Compartilhar

Prevalência de deficiência auditiva e fatores associados em adolescentes e crianças em idade escolar: uma revisão sistemática

Prevalência de deficiência auditiva e fatores associados em adolescentes e crianças em idade escolar: uma revisão sistemática

Autores:

Aryelly Dayane da Silva Nunes,
Carla Rodrigues de Lima Silva,
Sheila Andreoli Balen,
Dyego Leandro Bezerra de Souza,
Isabelle Ribeiro Barbosa

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.2 São Paulo mar./abr. 2019 Epub 29-Abr-2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.10.009

Introdução

No século XXI, os distúrbios da comunicação, que incluem a deficiência auditiva (DA), constituem uma grave preocupação na saúde pública; e sem tratamento têm efeitos negativos no bem-estar econômico de uma sociedade na era da comunicação.1 O problema merece destaque, pois o sentido da audição é essencial para o desenvolvimento da fala, linguagem e aprendizagem2 e quanto maior o grau de deficiência auditiva, maiores são as dificuldades de perceber e distinguir a fala, inclusive déficits de linguagem.3

Em crianças com menos de 15 anos, 60% das perdas auditivas decorre de causas evitáveis4 e estimativas indicam que 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo podem estar sob risco de deficiência auditiva devido a práticas auditivas inseguras, como o uso de dispositivos de áudio individuais.5 Os adolescentes merecem atenção, pois estão expostos a altos níveis de intensidade de ruído não ocupacional.5,6 Alguns fatores associados à deficiência auditiva incluem infecções das vias aéreas superiores7 e da orelha média,8-10, além da presença de cerúmen que obstrui o meato acústico externo,9-11 já que podem interferir na transmissão do estímulo auditivo. No entanto, apesar do fato de as causas de DA poderem ser identificadas em crianças e adolescentes, os dados são limitados quanto a possíveis fatores de risco para DA adquirida.8

A detecção precoce da DA pode ajudar a prevenir atrasos acadêmicos,10 além de ser um determinante para a produtividade e a qualidade de vida do potencial portador de transtornos auditivos.12 Os exames audiológicos são indicados para a detecção precoce de distúrbios auditivos.7 Portanto, é evidente a necessidade de um conhecimento mais profundo sobre a prevalência e os fatores associados à deficiência auditiva em escolares. Ações de prevenção e intervenção poderiam então ser realizadas para minimizar as consequências negativas da DA na vida dos indivíduos. O objetivo deste estudo é fazer uma revisão sistemática da literatura científica sobre a prevalência da deficiência auditiva e seus fatores associados em escolares.

Método

Fez-se uma revisão sistemática da literatura, norteada pela questão: "Qual a prevalência da deficiência auditiva e seus fatores associados em crianças e adolescentes em idade escolar?" As bases de dados consultadas foram PubMed/Medline, Lilacs, Web of Science, Scopus e SciELO. Os principais descritores relacionados ao tema investigado foram cruzados: prevalence, epidemiology, cross-sectional studies, hearing, hearing loss, hearing disorders, school health services, school health, child e adolescent, como mostram as estratégias apresentadas na tabela 1.

Tabela 1 Estratégia de pesquisa para os bancos de dados selecionados 

Pubmed (prevalence and epidemiology) E (cross-sectional studies) E (hearing loss or hearing) E (child or adolescent) E (school health services or school health)
Web of Science TS=(prevalence) E TS=(hearing loss or hearing) E TS=(cross-sectional studies) E TS=(child or adolescent))
Scopus ALL (prevalence) E ALL (cross-sectional studies) E ALL (hearing loss) OU (hearing disorders) E ALL (school health services) OU (school health) E ALL (child) OU (adolescent)
Lilacs Perda auditiva OU hearing loss [Words] E Prevalência OU Prevalence [Words] E Criança OU Niño OU child [Words]
Scielo (prevalence) E (hearing loss) OU (hearing) E (child) OU (adolescent)

