versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.4 Rio de Janeiro abr. 2019 Epub 02-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.15492017
A adolescência é um período de grandes transformações, transições e adaptação para a vida adulta. Esta fase da vida é repleta de mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais 1,2 . Também constitui uma fase marcada pelo aumento da autonomia, independência em relação à família e experimentação de novos comportamentos e vivências, sujeitos a riscos que podem afetar a saúde de forma definitiva 1,2 . Nesta fase comumente aumentam as oportunidades de interações sociais, exposições a novos círculos de amizades e também a exposição a riscos e atos de violência 1,3 .
O bullying é um ato de violência e tem sido compreendido como prática sistemática, ou quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação 4 . A palavra de origem inglesa bully (valentão, brigão) 5 tem sido traduzida como assédio escolar, que descreve o comportamento agressivo entre estudantes 6 . A configuração do bullying inclui atos agressivos, repetitivos e com assimetria de poder entre pares 7-10 . A sua ocorrência pressupõe a convivência por um período prolongado. Estes eventos têm sido muito estudados nas escolas, embora possam ocorrer em qualquer outro espaço, como ambiente de trabalho, equipes esportivas, outros espaços na comunidade 5,9,10 .
Enquanto um fenômeno social o bullying se caracteriza como um fenômeno de grupo e no contexto escolar a maioria das crianças está diretamente ou indiretamente envolvida no bullying e suas consequências, seja como vítima, agressor ou observador 11 . Existem diferentes expressões do bullying que incluem xingamentos, agressões físicas, ameaças, roubo, abuso verbal, bem como expressões e gestos de humilhação, dentre outros 12 .
O bullying é um problema global, sendo descrito em diversos países. Pesquisa realizada pela OMS entre escolares de mais de 40 países, apontou que 14% dos adolescentes de 13 anos referiram já ter sofrido bullying nos últimos dois meses 13 .
Estudos também têm apontado consequências para a saúde dos indivíduos que sofreram vitimização na infância, como dificuldades nas atividades escolares 14 , problemas com o sono 15 , maior propensão para o abandono escolar 16 , dificuldade no relacionamento, piora da autoestima 17 , distúrbios mentais na vida adulta 17 , e atitudes limites como o suicídio 18,19 .
A literatura internacional18,19e nacional so bre bullying e fatores associados tem ampliado e dentre as evidencias descritas destacam-se a ocorrência de vitimização em alunos mais novos, com poucos amigos 20,21 , retraídos, pouco sociáveis, que sofrem depressão, ansiedade 22 , e também aqueles que têm piores relações com pares 22 . Outros fatores foram descritos como adolescentes com deficiência física e mental 23 , com diferentes orientações sexuais e de gênero; com tendências suicidas 19 . No Brasil, Malta et al. 24 , analisando dados da PeNSE 2012 identificaram vulnerabilidades associadas ao bullying no campo da saúde mental, como insônia e solidão, uso de tabaco, além de pouco apoio familiar. Entretanto, diversos aspectos ainda permanecem obscuros, como trabalho infantil, remuneração do trabalho, relações familiares, uso de drogas, dentre outros.
Globalmente a OMS tem coordenado pesquisas nos países para o monitoramento destes eventos, visando identificar mudanças e apoiar políticas públicas no seu enfrentamento 13 . No Brasil, a primeira Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) realizada no Brasil, em 2009, em uma amostra de escolares das capitais brasileiras, do 9º ano do ensino fundamental, apontou que 5,4% dos estudantes relataram ter sofrido bullying quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias 25 . Em 2012, a segunda edição da PeNSE mostrou crescimento para 6,8% nas capitais , o que corresponde a um aumento de 25% 24 . Este crescimento chamou ainda mais a atenção sobre o tema, demandando a necessidade de monitoramento periódico, o que resultou em 2015 na terceira edição da PeNSE , que permite avaliar o comportamento no período. Outra vantagem consiste na identificação de mudanças nos fatores associadas e explorar novos aspectos, como o trabalho entre adolescentes, remuneração do trabalho e a vitimização, em função de novas questões adicionadas ao questionário 2 .
