combinação desses indicadores antropométricos pode permitir uma estimativa mais confiável do risco cardiovascular entre crianças9,10.
Embora a literatura brasileira discuta frequentemente sobre a epidemiologia da obesidade geral em adolescentes brasileiros12,13, a avaliação da presença do tipo centralizado em crianças brasileiras é uma área carente de estudos14. Não obstante, estudos epidemiológicos com crianças têm tido foco somente na presença isolada de um indicador antropométrico elevado15–17. Portanto, estudos que incluam crianças e que avaliem a presença de obesidade geral e centralizada são estimulados. Por fim, a associação de fatores sociodemográficos (como sexo, idade, zona de moradia ou rede de ensino) com a obesidade geral15,16,18–20 e centralizada15,17,18,21–24 em crianças e adolescentes tem sido testada, mas a associação entre fatores sociodemográficos e a presença combinada de obesidade geral e centralizada é desconhecida. Estudos nesta direção são importantes por indicar se há diferenças nos subgrupos com maior chance de ter as diferentes formas de manifestação da obesidade durante a infância – obesidade geral, obesidade abdominal e a combinação entre essas condições. Estas evidências podem auxiliar no direcionamento de estratégias públicas de combate à obesidade infantil na população brasileira.
Nesta perspectiva, o presente estudo teve como objetivo identificar a presença isolada e combinada de indicadores antropométricos (IMC, CC e RCEst) elevados, e seus fatores sociodemográficos associados, em crianças de um município brasileiro.
Estudo transversal realizado no município de Colombo, Paraná, Sul do Brasil. Este município está localizado na área norte da região metropolitana de Curitiba e possui o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH 2010) de 0,733, sendo o 73° IDH do Estado. Segundo estimativas do Censo 2010, o município de Colombo possuía 27.000 crianças regularmente matriculadas do 1° ao 5° ano do ensino fundamental, tanto em escolas públicas quanto em particulares. Esta foi a população de estudo. A coleta de dados foi realizada de março a setembro de 2012.
Os seguintes parâmetros estatísticos foram adotados para cálculo do tamanho amostral: (i) nível de confiança de 95%; (ii) erro amostral de três pontos percentuais; (iii) prevalência do desfecho de interesse (pelo menos um indicador de obesidade) de 50,0%, a qual considera uma variância máxima e superestima o tamanho amostral; e (iv) efeito do delineamento de 2,025. Com bases nesses parâmetros, a amostra mínima de estudo foi estimada em 1.978 crianças. No planejamento amostral, foi acrescentada uma margem de cerca de 20% para possíveis perdas e recusas durante a coleta de dados. Portanto, foi estimada uma amostra de 2.400 crianças.
As escolas do município foram agrupadas em três estratos: rede pública na zona urbana, rede pública na zona rural e rede particular (39, 5 e 16 escolas, respectivamente). Inicialmente, foi realizado um sorteio das escolas (unidade de amostragem) que iriam participar do estudo, utilizando um gerador eletrônico de números aleatórios (http://www.random.org). Esse sorteio foi realizado por estrato e a quantidade de escolas respeitou a proporcionalidade de crianças em cada estrato. Posteriormente, todas as crianças das turmas de 1° ao 5° ano do ensino fundamental, matriculados na escola sorteada, foram convidados a participar do estudo. Foram visitadas 14 escolas (7 da rede pública na zona urbana, 2 da rede pública na zona rural e 5 da rede particular), em um total de 138 turmas.
Crianças sem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado, que se recusaram a participar do estudo ou fora da faixa etária de interesse (de 6 a 11 anos de idade) não foram avaliadas ou foram excluídas da amostra final.
O cálculo do poder estatístico da amostra foi realizado a posteriori, para o nível de confiança de 95% (α = 0,05) e o poder de 80% (β = 0,20). Com a amostra final de 2.035 adolescentes, foi possível detectar significância estatística para valores de odds ratio > 1,36 como risco e < 0,64 como proteção ao IMC elevado, > 1,53 como risco e < 0,47 como proteção à CC elevada, > 1,42 como risco e < 0,58 como proteção à RCEst elevada e > 1,30 como risco e < 0,70 como proteção à combinação de indicadores antropométricos elevados. Nestes cálculos, foram consideradas as prevalências de 9,2%, 4,2%, 7,7% e 16,5% para os grupos de não expostos ao IMC elevado, à CC elevada, à RCEst elevada e à combinação de indicadores antropométricos elevados, respectivamente.
