versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.26 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2018 Epub 08-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201800040085
Anemia is characterized by reduced hemoglobin concentration and, during pregnancy is associated with increased fetal and maternal morbidity and mortality.
To evaluate the prevalence of anemia and the determinants factors of hemoglobin concentration in pregnant women.
Cross-sectional study with a sample of 328 pregnant women patients of the urban Health Units of Vitória da Conquista, Bahia. We applied a questionnaire, anthropometric evaluation, and collected blood by capillary puncture for dosage of haemoglobin using a portable β-hemoglobinometer. Were considered anemic those pregnant women with hemoglobin <11 g/dL. The determinants of serum hemoglobin concentration were identified through multiple linear regression.
We observed anemia in 18.9% of the participants, and the mean hemoglobin concentration was 11.9 g/dL (standard deviation: 1.2). We observed lower mean of hemoglobin concentration among pregnant women who started prenatal care in the second trimester (β: -0.28; 95% CI: -0.54 to -0.02) and who did not used iron supplementation (β: -0.51, 95% CI: -0.79 to -0.23), while a higher mean was observed among primigavidae women (β: 0.34, 95% CI: 0.06 to 0.62).
Anemia in the population evaluated is a mild public health problem, and hemoglobin concentrations were associated to obstetric factors and prenatal care.
Keywords: anemia; hemoglobin; pregnant women; prenatal care; iron salts
A anemia é caracterizada pela redução na concentração de hemoglobina 1,2 . Para a biossíntese de hemoglobina, as hemácias em desenvolvimento requerem quantidades adequadas de ferro, protoporfirina e globina; dessa forma, as anemias recebem diferentes classificações, dependendo de qual dos compostos está deficiente 1 .
A anemia por deficiência de ferro é a forma mais comum, sendo responsável por aproximadamente 90% de todos os tipos de anemia no mundo 3 , e ocorre como resultado de diversos fatores, especialmente da ingestão e/ou da absorção deficiente de ferro e do aumento do volume sanguíneo 1 .
As gestantes têm maior risco de desenvolvimento da anemia devido à elevada necessidade de ferro, determinada pela rápida expansão dos tecidos e da produção de hemácias, difíceis de serem supridas apenas pela dieta 4 . A anemia durante o período gestacional está associada à maior morbimortalidade fetal e materna, bem como ao maior risco de parto prematuro e baixo peso ao nascer, que, por sua vez, associam-se a riscos aumentados de infecções e de mortalidade infantil 5,6 .
Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) 7 , a prevalência global de anemia em gestantes entre 1993 e 2005 correspondeu a 41,8%, sendo classificada como um grave problema de saúde pública. No Brasil, contudo, ainda não há dados consistentes que permitam estimar com precisão a prevalência de anemia na gestação em âmbito nacional 8 . Côrtes et al. 9 , ao avaliarem os estudos sobre a prevalência de anemia ferropriva em gestantes realizados entre 1970 e 2005 no Brasil, retrataram uma escassez de trabalhos com esse grupo populacional, especialmente a partir dos anos 2000, observando-se, em contrapartida, o foco das pesquisas no grupo infantil.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de anemia e os determinantes da concentração de hemoglobina em gestantes atendidas nas unidades de saúde da zona urbana do município de Vitória da Conquista, na Bahia.
Trata-se de um estudo transversal, realizado em todas as unidades de saúde da zona urbana de Vitória da Conquista, compreendendo 15 unidades de saúde da família, 3 policlínicas de atenção básica e 3 centros de saúde, que oferecem assistência pré-natal às gestantes estudadas.
A cidade de Vitória da Conquista, situada na região sudoeste da Bahia, é o terceiro maior município do Estado, tendo sua economia baseada, principalmente, no setor de serviços 10 . Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o município possuía 306.866 habitantes e um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,678 11 . Em relação ao aspectos epidemiológicos e de saúde do município, no ano de 2009, o percentual de internação relacionado à gravidez e ao puerpério em Vitória da Conquista foi de 72,8 e 48,3% na população de mulheres na faixa etária de 15 a 19 anos e de 20 a 49 anos, respectivamente. Nesse mesmo ano, o percentual de cobertura de consultas pré-natal foi equivalente a 86,8% 12 .
