Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.2 São Paulo Mar./Apr. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500028
O sedentarismo, reconhecido como a ausência de atividade física, é fator de risco para várias doenças, como obesidade, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus.(1) O modo de vida da população, nas últimas décadas, tem contribuído para o sedentarismo. O cotidiano impõe cada vez menos atividade física. Os meios de transporte são cada vez mais eficientes, sendo preferidos em detrimento da caminhada ou de outros meios que envolvam gasto energético. Além disso, as atividades realizadas em momentos de lazer geralmente são aquelas que consomem menos energia corporal.(2)
A adolescência é um período propício para o desenvolvimento de hábitos saudáveis, que podem repercutir na vida adulta. O conhecimento do nível de atividade física em adolescentes é fundamental para que sejam traçadas medidas efetivas de combate ao sedentarismo.(3–5)É importante para o enfermeiro e para outros profissionais que lidam com a saúde do adolescente ferramentas que eles quantifiquem a prática de atividade física identificando o sedentarismo.
Assim como os indicadores de saúde de uma população são medidos pela presença de doença, na avaliação do sedentarismo procura-se a medida do nível de atividade física, que pode ser obtida diretamente (frequência cardíaca, marcadores fisiológicos, calorimetria e sensores de movimento) ou de forma indireta (utilização de questionários, diários e entrevistas).(6,7)
Os parâmetros utilizados para avaliação do sedentarismo são, muitas vezes, arbitrários e não aplicáveis em todos os segmentos populacionais. Entre os adolescentes, os instrumentos validados que podem ser aplicados são escassos.
Dentre os métodos indiretos existentes para avaliar o sedentarismo, está a versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ, sigla do inglês International Physical Activity Questionnaire), que avalia o nível de atividade física por meio da duração e da frequência de caminhada, atividades moderadas e atividades vigorosas, relatadas pelo próprio indivíduo e referentes à última semana.(8) A versão curta do IPAQ foi validada para adolescentes de 14 a 18 anos no Brasil.
Outro método que tem sido utilizado para avaliação de atividade física é a contagem dos passos diários. Para essa medida, o equipamento utilizado em alguns estudos com diferentes populações tem sido o pedômetro.(9–11) Trata-se de um pequeno aparelho que possui um sensor do movimento corporal em pêndulo, que mede a quantidade de passos dados pelo indivíduo no período de 1 dia.(12) Tem sido utilizado por ser prático, de fácil manuseio e ter preço acessível, além de fornecer a medida objetiva da quantidade de passos do indivíduo no dia.(13)
No entanto, o uso desse equipamento ainda não foi validado entre adolescentes e não há definição de pontos de corte específicos que caracterizem a presença de sedentarismo para essa população. Existem pontos de corte para definição de sedentarismo com a contagem de passos por dia somente entre adultos.(10) Estudos que utilizaram a medida de passos entre adolescentes têm adotado os mesmos pontos de corte já usados para definir o nível de atividade física entre adultos saudáveis: < 5.000 para sedentários; de 5.000 a 7.499 para pouco ativos; 7.500 a 9.999 para baixa atividade; de 10 mil a 12.499 passos por dia para ativos; e > 12.500 passos por dia para muito ativos.(11)
A questão é se a avaliação de sedentarismo realizada com a aplicação de questionário validado, como o IPAQ, pode ser substituída por outro método, como a contagem de passos feita pelo pedômetro.
Os objetivos do presente estudo foram: identificar a prevalência de estilo de vida sedentário entre adolescentes e conhecer a concordância entre os resultados obtidos por dois instrumentos padronizados de medida.
Estudo descritivo, transversal que avaliou estudantes de 14 a 18 anos de escolas públicas estaduais da região leste de Goiânia, capital de Goiás. A amostra foi calculada utilizando a fórmula para comparação de duas proporções. Para o cálculo, foi considerada a proporção de adolescentes sedentários medida pelo IPAQ de 62,5% segundo um nível de significância de 5,0%, efeito do desenho de 0,8 e poder do teste de 80,0%. O cálculo da amostra definiu seu tamanho em 124 participantes. Foram coletados dados de 132 adolescentes, equivalendo a 106,5% da amostra calculada.
