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Prevalência de cefaleia em adolescentes e associação com uso de computador e jogos eletrônicos

Prevalência de cefaleia em adolescentes e associação com uso de computador e jogos eletrônicos

Autores:

Michelle Katherine Andrade Xavier,
Ana Carolina Rodarti Pitangui,
Georgia Rodrigues Reis Silva,
Valéria Mayaly Alves de Oliveira,
Natália Barros Beltrão,
Rodrigo Cappato de Araújo

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.11 Rio de Janeiro nov. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152011.19272014

Introdução

Atividades cotidianas relacionadas ao trabalho, educação e lazer têm sido reconfiguradas por meio da inserção de aparelhos eletrônicos. Esse processo atingiu todas as faixas etárias, inclusive os adolescentes, que atualmente têm mostrado ascensão no uso1,2. Nesse contexto, a televisão, o celular, o videogame, e o computador estão entre as mídias que os adolescentes mais têm acesso, com destaque para os dois últimos3, sendo geralmente utilizados para fins de socialização, diversão, aprendizagem, trabalho, inclusão e aceitação social.

No que se refere à educação, a inovação tecnológica está relacionada à perspectiva de um processo contínuo de progresso e melhoria. Políticas públicas têm sido desenvolvidas para garantir a inclusão digital para todos os estudantes, independente da classe socioeconômica. Nas escolas públicas estaduais foi realizada a distribuição de laptops educacionais entre professores e alunos visando ampliar a qualidade da educação e o processo de inclusão digital. Esse projeto que aconteceu em várias partes do mundo, também ocorreu no Brasil, no qual foi intitulado Programa Um Computador por Aluno (PROUCA), e Pernambuco foi o primeiro Estado brasileiro a aderir a esta política4.

No entanto, a inserção desses programas pode favorecer o aumento do tempo gasto pelos adolescentes com os aparelhos eletrônicos. Alguns estudos têm demonstrado que o uso excessivo de aparelhos eletrônicos entre os adolescentes apresenta associação com a diminuição dos níveis de atividade física, obesidade, queixas de cansaço, estresse, dificuldade de concentração, surgimento de dores musculoesqueléticas e cefaleia5,6. Esses dados indicam que, mesmo alcançando o objetivo de inclusão digital, a inserção de tais tecnologias no cotidiano dos adolescentes pode trazer repercussões negativas à saúde dessa população. Diante disso, esse quadro tem sido descrito como um potencial fator para o surgimento de diferentes problemas de saúde2,6. Dentre as potenciais queixas associadas com o uso excessivo de aparelhos eletrônicos entre adolescentes, destaca-se a cefaleia6,7, que é considerada um dos problemas de saúde mais importantes do mundo, pois está associada ao aumento das taxas de depressão e ansiedade8. Existem várias classificações para as cefaleias, mas, na população de adolescentes, as mais prevalentes são as cefaleias primárias do tipo migrânea e tensional9.

A cefaleia primária é definida como uma dor na cabeça que não apresenta relação temporal com qualquer outro transtorno que poderia ser considerado como causa. A migrânea pode ser dividida em dois subtipos principais: a migrânea sem aura que é caracterizada por cefaleia com características específicas e sintomas associados; e a migrânea com aura caracterizada por sintomas neurológicos focais que precedem ou acompanham a cefaleia. A sua fisiopatologia ainda não está totalmente esclarecida, sabe-se que há influência de fatores genéticos, hábitos alimentares, estresse físico e psicológico. Estes fatores desencadeiam uma disfunção cerebral que, por sua vez, causam alterações transitórias na atividade neuronal que levam à dor10. A cefaleia do tipo tensional é a mais frequente e pode ser subdividida em episódica e crônica, sendo que neste último caso geralmente acarreta maior comprometimento na qualidade de vida. Assim como na migrânea, a fisiopatologia da cefaleia do tipo tensional ainda não está bem elucidada, e os mecanismos parecem ser semelhantes. A dor localizada nos tecidos miofasciais é capaz de ativar outras vias de condução da dor sensibilizando e instabilizando centros da dor10.