A coleta de dados foi baseada na avaliação antropométrica (massa corporal, estatura e CC). As crianças foram inicialmente organizadas em um espaço próximo à sala reservada para a avaliação antropométrica. Cada criança foi avaliada individualmente, objetivando minimizar constrangimentos. Todas as mensurações foram realizadas por um único avaliador experiente. Dois acadêmicos de Educação Física auxiliaram na anotação dos dados antropométricos.
Os materiais utilizados no presente estudo foram: fita métrica (escala de 0,1 cm, marca Easyread® e modelo Cateb) fixada em uma parede plana, sem rodapé, para determinação da estatura; balança digital (resolução de 100 g e capacidade de 150 kg, marca Wiso® e modelo W903) para mensuração da massa corporal; e uma fita métrica metálica e inextensível (escala de 0,1 cm, marca Cescorf®) para mensuração da CC. A estatura e a massa corporal foram mensuradas conforme padronização proposta por Gordon et al.26. A estatura foi aferida com a criança sem sapatos, os calcanhares unidos e a cabeça orientada com o plano de Frankfurt. Para determinação da massa corporal, a criança foi avaliada na posição ortostática, sem sapatos e usando o uniforme de Educação Física. As medidas de massa corporal e estatura foram utilizadas para cálculo do IMC (kg/m2). O escore-z do IMC das crianças, específico para sexo e idade, foi calculado utilizando o programa WHO ANTHRO Plus (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, USA). Crianças com valores de escore-z do IMC iguais ou superiores a dois foram consideradas com o IMC elevado7.
A CC foi aferida com o avaliado em pé, abdômen relaxado, braços lateralmente ao longo do corpo, a massa corporal distribuída igualmente sobre ambos os pés que estavam unidos. A fita métrica foi colocada horizontalmente no ponto médio entre a borda inferior da última costela e a crista ilíaca27. Duas medidas foram obtidas de cada criança e a média delas foi calculada (coeficiente de correlação intraclasse = 0,99). Posteriormente, a CC foi classifica conforme os pontos de corte específicos por sexo e idade, propostos por Fernandéz et al.28. Valores da CC superiores ao percentil 90 por sexo e idade foram considerados elevados28. Por fim, a RCEst foi obtida mediante o cálculo da relação entre a CC e a estatura8. Uma RCEst igual ou superior a 0,50 foi considerada elevada10.
A presença isolada de indicadores antropométricos elevados foi analisada considerando a classificação do IMC, da CC e da RCEst separadamente. Para analisar a presença combinada de indicadores antropométricos elevados, foi criada uma nova variável para contabilizar a quantidade destes de cada criança (nenhum, um, dois ou três). Nas análises exploratórias, o desfecho foi analisado como ter ou não pelo menos um indicador antropométrico (IMC, CC e/ou RCEst) elevado.
A idade foi calculada pela diferença entre a data de nascimento e a data da coleta. Durante as análises das variáveis exploratórias, as idades foram agrupadas em três faixas etárias: 6–7 anos, 8–9 anos e 10–11 anos. As variáveis sexo (masculino e feminino), rede de ensino (pública ou particular), turno (manhã ou tarde), série (1ª, 2ª, 3ª, 4ª ou 5ª) e zona de moradia (urbana ou rural) foram determinadas de acordo com as informações repassadas pela direção escolar e pelos escolares.
A estatística descritiva foi utilizada para apresentação dos dados, baseando-se em média e desvio padrão para as variáveis contínuas, e em frequência absoluta e relativa para as categóricas. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a distribuição dos dados contínuos (idade e variáveis antropométricas). O teste t de Student para amostras independentes foi utilizado para comparar as variáveis contínuas entre os sexos. O teste de Qui-quadrado para heterogeneidade ou para tendência linear, quando apropriado, foi utilizado para identificar possíveis discrepâncias entre os sexos na distribuição das variáveis categóricas (faixa etária, rede de ensino, turno, série, zona de moradia). O intervalo de confiança de 95% (IC 95%) foi calculado para as prevalências isoladas (IMC, CC e RCEst analisados separadamente) e combinadas (classificação agrupada do IMC, CC e RCEst) dos indicadores antropométricos elevados, separadamente por sexo.
