Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500014
A hipertensão arterial sistêmica é considerada um problema de saúde pública global, causando 9,4 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo.(1) Essa desordem apresenta etiologia multifatorial, caracterizada pela elevação persistente da pressão arterial e por alterações metabólicas, levando ao risco de complicações cardiovasculares.(2)
A prevalência de hipertensão arterial sistêmica vem aumentando em países em desenvolvimento, devido ser uma doença assintomática em suas fases iniciais. Aliado a isso, a falta de informação, por parte da população, contribui para seu baixo controle,(3) acometendo não somente os idosos, mas indivíduos em faixas etárias cada vez mais precoce.
Na adolescência, alterações da pressão arterial constitui um importante fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial nessa fase.(4) Além disso, jovens que manifestam níveis pressóricos elevados tendem a manterem esse quadro quando adultos. Deste modo, destaca-se a necessidade de se avaliarem os fatores que contribuem para essa situação e promover subsídios para intervenções.(5)
A investigação de fatores de risco para doenças cardiovasculares não envolvendo análises laboratoriais, pode representar um método útil, principalmente como alternativa para locais com poucos recursos.(6) Neste contexto, a identificação precoce de níveis pressóricos alterados apresenta-se como uma ferramenta indispensável na redução do desenvolvimento dessas doenças.
Assim, esse estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de hipertensão arterial e seus fatores de riscos entre adolescentes escolares.
Pesquisa de desenho transversal realizada em duas escolas públicas, localizadas na Região Nordeste do Brasil. A população foi composta por 500 alunos do Ensino Fundamental e no programa de aceleração Educação de Jovens e Adultos nas referidas escolas. O tamanho amostral foi calculado por meio de fórmula para populações finitas, considerando o nível de confiança de 95%, o erro amostral de 5%, o tamanho da população e a prevalência. A amostra foi constituída de 211 escolares de ambos os sexos. A seleção dos participantes foi realizada por conveniência, obedecendo aos critérios de elegibilidade estabelecidos.
Os critérios de inclusão foram: matrícula em uma das referidas escolas; estar compreendido na faixa etária entre 12 a 18 anos. Foram excluídos os alunos que possuía diagnóstico confirmando de doenças crônicas ou de outras patologias que interferissem diretamente no valor da pressão arterial ou na obtenção das medidas antropométricas.
O instrumento utilizado foi um questionário semiestruturado envolvendo as características sociodemográficas (sexo, idade, modalidade de ensino), dados antropométricos (peso, altura, índice de massa corporal, circunferência abdominal) e medidas de pressão arterial e glicemia capilar.
A pressão arterial foi avaliada por meio do método auscultatório, utilizando esfigmomanômetro aneróide devidamente calibrado e estetoscópio biauricular. Para escolha do manguito apropriado foi considerado a circunferência do braço de cada participante.(7) O procedimento de medição da pressão arterial foi realizado com o indivíduo na posição sentada após três a cinco minutos de repouso, e com o manguito ao nível do coração.(7) Foram tomadas três medições com intervalo de um minuto entre cada verificação, e considerou-se a média obtida das duas últimas. A pressão arterial foi classificada observando-se o sexo, a idade e o percentil de estatura. Os adolescentes que atingiram valores de pressão arterial sistólica e de pressão arterial diastólica ≥ percentil 95 foram considerados com hipertensão arterial.(8) Para os participantes com 18 anos, a hipertensão arterial foi definida quando os valores de pressão arterial sistólica ≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥90mmHg.(9)
No referente às variáveis antropométricas, o peso foi obtido com o indivíduo descalço e usando roupas leves, utilizando-se balança portátil, com precisão de 0,1kg e capacidade para 150kg. A altura foi avaliada com uso de fita métrica, com precisão de 0,5cm, fixada verticalmente em uma parede lisa. A partir do peso e altura, foi calculado o índice de massa corporal e a classificação foi realizada de acordo com a idade e o sexo dos participantes.(10) A circunferência abdominal foi medida utilizando fita métrica flexível e inelástica, com escala de 0,5cm, colocada sem fazer pressão, entre a porção inferior da última costela e a crista ilíaca do participante, e classificada segundo os pontos de corte específicos para adolescentes.(11)
A glicemia capilar foi realizada ao acaso utilizando glicosímetros da marca OnCall Plus® devidamente calibrados, e os valores interpretados segundo os critérios da American Diabetes Association.(12) Quanto à prática de atividade física, foi considerado ativo o estudante que se exercitava durante 30 minutos, ao menos três vezes por semana. (13)
O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados por meio do programa Statistical Package for the Social Science®, versão 18.0. As variáveis quantitativas foram apresentadas por meio de estatística descritiva (média e desvio padrão) e as qualitativas por meio de proporção e intervalo de confiança 95%. Primeiramente foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade das variáveis quantitativas. Para analisar diferença entre as médias, utilizou-se teste t Student para amostras independentes e, para verificar associação entre as variáveis, foi aplicado o teste qui quadrado de Pearson e medido seu efeito por meio da razão de chance, considerando nível de significância de p<0,05.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Foram avaliados 211 adolescentes de ambos os sexos, sendo que 59,7% eram do sexo feminino. Os participantes tinham idade compreendida entre 12 a 18 anos, com uma média de 14,4 anos (±1,85). Quanto à classificação dos alunos por modalidade de ensino, 78,8% cursavam o Ensino Fundamental.
As características da população do estudo para as variáveis analisadas estão descritas na tabela 1. Os adolescentes do sexo masculino tiveram maiores níveis de glicemia capilar quando comparados ao sexo feminino (p<0,05).