Estudos recentes têm demonstrado que essa condição tem crescido consideravelmente nos últimos anos, sendo observada, entre os adolescentes, uma prevalência de 70% de pelo menos um episódio de cefaleia a cada três meses. No Brasil, um estudo de base populacional realizado na cidade de Campinas/SP mostrou que 24,83 % dos adolescentes apresentavam queixas de cefaleia frequente, sendo o segundo problema de saúde mais relatado, perdendo apenas para os problemas alérgicos11. Dessa maneira, considerando a alta prevalência de cefaleia em adolescentes e os fatores de risco que predispõem a essa condição, principalmente no que se refere ao frequente uso dos meios eletrônicos, faz-se necessário investigar os grupos de risco para cefaleia, para que sejam formuladas estratégias que possam garantir aos adolescentes políticas de inclusão digital que estejam ligadas a menores agravos à saúde. Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo verificar a prevalência de cefaleia em adolescentes de escolas estaduais do Ensino Médio do Recife e sua associação com o uso excessivo de computador e jogos eletrônicos e outros fatores associados.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, correlacional, de corte transversal e de base escolar. O cálculo do tamanho amostral foi realizado por meio do programa WinPepi com uma população estimada de 55.058 alunos, de acordo com dados fornecidos pela Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco em 2012. Aplicou-se intervalo de confiança de 95%, erro amostral de cinco pontos percentuais, prevalência estimada com 50%, perda amostral de 20% e efeito de delineamento amostral estabelecido em duas vezes o tamanho mínimo da amostra.

O procedimento de seleção da amostra obedeceu a uma sequência de etapas, na tentativa de se obter uma amostragem representativa de escolares quanto à distribuição conforme região geográfica e porte das escolas. Na primeira etapa foi observado o número total de escolas que apresentavam turmas de ensino médio. Posteriormente, foram divididas em cada uma das Gerências Regionais de Educação, sendo a cidade do Recife dividida em Recife Norte e Sul. Com o objetivo de auxiliar o planejamento amostral, as escolas foram organizadas em três categorias: pequeno porte (até 200 alunos), médio porte (201 a 499 alunos) e grande porte (superior a 500 alunos)12.

Na segunda etapa foi realizado o procedimento de amostragem por conglomerados em dois estágios, considerando a escola e a turma como unidades amostrais no primeiro e segundo estágio, respectivamente. No primeiro estágio foi aplicado o critério de estratificação considerando a proporcionalidade de escolas por porte. No segundo estágio, foi aplicado o critério de estratificação considerando a proporcionalidade das turmas12. Após todas as etapas, chegou-se ao número mínimo de 23 escolas e 96 turmas, e um total de 954 adolescentes.

Foram incluídos no estudo os adolescentes estudantes das escolas selecionadas, com idade entre 14 e 19 anos e que entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) devidamente datado e assinado pelos seus representantes legais, quando menores de 18 anos. Os critérios de exclusão recaíram no preenchimento inadequado do questionário, na ausência no dia da aplicação do instrumento ou na recusa em fazer medidas antropométricas. Gestantes e estudantes que possuíam dores ou lesões musculoesqueléticas por doenças infecciosas, onco-hematológicas, genéticas e traumáticas recentes foram excluídos do estudo. O qual foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Pernambuco.

O procedimento de coleta consistiu na entrega de um questionário e na mensuração antropométrica. Momentos antes da aplicação do questionário foi realizada breve explicação do mesmo aos estudantes, desde o seu preenchimento adequado até o significado de alguns termos, visando a compreensão e utilização adequada do instrumento.