A amostra foi calculada com o auxílio do programa Statcalc do software Epi-info 6.04, considerando o número total de gestantes atendidas nas unidades de saúde da zona urbana de Vitória da Conquista entre 2009 e 2010 (n = 2.316), uma prevalência de anemia estimada em 40% 13 , com precisão de 5% e intervalo de confiança de 95%, resultando em um tamanho amostral mínimo de 319 gestantes. Como critério de inclusão, a gestante deveria ter idade igual ou superior a 18 anos e ausência de alterações de saúde que pudessem interferir na concentração de hemoglobina, que não a anemia. Foram excluídas as gestantes com alguma incapacidade cognitiva para responder ao questionário do estudo.
A coleta de dados ocorreu no período de maio de 2010 a junho de 2011, por meio do agendamento prévio nas instituições de saúde nos dias de atendimento pré-natal. As gestantes foram convidadas a participar do estudo de forma aleatória, sendo informado o objetivo da pesquisa e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, caso concordassem em participar do estudo.
Os dados foram coletados por alunos do curso de Nutrição, previamente treinados para aplicação do questionário e para coleta de sangue por punção digital e das medidas antropométricas.
As informações foram coletadas por meio da aplicação de um questionário, incluindo questões referentes aos dados socioeconômicos e demográficos, às características obstétricas, comportamentais e antropométricas. Além disso, obtiveram-se informações sobre frequência de consumo de alimentos fontes de ferro e suplementação com sais de ferro. O instrumento foi elaborado pelos pesquisadores e, embora não validado, foi testado em um estudo-piloto realizado antes da coleta de dados.
Para determinação da concentração sérica de hemoglobina, uma amostra de sangue foi coletada em microcuvetas descartáveis por punção capilar, sendo realizada a dosagem de hemoglobina em β-hemoglobinômetro portátil (Hemocue®). Para o diagnóstico de anemia, adotou-se como ponto de corte a concentração de hemoglobina inferior a 11,0 g/dL, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde 14 .
Para o cálculo da idade gestacional, foi utilizada a data da última menstruação registrada no cartão da gestante.
Os dados antropométricos de peso e de altura foram coletados segundo as técnicas recomendadas pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) 15 . Para obtenção do peso corporal, utilizou-se balança digital eletrônica portátil Marte® com capacidade de 200 kg e sensibilidade de 50 g. A altura foi verificada utilizando-se estadiômetro portátil Alturexata ® (213 cm e precisão de 0,1 cm).
O estado nutricional pré-gestacional e o ganho de peso semanal durante a gestação foram avaliados segundo os pontos de corte propostos pelo Institute of Medicine 16 . A classificação do estado nutricional atual das gestantes foi realizada de acordo com os valores estabelecidos por Atalah et al. 17 .
As análises estatísticas foram feitas no programa Stata, versão 12.0. Para a caracterização da população de estudo, as variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e relativas, e as quantitativas, por meio de medidas de tendência central e de dispersão.
A concentração de hemoglobina (g/dL), selecionada como variável dependente, foi analisada como variável contínua. A associação entre as variáveis independentes estudadas e a concentração de hemoglobina foi verificada por meio de regressão linear múltipla.
Inicialmente, foram realizadas análises bivariadas para comparar as diferenças nas médias de hemoglobina entre as categorias das variáveis independentes, utilizando-se o teste t de Student, para variáveis dicotômicas, e a análise de variância (ANOVA), para variáveis com três ou mais categorias. As variáveis que apresentaram valor-P inferior a 0,20 na análise bivariada foram incluídas na análise de regressão linear multivariada, sendo a probabilidade inferior a 5% (P < 0,05) considerada como nível de significância estatística para a seleção no modelo de regressão múltipla.
