On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.3 São Paulo May/June 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400036
O envelhecimento populacional é uma realidade mundial, que vem ocorrendo em diferentes países, incluindo Brasil e Portugal, embora cada um esteja em diferentes fases dessa transição. Assim, em questão de poucos anos, teremos mais indivíduos com mais de 60 anos, com uma característica de um contingente maior de pessoas alcançando idades mais avançadas, superando a esperança de vida, prevista pelos especialistas.(1)
A Organização Mundial da Saúde considera idosa, em países em desenvolvimento, a pessoa com mais de 60 anos e, em países desenvolvidos, aquela com mais de 65 anos.(2) De acordo com a mesma fonte, há uma previsão estatística para 2025 de uma população idosa mundial de 1,2 bilhão de indivíduos. Um dado curioso é que a população mais envelhecida - aqueles que possuem acima de 80 anos - constituirá o grupo etário de maior crescimento.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,(3) a população brasileira é de 190.732.694 pessoas, sendo cerca de 10% com idade acima de 60 anos. A expectativa de vida para as mulheres é de 77 anos e para os homens é de 69,4 anos. Em Portugal, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística,(4) existem 10.561.614 habitantes e, desse total, 19% são idosos. O país europeu apresenta para as mulheres uma expectativa de vida de 81,8 anos; para os homens, 75,8 anos.
A estratégia para a promoção da saúde voltada à população mais envelhecida está respaldada no Brasil, por meio da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.(5) E, em Portugal, por meio do Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas.(6) Em função do aumento do número de idosos e das dificuldades apresentadas pelos familiares na tarefa de cuidar (relacionadas às alterações na estrutura familiar, como o surgimento de famílias de menor dimensão e uma cada vez maior mobilidade individual, por conta das obrigações de trabalho), surge a necessidade da existência de Instituições de Longa Permanência para Idosos, que são locais para atendimento integral de pessoas idosas que não têm condições de permanecer com a família ou em seus próprios lares.
O processo de envelhecimento acarreta mudanças no padrão das doenças e na frequência das incapacidades.(7) As funções física, cognitiva e sensorial debilitam-se, conduzindo à deterioração das capacidades funcionais.(8) Nota-se, por conseguinte, que existe uma prevalência elevada de perturbação mental na velhice - e a que predomina, entre essas perturbações, é a depressão.(9)
De acordo com a literatura, a depressão é comum na terceira idade e, no entanto, contrariando a opinião popular, não faz parte do processo natural do envelhecimento. Na maioria das vezes, a depressão é subdiagnosticada e subtratada. Observa-se que nos idosos institucionalizados a depressão continua a ser frequentemente não diagnosticada e não tratada, principalmente em instituições que não possuem uma equipe de profissionais com conhecimentos e qualificações para identificar os pacientes em risco, sendo necessário capacitá-la para reconhecer as formas mais comuns de apresentação das síndromes depressivas.(10) Desse modo, em relação à perturbação afetiva, a depressão se impõe como a mais frequente no idoso, tornando-se, atualmente, a principal causa de incapacidade em todo o mundo. Segundo Apóstolo et al.,(11) a depressão é responsável por 6,2% da taxa de morbidade na região europeia da Organização Mundial da Saúde.
Considerando o aumento da população idosa no mundo, entendemos a necessidade de estudos que envolvam diferentes países, para que possamos acompanhar as mudanças e possíveis diferenças sobre a dinâmica do envelhecimento. Desse modo, são viabilizadas melhorias na condição de vida dos mais envelhecidos.
Com base no exposto, este estudo foi realizado em dois cenários diferentes, avaliando idosos em um país latino-americano em desenvolvimento e em um país europeu desenvolvido, com o objetivo de avaliar e comparar a sintomatologia depressiva e fatores sócio-demográficos em idosos institucionalizados no Brasil e em Portugal. A hipótese era de que a análise comparativa permitiria conhecer nossa maior ou menor proximidade relacionada à prevalência da sintomatologia depressiva e aos fatores associados, inferindo se eles podem servir ou não como indicadores de tendências. Ou seja, a análise deveria permitir, sob um determinado parâmetro, avaliar o estágio atual da transição demográfica e epidemiológica do Brasil em relação a Portugal.
O objetivo do estudo foi conhecer a prevalência da sintomatologia depressiva e fatores sócio-demográficos em idosos institucionalizados.
