versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170070
Há ampla evidência na literatura de que a doença renal crônica (DRC) afeta 10-12% da população em geral, e é geralmente silenciosa, imperceptível para os indivíduos.1,2
No entanto, a prevalência de DRC na comunidade pode variar substancialmente, uma vez que muitos estudos relatados sobre deficiência de função renal são baseados na extrapolação da creatinina sérica e não levaram em conta a excreção de proteínas urinárias.3
Tem sido defendido que a detecção precoce pode prevenir complicações e reduzir o custo dos cuidados de saúde através da melhoria na sobrevida, redução da progressão da doença e redução na morbidade cardiovascular.4
No entanto, há muita controvérsia sobre como triar indivíduos, e quem triar. A segmentação de grupos de alto risco, como aqueles com hipertensão, diabetes mellitus conhecido (DM) e história de doença cardiovascular (CV), tem sido preferida por muitos ao invés de triar toda a população, uma vez que é menos dispendioso.5,6 No entanto, foi apontado que, na prática, o laudo automático da TFGe por laboratórios sempre que os níveis de creatinina sérica são medidos levou a uma triagem efetiva da população em geral.7
Os dados sobre a prevalência de DRC no Brasil são escassos, com graves limitações metodológicas e, como consequência, com resultados variáveis.
O presente trabalho é a primeira tentativa no Brasil com o objetivo de detectar a prevalência de DRC em uma população selecionada aleatoriamente através da TFG estimada (TFGe) e a relação albumina/creatinina urinárias. Estas duas variáveis nos permitem classificar a DRC como sugerido pelo KDIGO.8
Um grupo de 5.216 pacientes de ambos os sexos, entre 18 e 87 anos de idade, e moradores de uma área urbana (Campo Largo) do estado do Paraná, no Brasil, foram envolvidos no estudo.
Todos os participantes assinaram um formulário de consentimento. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética da Escola Evangélica de Medicina de Curitiba (protocolo número 2903/08).
O tamanho da amostra foi calculado com base na prevalência de DRC, de 5,0%, encontrada anteriormente no estudo Bambuí, com um intervalo de confiança de 95% em relação à população urbana desta cidade.9 Foi utilizado o levantamento da população usando o software de amostragem aleatória (não cluster). (Statcalc Epinfo versão 6). A amostra estimada corrigida necessária foi de 5.926 participantes.
Dada a possibilidade de recusa individual de participar e a perda de dados, 10.000 endereços foram selecionados aleatoriamente (gerados por computador) a partir da base de dados da Companhia de Energia (COCEL) da cidade de Campo Largo. Uma carta-convite foi enviada para todos os endereços selecionados.
Critérios de inclusão: indivíduos ≥ 18 anos que assinaram o formulário de consentimento.
Os indivíduos que aceitaram participar do estudo foram avaliados no hospital local (São Lucas) por uma enfermeira treinada e um técnico de laboratório.
Cada participante teve que preencher uma pesquisa sobre dados demográficos, estilo de vida e doenças conhecidas, como diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença cardiovascular, litíase renal e história familiar de DRC. A pressão arterial foi determinada na posição sentada três vezes, com intervalo de 5 minutos. A pressão arterial registrada foi a média das 3 medidas e os valores de ≥ 140/90 mmHg foram considerados hipertensos.10
Altura e peso de cada participante foram obtidos para determinar o índice de massa corporal (IMC). Depois de coletar dados antropométricos, obteve-se uma amostra de urina intermediária para análise da urina. Posteriormente, uma amostra de sangue venoso foi coletada para avaliar a creatinina sérica. Os indivíduos não eram obrigados a estar em jejum. A proporção de albumina/creatinina foi determinada apenas em indivíduos considerados em risco de desenvolver DRC: ≥ 60 anos de idade, obesidade (IMC ≥ 30), hipertensão, diabetes e história de doença cardiovascular e/ou doença renal na família. Os indivíduos foram considerados hipertensos com base na história de hipertensão arterial e no uso de medicação anti-hipertensiva ou quando os valores de pressão arterial (PA) estavam todos acima de 140/90 mmHg nas 3 medidas.