Em seguida o instrumento foi aplicado por uma pesquisadora e preenchido pelos alunos no horário de aula. Logo após, os estudantes foram direcionados para avaliação antropométrica de forma individual, utilizando a balança eletrônica portátil com capacidade de 150 Kg, modelo G-THEC – Glass 6 (Camry Electronic, China) e estadiômetro portátil, modelo Econômico Wood-WCS (Cardiomed Comercio de Equipamentos Medicos Ltda., Brasil), respectivamente. Esses dados foram utilizados como subsídio para o cálculo do índice de massa corporal (IMC) e a classificação do sobrepeso e obesidade conforme os critérios sugeridos por Cole et al.13.

Os dados deste estudo foram coletados por meio de um questionário construído e adaptado, com o objetivo de avaliar variáveis sociodemográficas (idade; sexo; série cursada na escola; presença de atividade profissional remunerada; renda familiar em salários mínimos); dados sobre o uso de computador e jogos eletrônicos; presença de dor musculoesquelética; e o nível de atividade física.

Para a mensuração dos dados sobre uso de computador e jogos eletrônicos e presença de dor musculoesquelética foram retiradas questões do questionário “Síndromes e lesões musculoesquelética em crianças e adolescentes e sua relação com computador e vídeo games”14; e quanto ao nível de atividade física foi utilizada a versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física15.

Para o diagnóstico da cefaleia foi aplicado o questionário elaborado por Lima et al.16. Esse instrumento avalia a presença de cefaleia e classifica segundo os critérios determinados pela Classificação Internacional de Cefaleia10.

Foram consideradas nove variáveis independentes (sexo, idade, nível socioeconômico, atividade profissional, nível de atividade física, estado nutricional, tempo de uso de computadores, tempo de uso de jogos eletrônicos e tempo total de tela) e uma variável dependente (presença de cefaleia). No entanto, para diferenciação dos diferentes tipos de cefaleia foram consideradas mais três variáveis dependentes: tensional, migrânea e outros

Análise de dados

A análise de dados foi realizada no pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20. A análise descritiva incluiu para as variáveis categóricas a distribuição de frequência (relativa e absoluta) e intervalos de confiança (IC95%) para proporções. Para as variáveis numéricas foram calculados valores de média e desvio-padrão.

Foram construídos modelos de regressão logística bivariada para testar a associação isolada entre as variáveis dependentes e cada independente, além de analisar as que entraram no modelo, explorar os possíveis fatores de confusão e identificar a necessidade de ajustamento estatístico das análises. Recorreu-se à regressão logística múltipla, através da estimativa da razão de chances (odds ratio = OR) e intervalos de confiança de 95%, para expressar o grau de associação entre as variáveis independentes e a presença de cefaleia, recorrendo-se ao ajustamento para potenciais fatores de confusão. Além disso, utilizou-se um modelo de regressão múltipla multinomial para verificar a associação das variáveis independentes e os diferentes tipos de cefaleia.

Em ambos os modelos, após a obtenção das variáveis preditivas, testou-se a ocorrência de interação. Para o modelo final múltiplo foram selecionadas as variáveis cuja significância de p foi menor que 0,20 na regressão univariada. Em todos os testes aplicados foi considerada significância estatística como valor de p < 0,05. Considerando o delineamento de amostragem utilizado no estudo (amostragem por conglomerados em dois estágios) optou-se por realizar a estatística inferencial no “modo amostra complexas” do programa SPSS a fim de aplicar a correção das estimativas pelo efeito do desenho.

Resultados

Inicialmente, foram incluídos no presente estudo 1020 adolescentes. No entanto, 66 sujeitos foram excluídos por apresentarem questionários contendo erros de preenchimento ou incompletos. Sendo assim, a amostra final dessa pesquisa foi definida em 954 adolescentes. As características sociodemográficas, antropométricas, estado nutricional, nível de atividade física e atividade profissional dos adolescentes estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1 Características sociodemográficas, antropométricas, estado nutricional, nível de atividade física e atividade profissional dos adolescentes de escolas públicas estaduais do Recife, estratificadas por sexo. 

Os dados relacionados ao uso dos dispositivos eletrônicos estão representados naTabela 2.

