versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 no.6 Rio de Janeiro jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00046114
El artículo describe la calidad metodológica de los estudios publicados sobre la prevalencia de dolor lumbar realizados en Brasil. Dieciocho estudios se consideraron elegibles, después de búsquedas en las siguientes bases de datos electrónicas: LILACS, PubMed, Embase, CINAHL, SPORTDiscus y SciELO. Se encontró una alta fuente de sesgo en los criterios de validez externos, relacionados con la toma de muestras, y el sesgo de no respuesta. Teniendo en cuenta los criterios de validez interna, la principal fuente de sesgo se relaciona con la falta de una definición de caso aceptable, y el uso de instrumentos que no tenían la fiabilidad y validez de constructo. No se encontraron estudios representativos que ofrecieran una prevalencia generalizable de dolor lumbar en Brasil. Los estudios publicados, incluidos en esta revisión, tenían un alto riesgo de sesgo que afecta a los datos de prevalencia. Son necesarios futuros estudios con diseño metodológico apropiado, con el fin de presentar el impacto real del dolor lumbar en Brasil para permitir comparaciones.
Palabras-clave: Dolor de la Región Lumbar; Sesgo (Epidemiología); Revisión
A dor lombar é uma condição que pode atingir até 65% das pessoas anualmente e até 84% das pessoas em algum momento da vida 1, apresentando uma prevalência pontual de aproximadamente 11,9% na população mundial 2, o que causa grande demanda aos serviços de saúde 3. Entretanto, esses valores podem estar subestimados uma vez que menos de 60% das pessoas que apresentam dor lombar procuram por tratamento 4. Apesar desses números, um diagnóstico específico sobre possíveis causas da dor lombar não é determinado entre 90-95% dos casos 5, uma vez que a dor lombar apresenta caráter multifatorial 6. Todavia, existem autores 7,8 que relacionam a presença da dor lombar a um conjunto de causas, como, por exemplo, fatores sociodemográficos (idade, sexo, renda e escolaridade), estado de saúde, estilo de vida ou comportamento (tabagismo, alimentação e sedentarismo) e ocupação (trabalho físico pesado, movimentos repetitivos). Entretanto, em uma revisão sistemática conduzida por Vollin 9, foi verificado que nos países desenvolvidos onde a demanda física no trabalho é menos intensa, a prevalência da dor lombar é duas vezes maior, quando comparada à população dos países de baixa renda, onde a exigência física laboral é maior. Com base nos achados deste estudo, o sedentarismo parece ter um maior impacto na ocorrência da dor lombar quando comparado ao trabalho físico intenso.
Devido ao fato da dor lombar ser responsável por grandes índices de incapacidade e faltas ao trabalho, gerando alto custo para a sociedade e para os sistemas de saúde nos países desenvolvidos 10,11,12, diversas pesquisas 13,14,15,16,17,18,19 têm sido conduzidas nos últimos anos buscando compreender mais sobre a dor lombar e como administrá-la. Entretanto, estimativas precisas de prevalência são necessárias para apresentar o panorama de desenvolvimento da dor lombar em diversos países 20. Os estudos de prevalência são amplamente utilizados em epidemiologia por serem fáceis e econômicos, com duração de tempo relativamente curta, fornecendo indicadores da situação de saúde da comunidade, com base na avaliação individual do estado de saúde de cada membro do grupo, produzindo indicadores globais de saúde para o grupo investigado 21.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 22, as dores da coluna (cervical, torácica, lombar e pélvica) são a segunda condição de saúde mais prevalente do Brasil (13,5%), entre as patologias crônicas identificadas por algum médico ou profissional de saúde, superadas apenas pelos casos de hipertensão arterial (14%). Porém, esta pesquisa não reporta valores de prevalência específicos para dor lombar que apresenta prognóstico e manifestação 23 diferentes das dores cervicais 24, torácicas 25 e pélvicas 26,27. Mudanças no perfil da população brasileira têm ocorrido nos últimos anos, como o aumento do número de idosos que hoje representam 7,4% da população total 28, aumento de hábitos sedentários entre os adultos 29 e, consequentemente, mudanças na composição corporal como aumento dos índices de sobrepeso e obesidade que atingem atualmente 58,4% das mulheres e 52,5% dos homens 30. Considerando que essas mudanças são fatores de risco para a ocorrência de dor lombar 2,31, o conhecimento da prevalência atual deste tipo de dor no Brasil é importante, de forma que valores de referência sejam estabelecidos para comparações futuras verificando o impacto de tais mudanças na prevalência da dor lombar.