A revisão incluiu apenas os estudos transversais e que apresentavam a prevalência de deficiência auditiva em crianças e/ou adolescentes. Outros tipos de estudos ou formatos foram excluídos, bem como estudos transversais que incluíram crianças e/ou adolescentes mas não apresentaram uma prevalência específica para essa população. O levantamento dos dados bibliográficos ocorreu em 10 de abril de 2018, com base nos critérios de inclusão supracitados. A primeira fase da seleção de artigos foi a exclusão de estudos duplicados, seguida da leitura e análise de títulos e resumos de todos os trabalhos identificados. O passo seguinte foi a leitura completa dos estudos selecionados, o que levou à exclusão de trabalhos que não atenderam a proposta da revisão. As bibliografias dos artigos identificados foram analisadas para identificar possíveis estudos adicionais que pudessem ser adicionados à revisão aqui apresentada.

Os artigos selecionados foram submetidos à avaliação metodológica de acordo com a lista de verificação fornecida pelo relatório Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe)13 para estudos transversais, receberam o valor 1 quando o item foi contemplado, 0 quando não contemplado e 0,5 quando parcialmente contemplado. Todas as fases foram feitas pelos dois primeiros autores/pesquisadores, de maneira independente. Este estudo incluiu apenas os artigos que alcançaram pelo menos 60% do escore determinado pela lista de verificação Strobe, com um ponto de corte estabelecido para garantir boa qualidade metodológica. Artigos que não atingiram o limiar de corte foram excluídos. Todos os procedimentos da revisão aqui apresentados foram conduzidos de acordo com checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma).

Resultados

Foram identificados 463 artigos, que abordaram a prevalência de deficiência auditiva em escolares e/ou adolescentes. Após todos os passos metodológicos, foram incluídos 26 artigos (fig. 1), com descrição da qualidade metodológica apresentada na tabela 2. Os artigos investigaram diferentes populações, grupos etários, critérios e métodos de diagnóstico de deficiência auditiva, mostrando a heterogeneidade dos resultados.

Figura 1 Fluxograma de seleção de artigos. 

Tabela 2 Qualidade metodológica dos estudos incluídos, de acordo com a lista de verificação Strobe 

Referência TR CJ O DE C P VA DM V TA VQ ME P DD D RP OA RP L I G F Total
Al-Rowaily et al., 2012 1 0,5 1 1 1 1 1 1 0 1 1 0,5 1 0,5 1 1 0 1 1 0,5 1 0 17
Al-Khabori et al., 2004 1 1 1 1 0,5 1 0,5 0,5 0 1 0 0 1 1 1 1 0 1 0,5 0,5 0 1 14,5
Balen et al., 2009 1 1 1 0,5 1 1 1 0,5 0 1 1 0,5 1 1 1 0,5 0 1 0 0,5 0 1 15,5
Baraky et al., 2012 1 1 1 1 1 1 1 1 0,5 1 1 1 1 1 1 1 0 1 0 1 1 1 19,5
Béria et al., 2007 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0,5 1 20,5
Bevilacqua et al., 2013 1 0,5 1 1 1 1 1 1 0 1 0,5 0 1 1 1 0,5 0 1 0 0,5 0,5 1 15,5
Chen et al., 2011 0,5 0,5 1 1 1 0,5 1 1 0 0,5 1 1 1 1 0,5 0,5 0 1 1 1 1 1 17
Czechowicz et al., 2010 1 1 1 1 0,5 1 1 1 0 0,5 1 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0,5 1 17,5
Feder et al., 2017 1 0,5 1 0,5 0,5 1 1 1 0 1 1 0,5 0,5 1 0,5 0,5 0 1 1 1 1 1 16,5
Gierek et al., 2009 0,5 1 1 0 1 1 1 1 0 0 1 1 0,5 1 1 1 1 1 0 0,5 0,5 1 16
Gondim et al., 2012 1 1 1 1 1 1 1 1 0,5 1 1 0,5 1 1 1 1 0 1 0 0,5 0 0 16,5
Govender et al., 2015 1 1 1 1 1 1 0,5 1 0 1 0,5 1 0,5 1 1 1 0 1 0 1 0,5 0 16
Hong et al., 2016 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0,5 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 0,5 0 18
Jun et al., 2015 1 1 1 1 1 0,5 1 1 0 0,5 0,5 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 18,5
Kam et al., 2013 1 1 1 1 0,5 0,5 0,5 1 0 0 0 1 1 1 1 1 0 1 1 0 0 1 14,5
le Clercq et al., 2017 1 1 1 0,5 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 19,5
Niskar et al., 1998 0,5 1 0,5 1 0,5 1 0,5 1 0 0,5 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 17
Ramma et al., 2016 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 21
Samelli et al., 2011 0,5 1 1 0,5 0,5 0,5 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 18
Serra et al., 2014 0,5 1 1 0 0,5 0,5 1 0,5 0 0 0,5 1 1 1 1 1 0 1 0,5 1 0,5 1 14,5
Shargorodsky et al., 2010 1 1 1 1 1 0,5 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 0,5 1 17
Skarzyński et al., 2016 0,5 1 1 0 0 0,5 0,5 1 0 0 0,5 1 1 1 0,5 1 0 1 0 1 1 1 13,5
Taha et al., 2010 0,5 1 0 0 1 0,5 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 0 1 0,5 1 1 0 14,5
Tarafder et al., 2015 1 1 1 1 0,5 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 0,5 0,5 1 18,5
Wake et al., 2006 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 0,5 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 19,5
Westerberg et al., 2005 1 1 1 1 0,5 1 1 1 0 1 0,5 0 1 1 1 1 0 1 1 1 0,5 1 17,5