Trata-se de um estudo transversal desenvolvido em dois cenários: na cidade de Recife, região nordeste do Brasil e na cidade de Coimbra, em Portugal. A amostra foi constituída por 211 idosos brasileiros e 342 idosos portugueses, com idade igual ou superior a 60 anos, residentes em instituições de longa permanência. Para a seleção da amostra, foi utilizada a técnica de amostragem estratificada proporcional, possibilitando a escolha de seus componentes em função da real distribuição dos estratos na população.
A coleta dos dados foi obtida por meio de entrevista, com características sócio-demográficas e a Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens. As entrevistas para a população portuguesa foram realizadas por pesquisadores da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Para a população brasileira, foram comandadas pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa – Saúde do Idoso da Universidade Federal de Pernambuco.
A presença de sintomas depressivos foi avaliada por meio da Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens, uma versão curta da escala original.(12-14)
A Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens é um dos instrumentos mais utilizados para a detecção de depressão no idoso. Diversos estudos já demonstraram que essa escala oferece medidas válidas e confiáveis para a avaliação de transtornos depressivos, justificando, dessa forma, sua escolha. O ponto de corte utilizado para suspeição de depressão foi > 5.
Para o gerenciamento dos dados, foi utilizado o programa Statiscal Package Social for Social Sciences, versão 16.0. Terminada a coleta, os dados foram introduzidos em um banco de dados do programa estatístico. Primeiramente, os dados foram analisados de maneira descritiva com medidas de dispersão para a variável numérica idade. Tabelas e gráficos foram gerados, para, posteriormente, ser feita a análise bivariada em cada um dos países, considerando a sintomatologia depressiva como variável dependente. Verificadas as associações, foi feita a análise de perfil somente dos respondentes com sintomatologia depressiva. Para definir quais seriam as características mais importantes, foi gerada a árvore de classificação/decisão, tendo por base a origem dos respondentes, ou seja, do Brasil ou de Portugal, por meio de simulações computacionais, utilizando a ferramenta estatística supracitada.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Utilizando o teste qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis dependentes com a sintomatologia depressiva em cada um dos países separadamente e considerando um nível de significância de 5%, podemos observar na tabela 1 que, no Brasil, rejeitamos a hipótese de independência da sintomatologia depressiva em relação às variáveis sexo e idade. Quando avaliamos os resultados dos mesmos testes estatísticos em Portugal, não rejeitamos a hipótese de independência da sintomatologia depressiva com nenhuma das variáveis analisadas.
Tabela 1 Fatores associados a sintomatologia depressiva
Variáveis | País | |||
---|---|---|---|---|
Brasil | Portugal | |||
Frequência (%) | p-value | Frequência (%) | p-value | |
Sexo | ||||
Feminino | 147(69,67) | 0,0 | 215(62,87) | 0,82 |
Masculino | 64(30,33) | 0,21 | 127(37,13) | |
Idade | ||||
60 |- 70 anos | 61(28,91) | 0,18 | 24(7,02) | 0,96 |
70 |- 80 anos | 72(34,12) | 85(24,85) | ||
80 |- 90 anos | 57(27,01) | 176(51,46) | ||
90 ou mais | 21(9,95) | 57(16,67) | ||
Estado civil | ||||
Casado(a)/ Tem companheiro(a) | 18(8,53) | 0,08 | 70(20,47) | 0,86 |
Solteiro(a) | 113(53,55) | 44(12,87) | ||
Viúvo(a) | 55(26,07) | 161(47,08) | ||
Separado(a)/ Divorciado(a) | 24(11,37) | 67(19,59) | ||
Não informado | 1(0,47) | 0(0,00) | ||
Anos de estudo | ||||
01 |- 05 | 86(40,76) | 219(64,04) | 0,61 | |
05 |- 09 | 28(13,27) | 15(4,39) | ||
09 |- 12 | 17(8,06) | 11(3,22) | ||
12 ou mais | 8(3,79) | 6(1,75) | ||
Nenhum /Não Sabe/Não informado | 72(34,12) | 91(26,61) | ||
Sintomatotologia depressiva | ||||
Com | 105(49,76) | 210(61,40) | ||
Sem | 106(50,24) | 132(38,60) |
Como o p-value do teste Qui-Quadrado de Pearson para o cruzamento da variável sintomatologia depressiva com o país dos respondentes foi bem menor que 0,05 (5%). Podemos considerar que há associação entre elas. Por essa razão, realizamos uma análise para definir o perfil dos idosos com sintomatologia depressiva em cada um dos países (Tabela 2).