Dados referentes à prevalência da dor lombar no Brasil têm sido extraídos de estudos conduzidos em diversos segmentos da população brasileira, entretanto, até o momento não encontramos nenhum trabalho que buscou agrupar estes dados em uma revisão sistemática. Dessa forma, informações sobre a prevalência da dor lombar na população brasileira são um importante passo no sentido de revelar a abrangência e a magnitude de seus efeitos, proporcionando um direcionamento para as estratégias preventivas e de intervenção 32. Assim, o objetivo deste estudo foi revisar de forma sistemática e analisar a qualidade da literatura que se refere à prevalência de dor lombar no Brasil.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram incluídos todos os artigos indexados escritos em qualquer idioma, que reportavam dados sobre prevalência de dor lombar na população brasileira em geral ou em classes específicas desta (como por exemplo, caminhoneiros, enfermeiras etc.), independentemente do conceito de dor lombar estabelecido pelos autores, dos instrumentos de coletas de dados, da data de publicação, idade ou gênero. Artigos referentes a dados de prevalência de dor lombar em gestantes foram excluídos.
As bases de dados eletrônicas LILACS, PubMed, Embase, CINAHL, SPORTDiscus e SciELO foram pesquisadas utilizando-se estratégias de busca específicas para cada uma destas bases (Tabela 1). A data da última busca foi em maio de 2013. Os artigos foram selecionados por dois examinadores independentes (L.O.P.C. e P.R.C.N.) com base na leitura do título ou resumo. Os artigos potencialmente elegíveis foram lidos completamente. Nós também checamos as listas de referências de todos os artigos elegíveis na tentativa de encontrar novas referências para esta revisão.
Tabela 1 Estratégia de busca para LILACS, SciELO, PubMed, Embase, CINAHL e SPORTDiscus.
Estratégia | |
---|---|
LILACS | (mh:(dor lombar)) OR (dor nas costas) OR (lombalgia OR lumbago ) AND (prevalência OR incidência OR estudos transversais OR epidemiologia OR levantamento OR frequência OR morbidade OR ocorrência) AND (Brasil OR brasileira) |
SciELO | Dor lombar OR dor nas costas OR lombalgia OR lumbago [Todos os índices] AND prevalência OR incidência OR epidemiologia OR frequência OR ocorrência [Todos os índices] AND Brasil OR Brasil [Todos os índices] |
PubMed | (((low back pain OR low back ache OR low backache OR lumbago OR lower back pain OR lumbar spine pain[Title/Abstract])) AND (epidemiology OR frequency OR surveillance OR morbidity OR occurrence OR prevalence OR incidence[Title/Abstract])) AND (Brazil OR Brazil*[Title/Abstract]) |
Embase | low AND 'back'/exp AND 'pain'/exp OR 'backache'/exp OR 'discogenic pain'/exp OR 'sciatica'/exp AND 'prevalence'/exp AND 'brazil'/exp |
CINAHL | ( (MH "Back Pain") OR (MM "Low Back Pain/EP/HI/FG/PC/PR/RF/SS") OR (MH "Sciatica") OR "lumbago" ) )AND ( (MH "Cross Sectional Studies") OR (MH "Prevalence") OR "prevalence" OR (MH "Incidence") OR (MH "Epidemiology") ) AND ( (MH "Brazil") OR (MH "Brazilian") ) |
SPORTDiscus | ( (((DE "BACKACHE")) OR (DE "SCIATICA")) OR (DE "SPINE" OR DE "BACK") ) AND ( (DE "DISEASE prevalence") OR (DE "EPIDEMIOLOGY" OR DE "PUBLIC health" OR DE "EPIDEMICS") ) AND ( ( Brazil OR Brazilian OR Brazilians ) ) |
Devido ao fato dos estudos selecionados poderem apresentar potenciais fontes de viés contaminado os resultados da revisão, o instrumento desenvolvido por Hoy et al. 33 (Tabela 2) foi utilizado para avaliar o risco de viés entre os estudos elegíveis. Esse instrumento permite verificar o risco de viés para fatores relacionados à validade externa e validade interna, permitindo classificar o risco como baixo, moderado ou alto. A escolha desse instrumento foi principalmente devido ao fato de ser uma ferramenta de fácil uso, com alta concordância intraexaminadores e que foi desenvolvido especificamente para mensurar risco de viés em estudos de prevalência para pacientes com dor lombar 33.
Tabela 2 Avaliação do risco de viés.