C, contexto; CJ, contexto/justificativa; D, desfechos; DD, dados descritivos; DE, desenho do estudo; DM, fonte de dados/medidas; F, financiamento; G, generalização; I, interpretação; L, limitações; ME, métodos estatísticos; O, objetivos; OA, outras análises; P, participantes; P, participantes; RP, resultados principais; RP, resultados principais; TA, tamanho do estudo; TR, título e resumo; V, viés; VA, variáveis; VQ, variáveis quantitativas.

Os estudos avaliaram diferentes faixas etárias e oito artigos incluíram grupos etários além de crianças e adolescentes.11,12,14-19 Houve variação nos métodos diagnósticos e critérios de normalidade entre os estudos selecionados. Alguns estudos usaram o limiar auditivo como procedimento de triagem,9,11,12,15,16,18-28 limiar auditivo automatizado,8,17,29,30 triagem audiométrica,14,31 e audiometria audiometria diagnóstica em alguma etapa.10,32,33 Em relação aos critérios de normalidade, houve diferenças mesmo entre os que usaram a mesma técnica, limiar auditivo ou triagem, e alguns estudos apresentaram um conjunto de procedimentos para indicar a normalidade do teste. Devido a essas diferenças, houve variação nos valores de prevalência encontrados. A maioria dos estudos não forneceu os respectivos intervalos de confiança (IC) (tabela 3) e alguns estudos analisaram a prevalência por meio de diferentes critérios e/ou avaliaram uma faixa etária mais ampla do que a que foi incluída nesta revisão, apresentaram o IC para alguns critérios.

Tabela 3 Características dos estudos incluídos, com qualidade metodológica avaliada de acordo com os critérios da lista de verificação Strobe 