Modelos de regressão logística bruta e ajustada foram utilizados para identificar os fatores associados (sexo, faixa etária, rede de ensino, turno, série, zona de moradia) à presença isolada ou combinada de indicadores antropométricos elevados entre as crianças. Desta forma, foi possível estimar os valores de odds ratio brutos e ajustados, bem como seus respectivos IC 95%. Todas as variáveis investigadas foram introduzidas ao mesmo tempo no modelo de regressão multivariável, independente do valor de p da análise bruta. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p < 0,05) para as análises finais. Procedimentos estatísticos para amostragem complexa foram incorporados em todas as análises, adicionando o prefixo “svyset” para ponderar estrato, conglomerados e peso amostral, com o uso do software STATA® versão 11 (Stata Corp., College Station, TX, USA).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, seguindo as normas que regulamentam a pesquisa envolvendo seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde (resolução n° 196/96). Todas as crianças receberam autorização dos pais/responsáveis para participar do presente estudo.
O processo de seleção resultou em uma amostra de 2.750 crianças convidadas para participar do presente estudo. Destes, 20,0% não devolveram o TCLE assinado pelos pais/responsáveis e 6% se recusaram a participação no estudo. Essas crianças não foram avaliadas. Adicionalmente, uma criança foi excluída da amostra final porque tinha 15 anos. Não houve perda amostral devido ao preenchimento incompleto dos dados. Desta forma, a amostra final do estudo foi composta por 2.035 crianças (1.016 meninos e 1.019 meninas). A proporção da população que foi alcançada com esta amostra foi de 11,6%, 12,2%, 11,3%, 14,9% e 13,3% para as crianças dos 1°, 2°, 3°, 4° e 5° anos, respectivamente. A média de idade foi de 8,87 anos, com desvio padrão de 1,35 anos.
Uma maior proporção de crianças era de turmas de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental (21,4% e 22,3%, respectivamente). A maioria das crianças estava matriculada em turmas do período matutino (55,4%) e eram da rede pública de ensino (63,3%). Adicionalmente, 98,0% das crianças estudavam em escolas na zona urbana da cidade. Não houve diferenças significativas entre os sexos para as variáveis descritivas estudadas (p > 0,05, ver Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização da amostra total e por sexo. Colombo, Paraná, Brasil (2012).
Variáveis | Todos (n = 2.035) | Meninos (n = 1.016) | Meninas (n = 1.019) | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Contínuas, Média (Desvio Padrão) | ||||||
Idade (anos) | 8,87 (1,35) | 8,86 (1,35) | 8,89 (1,34) | 0,66* | ||
Massa corporal (kg) | 29,65 (7,88) | 29,61 (7,92) | 29,68 (7,85) | 0,85* | ||
Estatura (cm) | 131,23 (12,59) | 131,49 (13,35) | 130,99 (11,79) | 0,37* | ||
IMC (kg/m2) | 17,05 (2,95) | 16,99 (2,97) | 17,10 (2,92) | 0,40* | ||
CC (cm) | 57,00 (6,88) | 56,88 (6,98) | 57,13 (6,77) | 0,42* | ||
RCEst | 0,44 (0,05) | 0,43 (0,05) | 0,44 (0,05) | 0,13* | ||
Categóricas, n (%) | ||||||
Idade (anos) | 0,67*** | |||||
6 | 174 (8,6) | 85 (8,3) | 89 (8,8) | |||
7 | 442 (21,7) | 228 (22,3) | 214 (21,1) | |||
8 | 469 (23,0) | 241 (23,6) | 228 (22,5) | |||
9 | 453 (23,3) | 221 (21,6) | 232 (32,9) | |||
10 | 371 (18,2) | 184 (18,0) | 187 (18,5) | |||
11 | 126 (6,2) | 63 (6,2) | 63 (6,2) | |||
Ano de Ensino | 0,41*** | |||||
1a | 435 (21,4) | 226 (22,1) | 209 (20,6) | |||
2a | 454 (22,3) | 222 (21,7) | 232 (22,9) | |||
3a | 405 (19,9) | 207 (20,3) | 198 (19,5) | |||
4a | 391 (19,2) | 203 (19,9) | 188 (18,6) | |||
5a | 350 (17,2) | 164 (16,0) | 186 (18,4) | |||
Turno de Ensino | 0,26** | |||||
Manhã | 1128 (55,4) | 554 (54,2) | 574 (56,7) | |||
Tarde | 907 (44,6) | 468 (45,8) | 439 (43,3) | |||
Rede de Ensino | 0,12** | |||||
Particular | 746 (36,7) | 358 (35,0) | 388 (38,3) | |||
Pública | 1289 (63,3) | 664 (65,0) | 625 (61,7) | |||
Localização da Escola | 0,85** | |||||
Rural | 41 (2,0) | 20 (2,0) | 21 (2,1) | |||
Urbana | 1994 (98,0) | 1002 (98,0) | 992 (97,9) |
*valores de p obtidos usando o teste t para amostras independentes.