Tabela 1 Características das variáveis estudadas em adolescentes, segundo o sexo
Variável | Masculino | Feminino | p-value* | ||
---|---|---|---|---|---|
Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | ||
Idade (anos) | 14,3 | 1,7 | 14,4 | 1,9 | 0,628 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 19,3 | 2,8 | 20,1 | 3,4 | 0,080 |
Circunferência abdominal (cm) | 71,5 | 8,0 | 72,9 | 8,8 | 0,254 |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | 109,8 | 10,8 | 107,3 | 9,9 | 0,091 |
Pressão arterial diastólica (mmHg) | 72,1 | 10,2 | 71,2 | 8,2 | 0,502 |
Glicemia capilar (mg/dl) | 104,0 | 14,0 | 99,2 | 12,7 | 0,012 |
*Teste t de Student para amostras independentes.
A prevalência de hipertensão arterial em todo o grupo foi de 13,7% (intervalo de confiança de 95%: 9,1-18,4) (Figura 1).
A tabela 2 apresenta a análise da associação entre os casos de hipertensão arterial sistêmica com as variáveis independentes. Não foram observadas associações da pressão arterial elevada com o excesso de peso e níveis de atividade física (p>0,05). No entanto, os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances (razão de chance: 4,6; intervalo de confiança de 95%: 1,6-12,7) de desenvolver a hipertensão arterial sistêmica.
Tabela 2 Hipertensão arterial sistêmica e sua associação com as variáveis estudadas
Variáveis | Pressão arterial normal n(%) | Hipertensão arterial n(%) | Razão de chance (Intervalo de confiança de 95%) | p-value* |
---|---|---|---|---|
Gênero | 0,345 | |||
Masculino | 71(39,0) | 14(48,3) | ||
Feminino | 111(61,0) | 15(51,7) | 1,5 (0,7-3,2) | |
Índice de massa corporal | 0,727 | |||
Normal | 159(87,4) | 26(89,7) | ||
Excesso de peso | 23(12,6) | 3(10,3) | 0,8 (0,2-2,9) | |
Circunferência abdominal | 0,484 | |||
Normal | 147(80,8) | 25(86,2) | ||
Elevada | 35(19,2) | 4(13,8) | 0,7 (0,2-2,1) | |
Glicemia | 0,002 | |||
Normal | 170(93,4) | 22(75,9) | ||
Elevada | 12(6,6) | 7(24,1) | 4,6 (1,6-12,7) | |
Atividade física | 0,863 | |||
Ativo | 91(50,0) | 15(51,7) | ||
Sedentário | 91(50,0) | 14(48,3) | 1,1 (0,5-2,5) |
*Teste qui quadrado de Pearson
Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados ao delineamento transversal, que não permite determinar relações de causa e efeito entre as variáveis estudadas.
Os resultados apresentados contribuem para revelar a prevalência e identificação de fatores de risco associados à hipertensão arterial no grupo estudado. Esses dados embasam o planejamento de intervenções, na prática dos enfermeiros, direcionadas ao controle dos fatores que contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial em grupos jovens.
A prevalência de hipertensão arterial sistêmica encontrada (13,74%) neste estudo foi considerada elevada quando comparada ao esperado para adolescentes.(14,15) De forma geral, pesquisas realizados com esse grupo têm relevado prevalências divergentes. Em um estudo de base populacional, apenas 6,3% dos adolescentes foram classificados com hipertensão arterial.(16) Em contrapartida, outra investigação atingiu um percentual de 26,4%.(17) As variações nesses dados podem estar relacionadas às diferenças nas faixas etárias dos indivíduos e aos critérios utilizados para definição da hipertensão arterial.
Conforme observado, o índice de massa corporal elevado não apresentou associação com a hipertensão arterial sistêmica nos adolescentes do presente estudo. Embora na literatura sejam conhecidos mecanismos para apoiar a relação da obesidade com o aumento dos níveis pressóricos,(18) outros estudos também não evidenciaram associação dessa variável com as chances de desenvolver hipertensão arterial sistêmica nesse grupo.(19,20) Além disso, em indivíduos com hipertensão arterial sistêmica e outras doenças cardiovasculares, o excesso de peso parece apresentar um efeito paradoxal, como protetor nas condições de morbidade e de mortalidade nesses pacientes.(21,22)
Quanto ao estilo de vida dos adolescentes, não foi encontrada relação dos níveis de atividade física com os casos de hipertensão arterial sistêmica. Corroborando esse dado, pesquisa de base populacional realizada com indivíduos de 15 a 19 anos não demonstrou associação dessa variável com a hipertensão arterial sistêmica, para ambos os sexos.(20) No entanto, considerando a existência de diferentes métodos para avaliar a prática de atividade física, esses dados devem ser interpretados com ponderação.
No presente estudo, os casos de hipertensão arterial sistêmica mostraram-se significativamente associados com alterações da glicemia capilar nos adolescentes. Em uma pesquisa em adultos com hipertensão arterial sistêmica, o grupo classificado com hipertensão apresentou maiores médias de glicemia quando comparado ao controle (101,62mg/dL vs 82,46mg/dL).(23) De forma geral, pacientes com hipertensão arterial sistêmica apresentam risco para desenvolvimento de comorbidades, como o diabetes. Em particular, no caso de jovens, a alteração da pressão arterial está fortemente relacionada com a resistência à insulina,(24) fato este que pode ter contribuído para a alteração da glicemia no nosso estudo.
Os adolescentes do presente estudo apresentaram elevada prevalência de hipertensão arterial. O excesso de peso e os níveis de atividade física não tiveram associação com alterações da pressão arterial. Os adolescentes com glicemia capilar elevada apresentaram maiores chances de desenvolver a hipertensão arterial sistêmica.