Referência Cidade/País Amostra/População Método diagnóstico Critério
de normalidade
Prevalência de DA Fatores associados com DA
Al-Rowaily et al., 2012 King Abdulaziz Medical City, Arábia Saudita 2.574 (4-8 anos) Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHza 20 dB 1,75% (1,25-2,25) Otite média, cerume, otite média crônica, perda auditiva neurossensorial, perfuração timpânicab
Al-Khabori et al., 2004 Omã 11.400 indivíduosc Triagem em 1, 2 e 4 kHz > 25 dB
Reteste imediato em 35 dB
0-9 anos, 16,7% (12,71-20,76) Cerume, presbiacusia, infecçõesb,d
10-19 anos, 33,3% (27,63-38,91)
Balen et al., 2009 Itajaí, Brasil 419 (0-14 anos) 4-14 anos: Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz, reflexos acústicos e timpanometria > 15 dB para melhor orelha 16,84% Fatores associados não incluídos no estudo
Baraky et al., 2012 Juiz de Fora, Brasil 267 (4-19 anos) Otoscopia
Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz
Questionário
Perda auditiva incapacitante (OMS) 3,03% (8-267) Zumbido, > 60 anos, baixo nível de escolaridaded
Béria et al., 2007 Canoas, Brasil 776 (4-19 anos) Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz Perda auditiva incapacitante (OMS) 4-9 anos: 12%;
10-19 anos: 7,1%
Renda e nível de escolaridaded
Incapacitante:
4-9 anos: 5,3%;
10-19 anos: 2,2%
Bevilacqua et al., 2013 Monte Negro, Brasil 577 indivíduosc Otoscopia
Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz
0-29 dB sem comprometimento; 30-40 dB leve;
41-60 dB moderada;
61-80 dB grave;
> 80 dB profunda
3,8% (2,17-5,45) incapacitante Fatores associados não incluídos no estudo
Chen et al., 2011 Xi'na, China 1567 (12-19 anos) Otoscopia
Limiar auditivo 0,25 kHz a 8 kHz
Timpanometria
Limiar auditivo (500-4000 Hz) > 25 dB 3,32% doença otológica
(30-1567)
Gênero, uso de dispositivo audiológico portátil, drogas ototóxicas, histórico familiar de DA
Czechowicz et al., 2010 Distrito de Lima, Peru 355 (6-19 anos) Otoscopia pneumática
Limiar auditivo em 0,25, 0,5, 1, 2, 4, 8 kHz
Timpanometria
Desempenho acadêmico e questionário aplicado por adultos responsáveis
> 25 dB 6,9% (4,2%-9,6%) Renda, pobreza.
Icterícia neonatal, hospitalização, infecções recorrentes do ouvido médio, histórico familiar de DA com < 35 anos, anormalidade da membrana timpânica, cerume impactado, disfunção tubária
Feder et al., 2017 Canada 1879 (6-19 anos) Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz > 20 dB 4,7% Fatores associados não incluídos no estudo
EOAPD > 26 dB e "passar" em três das quatro frequências de teste (2, 3, 4 e 5 kHz) com relação sinal/ruído
6 dB
Gierek et al., 2009 Upper Silesia, Polônia 8.885 (6-14 anos)
Triagem a 1, 2 e 4 kHz
Fala no ruído Teste com figuras e teste com palavrasa
25 dB NA 10,3% falharam Disfunção tubária por infecção das vias aéreas superiores
90% correto;
75% correto
6% confirmaram DA
Gondim et al., 2012 Itajaí, Brasil 35 (4-9 anos) Questionário
Otoscopia
Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz
Timpanometria
Reflexos acústicos
Perda auditiva incapacitante (OMS) 2,86% Presbiacusia, idiopatia, cerume, otite média crônica, otosclerose, perda auditiva induzida por ruído, labirintopatiab,d
Govender et al., 2015 Durban, África do Sul 241 (estudantes de 1º ano) Otoscopia