O diagnóstico de diabetes mellitus baseou-se na história e uso de agentes hipoglicêmicos e/ou insulina. O tabagismo foi considerado quando os indivíduos fumavam 10 ou mais cigarros por dia.11 O consumo de álcool foi registrado quando os indivíduos consumiam mais do que o recomendado: duas bebidas por dia para homens e uma para mulheres.12
A definição de velhice baseou-se na definição da ONU para idade avançada (≥ 60 anos) e adotada no Brasil.13
A albumina urinária foi detectada através de tiras reagentes Combur 10 Test® (Roche, Manheim, Alemanha). A interpretação da cor máxima na tira de reagente foi a seguinte: menos de 30 mg/dl, sem alteração na cor; entre 30 e 100 mg/dl, 1+; entre 100 e 500 mg/dl, 2+ e mais do que 5 mg/dl, 3+.
Para albuminúria por grama de creatinina, utilizou-se o Hemocue® Albumin 201 System (Hemocue AB, Angelholm, Suécia). O limiar padrão de referência para detecção de um resultado anormal foi definido como RAC ≥ 30 mg/g. Os indivíduos com albuminúria (1+ ou mais na tira reagente) e/ou albuminúria (RAC ≥ 30 mg/g) e TFGe ≥ 60 ml/min/1,73 m2 tiveram uma segunda amostra de urina coletada para confirmação. A creatinina foi medida pelo método Jaffe, no auto-analisador Selectra Fl (Vital Scientific, Dieren, Países Baixos). Valores de referência: 0,4-1,3 mg/dl.
A taxa estimada de filtração glomerular (TFGe) foi estimada pela fórmula MDRD e a classificação da DRC nas categorias foi feita com base nas diretrizes da KDIGO.8 Todos os participantes receberam um resultado impresso da TFGe e proteinúria.
As análises foram realizadas usando o pacote estatístico SPSS 20.0 (SPSS, Chicago, IL). Um valor p ≤ 0,05 foi adotado para indicar significância estatística.
As variáveis quantitativas com dados normalmente distribuídos são relatadas como médias com desvio padrão, enquanto os dados com distribuição distorcida são dados como medianas com valores mínimos e máximos. As variáveis de qualidade são descritas através de frequência e porcentagem. As diferenças entre os grupos foram testadas pelo teste-T de Student para dados contínuos. As diferenças de prevalência ou incidência foram testadas com teste de qui-quadrado. Para análise multivariada, foi utilizado um modelo ajustado de regressão logística, e as variáveis que atingiram um p < 0,05 na análise univariada foram incluídas. O teste de Wald foi utilizado para avaliar a importância de cada variável.
As características dos 5.216 indivíduos com e sem DRC estão apresentadas na Tabela 1. Na coorte, observamos uma preponderância feminina (64%) e caucasianos (93%). A prevalência de hipertensão arterial foi de 29% e diabetes mellitus afetou 7% da coorte. A idade variou de 18 a 87 anos (média de 45 ± 15); o IMC variou de 14-59 Kg/m2 (média 27 ± 5), a creatinina sérica variou de 0,65 a 5,98 (média 0,89 ± 0,23) e o intervalo de TFGe de 7 a 162 ml/min/1,73 m2 (89 ± 22).
Variável | Pacientes DRC (n = 580) | Controles* (n = 4636) | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade - anos (± DP) | 61,6(12,1) | 43,8(14,2) | < 0,001 |
Mulheres - n(%) | 407(70,2) | 2932(63,2) | 0,001 |
Etnia - n(%) Caucasianos Negros Asiáticos Índios | 544(93,8) 23(4) 7(1,2) 6(1) | 4336(93,5) 232(5) 51(1,1) 17(0,37) | 0,093 |
Hipertensão - n(%) PA Sistólica - mmHg (± SD) PA Diastólica - mmHg (± SD) | 389(67) 136,7(18,9) 84,9(12,2) | 1150(24) 126,9(16) 81,1(11,7) | < 0,001 < 0,001 < 0,001 |
Tabagista - n(%) | 189(28,7) | 1309(28,2) | 0,029 |
IMC - kg/m2 (± SD) | 29,8(5,5) | 27,1(5,1) | < 0,001 |
Consumo de álcool - n(%) | 28(4,8) | 161(3,4) | 0,1 |
Diabetes Mellitus - n(%) | 129(22,2) | 271(5,8) | < 0,001 |
Creatinina sérica - mg/dl (± SD) | 1,14(0,37) | 0,85(0,18) | < 0,001 |
TFGe - ml/mim/1,73m2 (± SD) | 60,5(18,7) | 93,5(20) | < 0,001 |
Dislipidemia - n(%) | 150(25,8) | 469(10,1) | < 0,001 |
Educação Analfabeto Primário Segundo grau Universitário Pós-graduado | 57(9,8) 417(71,9) 82(14,1) 20(3,45) 4(0,75) | 178(3,8) 2339(50,4) 1424(30,7) 635(13,7) 60(1,4) | < 0,001 |
*Controles: indivíduos sem DRC
Como pode ser visto na Tabela 2, dos 5.216 indivíduos selecionados, 2.553 (48,94%) tiveram uma TFGe > 90 ml/min/1,73m2 (Categoria 1); 2.224 (42,64%) indivíduos tiveram uma TFGe entre 60-89 mL/min/1,73m2 (Categoria 2). 373 (7,20%) indivíduos tiveram uma TFGe entre 45-59 mL/min/1,73m2 (Categoria 3A); 59 (1,10%) tiveram uma TFG3 entre 30-44 mL/min/1,73m2 (Categoria 3B); 5 (0,09%) indivíduos tiveram TFGe entre 15-29 mL/min/1,73m2 (Categoria 4) e 2 (0,03) indivíduos com TFGe abaixo de 15 ml/min/1,73 m2 (Categoria 5).
