versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.4 São Paulo out. 2017 Epub 04-Set-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170130
Obesidade, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e apneia obstrutiva do sono (AOS) estão intimamente relacionados. Até 70% dos pacientes com AOS podem ser assintomáticos e há evidências que eles apresentam alterações cardiovasculares, em especial HAS noturna.
O objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento da pressão arterial nas 24 horas em indivíduos obesos assintomáticos com AOS moderada/grave comparando àqueles com AOS leve/ausente.
Foram selecionados 86 pacientes entre 30 e 55 anos, obesos (IMC 30-39,9 kg/m2), com pressão arterial casual < 140/90 mmHg e sem comorbidades, dos quais 81 foram submetidos à avaliação clínica, medidas antropométricas, monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e Watch-PAT. Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos com base no índice de apneia-hipopneia (IAH): grupo 1 com IAH < 15 eventos/h e grupo 2 com IAH ≥ 15 eventos/h.
Em comparação ao grupo 1, o grupo 2 apresentou maior circunferência de pescoço e maior relação cintura-quadril (40,5 ± 3,2 vs 38,0 ± 3,7 cm, p = 0,002, e 0,94 ± 0,05 vs 0,89±0,05cm, p = 0,001, respectivamente), maiores pressões arteriais sistólica e diastólica na MAPA-24h (122 ± 6 vs 117 ± 8 mmHg, p = 0,014, e 78 ± 6 vs 73 ± 7 mmHg, p = 0,008, respectivamente), bem como maior carga pressórica diastólica noturna (44,6 ± 25,9% vs 31,3 ± 27,3%, p = 0,041). Além disso, houve correlação positiva entre pressão arterial diastólica noturna e IAH (r = 0,43, p < 0,05).
Indivíduos obesos assintomáticos com AOS de moderada a grave apresentam maiores valores de PA sistólica e diastólica nas 24 horas em comparação àqueles com AOS ausente/leve, apesar da PA casual normal. Esses resultados indicam que a MAPA pode ser útil na avaliação de pacientes obesos assintomáticos com AOS de moderada à grave.
Palavras-chave: Pressão Arterial; Apneia Obstrutiva do Sono; Hipertensão; Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial
Obesity, systemic arterial hypertension (SAH) and obstructive sleep apnea (OSA) are closely related. Up to 70% of patients with OSA may be asymptomatic, and there is evidence that these patients have cardiovascular disease, especially nocturnal SAH.
The aim of this study was to evaluate 24-hour blood pressure circadian variation in asymptomatic, obese individuals with moderate-to-severe OSA and compare it with that in individuals with mild OSA or without OSA.
Eighty-six obese subjects aged between 30 and 55 years (BMI 30-39 kg/m2), with casual blood pressure < 140/90 mmHg and without comorbidities were recruited. Eighty-one patients underwent clinical and anthropometric assessment, ambulatory blood pressure monitoring (ABPM), and Watch-PAT. Participants were divided into two groups, based on the apnea-hypopnea index (AHI): group 1, with AHI < 15 events/hour, and group 2 with AHI ≥ 15 events/hour.
Compared with group 1, group 2 had higher neck circumference and waist-hip circumference (40.5 ± 3.2 cm vs. 38.0 ± 3.7 cm, p = 0.002, and 0.94 ± 0.05 vs. 0.89 ± 0.05, p = 0.001, respectively), higher systolic and diastolic blood pressure measured by the 24-h ABPM (122 ± 6 vs 118 ± 8 mmHg, p = 0.014, and 78 ± 6 vs 73 ± 7 mmHg, p = 0.008, respectively), and higher nocturnal diastolic pressure load (44,6 ± 25,9% vs 31,3 ± 27,3%, p = 0,041). Moreover, there was a positive correlation between nocturnal diastolic blood pressure and AHI (r = 0.43, p < 0.05).
Asymptomatic obese subjects with moderate-to-severe OSA have higher systolic and diastolic blood pressure at 24 hours compared with those with absent / mild OSA, despite normal casual blood pressure between the groups. These results indicate that ABPM may be useful in the evaluation of asymptomatic obese patients with moderate-to-severe OSA.