Timpanometria
Limiar auditivo em 0,5, 1, 2 e 4 kHz
20 dB NA 24% Os fatores estudados não apresentaram significância estatística
Hong et al., 2016 Coreia 1.534 (13-18 anos) Limiar auditivo automatizado em 0,5 kHz a 6 kHz > 25 dB 0,5, 1, 2 e 3 kHz 2,2% (1,3-3,7) unilateral Idade, timpanometria, renda, uso de fones de ouvido com limiares > 20 dB em frequências altas
0,4% (0,2-0,9) bilateral
Jun et al., 2015 Coreia do Sul 2.033 (12-19 anos) Limiar auditivo automatizado em 0,5 a 6 kHz Frequência da fala na DA: limiares em 0,5, 1, 2, 3, 4 kHz ≥ 25 dBNA Unilateral: 2,18% (±0,48) Idade, sexo
Bilateral: 0,34% (±0,13)
Alta frequência em DA: limiares em 3, 4, 6 kHz ≥ 25 dBNA Unilateral: 2,81% (±0,55)
Bilateral: 0,83% (±0,25)
Kam et al., 2013 Shenzhen, China 325 (6-10 anos) Limiar auditivo automatizado em 1, 2 e 4 kHz > 25 dB 4,92% Fatores associados não incluídos no estudo
le Clercq et al., 2017 Roterdã, Países Baixos 5.368 (9-11 anos) Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz
Timpanometria
> 15 dB 17,50% Otite média e baixos níveis de escolaridade materna
Niskar et al., 1998 EUA 6.166 (6-19 anos) Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz > 15 dB 14,9% Resfriado, sinusite, otalgia, tubos de ventilação, autorreferidos no dia da avaliação
Ramma et al., 2016 Cidade do Cabo, África do Sul 1.000 (4-19 anos) Limiar auditivo em 0,25 kHz a 8 kHz > 25 dB 4-9 (4,3%); 10-19 (2,6) Sexo masculino, idade, hipertensão, histórico de trauma cranioencefálico e histórico familiar de DAb
Samelli et al., 2011 Butantã, Brasil 214 (2-10 anos) Avaliação auditivaa > 15 dB, timpanograma, presença de reflexos acústicos 46,7% Fatores associados não incluídos no estudo.
Serra et al., 2014 Córdoba, Argentina 172 (14-15 anos) Limiar auditivo em 0,25-8 kHz; 8-16 kHz EOAT 18 dB; Reprodutividade: > 70% SNR; > 6 dB em 3 frequências 34,88% Fatores associados não incluídos no estudo
Shargorodsky et al., 2010 USA Ciclo 1988-1994: 1.771 (12-19 anos) Limiar auditivo automatizado em 0,5-8 kHz.
Mudança de Limiar Induzida por Ruído
Pior orelha: discreto entre 15-25 dB NA, leve ou mais alto > 25 dB NA Ciclo 1988-1994: 14,9% (13,0-16,9) Raça / Etnia
Taxa de pobreza / renda
3+ infecções da orelha média
Ciclo 2005-2006: 2.288 (12-19 anos) Ciclo 2005-2006: 19,5% (15,2-23,8)
Skarzyński et al., 2016 Tajikistan, Polônia 143 (7-8 anos) Limiar auditivo, questionários (pais e filhos) 25 dB 23,7% Fatores associados não incluídos no estudo.
Taha et al., 2010 Distrito Shebin El-Kom, Egito 555 (6-12 anos) Triagem audiométrica, questionárioa 20 dB 20,9% Suspeita dos pais, otite média, consumo de tabaco em casa, baixo nível socioeconômico e icterícia pós-natal
Tarafder et al., 2015 Bangladesh 899 (5-14 anos) Limiar auditivo em 0,5, 1, 2, 4 KHz; EOAT 30 dB 13% Idade, carência socioeconômica, histórico familiar, cerume impactado, otite média crônica supurativa, otite média com efusão e otite externa
Wake et al., 2006 Melbourne, Austrália 6.581 (≤ 7-12 anos Limiar auditivo em 0,5, 1 e 2 kHz ou 3, 4 e 6 kHz > 40 dB
Melhor orelha
0,88% (0,66-1,15) Memória fonológica de curto prazo pior
Westerberg et al., 2005 Manicaland, Zimbábue 5.528 (4-20 anos) Triagem auditiva em 1, 2 e 4 kHz > 30 dB 2,4% (2,0-2,8) Cerume impactado, infecçõesb