O estudo atual tem por objetivo analisar a prevalência de sofrer bullying e fatores associados à vitimização em escolares brasileiros, na terceira edição da PeNSE 2015.
O estudo analisou dados da PeNSE 2015, inquérito de corte transversal realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, entre escolares matriculados no 9º ano do ensino fundamental, das escolas públicas e privadas no país. A amostra é representativa de Brasil, 27 Unidades Federadas, municípios das capitais e Distrito Federal 2 .
Foram utilizados três estágios de seleção, no primeiro foram recrutados os municípios ou grupos de municípios (Unidade Primária de Amostragem - UPA), no segundo as escolas (Unidade Secundária de Amostragem - USA), e no terceiro as turmas (Unidade Terciária de Amostragem - UTA). Todos os alunos presentes no dia da coleta, nas turmas sorteadas foram convidados a participar da pesquisa 2 . Participaram da pesquisa 102.301 alunos, em 3.040 escolas e 4.159 turmas. Considerando os escolares frequentes e os que não quiseram participar do estudo, a perda amostral foi de cerca de 8,5%. Para o cálculo do tamanho da amostra foram considerados todos os alunos matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental regular, diurno, das escolas que apresentaram mais de 15 alunos matriculados nesse nível, segundo o Censo Escolar vigente à época do planejamento da pesquisa. Para estimar o tamanho (número de alunos) de um plano amostral conglomerado em estágios e uma seleção com probabilidades proporcionais, considerou-se uma estimativa de proporção de 50%, com margem de erro e nível de confiança de 95%. Mais detalhes da amostra podem ser consultados em outras publicações 2 .
Ampliou-se o modelo conceitual de Malta et al. 24 , que identificaram fatores associados a sofrer bullying em quatro dimensões: I) fatores demográficos, II) fatores relacionados á saúde mental (solidão, insônia, e não ter amigos), III) situações familiares como (morar com os pais, supervisão familiar, sofrer violência familiar, faltar às aulas), IV) comportamentos (uso de substancias psicoativas) e ter tido relação sexual 24 . O estudo incluiu novas variáveis no modelo, como no contexto socioeconômico: a escolaridade da mãe, trabalho e trabalho remunerado do escolar, e no contexto familiar morar com os pais.
Assim, foi investigado o desfecho de sofrer bullying – segundo a pergunta: Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de sua escola te esculacharam, zombaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado/incomodado/aborrecido/ofendido/humilhado?”
As respostas foram categorizadas em “Não” (nunca, raramente, às vezes) e “Sim” (a maior parte do tempo, sempre).
Foram testadas associações com as seguintes variáveis:
I) C aracterísticas sociodemográficas foram analisadas as seguintes variáveis independentes: a) sexo (categorizada em: masculino e feminino); b) idade (categorizada em: ≤13 anos, 13 anos, 14 anos, 15 anos, e 16 anos e mais); e c) cor da pele (categorizada em: branca, preta, parda, amarela, e indígena), d) Escolas (pública ou privada), e) escolaridade da mãe (Sem escolaridade, Primário (incompleto/completo), Secundário (incompleto/completo), Superior (incompleto/completo), f) trabalha atualmente (sim, não), g) Remuneração pelo trabalho (sim, não).
II) C ontexto familiar - foram analisadas as seguintes variáveis: a) Morar com mãe e/ou pai - Categorizada como sim (escolares que residem com pai e mãe, residem só com a mãe, ou residem só com pai); ou não (residir sem pai e mãe); b) Supervisão familiar - Categorizada em: sim (na maior parte do tempo, sempre pais ou responsáveis sabiam realmente o que o adolescente estava fazendo); ou não (nunca, raramente, às vezes); c) Faltar às aulas sem autorização - Categorizada em não (nunca); ou sim (1 ou 2 vezes; 3 ou mais vezes nos últimos 30 dias);
III) No módulo de saúde mental foram analisadas como variáveis independentes: a) Sentir-se sozinho - agregada em não (nunca, às vezes nos últimos 12 meses); sim (na maioria das vezes, sempre nos últimos 12 meses); b) Insônia - agregada em não (nunca, as vezes nos últimos 12 meses); ou sim (na maioria das vezes, sempre nos últimos 12 meses); c) Amigos - categorizada como não (nenhum); ou sim: (1, 2, 3, ou mais amigos).