Keywords: Blood Pressure; Sleep Apnea, Obstructive; Hypertension; Blood Pressure Monitoring, Ambulatory
A apneia obstrutiva do sono (AOS) é a forma mais comum de desordem respiratória do sono,1,2 caracterizada por colapsos repetitivos das vias aéreas superiores, resultando em pausas da respiração e hipóxia intermitente.2 Durante esses episódios noturnos de obstrução, ocorre um aumento no tono simpático e na liberação de substâncias vasoativas, aumentando o risco de lesão cardiovascular.3
Uma recente revisão sistemática estimou que a prevalência de AOS na população em geral está entre 9 e 38%, sendo maior em homens.4 No Brasil, dados do estudo de Tufik et al.,5 realizado na cidade de São Paulo, mostraram que a AOS foi observada em 32,8% dos participantes. No entanto, muitos pacientes com AOS são assintomáticos, conforme no clássico estudo Sleep Health Study, onde 70% dos pacientes com apneia leve e 9% daqueles com apneia grave foram assintomáticos.6
A AOS está relacionada, na maioria das vezes, à obesidade e à hipertensão arterial sistêmica (HAS).2 Os pacientes obesos apresentam maior prevalência de AOS e HAS7 e a associação de obesidade com HAS pode causar lesões em órgão-alvo e eventos cardiovasculares.8,9 Estudos mostraram que pacientes com AOS apresentam menor descenso noturno da pressão arterial (PA) e hipertensão noturna.10,11 A maioria desses estudos recrutou indivíduos já hipertensos e com diagnóstico prévio de AOS. Um estudo prévio sugere maior prevalência de hipertensão mascarada (HM) em pacientes com AOS.8 Contudo, ainda é pouco conhecido o comportamento da PA nas 24 horas em indivíduos obesos com AOS e pressão arterial casual normal. O objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento da PA nas 24 horas em indivíduos obesos assintomáticos com AOS moderada/grave comparando àqueles com AOS leve/ausente.
No período de janeiro a dezembro de 2014, indivíduos acompanhados no ambulatório de clínica médica da Policlínica Piquet Carneiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foram convidados a participar desse estudo. Os critérios de inclusão foram idade entre 30 e 55 anos de idade, índice de massa corporal (IMC) entre 30,0 e 39,9 kg/m2, pressão arterial casual normal (PA < 140/90 mmHg) e ausência de comorbidades em acompanhamento médico regular. Critérios de exclusão foram história prévia de hipertensão arterial ou tratamento para a mesma, diabetes mellitus, doença pulmonar, doença de Parkinson, tratamento anterior com pressão positiva das vias aéreas superiores (CPAP) e diagnóstico prévio de AOS.
O comitê local em ética em pesquisa aprovou o estudo (Plataforma Brasil/CAAE: 03489612.1.0000.52590) e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Este foi um estudo observacional transversal. Na visita 1, os pacientes foram submetidos à avaliação clínica, tomada de medidas antropométricas, exames laboratoriais de doença clínica e teste para diagnóstico de AOS. Na visita 2 foi realizada a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), com um intervalo máximo de uma semana entre as duas visitas.
O peso corporal foi aferido em balança digital da marca Filizola® com capacidade máxima de 180 Kg, com a paciente em pé, posicionada no centro da plataforma da balança, vestindo roupas leves e sem calçados.12 Na mesma balança, foi verificada a estatura utilizando o antropômetro, com o paciente em posição ereta e com os calcanhares juntos. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi então calculado, dividindo-se o peso corporal (em quilograma) pelo quadrado da altura (em metro). As circunferências foram medidas com o uso de uma fita métrica inextensível e graduada.13 A circunferência do pescoço (CP) foi medida ao nível da cartilagem cricóide; a circunferência da cintura (CC) foi realizada no ponto médio entre o gradil costal e a crista ilíaca ao final da fase expiratória da respiração. A circunferência do quadril foi medida ao nível dos trocanteres femorais.14 Todas as medidas foram medidas em centímetros e aproximadas para o 0,5cm mais próximo.
A pressão arterial casual foi obtida usando um dispositivo eletrônico (modelo HEM-705CP, Omron Healthcare Inc., Lake Forest, IL, EUA) e um manguito de tamanho apropriado ao tamanho do braço do paciente, de acordo com normatização das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão.15 Antes da medida, os pacientes permaneceram sentados por 30 minutos e abstiveram-se de ingestão de café e fumo. Três leituras foram realizadas com um minuto de intervalo entre elas e a média dessas três medidas foi definida como a PA casual do paciente.