aEsse estudo inclui avaliação auditiva diagnóstica.

bEsses estudos não incluíram análise de fatores associados, apenas análise das causas.

cEsses estudos não incluíram faixas etárias específicas para crianças/adolescentes.

dEsses estudos não incluíram análise específica de fatores associados para a faixa etária estudada, apenas para a população geral.

De maneira similar, o estudo dos fatores associados não foi homogêneo. Sete estudos não incluíram a análise dos fatores associados além da prevalência da deficiência auditiva16,22,24,26,27,29,33 e outros sete incluíram essa análise, embora não fosse específica para a faixa etária das crianças e/ou adolescentes.11,12,14,15,17-19 Devido ao baixo número de estudos que avaliaram fatores associados, as causas estabelecidas pelos estudos foram apontadas como fatores associados na tabela 3.

Discussão

Foram selecionados para a revisão sistemática 26 artigos, contudo houve variação significativa no método de identificação da deficiência auditiva, critérios de normalidade e grupos etários investigados, o que consequentemente levou à variabilidade na prevalência e seus fatores associados.

A menor prevalência encontrada foi de 0,88%21 e a mais alta foi de 46,7%.33 Enquanto alguns estudos incluíram a avaliação diagnóstica,7,10,32 outros consideraram a perda auditiva incapacitante.11,12,15,16,18 Alguns estudos aplicaram questionários,9,26,32,33 mas com objetivos diferentes. Questionários foram aplicados aos pais9,26,32 e aos indivíduos em idade escolar para investigar possíveis causas de alterações auditivas26 e fatores de risco para DA,32 como histórico de saúde,9 possível presença de zumbido e dificuldades de aprendizagem.26 No entanto, um dos estudos teve o objetivo de desenvolver um questionário como uma ferramenta de baixo custo para triagem auditiva.33

As prevalências encontradas nos estudos variaram de acordo com o método, a faixa etária e o critério de normalidade estabelecido pelos autores e a população em estudo; também houve variabilidade no estudo dos fatores de risco associados à DA. Considerando os estudos que enfocaram a avaliação de crianças e/ou adolescentes, e considerando a faixa etária "crianças" limitada aos 12 anos, verificou-se que o mesmo número de estudos considerou crianças,21,25,26,28,29,32,33 e ambos os grupos etários (crianças e adolescentes),7,9,10,20,22,27,31 com pesquisa específica limitada nos adolescentes.8,23,24,30 Deve-se destacar que as faixas etárias dentro dos grupos etários não foram as mesmas, nem os critérios de amostragem para cada estudo.

Alguns estudos avaliaram populações mistas de pré-escolares e indivíduos em idade escolar10,12,15,19,22,31,33 e dentro desses estudos as causas mais comuns de deficiência auditiva foram cerume impactado10,31 e infecções31 como otite média.10,31 Nesses estudos, a prevalência variou entre 1,75%10 e 46,7%.33 Esses valores mais elevados podem ser explicados pelo critério diagnóstico usado, que, além da audiometria, também considerou o timpanograma tipo A e a presença de reflexos acústicos. Além disso, havia grupos de crianças com maior prevalência de alterações condutivas, como o diagnóstico de perda condutiva em 84,4%10 das crianças com DA. Entretanto, o estudo que comparou duas faixas etárias dentro da mesma população encontrou prevalências semelhantes: 1,3% para a faixa de quatro a nove anos e 1,4% para a faixa de 10 a 19 anos, a partir da análise da orelha melhor.16

O critério de normalidade empregado, o número de indivíduos em idade escolar incluídos e/ou a população selecionada podem ter causado tais discrepâncias, pois as principais causas de DA para indivíduos mais jovens são fatores relacionados à fatores condutivos - otite média com efusão (faixa de quatro a oito anos),10 otite média com efusão associada a disfunção da tuba auditiva e hiperplasia de adenoide (faixa de quatro a 10 anos).11 O estudo que encontrou a menor prevalência avaliou um grupo específico de escolares, com o objetivo de estabelecer a prevalência de DA naqueles que haviam feito a triagem auditiva neonatal. Por esse motivo, aqueles que não fizeram a triagem ou aqueles já diagnosticados com DA foram excluídos.23 Os estudos não apresentaram discussões profundas sobre a etiologia, possivelmente porque os resultados são oriundos de estudos de prevalência, e não de investigação diagnóstica. É importante estudar não apenas os fatores que levam à deficiência auditiva, mas também as causas genéticas.