Tabela 2 Características relacionadas ao uso dos dispositivos eletrônicos entre adolescentes de escolas públicas estaduais do Recife, estratificadas por sexo. 

Quanto às queixas de cefaleia, a descrição da sua presença com a respectiva classificação está descrita na Tabela 3.

Tabela 3 Descrição, em frequências absolutas, da presença cefaleia e sua classificação em adolescentes do sexo feminino e masculino de escolas públicas estaduais de Recife, PE. 

Por meio da análise de regressão múltipla, as variáveis idade, série, nível socioeconômico, atividade profissional, tempo de uso de computador e tempo total de uso dos dispositivos eletrônicos mantiveram-se no modelo final. Contudo, somente a idade (p = 0,029) e o tempo total de uso dos dispositivos (p = 0,042) apresentaram associação significativa, sendo que os sujeitos mais jovens apresentaram menor chance de apresentar cefaleia, enquanto o uso elevado dos dispositivos eletrônicos se mostrou como fator de risco para o relato de queixa (Tabela 4).

Tabela 4 Valores de frequência absoluta e associação das variáveis independentes com a presença e ausência de cefaleia nos adolescentes de escolas públicas estaduais de Recife, PE. 

A análise de regressão multinomial demonstrou que somente a variável idade se mostrou associada à cefaleia do tipo tensional, sendo que os sujeitos mais novos (14 a 16 anos) demonstraram menor chance de apresentar esse tipo. Já a migrânea se mostrou associada às variáveis série, uso de jogos eletrônicos e tempo total de uso dos dispositivos eletrônicos. Nesse caso, foi possível observar que adolescentes que cursavam o terceiro ano e que relataram fazer uso semanal elevado de jogos eletrônicos e dos demais dispositivos eletrônico apresentaram maior chance de relatar sintomas relacionados à migrânea.

Para os demais tipos de cefaleia observou-se que o uso elevado dos dispositivos eletrônicos é um fator de risco e que sujeitos mais novos têm menor chance de apresentar esse sintoma (Tabela 5).

Tabela 5 Fatores associados à presença dos diferentes tipos de cefaleia em adolescentes de escolas públicas estaduais do Recife, PE. 2013. 

Discussão

O objetivo inicial deste estudo foi verificar a prevalência de cefaleia em adolescentes. Os resultados mostraram que 80,6 %, dos adolescentes das escolas estaduais do Ensino Médio do Recife relataram a presença da cefaleia. Esses dados corroboram os achados de Blaschek et al17, que encontraram uma prevalência de 83,1 % entre sujeitos com faixa etária de 12 a 19 anos. Já o estudo de Straube et al.18, encontrou uma taxa mais baixa, que variava entre 66% e 71%. No entanto, os sujeitos avaliados nesse estudo tinham entre 12 e 15 anos, o que os caracteriza, predominantemente, enquanto adolescentes em fase precoce. Considerando os resultados do presente estudo, que mostrou que sujeitos mais jovens tinham menor chance de apresentar cefaleia, é possível que a menor taxa de prevalência relatada no estudo Straube et al.18 seja justificada pela idade da amostra.

Em relação aos tipos de cefaleia, de acordo com a literatura, a do tipo tensional e a migrânea são as primárias mais frequentes entre os adolescentes17. No presente estudo verificou-se uma prevalência de 17,9 % de adolescentes com o tipo tensional, 19,3 % de migrânea, e 43,4 % com outros tipos de cefaleia, independente do sexo. Na literatura, as prevalências relatadas são distintas. Genizi et al19 encontraram uma prevalência de 44 % para a cefaleia migrânea e 47,7 % para a tensional, em indivíduos entre 6 e 18 anos, e evidenciaram associação positiva da cefaleia do tipo migrânea com o sexo feminino. Já Tonini e Frediani20 encontraram 45 % dos indivíduos com migrânea e 27 % com tensional entre adolescentes de 17 a 20 anos. A variação das taxas de prevalência dos diferentes tipos de cefaleia encontrada na literatura deve estar relacionada às diferenças na população estudada, critérios de amostragem e aos parâmetros diagnósticos adotados por cada estudo21.