IV) Comportamentos - Uso do tabaco nos últimos 30 dias, ou regular (sim, não), Uso do Álcool regular, uso nos últimos 30 dias (sim, não), Drogas experimentação na vida (sim, não). Ter tido Relação sexual (sim, não).
Inicialmente, realizou-se o cálculo da prevalência de sofrer bullying segundo as variáveis sociodemográficas, variáveis explicativas do contexto familiar, violência familiar, saúde mental, comportamentos de risco e relação sexual. Para explorar fatores associados com o desfecho examinado, relato de sofrer bullying, procedeu-se inicialmente a análise bivariada calculando-se o Odds Ratios (ORs) bruto com seus respectivos intervalos de confiança, usando-se regressão logística bivariada. Posteriormente, procedeu-se ao modelo de regressão logística múltipla, inserindo as variáveis de interesse, com base na literatura e com p < 0,20. No modelo final ajustado (ORa), permaneceram as variáveis estatisticamente significativas com p < 0,05. Procedeu-se a análise de colinearidade e interação entre as variáveis.
Para todas as análises foram considerados a estrutura amostral e os pesos para obtenção de estimativas populacionais. Os dados foram analisados com auxílio do pacote estatístico SPSS, versão 20, adequado para análises de dados obtidos por plano amostral complexo.
Os estudantes foram informados sobre a pesquisa, sua livre participação e que poderiam interromper a mesma caso não se sentissem à vontade para responder as perguntas. Caso concordassem responderam a um questionário individual em um smarthphone sob a supervisão de pesquisadores do IBGE 2 . A PeNSE está em acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisas do Ministério da Saúde (CONEP/MS), sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), em 30 de Março de 2015.
Participaram da amostra aqui analisada 48,7% de alunos do sexo masculino, 51,3% do sexo feminino, 85,5% de escolas públicas e 14,5% de privadas; idade menor de 13 anos 0,4%, 13 a 15 anos 88,6%, 16 anos e mais 11%; raça cor branca 36,1%, preta 13,4%, parda 43,1%, amarela 4,1%, indígena 3,3%. ( Tabela 1 )
Tabela 1 Descrição da população entrevistada na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, segundo sexo, dependência administrativa, idade e cor ou raça. Brasil, 2015.
Intervalo de Confiança IC (95%) | |||
---|---|---|---|
Sexo | % | Inferior | Superior |
Masculino | 48,7 | 48,1 | 49,3 |
Feminino | 51,3 | 50,7 | 51,9 |
Dependência administrativa | |||
Pública | 85,5 | 83,5 | 87,6 |
Privada | 14,5 | 12,4 | 16,5 |
Idade | |||
Menor de 13 anos | 0,4 | 0,3 | 0,5 |
13 anos | 17,8 | 16,9 | 18,8 |
14 anos | 51,0 | 50,1 | 51,9 |
15 anos | 19,8 | 19,1 | 20,5 |
16 anos ou mais | 11,0 | 10,4 | 11,5 |
Cor ou raça | |||
Branca | 36,1 | 35,2 | 37,1 |
Preta | 13,4 | 12,9 | 13,9 |
Parda | 43,1 | 42,2 | 43,9 |
Amarela | 4,1 | 3,9 | 4,4 |
Indígena | 3,3 | 3,1 | 3,5 |
Relataram ter sofrido bullying nos últimos 30 dias 7,4% (IC95% 7,2-7,6) dos alunos, sem diferença segundo sexo. Estudantes de 13 anos relataram mais bullying com prevalência de 8,8% (IC95% 8,1-9,5), reduzindo após 14 anos, chegando aos 16 anos a 6,8% (IC95% 6,3-7,3). Escolares de raça preta referem prevalência de 8,2% (IC95% 7,2-9,3), as demais raças sem diferença estatística.