**valores de p obtidos usando o teste de qui-quadrado para heterogeneidade.
***valores de p obtidos usando o teste de qui-quadrado para tendência linear. O seguinte critério foi utilizado para se determinar o intervalo entre as idades: 6,00–6,99 = 6 anos; 7,00–7,99= 7 anos; 8,00–8,99 = 8 anos; 9,00–9,99 = 9 anos; 10,00–10,99 = 10 anos; e 11,00–11,99 = 11 anos.
IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; RCEst: razão cintura-estatura.
As Figuras 1A e 1B mostram a prevalência e o IC 95% da presença isolada e combinada de indicadores antropométricos elevados entre meninos e meninas. A prevalência destes indicadores antropométricos elevados esteve presente de modo semelhante entre os sexos (houve sobreposição dos IC 95%). O IMC elevado esteve presente em 9,4% (IC 95%: 3,3; 15,7) das crianças. A RCEst elevada foi observada em 8,7% (IC 95%: 1,7; 15,9) das crianças, enquanto que 4,4% (IC 95%: 1,0; 7,9) apresentaram uma CC elevada.
Figura 1 Prevalência e intervalo de confiança de 95% da presença isolada (A) e combinada (B) de IMC, CC e/ou RCEst elevados em crianças de acordo com o sexo. Colombo, Paraná, Brasil (2012).IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; RCEst: razão cintura-estatura.
A presença de pelo menos um indicador antropométrico elevado (IMC, CC e/ou RCEst combinados) foi observada em 16,9% (IC 95%: 5,4; 28,5) das crianças. Contudo, as estimativas de acúmulo de dois ou mais indicadores antropométricos elevados foi menores que 5% tanto em meninos quanto em meninas (Figura 1B).
Na análise bruta, o sexo e a rede de ensino estiveram associados ao IMC elevado entre as crianças. Os valores de odds ratio permaneceram significativos após o ajuste para as demais variáveis independentes (p < 0,05). Após ajuste para as demais variáveis independentes, meninas e crianças da rede particular foram subgrupos com menores valores de odds ratio ao IMC elevado (Tabela 2).
Tabela 2 Fatores associados ao IMC elevado em crianças. Colombo, Paraná, Brasil (2012).
IMC elevado, escore-z ≥ 2 | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | n (%) | OR bruto (IC 95%) | Valor de p** | OR ajustado (IC 95%)* | Valor de p** | |
Sexo | <0,01 | < 0,01 | ||||
Meninos | 117 (11,4) | 1,0 | 1,0 | |||
Meninas | 76 (7,5) | 0,63 (0,49; 0,81) | 0,63 (0,50;0,81) | |||
Idade (anos) | 0,76 | 0,23 | ||||
6–7 | 59 (9,6) | 1,0 | 1,0 | |||
8–9 | 75 (8,1) | 0,84 (0,24;2,88) | 0,74 (0,23;2,38) | |||
10–11 | 59 (11,9) | 1,27 (0,39;4,19) | 0,94 (0,37;2,43) | |||
Turno de Ensino | 0,40 | 0,20 | ||||
Manhã | 123 (10,9) | 1,0 | 1,0 | |||
Tarde | 70 (7,7) | 0,69 (0,26;1,77) | 0,62 (0,28;1,33) | |||
Rede de Ensino | < 0,01 | < 0,01 | ||||
Pública | 180 (14,0) | 1,0 | 1,0 | |||
Particular | 13 (1,7) | 0,11 (0,05;0,22) | 0,12 (0,05;0,25) | |||
Localização da Escola | 0,12 | 0,33 | ||||
Urbana | 184 (9,2) | 1,0 | 1,0 | |||
Rural | 9 (22,0) | 2,8 (0,74;10,31) | 1,72 (0,55;5,34) |
IMC: índice de massa corporal; OR (IC 95): odds ratio e intervalo de confiança de 95%.