O sangue venoso foi coletado dos indivíduos em jejum de 12h para dosagem de colesterol total, colesterol-HDL, triglicerídeos e glicose. O colesterol-LDL foi calculado pela fórmula de Friedewald.
O diagnóstico de AOS foi realizado com um equipamento de monitorização portátil domiciliar, o Watch-PAT, que detecta indiretamente eventos de apneia-hipopneia por identificar aumentos da atividade simpática associados com esses eventos. Após o paciente realizar esse exame, os resultados são automaticamente lidos e analisados por um programa de computador.16 O Watch-PAT possui um algoritmo que consegue diferenciar entre os estado de sono e o despertar a cada período de 30 segundos, permitindo o cálculo do índice de distúrbio respiratório (IDR) usando o tempo total de sono e não o tempo total de registro do repouso. O algoritmo para actigrafia provê uma estimativa acurada do sono e vigília em indivíduos normais e em pacientes com AOS. Este método simples para avaliação do tempo total de sono é uma ferramenta útil para quantificar acuradamente a AOS no ambiente doméstico.17
A Academia Americana de Medicina do Sono reconhece o equipamento Watch-PAT como uma alternativa válida para o diagnóstico de AOS, pois esse exame permite a edição manual ou automática da leitura bruta da pontuação obtida. Além disso, falhas técnicas são raras com o uso do sistema Watch-PAT em casa.13,18 O algoritmo de análise usa quatro canais para detecção de diferentes parâmetros incluindo índice de apneia-hipopneia (IAH), IDR, índice de dessaturação de oxigênio (IDO), saturação de oxigênio mínima, média e máxima e as fases do sono.16
Os pacientes do estudo foram divididos em dois grupos com base no IAH: grupo 1 com IAH < 15 eventos/h e grupo 2 com IAH ≥ 15 eventos/h. O objetivo foi separar indivíduos com AOS moderada a grave (grupo 2) daqueles sem AOS (IAH < 5 eventos/h) ou com AOS leve (IAH = 5-14 eventos/h).
A MAPA-24h foi realizada com o monitor Spacelabs 90207 (Spacelabs Inc., Redmond, WA, EUA) e o manguito foi colocado no membro superior não dominante, com tamanho apropriado para a circunferência do braço. Esse monitor é validado pela Sociedade Britânica de Hipertensão Arterial e pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.19 As leituras foram tomadas a cada 20 minutos durante o dia e cada 30 minutos no período noturno. Durante a monitorização, os indivíduos registraram seus períodos de vigília e de sono para o cálculo das médias pressóricas nesses períodos. Os pacientes foram instruídos a evitar dormir durante o dia por um período maior que uma hora. A MAPA foi considerada adequada se 70% das medidas foram obtidas com sucesso. O percentual de declínio da PA noturna para as pressões sistólica e diastólica foi calculado como a média da PA diurna menos a média da PA noturna, multiplicado por 100 e dividido pela média da PA diurna. A carga pressórica foi considerada anormal quando mais que 30% das leituras válidas de PA estavam acima dos limites normais da PA na MAPA. A HM foi definida pressão casual menor que 140/90 mmHg e a PA de 24 horas na MAPA maior que 130/80 mmHg e/ou PA vigília da MAPA maior que 135/85 mmHg e/ou PA do período de sono maior que 120/70 mmHg.11
Os dados foram analisados usando o programa estatístico para ciências sociais, o SPSS versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e os resultados expressos como média ± desvio-padrão (DP). Variáveis contínuas mostraram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e o teste t de Student não-pareado foi usado para comparar a média entre os grupos. Variáveis categóricas foram comparadas usando o teste do qui-quadrado (χ 2) e expressas como percentagem da frequência de distribuição. Correlações foram avaliadas pelo teste de correlação de Pearson. O tamanho amostral foi estimado a partir de estudos prévios que utilizaram a PA sistólica de 24h em populações similares.9 Assumindo um nível de significância de 5% e um DP de 8 mmHg, 23 pacientes em cada grupo teria o poder de 80% para detectar uma diferença de 5 mmHg na PA sistólica de 24h entre os grupos.