Na avaliação do uso dos dispositivos eletrônicos, foi observado que 88,7 % dos adolescentes afirmaram fazer uso do computador, e 63,4 % de jogos eletrônicos. Especificamente sobre o uso do computador, a prevalência, apesar de alta, corrobora achados anteriores14,22-24. Esse quadro demonstra que o desenvolvimento tecnológico e econômico, associado ao programa estadual de incentivo ao uso desses equipamentos no ensino médio da rede pública, tem permitido o emprego dessa tecnologia pelos adolescentes, antes somente acessível a famílias com maior nível socioeconômico. Já em relação ao uso de jogos eletrônicos, foi encontrada prevalência superior àquela reportada em estudos prévios, que relataram taxas variando entre 27 %5 e 50,3 %23. Essas disparidades podem ser justificadas sugerindo que a frequência de uso desses equipamentos, entre os adolescentes, pode estar aumentando na medida em que se observa o crescimento econômico e tecnológico do Brasil. Concomitante a esse crescimento econômico, observa-se um acelerado processo de urbanização das cidades, muitas vezes acompanhado do aumento dos índices de violência, que ao longo dos anos vêm reconfigurando o estilo de vida e as atividades de lazer de crianças e adolescentes, tornando o uso de jogos eletrônicos cada vez mais comum, principalmente em grandes centros urbanos3. Além disso, observou-se o predomínio do uso de jogos eletrônicos para sujeitos do sexo masculino, que repercutiu no tempo total de uso de equipamentos eletrônicos por parte desses indivíduos, corroborando resultados prévios23,25.

Como segundo objetivo, este estudo buscou verificar a associação da cefaleia com o uso excessivo de computador e jogos eletrônicos e outros fatores associados. Foi verificado que uso excessivo de dispositivos eletrônicos (> 4 horas/dia) estava associado à presença de cefaleia. Provavelmente, o elevado tempo despendido com o uso desses dispositivos leva à diminuição do tempo livre para realização de atividades de lazer, proporciona a manutenção de posturas inadequadas por períodos prolongados e aumenta a sobrecarga do sistema visual em decorrência do elevado tempo de tela, o que desencadeia episódios de cefaleia2,7,26.

Em relação ao uso isolado do computador e cefaleia, não foi verificada associação entre as duas variáveis. Embora esses dados corroborem os resultados de Smith et al26, eles discordam dos achados de Torsheim et al6 e de Shantakumari et al27. As divergências podem estar relacionadas, no estudo de Torsheim et al6, à falta de controle de variáveis intervenientes que podem desencadear a cefaleia, e, no estudo de Shantakumari et al., à elevada faixa etária dos sujeitos avaliados (17 e 31 anos), uma vez que o avanço da idade repercute no aumento da prevalência de cefaleias.

O presente estudo também demonstrou não existir associação entre a presença de cefaleia e o uso excessivo de jogos eletrônicos (> 1 hora/dia). No entanto, na análise dos diferentes tipos de cefaleia, os resultados revelaram que o uso excessivo de jogos eletrônicos esteve associado à presença da cefaleia do tipo migrânea, sendo considerado um fator de risco que aumenta em cerca de duas vezes a chance dos adolescentes apresentarem tal disfunção. Embora exista uma escassez de dados referentes à influência dos jogos eletrônicos nos sintomas de cefaleia, nossos dados reforçam os achados da literatura, que relatam que o uso excessivo de videogames é um dos principais responsáveis pelo desencadeamento de episódios de migrânea em crianças e adolescentes28.