*Valores de OR e IC 95% ajustados para as demais variáveis independentes.
**valores de p obtidos usando a regressão logística binária bruta ou ajustada.
A faixa etária e a rede de ensino foram fatores associados à CC elevada entre crianças, tanto na análise bruta quanto na ajustada para as demais variáveis independentes. Crianças de 8 ou 9 anos de idade tiveram menor odds ratio de ter a CC elevada em comparação às crianças de 6 e 7 anos. Crianças da rede particular tiveram menor odds ratio de ter a CC elevada em comparação aos pares da rede pública de ensino (Tabela 3).
Tabela 3 Fatores associados à CC e RCEst elevadas em crianças. Colombo, Paraná, Brasil (2012).
CC elevada, ≥ 90th | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | n (%) | OR bruto (IC 95%) | Valor de p** | OR ajustado (IC 95%)* | Valor de p** | |
Sexo | 0,83 | 0,75 | ||||
Meninos | 44 (4,3) | 1,0 | 1,0 | |||
Meninas | 46 (4,5) | 1,05 (0,61; 1,83) | 1,07 (0,87; 1,52) | |||
Idade (anos) | 0,02 | 0,02 | ||||
6–7 | 40 (6,5) | 1,0 | 1,0 | |||
8–9 | 26 (2,8) | 0,41(0,24; 0,73) | 0,54 (0,32; 0,90) | |||
10–11 | 24 (4,8) | 0,73 (0,42; 1,25) | 1,10 (0,59; 2,05) | |||
Turno de Ensino | 0,54 | 0,12 | ||||
Manhã | 54 (4,8) | 1,0 | 1,0 | |||
Tarde | 36 (4,0) | 0,82 (0,41; 1,62) | 0,63 (0,34; 1,15) | |||
Rede de Ensino | < 0,01 | < 0,01 | ||||
Pública | 84 (6,5) | 1,0 | 1,0 | |||
Particular | 6 (0,8) | 0,12 (0,04; 0,28) | 0,11 (0,05; 0,28) | |||
Localização da Escola | 0,13 | 0,28 | ||||
Urbana | 83 (4,2) | 1,0 | 1,0 | |||
Rural | 7 (17,1) | 4,74 (0,61; 9,99) | 2,61 (0,41; 9,35) |
RCEst elevada (> 0,50) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | n (%) | OR bruto (IC 95%) | Valor de p** | OR ajustado (IC 95%)* | Valor de p** | |
Sexo | 0,13 | 0,08 | ||||
Meninos | 79 (7,7) | 1,0 | 1,0 | |||
Meninas | 100 (9,9) | 1,31 (0,91; 1,88) | 0,83 (0,58; 1,19) | |||
Idade (anos) | 0,57 | 0,30 | ||||
6–7 | 58 (9,4) | 1,0 | 1,0 | |||
8–9 | 74 (8,0) | 0,84 (0,55; 0,73) | 0,84 (0,49; 1,45) | |||
10–11 | 47 (9,5) | 1,00 (0,73; 1,39) | 1,39 (0,96; 2,00) | |||
Turno de Ensino | 0,88 | 0,70 | ||||
Manhã | 101 (9,0) | 1,0 | 1,0 | |||
Tarde | 78 (8,6) | 0,96 (0,52; 1,76) | 0,88 (0,45; 1,72) | |||
Rede de Ensino | < 0,01 | < 0,01 | ||||
Pública | 169 (13,1) | 1,0 | 1,0 | |||
Particular | 10 (1,3) | 0,10 (0,03; 0,31) | 0,09 (0,02; 0,33) | |||
Localização da Escola | 0,09 | 0,24 | ||||
Urbana | 168 (8,4) | 1,0 | 1,0 | |||
Rural | 11 (26,8) | 3,99 (0,79;10,12) | 2,45 (0,50; 11,92) |
CC: circunferência da cintura; RCEst: razão cintura/estatura; OR (IC 95): odds ratio e intervalo de confiança de 95%.