TFGe | Albuminúria mg/g de creatinina | Total (%) | ||
---|---|---|---|---|
Normal (< 30) | Moderadamente elevada (30 a 299) | Gravemente elevada (≥ 300) | ||
≥ 90 (1) | 2460 (47,16) | 20 (0,4) | 73 (1,4) | 2553 (48,94) |
60 a 89 (2) | 2158 (41,37) | 16 (0,3) | 50 (0,95) | 2224 (42,64) |
45 a 59 (3A) | 288 (5,5) | 36 (0,7) | 49 (0,93) | 373 (7,20) |
30 a 44 (3B) | 36 (0,70) | 13 (0,25) | 10 (0,2) | 59 (1,10) |
15 a 29 (4) | 0 (0) | 0 (0,0) | 5 (0,09) | 5 (0,09) |
< 15 (5) | 0 (0) | 0(0,0) | 2 (0,04) | 2 (0,03) |
Total | 4942 (94,74) | 85 (1,63) | 189 (3,62) | 5216 (100) |
O exame de urina destes 5.216 indivíduos revelou que 4. 942 (94,74%) não apresentavam albuminúria. No entanto, daqueles sem albuminúria, 324 tinham TFGe < 60mL/min/1,73m2.
Verificou-se também que 5,25% do grupo total apresentavam albuminúria. Quando considerados em conjunto, a TFGe < 60 ml/min/1.73m2 e normoalbuminuria, 88,6% destes indivíduos foram identificados neste grupo. Com base nesses dados, concluiu-se que a prevalência de DRC nesta população era de 11,4%. Quando tomado o intervalo de confiança de 95%, a prevalência de DRC neste grupo ficou entre 10,3-12%.
Para estimar a prevalência de fatores de risco para DRC nesta população, foram realizadas análises univariadas e multivariadas, e foram consideradas as seguintes variáveis: idade, gênero, hipertensão arterial (HA), diabetes mellitus (DM) e índice de massa corporal (IMC). A DRC foi a variável confiável. Os resultados são apresentados na Tabela 3. A idade ≥ 60 apresentou maior OR (5,25) de associação com DRC, seguida da presença de hipertensão (2,91), IMC ≥ 30 Kg/m2 (1,81) e diabetes (1,78).
DRC | OR (CI 95%) | Valor de p ** |
---|---|---|
Idade ≥ 60 (anos) | 5,25 (4,18 - 6,6) | < 0,001 |
Mulheres | 1,67 (1,32 - 2,12) | < 0,001 |
HA | 2,91 (2,27 - 3,74) | < 0,001 |
DM | 1,78 (1,35 - 2,34) | < 0,001 |
IMC (kg/m2) 25 a 29,9 ≥ 30 | 1,38 (1,02 - 1,86) | 0,233 |
1,81 (1,34 - 2,45) | 0,004 |
**Modelo de regressão logística e teste de Wald, p < 0,05. Variável dependente: DRC; DRC - Doença Renal Crônica; HA - Hipertensão arterial; DM - Diabetes Mellitus; IMC - índice de massa corporal; OR - odds ratio; IC - Intervalo de confiança.