Risco de viés | Critério para resposta (por favor, circule uma opção) |
---|---|
Validade externa | |
1) A população-alvo do estudo foi uma representação próxima da população nacional em relação às variáveis relevantes, como por exemplo, idade, sexo, ocupação? | • Sim (BAIXO RISCO): população-alvo do estudo foi uma representação próxima da população nacional. |
• Não (ALTO RISCO): população-alvo do estudo não foi claramente representativa da população nacional. | |
2) O sistema da amostragem era uma representação verdadeira ou próxima da população-alvo? | Sim (BAIXO RISCO): O sistema de amostragem foi uma representação verdadeira ou próxima da população-alvo. |
• Não (ALTO RISCO): O sistema de amostragem não foi uma representação verdadeira ou próxima da população-alvo. | |
3) Alguma forma de seleção aleatória foi usada para selecionar a amostra ou foi realizado um censo? | Sim (BAIXO RISCO): Um censo foi realizado ou alguma forma de seleção aleatória foi usada para selecionar a amostra (por exemplo, amostragem aleatória simples, amostragem aleatória estratificada, amostragem por conglomerados, amostragem sistemática). |
• Não (ALTO RISCO): Um censo não foi realizado e não foi usada alguma forma de seleção aleatória para selecionar a amostra. | |
4) A probabilidade de viés de não-resposta foi mínima? | • Sim (BAIXO RISCO): A taxa de resposta para o estudo foi ≥ 75%, ou seja, foi realizada uma análise que mostrou nenhuma diferença significativa nas características demográficas relevantes entre os respondedores e não respondedores. |
• Não (ALTO RISCO): A taxa de resposta foi < 75% e se qualquer análise comparando respondedores e não respondedores foi realizada, ela mostrou uma diferença significativa nas características demográficas relevantes entre estes. | |
Validade interna | |
5) Os dados foram coletados diretamente dos indivíduos (ao contrário de um representante)? | • Sim (BAIXO RISCO): Todos os dados foram coletados diretamente dos individuos. |
• Não (ALTO RISCO): Em alguns casos, os dados foram coletados com base em um representante. | |
6) No estudo foi utilizada uma definição de caso aceitável? | • Sim (BAIXO RISCO): Uma definição de caso aceitável foi utilizada. |
• Não (ALTO RISCO): Não foi usada uma definição de caso aceitável. | |
7) O instrumento de estudo que mede o parâmetro de interesse (por exemplo, prevalência de dor lombar) demonstrou ter confiabilidade e validade (se necessário)? | • Sim (BAIXO RISCO): O instrumento de estudo mostrou ter confiabilidade e validade (se isto fosse necessário), por exemplo, teste-reteste, piloto, a validação em um estudo anterior etc. |
• Não (ALTO RISCO): Não foi demonstrada confiabilidade ou validade do instrumento de estudo (se isto fosse necessário). | |
8) O mesmo modo de coleta de dados foi usado para todos os sujeitos? | • Sim (BAIXO RISCO): O mesmo modo de coleta de dados foi utilizado para todos os indivíduos. |
• Não (ALTO RISCO): O mesmo modo de coleta de dados não foi usado para todos os indivíduos. | |
9) A duração do menor período de prevalência para o parâmetro de interesse foi apropriada? | • Sim (BAIXO RISCO): O período de menor prevalência para o parâmetro de interesse foi adequado (por exemplo, prevalência pontual, prevalência de uma semana, prevalência de um ano). |
• Não (ALTO RISCO): O período de menor prevalência para o parâmetro de interesse não era apropriado (por exemplo, prevalência de vida). | |
Validade interna | |
10) O numerador e o denominador para o parâmetro de interesse foram apropriados? | • Sim (BAIXO RISCO): O trabalho apresentou numerador e denominador apropriados para o parâmetro de interesse (por exemplo, a prevalência de dor lombar). |
• Não (ALTO RISCO): O trabalho apresentou numerador e denominador para o parâmetro de interesse, mas um ou mais destes era inadequado. | |
11) Item de resumo sobre o risco global de viés estudo | • BAIXO RISCO DE VIÉS: Pesquisa adicional é muito improvável mudar nossa confiança na estimativa. |
• MODERADO RISCO DE VIÉS: Pesquisa adicional é provável ter um importante impacto em nossa confiança na estimativa e pode mudá-la. | |
• ALTO RISCO DE VIÉS: Pesquisa adicional é muito provável ter um importante impacto em nossa confiança na estimativa e é provável mudá-la. |
Adaptado de Hoy et al. 2.