Os gestores das 11 escolas da região foram contatados, informados e, após sua concordância, foram incluídas quatro escolas, que aceitaram participar da pesquisa. Foi solicitada à coordenação de cada escola selecionada a lista de turmas que apresentassem alunos com a faixa etária predefinida. A partir dessa lista, foi feito sorteio das salas que compuseram a amostra. As variáveis de estudo foram: sexo, idade, níveis de atividade física com a utilização do IPAQ versão curta e média diária de passos de acordo com o pedômetro. O IPAQ foi aplicado sob a supervisão dos pesquisadores e os próprios adolescentes registraram suas respostas. O pedômetro utilizado foi da marca OMRON®, modelo HJ-105INT, com capacidade para contagem de 100 mil passos e memória para sete dias, sendo utilizado durante uma semana. Os adolescentes foram orientados a colocar o pedômetro ao se levantarem e retirá-lo somente para dormir, tomar banho ou realizar alguma atividade na água. O aparelho era colocado na cintura, preso à vestimenta, de forma a ter contato com o corpo. Para o cálculo da média do número de passos por dia, foram usados os pedômetros que apresentaram registros de quatro dias consecutivos ou mais dias.
Foram considerados sedentários, pela aplicação do IPAQ, os adolescentes que apresentassem menos que 300 minutos de atividade física por semana.(14)
Como não existem pontos de corte validados para o uso do pedômetro entre adolescentes, foi estabelecido um ponto por meio da avaliação da sensibilidade e especificidade de ambos os instrumentos, considerando o IPAQ como padrão-ouro, haja vista este ter sido validado para uso com essa população. Foi definido, na curva ROC, o ponto de 4.012 passos por dia, no qual a avaliação de ambos os instrumentos atingiu melhores níveis. Esse foi o ponto de corte utilizado neste estudo para as análises de comparação e correlação.
A prevalência do sedentarismo, avaliada pelo IPAQ e pelo pedômetro, foi calculada em valores absolutos e percentuais. Para a identificação de diferença entre o número de sedentários avaliados pelos dois métodos foi utilizada a regra de sinais de Descartes. Foi aplicado o índice de Kappa (k) para o estudo da concordância entre os resultados obtidos pela aplicação dos dois instrumentos. O índice de Kappa foi interpretado considerando concordância fraca se <0,40, razoável a boa de 0,40 até 0,75, e excelente se >0,75. O estudo de correlação entre os instrumentos de avaliação foi realizado por análise de regressão linear. Considerou-se como significante p-value <0,05. Os dados foram analisados com aplicação do programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 15.0.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e animais.
Foram avaliados 132 adolescentes, sendo 53,0% (n=70) do sexo feminino (p=0,486). A média de idade foi de 15±1,2 anos (mínimo 14; máximo 18 anos). Quanto à faixa etária, 44,7% (n=59) tinham menos que 15 anos (p=0,223).
A média de passos por dia, identificada pelo pedômetro, foi de 9.837 (±4.918) (mínimo 1.165; máximo 30.752).
O tempo médio gasto em atividade física, avaliado pelo IPAQ, foi de 797,8 (±567,7) minutos por semana, ou seja, 114,0 minutos por dia.
Foram identificados como sedentários 19,7% (n=26) e 8,3% (n=11), respectivamente pelo IPAQ e pedômetro (p=0,021).
Não houve correlação entre os instrumentos IPAQ e pedômetro (p=0,471). O índice de Kappa foi de 0,021, demonstrando fraca concordância entre os instrumentos (Figura 1).
Uma possível limitação deste estudo pode ser apontada no uso do IPAQ como instrumento para comparação com o pedômetro. Diante das dificuldades de aplicação desse questionário, e também das fragilidades do modelo validado e da população estudada, composta por estudantes de escolas públicas, essa limitação somente poderia ser vencida com a comparação do pedômetro com outro instrumento de medida, que também oferecesse medidas diretas da atividade física e que pudesse ser tomado como padrão-ouro. Além disso, apesar da praticidade e das vantagens encontradas na utilização do pedômetro no presente estudo, esse instrumento precisa ser testado contra instrumentos de medida direta de avaliação do nível de atividade física, como ergoespirômetros, considerados padrão-ouro, possibilitando a definição de pontos de corte mais específicos no número de passos por dia, para avaliação do sedentarismo em adolescentes.
A elaboração de estratégias para o combate ao sedentarismo e a prevenção de doenças que apresentam a inatividade física como fator de risco passam pela identificação dos adolescentes que apresentam esse comportamento. Dessa forma, a aplicação de instrumentos, como o IPAQ e o pedômetro, pode quantificar o nível de atividade física, identificando adolescentes sedentários na escola ou em qualquer ambiente. Esses instrumentos podem ser amplamente aplicáveis, uma vez que são de fácil utilização e baixo custo.
A prevalência de sedentarismo entre adolescentes, encontrada neste estudo (19,7%), a partir da medida realizada com o IPAQ, foi inferior ao encontrado em estudantes da Malásia (20,8%)(15) e também inferior a de adolescentes das Ilhas Baleares, localizadas no Mar Mediterrâneo.(16) Em dois estudos realizados na cidade de Pelotas em 2005 e 2012, foram encontradas prevalências de sedentarismo de 69,6 e 69,9%, respectivamente.(17) Todos os estudos mencionados utilizaram o IPAQ em sua versão curta, em adolescentes, em faixas etárias semelhantes.