A prática foi mais frequente entre os escolares que estudam na escola pública, e entre adolescentes cujas mães não têm escolaridade com prevalência de 9,3% (IC95% 8,5-10,3), sem diferença entre morar ou não com os pais. Os estudantes que trabalham referem mais bullying com 9,8% (IC95% 9,3-10,3), e os que recebem pelo trabalho com 9,3% (IC95% 8,8-9,8). Entre as características da saúde mental foi mais frequente a prática de bullying entre os que relatam solidão com 16,6% (IC95% 16,1-17,2), insônia com 15,2% (IC95% 14,5-15,8), e não tem amigos com 14,1% (IC95% 13,0-15,1).
Dentre as características da família, sofrem mais vitimização escolares que relatam apanhar de familiares com 15,4% (IC95% 14,8-16,0) e os que faltam as aulas sem comunicar a família com 9,9% (IC95% 9,5-10,3). Diferentemente os que relatam supervisão familiar sofrem menos com 6,7% (IC 95% 6,5-6,9).
Dentre os que relatam comportamentos de risco, sofrer bullying foi mais frequente em escolares que usam de tabaco com 12,7% (IC95% 11,4-14,0), álcool com 8,8% (IC95% 8,5-9,2), experimentaram drogas com 8,9% (IC95% 8,3-9,5), bem como em escolares que relataram ter tido relação sexual, com 8,1% (IC95%7,8-8,5). A Tabela 2 mostra o OR bruto das variáveis.
Tabela 2 Frequência da ocorrência de bullying entre escolares do 9º ano do Ensino Fundamental, prevalência e OR Bruto, segundo fatores sociodemográficos, variáveis do contexto familiar, saúde mental e comportamentos. Brasil, 2015.
Sofrer Bullying | |||||||
|
|||||||
Variável | % | IC (95%) | OR | IC (95%) | p | ||
|
|
||||||
Inferior | Superior | Inferior | Superior | ||||
Total | 7,41 | 7,25 | 7,58 | ||||
Idade | |||||||
< 13 | 8,1 | 5,8 | 11,3 | 0,92 | 0,64 | 1,31 | 0,629 |
13 | 8,8 | 8,1 | 9,5 | 1,00 | |||
14 | 7,0 | 6,5 | 7,6 | 0,78 | 0,74 | 0,83 | < 0,001 |
15 | 7,5 | 6,9 | 8,1 | 0,84 | 0,78 | 0,90 | < 0,001 |
16 e mais | 6,8 | 6,3 | 7,3 | 0,76 | 0,69 | 0,83 | < 0,001 |
Sexo | |||||||
Masculino | 7,6 | 7,3 | 8,0 | 1,07 | 1,02 | 1,12 | 0,005 |
Feminino | 7,2 | 7,0 | 7,4 | 1,00 | |||
Raça | |||||||
Branca | 7,4 | 6,6 | 8,3 | 1,00 | |||
Preta | 8,2 | 7,2 | 9,3 | 1,11 | 1,03 | 1,20 | 0,004 |
Amarela | 7,9 | 6,8 | 9,2 | 1,07 | 0,95 | 1,21 | 0,244 |
Parda | 7,1 | 6,3 | 8,0 | 0,95 | 0,90 | 1,01 | 0,073 |
Indígena | 8,2 | 7,3 | 9,2 | 1,11 | 0,98 | 1,27 | 0,105 |
Escola | |||||||
Pública | 7,6 | 7,1 | 8,1 | 1,00 | |||
Privada | 6,5 | 6,1 | 6,9 | 0,84 | 0,79 | 0,91 | < 0,001 |
Escolaridade da mãe | |||||||
Sem escolaridade | 9,3 | 8,5 | 10,3 | 1,37 | 1,23 | 1,53 | < 0,001 |
Primário (incompleto/completo) | 7,3 | 6,8 | 7,8 | 1,05 | 0,98 | 1,13 | 0,197 |