O risco de viés foi analisado por dois examinadores independentes (L.O.P.C. e P.R.C.N.) baseando-se nos seguintes aspectos: (1) representatividade da amostra do estudo em relação à população nacional de forma a permitir generalizar os resultados; (2) sistema de amostragem que represente a população alvo; (3) método de seleção da amostra; (4) probabilidade de viés de não-resposta; (5) forma de obtenção da resposta de interesse; (6) definição do conceito de dor lombar utilizado para seleção da amostra; (7) confiabilidade e validade das ferramentas utilizadas; (8) padronização do processo de coleta; (9) período de prevalência de interesse apropriado; e (10) presença de erro no cálculo e/ou relato dos valores do numerador e denominador do parâmetro de interesse. Os quatro primeiros tópicos estão relacionados à validade externa do estudo, consequentemente, os demais itens reportam o risco de viés nos quesitos relativos à validade interna. Ao final da análise, os estudos foram classificados como apresentando baixo risco de viés, quando eram satisfeitos no mínimo nove dos critérios; médio risco de viés para os estudos que preenchiam entre sete e oito dos critérios; e alto risco de viés para os que preenchiam menos de sete dos critérios. Os casos em que não houve concordância foram discutidos pelos revisores e a classificação determinada por consenso. Não foram mensurados os níveis de concordância entre examinadores neste estudo. A operacionalização de cada um dos itens está apresentada na Tabela 2.
As variáveis de interesse (primeiro autor, ano de publicação, tipo de estudo, ferramenta de coleta, tamanho amostral, população, idade, gênero, conceito de dor lombar, período de prevalência e o porcentual de prevalência) foram transferidas por um dos autores para uma planilha eletrônica Excel (Microsoft Corp., Estados Unidos) (Tabela 3). Os dos dados de interesse foram tratados por meio de estatística descritiva. Devido à grande heterogeneidade dos trabalhos não foi possível realizar metanálise.
Tabela 3 Taxa de prevalência da dor lombar na população brasileira.
Autor/Ano | Tipo de estudo | Ferramenta de coleta | Tamanho amostral (N) | População | Idade média (anos) | Gênero | Conceito de dor lombar | Período de prevalência | Prevalência |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Araújo & Alexandre 34 (1998) | Transversal | Questionário próprio | 56 | Equipe de enfermagem do centro cirúrgico de um hospital universitário de Campinas (São Paulo) | 40 | 100% feminino | Não informado | 6 meses | 34,1% |
Célia & Alexandre 35 (2003) | Transversal | Questionário nórdico, adaptado | 61 | Trabalhadores envolvidos no transporte de pacientes de Campinas (São Paulo) | 41,2 | 54,1% masculino | Não informado | 7 dias | 11,5% |
1 ano | 59% | ||||||||
Gurgueira et al. 36 (2003) | Transversal | Questionário nórdico, adaptado | 105 | Trabalhadoras de enfer-magem de Campinas (São Paulo) | 36,5 | 100% feminino | Não informado | 7 dias | 31,4% |
1 ano | 59% | ||||||||
Peres 37 (2004) | Transversal | Questionário próprio/Mapa de desconforto corporal | 156 | Fisioterapeutas da cidade de Cascavel (Paraná) | Não informado | Não informado | Não informado | Não especificado | 33,97% |
Silva et al. 38 (2004) | Transversal | Questionário nórdico, adaptado | 3.182 | Adultos ≥ 20 anos, residentes no Município de Pelotas (Rio Grande do Sul) | 44 | 56,8% feminino | Não informado | Crônica; > 7 semanas | 4,2% |
Fassa et al. 39 (2005) | Transversal | Questionário nórdico | 3.269 | Crianças entre 10-17 anos de Pelotas (Rio Grande do Sul) | 13 | 50% masculino | Não informado | 1 ano | 13,1% |
Andrusaitis et al. 40 (2006) | Transversal | Questionário próprio | 410 | Motoristas de caminhão do Estado de São Paulo | 40,17 | 100% masculino | Dor entre a parte inferior das costelas e a prega glútea, mas não relacionada a traumas ou quedas | Não especificado | 59% |
Kreling et al. 41 (2006) | Transversal | Questionário próprio | 505 | Funcionários da Universidade Estadual de Londrina | Não informado | 54,1% feminino | Não informado | Não especificado | 19,4% |
Almeida et al. 42 (2008) | Transversal | Questionário próprio | 2.281 | Adultos ≥ 20 anos, residentes no Município de Salvador (Bahia) | 40,9 | 55,5% feminino | Não informado | Crônica; ≥ 6 meses | 14,7% |