Tabela 2 Sintomatologia depressiva positiva
Variáveis | País | |
---|---|---|
Brasil | Portugal | |
Frequência (%) | Frequência (%) | |
Sexo | ||
Feminino | 85(81,0) | 131(62,4) |
Masculino | 20(19,0) | 79(37,6) |
Idade | ||
60 |- 70 anos | 29(27,6) | 15(7,1) |
70 |- 80 anos | 33(31,4) | 54(25,7) |
80 |- 90 anos | 28(26,7) | 107(51,0) |
90 |- | 15(14,3) | 34(16,2) |
Estado civil | ||
Casado(a)/Tem companheiro(a) | 7(6,7) | 41(19,5) |
Solteiro(a) | 54(51,4) | 27(12,9) |
Viúvo(a) | 27(25,7) | 98(46,7) |
Separado(a)/ Divorciado(a) | 17(16,2) | 44(21,0) |
Anos de estudo | ||
01 |- 05 | 42(40,0) | 141(67,1) |
05 |- 09 | 9(8,6) | 8(3,8) |
09 |- 12 | 7(6,7) | 7(3,3) |
12 ou mais | 3(2,9) | 3(1,4) |
Nenhum/Não Informado | 44(41,9) | 51(24,3) |
Pode-se notar que a distribuição percentual de cada uma das categorias das variáveis analisadas é diferente quando consideramos Brasil e Portugal separadamente.
Para avaliar as características principais dos idosos com sintomatologia depressiva no Brasil e em Portugal e recomendar uma classificação adequada, foi proposta uma árvore de decisão/classificação, utilizando o software Statiscal Package Social Sciences versão 16.0. O algoritmo de crescimento escolhido foi ”EXHAUSTIVE CHAID”, que é uma variação do algoritmo padrão “CHAID”, o qual tem como base as associações existentes em cada um dos passos de crescimento, por meio do teste qui-quadrado de Pearson.
No primeiro nível, nota-se que a separação ocorre por estado civil: a maioria dos idosos com sintomatologia depressiva no Brasil (54 casos) foi observada na classe de solteiros, enquanto em Portugal a maior parte dos respondentes (183 casos) são viúvos ou ainda mantêm relacionamentos estáveis.
No segundo nível, quando nos detemos ao Brasil, a maior parte dos respondentes com sintomatologia depressiva é analfabeta ou apresenta poucos anos de estudo (32 casos), enquanto, em Portugal, no segundo nível da árvore, a maior parte dos idosos tem mais que 70 anos (171 casos).
Somente no terceiro nível é que os idosos portugueses aparentam ser mais sensíveis a poucos anos de estudo (81 casos) e os brasileiros, com relação ao sexo feminino (13 casos). Idosos brasileiros com sintomatologia depressiva têm como principais fatores associados o estado civil solteiro, o baixo número de anos de estudo e o sexo. Em contrapartida, os idosos portugueses têm como principais fatores associados à sintomatologia depressiva não serem do estado civil solteiro e terem idade a partir de 70 anos. A escolaridade, que aparece como a segunda característica mais importante entre os brasileiros, é a terceira mais forte entre os idosos portugueses.
Para verificar se a idade dos respondentes com sintomatologia depressiva era igual ou diferente nos dois países, foi realizado um teste t de igualdade de médias. Obteve-se uma media brasileira de 81,14 anos e uma media portuguesa de 82,22 anos. A estatística do teste gerou um p-value de 0,6855, ou seja, considerando uma significância de 5%, não há evidência estatística de que as médias de idade entre os pacientes de Brasil e Portugal sejam diferentes.
Na amostra estudada, portanto, o fator mais importante para os respondentes do Brasil foi o estado civil, levando em consideração que os solteiros aparentam ter mais risco, enquanto, em Portugal, ser solteiro não aparenta ser um fator de risco tão significativo, se posto em comparação ao Brasil. A idade média dos respondentes nos dois países foi estatisticamente igual, mas a maior parte dos respondentes portugueses com depressão tinha entre 70 e 90 anos, enquanto que, entre os brasileiros, a distribuição foi mais uniforme nas diversas categorizações das faixas etárias (Figura 1).
As limitações dos resultados deste estudo estão relacionadas ao desenho transversal que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito.
Vale destacar a importância dos resultados obtidos para o profissional de enfermagem junto à equipe de saúde, pois ao adquirir conhecimento sobre o processo do envelhecimento e as doenças que podem acometer a pessoa idosa, entre elas a depressão, com empenho, ele se torna mais atento, no sentido de identificar as necessidades do idoso, minimizando as dificuldades existentes e favorecendo uma melhor qualidade de vida.