Secundário (incompleto/completo) | 7,5 | 7,0 | 8,0 | 1,07 | 1,00 | 1,16 | 0,064 |
Superior (incompleto/completo) | 7,0 | 6,6 | 7,4 | 1,00 | |||
Mora com mão e ou pai | |||||||
Não | 7,7 | 7,0 | 8,4 | 1,00 | |||
Sim | 7,4 | 7,2 | 7,6 | 0,96 | 0,87 | 1,06 | 0,404 |
Trabalha atualmente | |||||||
Não | 7,1 | 6,7 | 7,5 | 1,00 | |||
Sim | 9,8 | 9,3 | 10,3 | 1,42 | 1,34 | 1,52 | < 0,001 |
Remuneração pelo trabalho | |||||||
Não | 7,1 | 6,7 | 7,6 | 1,00 | |||
Sim | 9,3 | 8,8 | 9,8 | 1,34 | 1,25 | 1,43 | < 0,001 |
Sentir-se solitário | |||||||
Não | 5,6 | 5,3 | 5,8 | 1,00 | |||
Sim | 16,6 | 16,1 | 17,2 | 3,38 | 3,22 | 3,56 | < 0,001 |
Insônia | |||||||
Não | 6,4 | 6,1 | 6,8 | 1,00 | |||
Sim | 15,2 | 14,5 | 15,8 | 2,61 | 2,46 | 2,77 | < 0,001 |
Amigos | |||||||
1 ou mais | 7,1 | 6,5 | 7,7 | 1,00 | |||
Não tenho | 14,1 | 13,0 | 15,1 | 2,14 | 1,96 | 2,34 | < 0,001 |
Apanhar (familiar) | |||||||
Não | 6,1 | 5,8 | 6,4 | 1,00 | |||
Sim | 15,4 | 14,8 | 16,0 | 2,82 | 2,68 | 2,98 | < 0,001 |
Supervisão familiar | |||||||
Não | 8,8 | 8,4 | 9,2 | 1,00 | |||
Sim | 6,7 | 6,5 | 6,9 | 0,75 | 0,72 | 0,79 | < 0,001 |
Faltar às aulas | |||||||
Não | 6,7 | 6,4 | 7,0 | 1,00 | |||
Sim | 9,9 | 9,5 | 10,3 | 1,54 | 1,46 | 1,62 | < 0,001 |
Tabaco regular | |||||||
Não | 7,3 | 6,5 | 8,1 | 1,00 | |||
Sim | 12,7 | 11,4 | 14,0 | 1,85 | 1,64 | 2,08 | < 0,001 |
Álcool regular | |||||||
Não | 7,0 | 6,6 | 7,3 | 1,00 | |||
Sim | 8,8 | 8,5 | 9,2 | 1,29 | 1,23 | 1,36 | < 0,001 |
Drogas experimentação | |||||||
Não | 7,3 | 6,8 | 7,8 | 1,00 | |||
Sim | 8,9 | 8,3 | 9,5 | 1,44 | 1,29 | 1,61 | < 0,001 |
Relação sexual | |||||||
Não | 7,1 | 6,8 | 7,5 | 1,00 | |||
Sim | 8,1 | 7,8 | 8,5 | 1,25 | 1,16 | 1,35 | < 0,001 |
Procedeu-se à análise de regressão multivariada ajustado por todas as variáveis do modelo e a idade de 13 anos mostrou maior chance de sofrer bullying. Ao contrário, escolares com menos de 13 anos tiveram menor chance (ORa = 0,58 IC 95% 0,35– 0,95) e também os mais velhos: 14 anos com (ORa = 0,72 IC 95% 0,67– 0,77), 15 anos com (ORa = 0,63 IC 95% 0,58– 0,69), escolares com 16 anos com (ORa = 0,51 IC 95% 0,46– 0,57) sofreram menos bullying . Escolares do sexo feminino (ORa = 0,69 IC 95% 0,65 – 0,73) e alunos que estudam em escola privada (ORa = 0,84 IC 95% 0,77– 0,92), tiveram menor chance de sofrer bullying . Ainda entre as variáveis sociodemográficas, ser filho de mães sem escolaridade aumentou a chance de sofrer bullying (ORa = 1,30 IC 95% 1,15– 1,47) , bem como trabalhar atualmente (ORa 1,33 IC95% 1,23-1,43), enquanto receber remuneração, perdeu a significância estatística ( Tabela 3 ).