Para a seleção do modelo final, utilizou-se a estratégia passo a passo, com a inclusão de todas as variáveis selecionadas durante a análise bivariada em ordem decrescente de significância estatística. As variáveis que apresentaram valor-P > 0,05 foram retiradas uma a uma do modelo e consideradas definitivamente excluídas, se o decréscimo na explicação do desfecho não era estatisticamente significativo. Para analisar esse parâmetro, o modelo foi avaliado a cada retirada com o auxílio do teste estatístico de Wald e coeficiente de determinação (R2). Além disso, os modelos foram comparados por intermédio do critério de Akaike (AIC) para avaliação da qualidade de ajuste do modelo final.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Parecer nº 048/2010) e aprovado por ele. As gestantes diagnosticadas com anemia foram encaminhadas aos serviços de saúde do município para acompanhamento pelos profissionais de saúde e tratamento com sais de ferro, conforme a recomendação do Ministério da Saúde 14 .
Foi avaliada uma amostra de 328 gestantes, das quais a maioria era casada/com companheiro (86,9%), tinha escolaridade igual ou superior a 8 anos (57,6%) e estava na faixa etária de 20 a 35 anos (66,8%), conforme Tabela 1 , sendo as médias de escolaridade e de idade iguais a 7,9 anos de estudo (desvio-padrão: 3,0) e 24 anos de idade (desvio-padrão: 6,2), respectivamente.
Tabela 1 Média e desvio-padrão (DP) de hemoglobina segundo características socioeconômicas e demográficas em gestantes atendidas nas unidades de saúde em Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011
Variável / Categoria | N (%) | Hemoglobina (g/dL) | |
---|---|---|---|
Média (DP) | Valor-P | ||
Idade | 0,3652 | ||
≤ 19 anos | 92 (28,05) | 12,07 (1,17) | |
20 a 35 anos | 219 (66,77) | 11,87 (1,19) | |
> 35 anos | 17 (5,18) | 11,80 (1,08) | |
Situação conjugal | 0,1022 | ||
Solteira | 43 (13,11) | 12,19 (0,99) | |
Casada/com companheiro | 285 (86,89) | 11,88 (1,20) | |
Escolaridade | 0,2082 | ||
≥ 8 anos de estudo | 189 (57,62) | 11,85 (1,20) | |
< 8 anos de estudo | 139 (42,38) | 12,01 (1,16) | |
Renda familiar | 0,5966 | ||
≥ 1 salário mínimo | 278 (85,28) | 11,94 (1,20) | |
< 1 salário mínimo | 48 (14,72) | 11,84 (1,08) | |
Número de pessoas na família | 0,4575 | ||
≤ 5 pessoas | 274 (83,54) | 11,94 (1,19) | |
> 5 pessoas | 54 (16,46) | 11,81 (1,11) |
Em relação à condição socioeconômica, 85,3% tinham renda familiar igual ou superior a um salário mínimo vigente na época do estudo ( Tabela 1 ), sendo a mediana de renda familiar mensal igual a R$ 542,50.
No tocante às características obstétricas, 86,3% das gestantes avaliadas estavam no segundo ou terceiro trimestre gestacional, 27,7% eram primigestas e 37% iniciaram o pré-natal a partir da 14ª semana de gestação. O tabagismo e o consumo de álcool durante a gestação foram referidos por 6,1 e 5,2% das gestantes, respectivamente ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Média e desvio-padrão (DP) de hemoglobina segundo características obstétricas e comportamentais em gestantes atendidas nas unidades de saúde em Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011
Variável / Categoria | N (%) | Hemoglobina (g/dL) | |
---|---|---|---|
Média (DP) | Valor-P | ||
Idade gestacional | 0,0006 | ||
Até a 13ª semana de gestação | 45 (13,72) | 12,54 (1,33) | |
14ª a 27ª semana de gestação | 146 (44,51) | 11,79 (1,14) | |
≥ 28ª semana de gestação | 137 (41,77) | 11,85 (1,11) | |
Início do pré-natal | 0,0312 | ||
Até a 13ª semana de gestação | 206 (63,19) | 12,03 (1,24) | |
≥ 14ª semana de gestação | 120 (36,81) | 11,74 (1,05) | |
Número de gestações | 0,0196 | ||
2 ou mais gestações | 237 (72,26) | 11,82 (1,16) | |
Primeira gestação | 91 (27,74) | 12,16 (1,20) | |
Número de filhos | 0,0712 | ||
Até 1 filho | 264 (80,49) | 11,98 (1,17) | |
≥ 2 filhos | 64 (19,51) | 11,68 (1,22) | |
Tabagismo na gestação | 0,3771 | ||
Não | 308 (93,90) | 11,90 (1,18) | |
Sim | 20 (6,10) | 12,15 (1,18) | |
Consumo de álcool na gestação | 0,3206 | ||
Não | 311 (94,82) | 11,93 (1,19) | |
Sim | 17 (5,18) | 11,64 (0,95) |
Quanto ao estado nutricional, 27,2% das mulheres tinham excesso de peso antes da gestação. Verificou-se também que apenas 4,3% das gestantes estavam com ganho de peso semanal adequado e 35,7% apresentavam sobrepeso ou obesidade na data da coleta de dados ( Tabela 3 ).