Foram selecionados 86 participantes, porém três pacientes apresentaram hipertensão arterial durante a visita 1 e dois indivíduos se recusaram a realizar a MAPA. Deste modo, 81 pacientes realizaram os exames completos. A idade média dos indivíduos foi 42 ± 6 anos e o IMC médio foi de 33.8 ± 3.0 kg/m2. Houve 55 indivíduos (68%) no grupo 1 e 26 indivíduos (32%) no grupo 2.
Apesar da idade média similar em ambos os grupos, o sexo masculino foi mais comum no grupo 2 (Tabela 1). O grupo 2 apresentou ainda maior CP e maior razão cintura-quadril (RCQ) quando comparado ao grupo 1 (Tabela 1), embora ambos os grupos tivessem IMC e CC similares. Houve correlações positivas e significantes do IAH com CP (r = 0,42, p < 0,001) e com RCQ (r = 0,35, p = 0,001), e da CP com PA sistólica de 24h (r = 0,25, p = 0,023) e com PA diastólica de 24h (r = 0,22, p = 0,048) (Figura 1).
Tabela 1 Dados Antropométricos, Laboratoriais e do WatchPAT.
Variáveis | Grupo 1 (n = 55) IAH < 15 eventos/h | Grupo 2 (n = 26) IAH ≥ 15 eventos/h | Valor de p |
---|---|---|---|
Sexo masculino, n (%) | 10 (18,2) | 12 (46,2) | 0,008* |
Idade (anos) | 41 ± 7 | 44 ± 6 | 0,170 |
IMC (kg/m2) | 33,8 ± 2,9 | 33,9 ± 3,2 | 0,850 |
Relação Cintura-quadril (cm) | 0,89 ± 0,05 | 0,94 ± 0,05 | 0,001* |
Circunferência Pescoço (cm) | 38,0 ± 3,7 | 40,5 ± 3,2 | 0,002* |
Circunferência Cintura (cm) | 104,3 ± 8,3 | 108,5 ± 7,6 | 0,030 |
Glicose (mg/dl) | 87,5 ± 11,7 | 91,8 ± 30,3 | 0,375 |
Colesterol Total (mg/dl) | 202,7 ± 41,3 | 203,6 ± 39,9 | 0,926 |
Colesterol-LDL (mg/dl) | 128,3 ± 35,5 | 127,5 ± 34,9 | 0,918 |
Colesterol -HDL (mg/dl) | 50,4 ± 14,4 | 48,1 ± 9,5 | 0,453 |
Triglicerídeos (mg/dl) | 119,7 ± 71,9 | 140,4 ± 83,6 | 0,257 |
IAH (eventos/h) | 6,4 ± 4,1 | 24,4 ± 8,8 | < 0,001* |
IDR (eventos/h) | 11,8 ± 5,1 | 28,6 ± 8,9 | < 0,001* |
IDO (eventos/h) | 3,0 ± 2,4 | 14,5 ± 6,9 | < 0,001* |
Sat. média O2 (%) | 95,8 ± 1,2 | 94,3 ± 1,4 | < 0,001* |
Sono REM (%) | 24,0 ± 7,4 | 26,0 ± 8,2 | 0,249 |
Dados mostrados como média ± desvio-padrão; IMC: índice de massa corporal; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HDL: lipoproteína de alta densidade; IAH: índice de apneia hipopneia; IDR: índice de distúrbio respiratório; IDO: índice de dessaturação de oxigênio; Sat.: saturação; REM: fase do sono de movimento rápido dos olhos. Variáveis contínuas foram analisadas pelo teste t de Students não-pareado e as variáveis categóricas foram comparadas usando o teste do qui-quadrado (χ2).
*p < 0,05.
Figura 1 Correlações positivas do índice de apneia-hipopneia com circunferência do pescoço (A) e com razão cintura-quadril (B), e da circunferência do pescoço com pressão arterial sistólica de 24h (C) e com pressão arterial diastólica de 24h (D).
As pressões arteriais sistólica e diastólica casuais foram similares entre os grupos. Contudo, o grupo 2 apresentou maiores níveis pressóricos diurno e noturno da MAPA, além de carga pressórica diastólica noturna mais alta (Tabela 2). Ainda no grupo 2, a PA diastólica noturna foi positivamente correlacionada com o IAH (r = 0,43, p < 0,05) (Figura 2) e a frequência de HM foi levemente mais alta (50% vs. 33%, p = 0,103) que no grupo 1 (Tabela 2).