Idade. A DRC foi mais prevalente em pacientes idosos (Tabela 1). Dos 5,216 indivíduos, 4,210 (80,7%) tinham < 60 anos e tinham uma prevalência de DRC de 5,7%. Em 1.006 indivíduos ≥ 60 anos de idade, 340 (33,8%) tinham DRC (p > 0,001). Destes, 234 indivíduos, (68,8%) estavam na categoria 3ª, e 52 (15,3%) na categoria 3B. (Tabela 4)
TFGe ((Categorias)) | Idade | Total pacientes (Albuminúria)# | ||
---|---|---|---|---|
18 - 29 (anos) | 30 - 59 (anos) | ≥ 60 (anos) | ||
≥ 90 (1) | 756 (15)* | 1648 (66) | 149(12) | 2553 (3,6 %) |
60 a 89 (2) | 129 (7) | 1528 (20) | 567 (39) | 2224 (2,9%) |
45 a 59 (3A) | 139 (34) | 234 (51) | 373 (22,7%) | |
30 a 44 (3B) | 7 (5) | 52 (18) | 59 (38,9%) | |
15 a 29 (4) | 2 (2) | 3 (3) | 5 (100,0%) | |
< 15 (5) | 1 (1) | 1 (1) | 2 (100,0%) | |
Total | 885 | 3325 | 1006 | 5216 |
* Números entre parênteses representam o número absoluto de pacientes com albuminúria em cada faixa etária e categoria de DRC, exceto a coluna de albuminuria
#onde é dada a % de pacientes com albuminúria em cada categoria de TFGe.
TFGe, idade e albuminúria. Como esperado, a albuminúria foi mais prevalente nos indivíduos com TFGe inferior a 60 ml/min, e naqueles com mais de 60 anos de idade (Tabela 4). Na faixa etária (18-29), a albuminúria esteve presente em 22 indivíduos (2,4%); na faixa etária (30-59) estava presente em 128 (3,6%) e naqueles com 60 anos ou mais, 124 (12,0%). Naqueles 60 anos de idade e mais velhos em DRC 3A, a albuminúria estava presente em 21,7% e 34,6% na categoria 3B.
DRC foi mais prevalente em mulheres do que homens nesta coorte. Na amostra de 5.216 indivíduos, 580 tinham DRC e entre estes, 407 eram mulheres (70,2%). (p < 0,001). Tabela 1.
Dos 580 pacientes com DRC, hipertensão foi detectada em 389 (67%), enquanto que naqueles indivíduos sem DRC, a hipertensão estava presente em apenas 24%. (Tabela 1).
No grupo DRC (n = 580), 129 (22,2%) eram diabéticos, enquanto que no grupo sem DRC (n - 4.636) a diabetes estava presente em 271 indivíduos (5,8%). (p < 0,001) Tabela 1.
Um IMC de 29,8 ± 5,5 foi observado no grupo com DRC, enquanto o grupo controle teve um IMC de 27,1 ± 5,1. (p < 0,001). Tabela 1.
Esta é a primeira evidência sobre a prevalência de DRC no Brasil que leva em consideração a TFGe e albuminúria com base na categorização KDIGO.8 A prevalência de DRC de 11,4% nesta população selecionada aleatoriamente do sul do Brasil não é diferente do que foi encontrado em outros países.14
Nenhum dos estudos anteriores sobre a prevalência de DRC no Brasil levou em consideração uma TFGe e albuminúria. Em 2002, Passos et al.9, relataram a prevalência de creatinina sérica elevada em uma pequena amostra de 818 indivíduos no sudeste do Brasil. Além da pequena amostra, a função renal foi arbitrariamente definida com base nos níveis de creatinina sérica para homens (1,3 mg/dL) e 1,1 mg/dL para mulheres. Os autores apenas encontraram creatinina sérica elevada no grupo mais velho (5,0%).
Lessa15 relatou em 2004 a prevalência de níveis mais elevados de creatinina sérica em uma população de 1.439 indivíduos no nordeste do Brasil. No entanto, uma séria limitação do estudo foi o corte de creatinina sérica anormal de 1,3 mg/dL para qualquer gênero.
Nosso grupo relatou anteriormente em 2009 os resultados de um programa geral de conscientização sobre doença renal crônica aplicado a uma população urbana em uma grande cidade brasileira. Um total de 8.883 indivíduos foram selecionados e a prevalência de proteinúria foi de 6%.16
Em outro estudo brasileiro, 38, 721 indivíduos foram avaliados no estado de São Paulo para a prevalência de DRC com base em teste de viragem de urina para detecção de proteinúria. A proteinúria foi detectada em 7,3% desses indivíduos.17
Moura et al.18, relataram no Brasil uma prevalência de 1,4% de doença renal crônica auto relatada em 60.202 indivíduos com idade ≥ 18 anos.