No presente estudo foi possível observar que embora várias variáveis tenham apresentado, nas análises bivariadas, associação com a presença de cefaleia, apenas a idade (14 – 16 anos) e o tempo total de uso dos dispositivos eletrônicos se mantiveram nos modelos estatísticos finais. Indicando que indivíduos mais jovens que cursam geralmente os primeiros anos do ensino médio apresentam menor chance de manifestar queixas de cefaleia. Além disso, na análise específica dos tipos de cefaleia, foi verificado que estar cursando o terceiro ano e usar excessivamente equipamentos digitais mostraram-se fatores de risco para a migrânea. Esses resultados encontram respaldo nos achados de Neut et al.28, que demonstraram associação entre cefaleia e estresse em crianças e adolescentes, verificando, especificamente, que este é a principal causa de crises de migrânea. Sendo assim, alunos mais jovens, como é o caso daqueles do primeiro ano, por estarem sujeitos a um menor nível de estresse, quando comparados àqueles que cursam os anos finais29, apresentam menor chance de manifestar queixas de cefaleia. De maneira diferente, estudantes que cursam o 3º ano do ensino médio ou cursos pré-vestibulares tendem a apresentar níveis mais elevados de estresse, dada a fase de escolha e preparação profissional pela qual passam29, o que deve repercutir nos eventos de cefaleia. Além disso, a depressão e transtornos de ansiedade, tão frequentes entre adolescentes com maior idade, estão entre as principais doenças neurológicas e psiquiátricas associadas com a migrânea30.

Em relação às demais variáveis: estado nutricional, atividade profissional, nível socioeconômico e nível de atividade física, elas não mostraram-se relevantes para o desfecho principal. Embora os estudos populacionais tenham identificado a associação entre obesidade e excesso de peso e cefaleia31,32, o presente estudo não encontrou associação entre a presença de cefaleia (e seus diferentes tipos) e o excesso de peso. Esse resultado pode ser justificado pelo fato da maior parte da amostra (79%) ter sido classificada como eutrófica. De forma semelhante, a literatura aponta a inatividade física24 e os baixos níveis socioeconômicos33 como fatores de risco para a presença de cefaleia. No entanto, não foi identificada associação entre os fatores inatividade física, baixo nível socioeconômico e presença de cefaleia. Mais uma vez, esses resultados podem ter sido influenciados pelas características da população estudada no presente estudo, na qual 75,8 % de sujeitos foram classificados como ativos ou muito ativos, e 73,1% tinham baixo nível socioeconômico (até 2SM).

Em suma, os resultados do presente estudo sugerem que o desenvolvimento tecnológico e as mudanças de comportamentos pelo qual a sociedade vem enfrentando podem afetá-la significativamente, sendo necessário o acompanhamento constante dos indicadores de saúde e seus fatores associados. É importante destacar, no entanto, que o fato do estudo ter sido realizado em apenas uma capital brasileira e de ter avaliado somente estudantes de escolas públicas limitam o poder de generalização dos dados. Além disso, a utilização de questionários autoaplicados como meio diagnóstico para cefaleia, pode ter submetido a medida ao viés de memória.

Enfim, sugere-se que sejam realizados mais estudos que avaliem de forma longitudinal as repercussões do uso dos aparelhos eletrônicos e sua relação com a presença de cefaleia. O esclarecimento de tais questões permitirá aproveitar todo o potencial desses recursos como meio facilitador no processo educacional, comunicação e lazer, sem que necessariamente estejam associados a repercussões negativas à saúde dos adolescentes.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa evidenciaram alta prevalência de cefaleia entre os adolescentes, sendo que o tipo de primária mais prevalente foi a migrânea, seguida da tensional. Além disso, foi observado que a maior parte dos adolescentes avaliados despende muito tempo utilizando dispositivos eletrônicos, caracterizando-se como uso excessivo, sendo esse comportamento mais elevado nos meninos, em decorrência do maior uso dos jogos eletrônicos.

O uso excessivo dos aparelhos eletrônicos mostrou-se associado com a presença de cefaleia, sendo considerado um fator de risco para o seu desenvolvimento, em especial a migrânea e outros tipos. Por outro lado, o fator idade se mostrou como atenuante para a presença de cefaleias. As demais variáveis analisadas não apresentaram associações significativas.

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