Tabela 3 Média e desvio-padrão (DP) de hemoglobina segundo características antropométricas, consumo de alimentos fontes de ferro e suplementação em gestantes atendidas nas unidades de saúde em Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011
Variável / Categoria | N (%) | Hemoglobina (g/dL) | |
---|---|---|---|
Média (DP) | Valor-P | ||
Índice de massa corporal pré-gestacional | 0,2032 | ||
Baixo peso | 29 (8,95) | 11,74 (1,33) | |
Eutrofia | 207 (63,89) | 11,99 (1,16) | |
Sobrepeso | 66 (20,37) | 11,69 (1,19) | |
Obesidade | 22 (6,79) | 12,14 (1,15) | |
Ganho de peso gestacional semanal | 0,0116 | ||
Insuficiente | 170 (52,47) | 11,85 (1,20) | |
Adequado | 14 (4,32) | 12,83 (1,24) | |
Excessivo | 140 (43,21) | 11,91 (1,13) | |
Estado nutricional atual | 0,6049 | ||
Baixo peso | 64 (19,51) | 11,76 (1,12) | |
Eutrofia | 147 (44,82) | 11,99 (1,17) | |
Sobrepeso | 80 (24,39) | 11,89 (1,32) | |
Obesidade | 37 (11,28) | 11,98 (1,04) | |
Consumo diário de vegetais folhosos verde-escuros | 0,8464 | ||
Sim | 70 (21,34) | 11,89 (1,08) | |
Não | 258 (78,66) | 11,93 (1,21) | |
Consumo diário de feijão | 0,1850 | ||
Sim | 286 (87,20) | 11,95 (1,15) | |
Não | 42 (12,80) | 11,69 (1,37) | |
Consumo diário de carnes/aves/vísceras | 0,4547 | ||
Sim | 95 (28,96) | 11,84 (1,06) | |
Não | 233 (71,04) | 11,95 (1,23) | |
Suplementação de ferro | 0,0006 | ||
Sim | 240 (73,17) | 12,29 (1,31) | |
Não | 88 (26,83) | 11.78 (1,10) |
No que diz respeito ao consumo alimentar, foi observado que a maioria das gestantes não consumia alimentos fontes de ferro, como vegetais folhosos verde-escuros (78,7%) e carnes/aves/vísceras diariamente (71%). Além disso, 26,8% das gestantes não haviam sido suplementadas profilaticamente com sais de ferro ( Tabela 3 ).
A prevalência de anemia verificada no estudo foi de 18,9%, sendo a média de hemoglobina nas gestantes avaliadas igual a 11,9 g/dL (desvio-padrão: 1,2).
Na análise bivariada, observou-se diferença estatisticamente significativa (P < 0,05) entre as médias de hemoglobina nas categorias das variáveis idade gestacional, início do pré-natal, número de gestações, ganho de peso gestacional semanal e suplementação de ferro. Foram observadas menores médias de hemoglobina nas gestantes no segundo trimestre e que iniciaram o pré-natal a partir da 14ª semana de gestação; por outro lado, a maior média de hemoglobina foi constatada entre as primigestas ( Tabela 2 ). As gestantes com ganho de peso semanal insuficiente e que não estavam recebendo suplemento de ferro também tiveram menores médias na concentração de hemoglobina ( Tabela 3 ).