Matos et al. 43 (2008) | Transversal | Questionário nórdico | 775 | Adultos ≥ 20 anos, associados à cooperativa de funcionários da Universidade do Vale do Rio dos Sinos | Não informado | 54,2% feminino | Não informado | 3 meses | 46% |
1 ano | 52,8% | ||||||||
Crônica; > 6 semanas | 3,8% | ||||||||
Motta et al. 44 (2010) | Transversal | Questionário próprio | 150 | Trabalhadoras rurais ≥ 20 anos de sete comunidades do Município de Concórdia (Santa Catarina) | 40,41 | 100% feminino | Não informado | Algum momento da vida | 93,3% |
de Vitta et al. 45 (2011) | Transversal | Questionário nórdico | 1.236 | Escolares de 11 a 15 anos da rede municipal de Bauru (São Paulo) | Não informado | 51,78% feminino | Dor ou desconforto nos últimos 12 meses não relacionado à trauma ou à dor menstrual | 1 ano | 19,5% |
Falavigna et al. 46 (2011) | Transversal | Questionário próprio | 416 | Estudantes dos cursos de fisioterapia e medicina da Universidade de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul) | 21,68 | 73,1% feminino | Dor na área abaixo das costelas para os quadris | Pontual | 14,4% |
1 ano | 66,8% | ||||||||
Algum momento da vida | 77,9% | ||||||||
Fernandes et al. 47 (2011) | Transversal | Questionário nórdico | 577 | Trabalhadores da indústria plástica do Município de Salvador (Bahia) | Não informado | 69% masculino | Não informado | 1 ano | 28,9% |
Ferreira et al. 48 (2011) | Transversal | Questionário nórdico | 972 | Adultos ≥ 20 anos, residentes na zona urbana do Município de Pelotas (Rio Grande do Sul) | 41 | 57% feminino | Não informado | 1 ano | 40% |
Onofrio et al. 49 (2012) | Transversal | Questionário próprio | 1.233 | Estudantes colegiais de 13 a 19 anos do Município de Pelotas (Rio Grande do Sul) | 15,9 | 54% feminino | Não informado | 1 mês | 13,7% |
Dellaroza et al. 50 (2013) | Transversal | Questionário próprio | 1.271 | Idosos residentes no Município de São Paulo (São Paulo) | 69,5 | 59,6% feminino | Não informado | Crônica; ≥ 6 meses | 25,4% |
Meucci et al. 51 (2013) | Transversal | Questionário nórdico, adaptado | 2.732 | Adultos > 20 ano, residentes no Município de Pelotas (Rio Grande do Sul) | Não informado | 57,9% feminino | Não informado | Crônica; > 7 semanas | 9,6% |
A estratégia de busca elaborada retornou um total de 263 artigos, dos quais 63 eram duplicados. Após a triagem pela leitura dos títulos, resumos e do texto completo quando necessário, 18 estudos 34,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51 com uma população de 19.387 indivíduos, em que as amostras variaram entre 56 e 3.269 participantes 34,39, preencheram os critérios de inclusão. A Figura 1 mostra o processo de inclusão para esta revisão.
Entre os estudos elegíveis foi possível verificar o recente interesse sobre a prevalência da dor lombar na população brasileira, sendo o primeiro registro publicado em 1998 34 e todos os demais nos últimos dez anos. A maior parte dos estudos incluía homens e mulheres, envolvendo desde crianças 39 a idosos 50, com populações residentes nas zonas urbana e rural 44. Entretanto, não apresentaram valores de prevalência individuais de acordo com o gênero. Três estudos 34,36,44 pesquisaram a prevalência da dor lombar exclusivamente em mulheres, sendo que dois deles apresentaram os valores observados em trabalhadoras da zona urbana 34,36 e um em trabalhadoras rurais 44, porém, os diferentes períodos de prevalência estudados impediram qualquer comparação. O principal método de pesquisa utilizado foi o transversal. A coleta dos dados foi realizada por meio de questionário próprio em 50% dos estudos 34,37,40,41,42,44,46,49,50, e o questionário nórdico 52 foi utilizado nos demais 35,36,38,39,43,45,47,48,51. A prevalência da dor lombar foi verificada na maioria dos estudos com classes trabalhadoras específicas e em estudantes. No Brasil, o estudo da dor lombar crônica demonstrou que esta apresenta-se mais prevalente na população de Salvador (Bahia) 42 (14,7%) em relação aos moradores de Pelotas (Rio Grande do Sul) 38,51 (4,2% e 9,6%). A definição para dor lombar foi apresentada apenas em três trabalhos 40,45,46 que utilizaram diferentes conceitos. O período mínimo de dor para ser contabilizado como caso não foi informado em nenhum estudo desta revisão. Os períodos de prevalência mais estudados foram 1 ano, 7 dias e pontual, com os valores diferindo de acordo com o período de prevalência e a amostra estudada.