Tabela 2 Resultados da pressão arterial casual e da monitorização ambulatorial da pressão arterial em 24h
Variáveis | Grupo 1 (n = 55) IAH < 15 eventos/h | Grupo 2 (n = 26) IAH ≥ 15 eventos/h | Valor de p |
---|---|---|---|
PAS casual (mmHg) | 121,4 ± 8,1 | 123,6 ± 7,7 | 0,321 |
PAD casual (mmHg) | 77,6 ± 7,6 | 79,1 ± 6,8 | 0,393 |
PAS- 24h (mmHg) | 117,6 ± 8,5 | 122,3 ± 6,2 | 0,014* |
PAD- 24h (mmHg) | 73,1 ± 7,3 | 77,7 ± 6,2 | 0,008* |
PAS vigília (mmHg) | 120,5 ± 8,5 | 125,7 ± 6,1 | 0,007* |
PAD vigília (mmHg) | 76,1 ± 7,6 | 81,3 ± 5,7 | 0,003* |
PAS sono (mmHg) | 110,6 ± 9,9 | 115,3 ± 7,7 | 0,036* |
PAD sono (mmHg) | 65,9 ± 8,4 | 70,4 ± 7,7 | 0,025* |
Descenso PAS, n (%) | 19 (76) | 6 (24) | 0,297 |
Carga PAS diurna (%) | 12,6 ± 16,7 | 16,8 ± 18,8 | 0,305 |
Carga PAD diurna (%) | 21,6 ± 24,6 | 32,2 ± 24,7 | 0,074 |
Carga PAS noturna (%) | 22,8 ± 26,7 | 29,1 ± 26,2 | 0,322 |
Carga PAD noturna (%) | 31,3 ± 27,3 | 44,6 ± 25,9 | 0,041* |
Hipertensão Noturna, n(%) | 17 (30,9) | 16 (61,5) | 0,009* |
Hipertensão Mascarada, n(%) | 18 (33) | 13 (50,0) | 0,103 |
Dados mostrados como média ± DP; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica. Variáveis contínuas foram analisadas pelo teste t de Student não-pareado e as variáveis categóricas foram comparadas usando o teste do qui-quadrado (χ2).
*p < 0,05.
Os achados do presente estudo mostram que indivíduos obesos assintomáticos com AOS moderada a grave apresentaram pressão arterial de 24 horas maior que indivíduos sem AOS e/ou com AOS leve. Além disso, houve correlação entre a PA diastólica noturna e o IAH. Os principais mecanismos de elevação da PA em pacientes com AOS são atividade simpática aumentada, função comprometida do sistema renina-angiotensina, disfunção endotelial, hipoxemia e ruptura do sono normal. Esse conjunto de alterações leva ao aumento na resistência vascular periférica e uma hipertensão predominantemente diastólica.8,20
Em indivíduos obesos, a prevalência de AOS é mais alta que em indivíduos não obesos.7 Neste estudo, o percentual de indivíduos com AOS de moderada a grave foi similar a outros relatos prévios.21-23 No estudo Wiscosin, foi encontrado que na faixa etária de 30-60 anos, aproximadamente 9% dos homens e 4% das mulheres apresentaram IAH ≥ 15 eventos/h.24 Em um estudo semelhante, aproximadamente 13% dos homens e 9% das mulheres apresentaram AOS de moderada a grave (IAH ≥ 15 eventos/h).25 No presente estudo, também houve maior número de indivíduos do sexo masculino no grupo com AOS moderada a grave, em comparação com o sexo feminino.26
A relação entre IMC e AOS é controversa. Dois prévios estudos não encontraram correlação entre AOS e IMC.27,28 Por outro lado, o Sleep Heart Health Study,6 que avaliou 6120 indivíduos de uma população não hospitalar, observou que o IMC foi um fator de risco independente para AOS com uma razão de chances entre 1,55 a 1,60. No presente estudo, não encontramos associação entre IMC e AOS. O pequeno tamanho amostral e uma faixa mais estreita de IMC no critério de inclusão (excluindo IMC ≥ 40 kg/m2) podem explicar esses resultados. Além disso, a adiposidade visceral aumentada pode ser mais importante na fisiopatologia da AOS que a obesidade global.