Além da idade gestacional, do início do pré-natal, do número de gestações, do ganho de peso gestacional semanal e da suplementação de ferro, as variáveis situação conjugal, número de filhos e consumo diário de feijão também foram incluídas na análise de regressão linear múltipla (P < 0,20).
Na análise de regressão múltipla, as variáveis que se mostraram significativamente associadas com o desfecho foram: início do pré-natal, número de gestações e suplementação de ferro. As gestantes que iniciaram o pré-natal a partir do segundo trimestre tinham uma concentração de hemoglobina, em média, 0,28 g/dL menor, quando comparadas às gestantes que iniciaram o acompanhamento pré-natal no primeiro trimestre. As primigestas, por sua vez, tinham uma concentração de hemoglobina, em média, 0,34 g/dL maior, quando comparadas às mulheres que já tiveram outras gestações. A ausência de suplementação de ferro mostrou uma associação negativa com a concentração de hemoglobina. As gestantes que não foram suplementadas com sais de ferro tinham uma concentração de hemoglobina, em média, 0,51 g/dL menor, em relação às que receberam suplementação de ferro ( Figura 1 ).
No presente estudo, a prevalência de anemia nas gestantes avaliadas foi de 18,9%, a qual, de acordo com a classificação proposta pela OMS 18 , é considerada como um leve problema de saúde pública. Porém, outros estudos realizados em municípios da região Nordeste têm observado prevalências superiores. No estudo realizado por Ferreira et al. 19 , na região semiárida do Estado de Alagoas, observou-se uma prevalência de 50% de anemia nas gestantes estudadas, enquanto os resultados da pesquisa realizada por Bresani et al. 20 em Recife, Pernambuco, mostraram que 56,6% das gestantes avaliadas estavam anêmicas.
Embora a coleta de dados do estudo de Bresani e colaboradores 20 tenha ocorrido antes do ano de 2004, em que se tornou obrigatória a fortificação das farinhas de trigo com ferro e ácido fólico 21 , alguns estudos têm demonstrado que a fortificação não implicou aumento significativo nos níveis de hemoglobina em gestantes 22 e que, mesmo após essa intervenção, a prevalência de anemia em gestantes, na maioria dos municípios da região Nordeste, ainda permanece elevada 23 . Além disso, é importante destacar que, no estudo de Ferreira et al. 19 , verificou-se que apenas 21,2% das gestantes faziam uso de suplementos de ferro. Dessa forma, supõe-se que não a fortificação das farinhas, mas a maior frequência de suplementação de profilática com sais de ferro (73,2%) nas gestantes do município de Vitória da Conquista pode ter contribuído, em parte, para uma menor prevalência de anemia no presente estudo.
A média da concentração sérica de hemoglobina nas gestantes avaliadas foi de 11,9 g/dL, bem próximo ao valor mínimo considerado como normal durante a gestação. A dosagem de hemoglobina é fundamental no período gestacional, estando incluída entre os exames que devem ser solicitados na primeira consulta de pré-natal 14 . O seu monitoramento é importante não apenas para a prevenção e o controle da anemia, mas também para evitar o risco de morte materna e infantil. Uma metanálise mostrou que, para cada 1 g/dL de aumento na média da concentração de hemoglobina durante a gestação, há uma diminuição de 20 e 16% do risco de mortalidade materna e perinatal, respectivamente 24 .
Em relação aos determinantes da concentração sérica de hemoglobina, observaram-se menores concentrações de hemoglobina sérica entre as gestantes que iniciaram o acompanhamento pré-natal após a 13ª semana de gestação. Um achado semelhante foi reportado no estudo de Ferreira et al. 19 , no qual se verificou uma maior prevalência de anemia entre as gestantes que iniciaram o pré-natal após o primeiro trimestre de gestação. O Ministério da Saúde 14 recomenda que a primeira consulta pré-natal deva ocorrer ainda no primeiro trimestre gestacional, bem como devem ser realizadas no mínimo seis consultas até o final da gestação. O início do acompanhamento pré-natal no período recomendado aumenta as chances de realização de um maior número de consultas e, consequentemente, menores riscos de agravos à saúde da mãe e do concepto.