Ainda precisamos investigar se esta prevalência aqui relatada em nosso estudo é similar àquela do norte do Brasil, onde há menos caucasianos e uma maior preponderância de afrodescendentes (AD). Há evidências de que os afrodescendentes têm um risco quatro vezes maior de desenvolver DRC do que os caucasianos,19-23 apesar do fato de que ambos os grupos têm uma prevalência de DRC similar nos estágios iniciais da DRC,23 embora um declínio mais rápido da função renal nos estádios iniciais da doença.24
No passado, pensava-se que esta diferença seria atribuída ao status econômico e social e ao acesso aos cuidados de saúde, mas dados recentes apontam a associação de variantes genéticas e nefropatia em AD.19,21,24,25 Demonstrou-se que AD possuem duas variantes genéticas do gene responsáveis por codificar a apolipoproteína L1 (gene APOL1),19 e estas variantes do gene APOL1 são responsáveis pela maioria dos casos de glomeruloesclerose focal global, nefropatia associada ao HIV, nefroesclerose hipertensiva e nefrite lúpica nessa população. Há evidências de que AD tem 4 vezes maior incidência de DRC do que os caucasianos19,20 e têm um declínio mais rápido da função renal nos estádios iniciais da doença.24
A descoberta de diminuição da TFG com o envelhecimento, conforme relatado aqui, levanta alguns pontos interessantes e rotula esses indivíduos como tendo DRC, deu origem a um acalorado debate na literatura. Foi apontado que a redução na TFG observada como parte do envelhecimento renal “saudável” na ausência de sinais de danos nos rins, geralmente identificados pela alta excreção de albumina, leva a um excesso de diagnóstico de DRC em muitos indivíduos idosos.26,27
Além disso, a categoria DRC G3A/A1 no idoso não está associada a nenhuma redução significativa na expectativa de vida restante.28 Glassock et al assinalaram que a presença de albuminúria anormal, não um requisito para o diagnóstico de DRC G3A/A1, é muito mais importante como preditor de risco nos idosos e nos jovens.29 Com base nesses fatos, Glassock et al propuseram uma abordagem sensível à idade para o diagnóstico de DRC com base somente na TFG, usando um limiar de < 45 ml/min/1,73m2 em vez de < 60 ml/min/1,73m2 nos menores de 65 anos de idade.29
Com relação à prevalência de gênero e DRC, nosso achado de maior prevalência de DRC em mulheres é apoiado por muitos relatos na literatura, embora nossa amostra de indivíduos seja tendenciosa, pois 64% são mulheres. No entanto, os dados mais recentes da USRDS revelam uma prevalência de DRC entre os anos de 2007 a 2012 de 15,1% para mulheres e 12,1% para homens.30
No entanto, existem vários artigos opostos sobre esta questão.31 (O papel do gênero na doença renal crônica). Parece haver alguma variação geográfica no efeito do gênero na prevalência de DRC. Interessante é o fato de que a incidência de DRT parece ser maior em homens do que em mulheres. O fato de a maioria dos estudos, inclusive o nosso, usar uma equação estimada de TFG com base no gênero do paciente, entre outras variáveis, apresenta um viés nos resultados.31
A associação de maior prevalência de DRC em pacientes com hipertensão, diabetes e/ou obesidade encontrada em nosso estudo corrobora o aumento relatado na prevalência de DRC como resultado das epidemias em curso dessas entidades, todos reconhecidos como fatores de risco importantes para DRC.32,33
Nosso estudo tem várias limitações. A creatinina sérica foi determinada apenas uma vez e o diagnóstico de DRC requer um valor de TFG sustentado durante pelo menos 3 meses. A população do estudo reflete um grupo caucasiano predominante não representativo da população brasileira. De acordo com os dados étnicos mais recentes (2010), no Brasil, 47,51% são caucasianos, 43,42% são “pardos” ou antecedentes multiétnicos (caucasianos, afrodescendentes e indígenas), e 7,52% são “negros” (afrodescendentes).34 Além disso, pode-se argumentar que os indivíduos que aceitaram participar foram aqueles com doença renal conhecida e, portanto, elevando a prevalência de DRC nesta coorte.
Em conclusão, o presente estudo revela pela primeira vez uma prevalência de DRC de 11,4% no sul do Brasil em uma população predominantemente caucasiana selecionada aleatoriamente e com base na TFGe e albuminúria. Resta saber se esses dados são reproduzidos em outras regiões do Brasil com uma população afrodescendente mais prevalente.