A grande heterogeneidade dos estudos elegíveis também impediu sumarizar a taxa de prevalência quanto ao tempo para a maior parte dos períodos analisados, sendo possível verificar apenas a prevalência anual da dor lombar que atinge mais de 50% dos adultos 35,36,43, entre 13,1% e 19,5% dos adolescentes 39,45, enquanto a dor lombar crônica atinge entre 4,2% e 14,7% da população 38,42.
Na avaliação do risco de viés, os artigos elegíveis apresentaram uma pontuação que variou entre 4 37,44 e 8 38,39,51 de 10 pontos possíveis. A classificação quanto ao risco global de viés demonstrou que 11 estudos 34,35,36,37,40,42,43,44,47,49,50 apresentaram alto risco de viés, e em sete estudos 38,39,41,45,46,48,51 este risco foi moderado. Maior risco de viés foi verificado entre os critérios de validade externa, representação nacional da população alvo (18 estudos), sistema de amostragem (15), seleção aleatória (12), viés de não-resposta (5 estudos). Os itens referentes à validade interna, definição de caso e instrumento do estudo não foram preenchidos em 15 34,35,36,37,38,39,41,42,43,44,47,48,49,50,51 e 8 34,37,41,42,44,46,49,50 estudos, respectivamente. Os critérios de avaliação do risco de viés para cada estudo são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4 Avaliação do risco de viés dos estudos.
Autor/Ano | A população-alvo do estudo foi uma represen- tação próxima da população nacional? | O sistema da amostragem era uma represen-tação verdadeira ou próxima da população-alvo? | Alguma forma de seleção aleatória foi usada para selecionar a amostra ou foi realizado um censo? | A proba- bilidade de viés de não-res-posta foi mínima? | Os dados foram coletados diretamente dos indivíduos? | No estudo foi utilizada uma definição de caso aceitável? | O instrumento de estudo que mede o parâmetro de interesse demons-trou ter confia- bilidade e validade? | O mesmo modo de coleta de dados foi usado para todos os sujeitos? | A duração do menor período de prevalência para o parâmetro de interesse foi apropriada? | O numerador e o denominador para o parâ-metro de interesse foram apropriados? |
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Araújo & Alexandre 34 (1998) | N | N | N | S | S | N | N | S | S | S |
Célia & Alexandre 35 (2003) | N | N | N | S | S | N | S | S | S | S |
Gurgueira et al. 36 (2003) | N | N | N | S | S | N | S | S | S | S |
Peres 37 (2004) | N | N | N | N | S | N | N | S | S | S |
Silva et al. 38 (2004) | N | S | S | S | S | N | S | S | S | S |
Fassa et al. 39 (2005) | N | S | S | S | S | N | S | S | S | S |
Andru- saitis et al. 40 (2006) | N | N | N | N | S | S | S | S | S | S |
Kreling et al. 41 (2006) | N | N | S | S | S | N | N | S | S | S |
Almeida et al. 42 (2008) | N | S | S | N | S | N | N | S | S | S |
Matos et al. 43 (2008) | N | N | N | S | S | N | S | S | S | S |
Motta et al. 44 (2010) | N | N | N | N | S | N | N | S | S | S |
de Vitta et al. 45 (2011) | N | N | N | S | S | S | S | S | S | S |
Falavigna et al. 46 (2011) | N | N | N | N | S | S | N | S | S | S |
Fernan- des et al. 47 (2011) | N | N | N | S | S | N | S | S | S | S |
Ferreira et al. 48 (2011) | N | N | S | S | S | N | S | S | S | S |
Onofrio et al. 49 (2012) | N | N | N | S | S | N | N | S | S | S |
Dellaroza et al. 50 (2013) | N | N | N | S | S | N | N | S | S | S |
Meucci et al. 51 (2013) | N | S | S | S | S | N | S | S | S | S |
N: critério não satisfeito; S: critério satisfeito.