*Valores de OR e IC 95% ajustados para as demais variáveis independentes.
**valores de p obtidos usando a regressão logística binária bruta ou ajustada.
A faixa etária e a rede de ensino estiveram associadas à RCEst elevada, na análise bruta. Na análise ajustada, somente a rede de ensino permaneceu associada à RCEst elevada. Crianças da rede particular tiveram um odds ratio 90% menor de ter a RCEst elevada, em comparação aos pares da rede pública (Tabela 3).
Quando o desfecho foi a presença de pelo menos um indicador antropométrico elevado (IMC, CC e/ou RCEst combinados), a análise bruta apontou a rede de ensino e a zona de moradia como fatores significativamente associados à presença combinada de indicadores antropométricos elevados. A associação entre essas variáveis permaneceu estatisticamente significativa após ajustes para as demais variáveis independentes (p < 0,05). Crianças da rede particular tiveram um menor odds ratio para a presença combinada de indicadores antropométricos elevados. Em contrapartida, crianças da zona rural tiveram um maior odds ratio de ter a presença combinada de IMC, CC e/ou RCEst elevados (Tabela 4).
Tabela 4 Fatores associados à presença combinada de indicadores antropométricos alterados (IMC, CC e/ou RCEest elevados) em crianças. Colombo, Paraná, Brasil (2012).
Combinação de indicadores antropométricos (IMC, CC e/ou RCEst elevados) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | n (%) | OR bruto (IC 95%) | Valor de p** | OR ajustado (IC 95%)* | Valor de p** | |
Sexo | 0,50 | 0,75 | ||||
Meninos | 179 (17,5) | 1,0 | 1,0 | |||
Meninas | 166 (16,4) | 0,92 (0,73; 1,17) | 0,20 | 0,96 (0,75; 1,22) | ||
Idade (anos) | 0,43 | |||||
6–7 | 107 (17,4) | 1,0 | 1,0 | |||
8–9 | 138 (15,0) | 0,84 (0,50; 1,39) | 0,78 (0,50; 1,21) | |||
10–11 | 100 (20,1) | 1,20 (0,72; 1,99) | 0,95 (0,61; 1,48) | |||
Turno de Ensino | 0,20 | 0,08 | ||||
Manhã | 204 (18,1) | 1,0 | 1,0 | |||
Tarde | 141 (15,5) | 0,83 (0,63; 1,10) | 0,77 (0,58; 1,02) | |||
Rede de Ensino | < 0,01 | < 0,01 | ||||
Pública | 322 (25,0) | 1,0 | 1,0 | |||
Particular | 23 (3,1) | 0,09 (0,05; 0,18) | 0,10 (0,05; 0,18) | |||
Localização da Escola | < 0,01 | 0,04 | ||||
Urbana | 329 (16,5) | 1,0 | 1,0 | |||
Rural | 16 (39,0) | 3,24 (1,72; 6,10) | 1,90 (1,02; 3,54) |
CC: circunferência da cintura; IMC: índice de massa corporal; RCEst: razão cintura/estatura; OR (IC 95): odds ratio e intervalo de confiança de 95%.
*Valores de OR e IC 95% ajustados para as demais variáveis independentes.
**valores de p obtidos usando a regressão logística binária bruta ou ajustada.
O presente estudo identificou prevalências inferiores a 10% para a presença isolada de IMC, CC ou RCEst elevados entre as crianças de Colombo, PR. Estimativas superiores às do presente estudo têm sido observadas em outras populações infantis, quando considerado a presença isolada de IMC4,15,16,18 (variação de 19,2%15 a 32,0%4), CC17,18,21 (variação de 10,9%21 a cerca de 30%17) ou RCEst15–18,21 (variação de 11,9%16a 18,3%21) elevados. Estas evidências indicam que, embora a presença isolada de alguns indicadores antropométricos elevados (em especial, IMC e RCEst) seja preocupante na população infantil de Colombo, PR, suas estimativas não foram altas se observadas as de outras localidades.