A média de tempo diário aferida pelo IPAQ neste estudo (114,0 minutos por dia) foi superior ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a prática de atividade física. Estudo realizado 3.556 com adolescentes de 12 a 19 anos nos Estados Unidos identificou um tempo gasto com atividade física moderada a intensa de 34 minutos diários e um tempo que o adolescente fica sentado de 7,5 horas.(18)
O IPAQ em sua versão curta apresenta diversas desvantagens, especialmente quando aplicado em adolescentes. As principais apontadas são a exigência de que o avaliado quantifique a duração e a frequência dos diversos tipos de atividade física realizados na última semana, fato que depende da capacidade de memória do indivíduo;(19) o baixo grau de precisão;(20) e o fato de minimizar a importância da caminhada realizada de forma não estruturada.(21)
Os adolescentes, neste estudo, apresentaram grande dificuldade de entendimento acerca do preenchimento das questões desse instrumento, havendo necessidade de esclarecimento individual para a maioria. Vale destacar também que a estrutura do questionário não estimula o preenchimento e, por vezes, causa confusão na caracterização da intensidade do exercício.
A prevalência de sedentarismo identificada pela aplicação do pedômetro (8,3%), neste estudo, foi inferior àquela encontrada pelo IPAQ (19,7%). Uma possível explicação para esse fato é que os questionários e diários para avaliação de AF, de forma geral, minimizam a importância da caminhada como forma de atividade física. Dessa forma, muitas vezes, as caminhadas “informais” realizadas pelos entrevistados não são consideradas ou recordadas no momento da avaliação.(21) O pedômetro mede todo o tipo de deslocamento realizado de forma programada ou em atividades de locomoção e lazer. Desse modo, o pedômetro considera como ativos indivíduos que fazem caminhada no lazer ou trabalho, de forma mais precisa que medidas subjetivas, como os questionários.
O pedômetro foi um instrumento bem aceito pelos adolescentes, sendo que a praticidade e a facilidade de sua utilização levaram a uma boa adesão a esse tipo de avaliação, tendo incentivado, inclusive, a participação dos estudantes no estudo.
A média de passos por dia aqui encontrada(9.837) foi inferior à do estudo realizado em Singapura com adolescentes de 13 a 16 anos, estudantes de escolas públicas, que encontrou média de 11.913 passos por dia. Em outro estudo, realizado na Nova Zelândia, com população semelhante, a média de passos por dia encontrada foi de 12.597. Entretanto, vale destacar que estes estudos foram feitos após uma série de intervenções governamentais para incentivar a prática de atividade física entre escolares.(22)
Estudo realizado com estudantes de 14 escolas em uma região da Polônia identificou uma média de cerca de 12 mil passos por dia, valor também superior ao encontrado no presente estudo.(23)
O ponto de corte indicado para a amostra do presente estudo (4.012 passos por dia) foi inferior aos pontos de corte estabelecidos para crianças de 9.000 passos por dia(24) e também àquele estabelecido para adultos (5.000 passos por dia).(25) O ponto de corte encontrado neste estudo é semelhante ao de outro estudo, realizado no Estado de Iowa, centro-oeste dos Estados Unidos, que definiu de 3.800 a 4.000 passos como ponto de corte para o sedentarismo na população geral.(10)
Não houve concordância das medidas realizadas pelo IPAQ e pelo pedômetro. Estudo que validou a versão curta do IPAQ para adolescentes no Brasil utilizou o recordatório de atividades físicas de 24 horas proposto por Bouchard para comparação e apresentou valores de Kappa correspondentes a uma concordância fraca a moderada, sem significância estatística. Foi observada significância apenas para as atividades vigorosas praticadas pelos meninos. Também neste estudo não foi encontrada correlação entre os instrumentos IPAQ e pedômetro para a identificação do sedentarismo.
O IPAQ deve ser usado com cautela para a avaliação da atividade física em adolescentes, por não considerar a atividade caminhada, que é uma das formas mais frequentes de atividade física em todas as populações e em qualquer faixa etária. Ressalta-se que, mesmo no estudo de validação desse instrumento entre adolescentes, a concordância encontrada do IPAQ com o recordatório de atividades físicas de 24 horas, instrumento utilizado para análise de concordância, foi de fraca à moderada.(8)
O Questionário Internacional de Atividade Física, que foi o método validado para avaliação de atividade física entre adolescentes, quando comparado ao pedômetro, apresentou uma prevalência de sedentarismo superior, com fraca concordância e sem correlação entre as medidas realizadas pelos dois instrumentos.