CP e a RCQ são dois parâmetros antropométricos que poderiam ajudar a identificar indivíduos com alto risco para AOS. Em um estudo com 192 pacientes com suspeita de AOS, observou-se que a RCQ estava associada com AOS moderada a grave.27 Resultados similares foram encontrados em um estudo que comparou indivíduos com diversos graus de ronco, mostrando diferença significativa na RCQ entre os grupos.29
Em relação à CP, um estudo com 129 indivíduos sob investigação de AOS encontrou que a CP foi um fator de risco independente para AOS.30 No presente estudo, CP e RCQ apresentaram valores significativamente maiores no grupo com AOS de moderada a grave, apesar dos valores de IMC e WC estarem semelhantes entre os grupos. Estes achados corroboram estudos prévios, sugerindo que a CP e a RCQ poderiam ser rotineiramente medidos em uma população obesa ambulatorial, como forma de ajudar a identificar pacientes com maior risco de apresentar AOS.
O atual estudo também observou que indivíduos com AOS de moderada a grave apresentaram maiores PA sistólica e diastólica na MAPA. De acordo com estudos transversais de AOS, a HAS apresenta maior prevalência em indivíduos com AOS, mesmo após controle para fatores de confundimento, como idade e obesidade.31 Além disso, a análise do ritmo circadiano da PA pela MAPA pode mostrar outras informações prognósticas, tais como aumento da prevalência de HM e aumento da PA noturna. A identificação de pacientes com HM é importante na prática clínica diária, porque estudos anteriores sugerem que estes pacientes apresentam mais lesão em órgão-alvo, como microalbuminúria e hipertrofia ventricular esquerda.32,33 Somando-se a isso, uma metanálise que avaliou sete estudos e 11 502 pacientes relatou que aqueles que possuem HM têm duas vezes o risco de morte cardiovascular quando comparados a normotensos.34 A prevalência de HM na população geral varia de 16 a 24%.33 Contudo, em pacientes com AOS, estes valores poderiam ser bem maiores: dois estudos prévios relatam prevalência de cerca de 30% de HM em indivíduos com AOS.8,9 O presente trabalho demonstrou, em acordo com esses trabalhos anteriores, uma percentagem levemente mais alta de HM no grupo com AOS de moderada a grave.
Estudo prévios sugerem que exista uma relação entre AOS e hipertensão noturna. Os autores propõem que atividade adrenérgica aumentada, hipoxemia e ruptura do sono poderiam justificar hipertensão noturna nos pacientes com AOS.32,35 E PA noturna elevada pode estar associada com aumento dos marcadores inflamatórios, o que poderia explicar o risco aumentado de complicações cardiovasculares.36
Dois estudos mostraram uma relação entre AOS e hipertensão diastólica noturna.37,38 No primeiro, 84% dos pacientes com AOS de leve a moderada foram “non dippers” (sem descenso noturno).11 No segundo, observou-se hipertensão arterial noturna e ausência do descenso noturna da PA em pacientes com AOS, bem como uma significativa correlação entre hipertensão arterial noturna, ausência de descenso noturno da PA e o IAH.39 No presente estudo, houve maiores valores de PA na MAPA nos pacientes com AOS moderada a grave, bem como aumento da carga pressórica diastólica noturna. Além disso, observou-se correlação entre PA diastólica noturna e IAH. Contudo, não houve diferenças significativas no descenso noturno entre os grupos.
O presente estudo apresenta algumas limitações. A AOS foi diagnosticada por um monitor portátil e não por polissonografia, o método padrão-ouro de diagnóstico, entretanto, estudos de validação do equipamento Watch-PAT mostraram resultados similares quando comparados com a polissonografia.17,18,40 Outro aspecto é a presença de maior número de homens no grupo de maior IAH, o que pode ter influenciado os resultados antropométricos. Além disso, o desenho transversal deste estudo não permite concluir uma relação causal entre AOS e hipertensão arterial. Por outro lado, o uso da MAPA para leituras de PA permitiu medidas da PA noturna, bem como o reconhecimento de HM e de hipertensão arterial noturna.
Indivíduos obesos assintomáticos com AOS de moderada a grave apresentam maiores valores de PA sistólica e diastólica nas 24 horas em comparação àqueles com AOS ausente/leve, apesar da PA casual normal. Esses resultados indicam que a MAPA pode ser útil na avaliação de pacientes obesos assintomáticos com AOS de moderada à grave. Estudos prospectivos são necessários para confirmar essa hipótese.