Outro fator determinante da concentração de hemoglobina verificado neste estudo foi o número de gestações, sendo observadas maiores concentrações séricas de hemoglobina entre as gestantes que estavam em sua primeira gestação. Em contrapartida, Guerra et al. 25 não encontraram diferença significativa entre as médias das concentrações de hemoglobina das gestantes primigestas e multigestas. Embora esse achado não tenha sido reportado em outros estudos na literatura, uma hipótese que poderia suportar a associação observada no presente estudo é que as mulheres primigestas, por estarem vivenciando uma experiência nova, tendem a estar mais preocupadas com a saúde durante a gestação. Assim, essas mulheres tornam-se mais cuidadosas em relação à alimentação, à realização das consultas, aos exames e ao uso de suplementos durante o pré-natal, o que favorece a manutenção da hemoglobina sérica em concentrações adequadas.
A suplementação com sais de ferro também foi outro fator determinante da concentração de hemoglobina nas gestantes. Observaram-se menores médias de hemoglobina entre as gestantes que não fizeram uso de suplemento de ferro. Sugere-se que o alto requisito desse mineral durante a gravidez associada à não suplementação pode ter resultado em concentrações mais baixas de hemoglobina.
A suplementação de ferro é a estratégia mais utilizada para tratar a anemia ferropriva e também deve ser considerada como uma medida preventiva de saúde pública para controlar a deficiência de ferro em populações com alto risco de desenvolvimento de anemia 18 . O Ministério da Saúde 26 , por meio do Programa Nacional de Suplementação de Ferro, que objetiva a prevenção e o controle da anemia de crianças de 6 a 24 meses, gestantes e mulheres até o 3º mês pós-parto e/ou pós-aborto, recomenda a administração profilática diária de 40 mg de ferro elementar para garantir a manutenção das reservas de ferro e suprir os requerimentos gestacionais. Apesar da existência desse programa e de tais recomendações, observa-se que ainda há gestantes que não são suplementadas com sais de ferro durante a gestação. Essa lacuna na cobertura do programa pode estar relacionada a fatores, como a indisponibilidade do suplemento nos serviços, a sua não distribuição por parte dos funcionários ou a distribuição sem as devidas orientações, o não comparecimento das gestantes às consultas ou a sua não adesão à prescrição 19 .
Algumas limitações deste estudo são apontadas. O estudo é de delineamento transversal, o que não permite o estabelecimento de uma relação temporal entre algumas variáveis de exposição com o desfecho. O diagnóstico da anemia foi realizado pelo método Cianometahemoglobina, utilizando o Hemocue®, o qual avalia apenas o nível de hemoglobina e pode resultar em diagnóstico falso-negativo. Porém, o uso desse método é validado para pesquisas de campo e tem sido amplamente utilizado em pesquisas epidemiológicas. Além disso, apresenta especificidade e sensibilidade suficientes para detectar níveis alterados de hemoglobina 27 .
Como pontos fortes, destaca-se que o estudo traz uma grande contribuição para a literatura, considerando a escassez de pesquisas nessa população sobre o tema nos últimos anos. Além disso, o estudo avaliou os determinantes da concentração de hemoglobina, em vez da anemia propriamente dita, de forma a identificar fatores que influenciam as concentrações séricas de hemoglobina na gestação, possibilitando intervir na situação antes mesmo de o quadro de anemia ser instalado.
Os resultados do presente estudo mostram que a anemia nas gestantes assistidas em unidades de saúde da zona urbana do município de Vitória da Conquista é um leve problema de saúde pública. As concentrações de hemoglobina nessa população são determinadas por fatores obstétricos e relacionados à assistência pré-natal. Nesse contexto, destaca-se a importância da atenção básica no cuidado à saúde da gestante, o que inclui desde o acesso à educação em saúde até a disponibilização de exames complementares e suplementos/medicamentos no cuidado a agravos de saúde, como a anemia. Ressalta-se que os estudos sobre o tema são de grande relevância, uma vez que seus resultados podem direcionar à implementação de medidas de saúde pública visando à manutenção e ao controle da concentração de hemoglobina em níveis adequados e à prevenção da anemia na gestação.