Em relação ao gênero, a amostra de idosos institucionalizados, tanto na cidade de Recife como em Coimbra, apresentou um percentual mais elevado constituído por mulheres, sendo 69,67% e 62,87%, respectivamente - dado este encontrado em outros estudos, reforçando a feminização da velhice.(15,16)
No tocante ao fator idade, observamos que, em Recife, a maior prevalência encontrada foi na faixa etária de 70 a 80 anos (34,12%) e que, em Coimbra, foi entre 80 e 90 anos (51,46%), o que corresponde a uma maior expectativa de vida nos países desenvolvidos. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,(3) a expectativa de vida para as mulheres é de 77 anos e, para os homens, de 69,4 anos. Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística(4) apresenta uma expectativa de vida para mulheres de 81,8 anos; para os homens, de 75,8 anos. Essas diferenças, no entanto, não escondem uma tendência comum aos países para que a institucionalização aconteça em idades mais avançadas.
Segundo o estado civil, os participantes das instituições brasileiras, entre solteiros e viúvos atingiram um percentual de 79,62%, enquanto que os portugueses, entre viúvos e separado/divorciado, atingiram 66,65%. O resultado corrobora outros estudos e justifica a procura por estas instituições, quando nesse momento da vida, encontram-se sozinhos. Essa iniciativa pessoal pode também ocorrer, muitas vezes, por pressões externas, medo da violência urbana, exclusão da família e, principalmente por acreditar na qualidade de assistência proporcionada nas Instituições de Longa Permanência para Idosos.(15,17)
Tendo em vista o nível de escolaridade dos participantes, observamos que os dois grupos avaliados apresentam baixa escolaridade: um percentual elevado de aproximadamente 74,88% brasileiros e de 90,65% portugueses, com até 5 anos de estudo. Podemos considerar que a pouca escolaridade desses idosos institucionalizados deve-se provavelmente à dificuldade de acesso à educação vivenciada há algumas décadas, principalmente para as mulheres.(16,18,19)
Acreditamos que a institucionalização do idoso possa contribuir para uma condição potencializadora da depressão, levando em consideração esse novo ambiente, isolado do seu convívio social, vivendo distante da família, precisando se adequar a todas estas mudanças. Segundo Salgueiro,(20) o idoso deixa sua casa, deixa de ter seus horários, perde sua autonomia e passa a depender de terceiros, podendo vir a desencadear estados depressivos. Assim, encontramos na literatura científica nacional e internacional, uma prevalência elevada de depressão em idosos institucionalizados.
Em relação ao idoso brasileiro institucionalizado, a prevalência de sintomatologia depressiva é equivalente a 49,76%, resultado este que se aproxima de outros estudos como o de Soares et al.,(16) que obtiveram uma prevalência extremamente elevada de 73,7% em idosos institucionalizados, bem como o estudo de Maciel e Guerra,(21) com uma prevalência de sintomatologia depressiva de 25,5 % para idosos não institucionalizados.
A prevalência de sintomatologia depressiva na população portuguesa estudada foi de 61,40%. Esses valores corroboram com vários estudos, entre eles o de Vaz e Gaspar,(15) cuja prevalência foi de 47%. A informação sugere que a moradia em instituições, provavelmente, precisa de ações que planejem uma atenção integral ao idoso de maneira mais efetiva, tornando-se necessária a capacitação da equipe de técnicos responsáveis pelos cuidados. Enfatizamos que, além da capacitação técnica, não podemos deixar de estimular esses profissionais a cultivar um olhar mais humano às limitações dos idosos. Devemos lembrá-los que cuidar é um ato de amor.
Analisando esses dados, podemos corroborar os estudos nacionais e internacionais, em que o número de idosos institucionalizados com sintomatologia depressiva é elevado variando de 25% a 80%.
Para os idosos brasileiros institucionalizados, o estado civil solteiro é um fator de risco em relação à sintomatologia depressiva. Esse fato é pouco discutido, pois, na maioria dos estudos, o que observamos são as questões de gênero, fator econômico e escolaridade, ou seja, um maior risco entre as mulheres, de baixa renda e de pouca escolaridade.(14,21) O ambiente das instituições de longa permanência proporciona desafios aos residentes e podem favorecer o desenvolvimento de sintomatologia depressiva. Portanto, a conscientização sobre o diagnóstico da depressão, no contexto institucional, por parte dos técnicos responsáveis pelos cuidados, é de fundamental importância. O reconhecimento da depressão em idosos deve contribuir para a elaboração de estratégias, favorecendo a efetividade do tratamento e, consequentemente, a melhoria na Qualidade de Vida dos Idosos.
A prevalência da sintomatologia depressiva foi alta e o seu reconhecimento precoce pode contribuir para a qualidade de vida e idosos institucionalizados.