Tabela 3 Fatores de risco associados a sofrer bullying entre escolares do 9º ano do ensino fundamental. Brasil, 2015.
Variável | OR | IC (95%) | p | |
---|---|---|---|---|
| ||||
Inferior | Superior | |||
Idade | ||||
< 13 | 0,58 | 0,35 | 0,95 | 0,032 |
13 | 1,00 | |||
14 | 0,72 | 0,67 | 0,77 | < 0,001 |
15 | 0,63 | 0,58 | 0,69 | < 0,001 |
16 e mais | 0,51 | 0,46 | 0,57 | < 0,001 |
Sexo | ||||
Masculino | 1,00 | |||
Feminino | 0,69 | 0,65 | 0,73 | < 0,001 |
Escola | ||||
Pública | 1,00 | |||
Privada | 0,84 | 0,77 | 0,92 | < 0,001 |
Escolaridade da mãe | ||||
Sem escolaridade | 1,30 | 1,15 | 1,47 | < 0,001 |
Primário (incompleto/completo) | 1,03 | 0,95 | 1,12 | 0,484 |
Secundário (incompleto/completo) | 1,00 | 0,92 | 1,08 | 0,936 |
Superior (incompleto/completo) | 1,00 | |||
Mora com mão e ou pai | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,11 | 0,98 | 1,27 | 0,108 |
Trabalham atualmente | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,33 | 1,23 | 1,43 | < 0,001 |
Sentir-se solitário | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 2,88 | 2,69 | 3,08 | < 0,001 |
Insônia | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,50 | 1,39 | 1,62 | < 0,001 |
Amigos | ||||
1 ou mais | 1,00 | |||
Não tenho | 1,67 | 1,49 | 1,86 | < 0,001 |
Apanhar (familiar) | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 2,35 | 2,20 | 2,51 | < 0,001 |
Faltar às aulas | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,40 | 1,31 | 1,49 | < 0,001 |
Tabaco regular | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,16 | 1,03 | 1,31 | 0,013 |
Drogas experimentação | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 0,82 | 0,74 | 0,91 | < 0,001 |
Entre as variáveis da saúde mental permaneceram no modelo final com maior chance de bullying os que relataram sentir-se solitários com (ORa 2,88 IC95% 2,69-3,08), ter insônia com (ORa 1,50 IC95% 1,39-1,62), não ter amigos com (ORa 1,67 IC95% 1,49-1,86). No contexto familiar mostraram mais chance de vitimização escolares que referiram ter apanhado de familiares com (ORa 2,35 IC95% 2,2-2,5) e faltaram as aulas sem comunicar aos pais com (ORa 1,40 IC95% 1,31-1,49). Dentre os comportamentos de risco, sofreram mais bullying quem teve uso regular do tabaco com (ORa 1,16 IC95% 1,03-1,31). A experimentação de drogas inverteu a direção e mostrou no modelo multivariado, menor chance de vitimização com (ORa 0,82 IC95% 0,74-0,91). Demais variáveis não se mantiveram no modelo multivariado ( Tabela 3 ).
O estudo atual sobre adolescentes brasileiros entrevistados na PeNSE 2015 identificou que 7,4% referiram sofrer bullying. A analise multivariada apontou que tem maior chance de sofrer bullying escolares do sexo masculino, de 13 anos, que estudavam na escola pública, cujas mães não têm escolaridade e que trabalham. Aspectos da saúde mental como solidão e insônia também mostraram mais chance de vitimização, assim como o uso do tabaco, sofrer agressão física dos familiares, faltar às aulas sem avisar aos pais. O uso de drogas foi protetor.