Esta revisão avaliou sistematicamente e analisou a qualidade metodológica da literatura existente que reporta dados sobre a prevalência da dor lombar na população brasileira. Este é o primeiro estudo de revisão sistemática conhecido sobre a prevalência da dor lombar no Brasil. Nossa revisão demonstrou o recente interesse sobre a epidemiologia da dor lombar no país, em que a maior parte dos trabalhos datam da última década.
O recente interesse na pesquisa sobre a prevalência da dor lombar na população brasileira pode ser um reflexo do custo financeiro que esta condição tem imposto nos últimos anos entre os serviços de saúde e seguridade social 53. Similarmente, estudos sobre a prevalência da dor lombar no continente africano 54 e da ocorrência da dor lombar global 1 também reportaram o recente interesse no assunto.
O resultado mais interessante referente à prevalência da dor lombar que pode ser observado nesta revisão demonstra a maior prevalência da dor lombar crônica em moradores da cidade de Salvador 42 (14,7%), quando comparados aos da cidade de Pelotas, reportado em dois estudos 38,51 com uma estimativa de 4,2% e 9,6%. Embora a população do estudo de Salvador apresente algumas características diferentes como, por exemplo, maior número de indivíduos não brancos (70,2%), de classe social inferior (55,2%), baixa escolaridade (42,6%), obesos (50,4%) e sedentários (71,5%) comparadas aos valores encontrados na amostra de Pelotas, e que estas diferenças podem ter contribuído para a observação de maior prevalência da dor lombar na população de Salvador 49,55,56,57,58,59,60, acreditamos que o principal determinante para a diferença entre os valores apresentados está relacionado à falta de rigor metodológico nos estudos. Os trabalhos realizados em Pelotas apresentaram risco global de viés moderado, e no estudo envolvendo a população de Salvador este risco foi alto, o que potencialmente pode ter contaminado as taxas de prevalência nesse estudo.
Apesar da elevada prevalência da dor lombar crônica em adultos na cidade de Salvador em relação à população de Pelotas, os valores reportados demonstram uma prevalência reduzida em relação ao valor médio (19,4%) encontrado na população mundial 2, porém, não podemos afirmar que a prevalência da dor lombar crônica no Brasil é menor, uma vez que estes valores refletem apenas dados regionais e devido à baixa qualidade metodológica dos estudos.
Nossos resultados demonstraram heterogeneidade nos métodos, modo de coleta dos dados, tipos de população estudada e resultados, impedindo qualquer agrupamento significativo dos dados, o mesmo problema reportado em outras revisões 1,2,54,61. Além disso, a maior parte dos estudos reportou valores referentes ao acometimento de trabalhadores e estudantes assim como observado por Louw et al. 54. A preferência por essas classes da população pode ter ocorrido pela facilidade na obtenção dessas amostras e ao fato desses grupos apresentarem características definidas como fatores de risco para a ocorrência de dor lombar, como maior nível de estresse 62 e manutenção de posturas sustentadas 63,64,65. O estudo da prevalência da dor lombar em estudantes permite não apenas conhecer o tamanho do problema nesta população, mas também possibilita estabelecer possíveis fatores contribuintes para o seu surgimento, uma vez que, de acordo com a faixa escolar os estudantes podem estar em uma fase de crescimento corporal acelerada, apresentar tensões em músculos específicos, além de hábitos cotidianos, como tabagismo, por exemplo, que são fatores de risco conhecidos para pacientes com dor lombar 66,67. O conhecimento dos fatores de risco modificáveis é importante para o estabelecimento de estratégias preventivas, visto que a ocorrência de dor lombar na vida adulta é maior entre aqueles que apresentaram os sintomas na adolescência 68,69.