A literatura tem apontado que a presença obesidade geral ou centralizada pode variar de acordo com a localidade/região2,4, o que pode explicar parcialmente as diferenças entre os estudos. Questões multifatoriais (genéticas, sociais, comportamentais e/ou econômicas) podem contribuir para estimativas de obesidade maiores ou menores em determinadas populações infantis29. A utilização de diversos critérios de classificação também pode explicar tais distinções. Barbosa Filho et al.30 encontraram que o uso de diferentes critérios de classificação do IMC pode até dobrar a taxa de prevalência de obesidade na mesma amostra. Adicionalmente, Moraes et al.31 observaram que o uso de 18 diferentes critérios para classificar a CC em estudos sobre obesidade abdominal dificulta a comparação entre estes e a compreensão das reais distinções dessa condição entre populações infantis. Por fim, os estudos incluíram diversas faixas etárias (o que implica em diferentes fases da vida) e adotaram diferentes processos de amostragem que tornam inviável uma comparação precisa das taxas de prevalência de indicadores antropométricos elevados entre estudos.
A presença de, pelo menos, um indicador antropométrico elevado (IMC, CC e/ou RCEst combinados) foi observada em 16,9% das crianças. Estudos com estimativas parecidas são raros e foram focados em adolescentes18 ou somente na presença combinada de CC e RCEst elevadas21, impossibilitando uma comparação.
A obesidade geral e a centralizada representam um risco à saúde da criança9–11, especialmente quando combinadas. Janssen et al.9 mostraram que a combinação da CC com o IMC melhora a predição de fatores de risco cardiovascular em crianças, como pressão arterial elevada, hipergliceridemia e hipercolesterolemia. Mokha et al.10 destacaram que a RCEst não só detecta risco cardiovascular entre crianças com peso normal, mas aponta a ausência de risco entre aquelas com sobrepeso e obesidade. Embora a estimativa de crianças com obesidade geral e centralizada combinadas tenha sido baixa (menos de 5%, ver Figura 1B), aliar o IMC, a RCEst e a CC foi importante para indicar mais precisamente a proporção de crianças com risco à saúde, através das diferentes formas de manifestação da obesidade. Meninos foram um subgrupo associado ao IMC elevado no presente estudo. Revisões sistemáticas apontaram que a direção da associação entre sexo e obesidade geral (IMC elevado) pode variar entre estudos12,13. Essas diferenças podem ocorrer devido às diferenças comportamentais e socioculturais entre países/regiões, de modo que jovens de determinado sexo adquiram comportamentos favoráveis à obesidade em um local, mas, em outras localidades, isso não se repete3. Contudo, essas diferenças entre meninos e meninas não se refletiram quando avaliados indicadores de obesidade centralizada (CC e RCEst), como observado no presente estudo. Portanto, é necessário que estudos se aprofundem na identificação dos mediadores comportamentais e socioculturais da relação entre sexo e obesidade geral e centralizada. As distinções entre países/regiões devem ser consideradas na implantação de estratégias específicas por sexo para o combate à obesidade infantil.
A faixa etária esteve inversamente associada à presença isolada de CC elevada. A presença de obesidade centralizada mais frequente em crianças mais novas também foi encontrado em um estudo com crianças chinesas17. Este resultado preocupa pelo fato de que a avaliação da obesidade centralizada, em idades mais precoces, não tem o devido foco na prática clínica e epidemiológica, muitas vezes pela dificuldade de saber quais valores de referência utilizar no diagnóstico29. Portanto, estes achados estimulam que o acompanhamento antropométrico para identificação da obesidade centralizada seja realizado precocemente, tanto na prática clínica quanto em saúde pública.