O tema bullying tem tido interesse crescente na literatura em anos recentes 1,26,27 . A prevalência de vitimização varia em diversos estudos e países. Na Europa e América do Norte estudos descreveram a prevalência de sofrer bullying entre 5 a 20% 28,29 , na África, entre 21 a 40% 30 . No Brasil, estudo transversal aninhado a uma coorte em Pelotas, em 1.075 alunos, da 1ª à 8ª série, de duas escolas públicas identificou 17,6% do total de 1.075 estudantes sofriam bullying31. Em Caxias do Sul, RS, no ano de 2011, dentre 1.230 escolares do sexto ano (de 11 a 14 anos), 10,2% eram vítimas e 7,1% praticavam o bullying32.
Estas diferentes prevalências podem ser explicadas pelo emprego de metodologias distintas, como o desenho da pesquisa, amostragem, idade pesquisada, questionários utilizados com diferentes perguntas, período e frequência considerados para caracterizar o evento, além dos tipos de bullying considerados (verbal, físico, psicológico, sexual, outros) 10 e outras características culturais 26 .
A maioria das investigações aponta maior ocorrência entre meninos 31-34 , embora estudo de Costa et al. 26 em Belo Horizonte não tenha encontrado diferença significativa entre os sexos e Ybarra et al. 35 tenham encontrado maior frequência de vitimização pela internet entre as meninas. O estudo atual confirmou maior chance entre escolares do sexo masculino após a análise multivariada. Destaca-se a importância desta análise, pois os dados brutos não haviam apontado esta diferença.
A maioria dos estudos descreve ocorrência mais elevada em estudantes mais jovens 27,29,35 , coincidente com o estudo atual, maior chance de sofrer vitimização aos 13 anos, comparados com 14, 15 e 16 anos e mais. Cabe destacar, que apesar de ocorrência elevada em escolares menores de 13 anos, a mostra da PeNSE é constituída de escolares de 9º ano, concentrando na maioria estudantes entre 13 e 15 anos, assim a amostra de Nono ano escolar da PeNSE não tem poder estatístico para representar estudantes com menos de 13 anos. Cabe destacar, que nesta mesma pesquisa, o IBGE incluiu subamostra, de alunos por idade, 13 a 17 anos, que confirmou a premissa, de menor prevalência de bullying em escolares de 13 anos 2 .
A PeNSE 2015 identificou associação entre sofrer bullying e características como sentir-se sozinho, insônia e a falta de amigos. Este tema é de grande relevância e deve ser monitorado, dado que estudos tem associado bullying com solidão, ansiedade, insônia, tristeza, além de depressão, estresse pós-traumático e pensamentos suicidas 18,35,36 . A literatura aponta a extensão do problema e as graves consequências para a saúde presente e futura dos adolescentes, inclusive o stress pós-traumático 37 . Assim, a PeNSE 2015 possibilitou identificar estas associações em pesquisa de âmbito nacional, monitorando aspectos da saúde mental, que podem resultar em depressão e graves consequências para a saúde mental.
Diferentes estudos no mundo têm apontado associação entre a vitimização e comportamentos de risco como uso do tabaco, álcool e drogas 34,35,37,38 . Também no Brasil, estudo realizado em Belo Horizonte, encontrou maior prevalência de bullying entre adolescentes que relataram envolvimento em brigas, uso de drogas, episódio de embriaguez e consumo de cigarro 26 . Malta et al. 24 também descreveram associação entre bullying e o uso do tabaco nos últimos 30 dias analisando dados para o Brasil. Enquanto Mello et al. 27 , em analise multivariada da PeNSE 2012 para a região Sudeste, encontraram que o álcool foi fator de proteção para vitimização do bullying, o que foi atribuído ao fato de ser consumido por grupos de amigos, tornando-se um fator de socialização e de convívio entre os pares. No estudo atual, apenas o uso do tabaco esteve associado ao bullying .