O principal resultado desta revisão mostra que os estudos sobre prevalência conduzidos com amostras da população brasileira apresentam significativas limitações de delineamento metodológico nos aspectos relacionados às validades externa e interna. Dentre os critérios de validade externa, nenhum dos estudos apresentou uma amostra que represente a população alvo em nível nacional, sendo as amostras compostas principalmente por habitantes de municípios onde existem centros de pesquisa e de classes específicas da população. Estudos em que a amostra represente a população em nível nacional são de certa forma difíceis de serem conduzidos, uma vez que exigem a demanda de uma maior equipe e custo financeiro elevado. Talvez para a solução desse problema seja necessária a condução de estudos multicêntricos envolvendo grupos de pesquisa das diferentes regiões do país. Apenas dois estudos 48,50 descreveram em seus métodos o uso de cálculo amostral. Os estudos encontrados nesta revisão apresentam no geral tamanho amostral considerado insuficiente. Loney & Stratford 70 em sua revisão metodológica, estabeleceram que, considerando a proporção de indivíduos que sofrem de dor lombar, o tamanho amostral considerado adequado para estudos de prevalência desta dor deveria ser de 1.067 participantes. O sistema de amostragem não foi considerado adequado em oito estudos 35,36,40,43,44,45,46,47, em que foi envolvido apenas um determinado subgrupo da população de interesse não descrito no título dos artigos (por exemplo, estudantes, enfermeiros, caminhoneiros etc.). A seleção aleatória foi utilizada em apenas seis estudos 38,39,41,42,48,51. Nos demais, a amostra de conveniência foi a principal forma de seleção dos participantes. Muitos pesquisadores preferem essa técnica de amostragem por sua facilidade, rapidez e baixo custo 71. Entretanto, esse processo de amostragem pode ser tendencioso gerando erro sistemático, e não refletir a real prevalência da dor lombar na população estudada 71. O risco de viés de não-resposta foi verificado em dez estudos 37,40,42,43,44,46,47,48,49,50 que não reportaram a ocorrência de perdas ou recusas, o que pode gerar fatores de confusão, impedindo a generalização dos resultados. Mais uma vez, a falta de transparência sobre esse quesito pode gerar estimativas tendenciosas de prevalência.
Os itens referentes à validade interna, definição de caso e instrumento do estudo não foram preenchidos em 15 34,35,36,36,37,38,39,4142,43,44,4748,49,50,51 e 8 estudos 34,37,41,42,44,46,49,50, respectivamente. Apenas três estudos 40,45,46 citaram o que era considerado dor lombar apresentando conceitos distintos entre si: “dor entre a parte inferior das costelas e a prega glútea, mas não relacionada a traumas ou quedas”; “dor ou desconforto nos últimos 12 meses não relacionada à trauma ou à dor menstrual”; e “dor na área abaixo das costelas para os quadris”. Segundo consenso para a definição de dor lombar em estudos de prevalência 72, a melhor definição é a que deve incluir o local da dor, sintomas, duração, frequência e severidade.
A forma de coleta dos dados também foi diversificada, de maneira que dos 18 estudos elegíveis apenas a metade 35,36,38,39,43,45,47,48,51 utilizou o questionário nórdico padronizado conforme proposto anteriormente por Lebouef-Yde & Lauritsen 73. Achados semelhantes foram encontrados na revisão publicada em 2000 por Walker 1. Conforme demonstrado na literatura, o método de aplicação do questionário, assim como a ferramenta escolhida, influenciam nos resultados de estudos de prevalência 74. Em sua revisão sistemática, Hoy et al. 2 encontraram que a ocorrência de alto risco de viés para os itens definição de caso, e validade e confiabilidade do instrumento utilizado, estão associados com resultados que reportam maior prevalência.
Assim como toda forma de pesquisa, nosso estudo está sujeito ao risco de viés. Na tentativa de minimizar esse risco, buscamos avaliar os critérios metodológicos dos estudos elegíveis, entretanto, diferentemente de outras revisões 1,2,54 não estabelecemos nenhum ponto de corte baseado nesta avaliação metodológica para incluir os estudos nesta revisão. Essa decisão deve-se ao reduzido número de trabalhos que preencheriam os critérios de inclusão caso tal parâmetro fosse considerado, assim como ao fato desta ser a primeira revisão sistemática conhecida sobre a prevalência da dor lombar no Brasil, o que permite explicitar essas falhas e apontar possíveis maneiras para surpimi-las.
Nossa revisão demonstrou que os diferentes estudos que buscaram medir a prevalência da dor lombar encontraram uma alta taxa de prevalência anual (> 50%) em indivíduos adultos, entre 13,1% e 19,5% nos adolescentes, e valores de prevalência para dor lombar crônica entre 4,2% e 14,7% da população. Devido à baixa qualidade metodológica dos estudos encontrados, esses valores podem não refletir o real impacto da dor lombar no Brasil. A falta de dados epidemiológicos precisos dificulta o desenvolvimento de estratégias preventivas e de manejo adequado, o que pode resultar em piores prognósticos 75.
Este trabalho contribuiu para demonstrar a fragilidade das pesquisas sobre prevalência da dor lombar na população brasileira conduzidas até o momento, e expõe os principais pontos fracos permitindo o estabelecimento de ações para construção de evidências robustas sobre o tema. Recomenda-se fortemente que estudos robustos e com baixo nível de viés sejam realizados.