No presente estudo, crianças da rede pública foram um subgrupo associado a ter os indicadores antropométricos de obesidade geral (IMC) e central (CC e RCEst) elevados, bem como acúmulo de indicadores antropométricos. Este resultado difere de outro estudo que apontou um maior risco de obesidade geral e centralizada em crianças da rede particular20. Outro resultado preocupante foi a maior presença combinada de indicadores antropométricos elevados em crianças da zona rural. Este achado foi semelhante ao observado em um estudo com jovens iranianas19 e crianças sulafricanas24, embora outros estudos apontem para maiores prevalências de obesidade geral4,20 e centralizada20 na região urbana.
A obesidade geral2 e a centralizada31 têm emergido nas populações infantis mais pobres e de países em desenvolvimento, como confirmado nos resultados supramencionados. Nas famílias que moram em zonas rurais e que têm baixa condição financeira (e acabam colocando os filhos para estudar em escolas públicas), houve um acentuado aumento na aquisição e acesso aos alimentos de alta densidade energética (como biscoitos e refrigerantes), bem como um maior acesso às atividades diárias mais sedentárias3. Zonas inseguras de moradia ou, simplesmente, alternativas mais cômodas de transporte (como ônibus escolar ao invés da caminhada ou bicicleta) são outros aspectos que favorecem o estilo de vida sedentário3. Essa situação é agravada pela menor cobertura e maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde e atenção primária nas populações de menor condição financeira3, o que aumenta o reflexo negativo dessas mudanças socioculturais e estruturais em aspectos da saúde pública, como a evolução da obesidade infantil. Esses achados têm importantes implicações práticas ao indicar a necessidade de se expandir as políticas de combate à obesidade infantil para abranger populações de regiões rurais e que frequentam escolas da rede pública de ensino.
Alguns pontos fortes podem ser destacados no presente estudo. Primeiro, a representatividade da amostra, pois foram selecionadas crianças de diferentes regiões (urbana e rural) e redes de ensino (pública e particular), permitido à análise ser extrapolada para a população infantil do município avaliado. Outro ponto forte foi a utilização de três diferentes indicadores antropométricos de obesidade, o que contribuiu para um diagnóstico das obesidades geral e centralizada em crianças, bem como seus potenciais correlatos sociodemográficos. Por fim, é importante destacar a avaliação dos potenciais fatores associados à presença simultânea de indicadores antropométricos de gordura corporal elevados, algo pouco efetuado na literatura.
O presente estudo também tem limitações. A primeira se baseia na amostra do estudo ter sido avaliada de um município brasileiro, o que impossibilita a extrapolação desses resultados para crianças outras localidades. Outra limitação se refere à utilização de indicadores antropométricos, ao invés de medidas objetivas (por exemplo, DXA ou pletismografia), na estimativa da adiposidade corporal em crianças. Contudo, estes indicadores têm elevada precisão e representam importantes ferramentas clínicas e epidemiológicas na identificação de obesidade geral e abdominal em crianças8. Por fim, embora seja um critério bastante utilizado em estudos brasileiros13,14, os valores normativos de Fernandéz et al.28 foram baseados no percentil da CC de crianças e adolescentes americanos e podem não refletir adequadamente a presença da obesidade abdominal em crianças brasileiras.
Em geral, as taxas de prevalência para indicadores antropométricos alterados (IMC, CC ou RCEst elevados) variaram de 4,4% (CC elevada) a 9,4% (IMC elevado), sendo baixas se comparadas às obtidas em outros estudos. Contudo, aproximadamente dois em cada dez crianças apresentavam pelo menos um indicador antropométrico elevado. Ser uma criança do sexo feminino ou mais velha esteve associado a menores odds ratio de ter IMC elevado e CC elevada, respectivamente. Entretanto, crianças da rede pública tiveram maior odds ratio de ter IMC, CC e RCEst elevados de forma isolada, bem como a rede de ensino pública e a zona rural de moradia foram positivamente associadas ao acúmulo de indicadores antropométricos elevados.
Estes achados reforçam que, para algumas populações, o contexto de vida mais pobre e em zonas afastadas dos grandes centros urbanos podem ser fatores potencializadores do desenvolvimento de obesidade geral e/ou centralizada. Políticas públicas de saúde infantil nesta região devem direcionar suas atenções a estas peculiaridades. A promoção de uma comunidade e escola favorável à alimentação saudável e ao estilo de vida ativo nestas famílias de risco pode ser uma ação de destaque na promoção de saúde e melhoria do estado nutricional nesta população.