Carvalhosa et al. 22 encontraram que entre os estudantes que sofreram bullying, o uso de drogas foi menor. No estudo atual, na análise bruta, a experimentação de drogas mostrou maior chance de vitimização, o que se inverteu na análise multivariada, mostrando-se protetor. Ao testar colinearidade e interação entre as variáveis do domínio comportamentos de risco, dados não mostrados, foi detectada interação negativa entre relação sexual e uso de drogas. Ambos comportamentos são mais frequentes em escolares mais velhos, 15 anos e mais. Assim, o fato do bullying ter sido mais frequente em escolares mais jovens, 13 anos, pode explicar a mudança na direção no comportamento da variável “uso de drogas”, mostrando-se protetora na análise multivariada, por estar associada a escolares mais velhos, que, em geral, sofrem menos bullying. Da mesma forma, a perda de significância entre relação sexual e vítimas de bullying também pode ser explicado pela interação negativa aqui identificada. Assim, o estudo atual diferiu do que foi descrito na literatura internacional, que tem associado atividade sexual e bullying 39 .
A ocorrência de faltar às aulas sem comunicar aos pais esteve associada ao bullying, bem como agressão familiar. Estes indicadores denotam falta de vínculos familiares, ambientes de insegurança e violência, que também resultam em agravos para a saúde física e mental dos adolescentes 40,41 .
Esta perspectiva associada à vulnerabilidade das vítimas de bullying ainda é explicada por estudos que têm apontado que aspectos específicos do baixo autoconceito, seja físico, acadêmico, emocional ou social, e a baixa autoestima, levam a uma maior vitimização ao longo do tempo, bem como podem desencadear comportamentos agressivos 11 .
Isto posto, reitera-se a importância de se considerar a atenção às vítimas e vítimas agressoras uma vez que é nesse o grupo que podemos evidenciar maior vulnerabilidade uma vez que apresenta um efeito não apenas aditivo, mas reprodutivo do fenômeno, com níveis mais elevados de envolvimento em comportamentos violentos fora da escola, de uso de substancias, depressão, ansiedade e com os piores resultados em avaliações de ajustamento psicossocial 42 .
Outro tema ainda pouco estudado consiste na relação com o trabalho. Na fase de desenvolvimento dos adolescentes, as relações sociais são propulsoras da construção de valores, de modos de pensar e agir. Assim, crianças e adolescentes inseridas na produção interrompem estes processos e podem sofrer discriminação, o que pode explicar a maior vitimização aqui encontrada em escolares que trabalham 43 . Ter rendimentos não se manteve no modelo final, provavelmente pelo fato do trabalho ser marcador do mesmo fenômeno.
A PeNSE é o mais amplo estudo entre escolares no país, representando Brasil, Unidades Federadas, capitais, escolas públicas e privadas, além de inserir diversos temas de interesse para a saúde do escolar. Como se trata de informações autorreferidas, pode-se esperar diferenças na interpretação sobre o ato de sofrer o bullying e as demais variáveis. As associações aqui identificadas devem ser vistas com reserva, em função do modelo transversal e na medida simultânea do bullying e fatores associados, limitando afirmações sobre temporalidade. Além disto, sentimentos de abandono, solidão e tristeza das vítimas, podem leva-los a adotar comportamentos de risco 22 . Outras variáveis associadas com o evento, podem não ter sido incluídas no estudo atual.
Conclui-se pela associação entre a vitimização na escola e variáveis sociodemográficas, como ser do sexo masculino, mais jovem, com piores condições socioeconômicas, como filhos de mães sem estudo, que estudam na escola pública e trabalham. Contribuem ainda ambiente familiar desfavorável, como agressão familiar, sem diálogos, sofrimento mental, e escolares com uso regular do tabaco. Estes dados podem apoiar políticas públicas de proteção. O bullying pode afetar a saúde física e mental dos adolescentes, demandando atuação integrada de educadores, profissionais de saúde, pais e a comunidade em geral. As iniciativas devem se pautar pela promoção da saúde e proteção, integralidade e intersetorialidade.