Os fatores de risco para DA em crianças e adolescentes podem ser otológicos ou não otológicos.9 Os estudos consultados revelaram diferentes fatores associados à DA, como suspeita por parte dos pais,32 pior memória fonológica de curto prazo,21 uso de dispositivos eletrônicos pessoais,23 infecções de orelha média,8-11,18,31 infecções como sarampo, meningite, caxumba e rubéola materna,31 disfunção da tuba auditiva,7,9 cerume,9-11,14,18,20 anormalidades da membrana timpânica,9,10 icterícia neonatal9 e pós-natal,32 convulsões e hospitalização.9 No dia da avaliação, também foram incluídos condições associadas autorrelatadas, como sinusite, resfriado, otalgia e presença de tubo de ventilação.20 Baixo nível socioeconômico,18,32 renda,8,9,15 nível de escolaridade12,15 e baixo nível de escolaridade materna28 foram associados à DA. As infecções não tratadas de orelha média, por acesso limitado aos cuidados pediátricos, constituem um importante fator de risco para DA.

Foi verificada uma variação na prevalência entre adolescentes, que dependeu do critério de normalidade usado, pois alguns estudos analisaram perda auditiva incapacitante,11,12,15,16,18 enquanto outros incluíram frequências acima de 4 kHz no critério de audição normal,7-9,17,19,24,27,30 demonstrando a importância da avaliação de altas frequências nesse grupo. Os quatro estudos que focaram os adolescentes como principais sujeitos investigados foram feitos na última década e a prevalência encontrada variou entre 2,2%30 e 34,88%.24 A maior prevalência pode ser explicada pela inclusão de frequências acima de 8 kHz e emissões otoacústicas evocadas. É possível que isso tenha ocorrido devido à exposição a ruídos por dispositivos pessoais,17,23 já que o uso de fones de ouvido do tipo earbuds e supra-auriculares é comum, sem preocupações em relação aos níveis de intensidade ou duração da exposição.6

O uso de tecnologias de mídia deve ser destacado, assim como o hábito de ouvir música com fones de ouvido, o que ocorre progressivamente cada vez mais cedo na vida.34 Portanto, é comum estar exposto precocemente a altos níveis de ruído. Um estudo que envolveu escolares entre seis e 14 anos na Polônia investigou limiares reduzidos em altas frequências - 6 e 8 kHz, alterados em 17,8% da amostra, a influência do ruído foi o fator mais provável para essa alteração.7 É importante mencionar que as classificações para perda auditiva geralmente não incluem altas frequências, como a classificação proposta pela OMS e empregada em alguns dos estudos incluídos.9,12,15 Algumas das triagens feitas não incluíram altas frequências e, portanto, podem não ter evidências do início da perda auditiva induzida por ruído, a qual certamente apresenta alta incidência nessa população específica, como revelado pelo aumento da prevalência de DA em adolescentes durante um intervalo de quase dez anos.8 Houve associação entre o uso de fones de ouvido e problemas acadêmicos,9 destacou-se a importância das intervenções em saúde auditiva.

Em geral é difícil comparar as prevalências encontradas em diferentes estudos,19 como demonstrado nos resultados apresentados neste trabalho. Além da heterogeneidade dos métodos empregados para detectar e classificar a DA em crianças e adolescentes em idade escolar, o contexto de vida e a saúde dessa população são diversos, assim como as alterações auditivas experimentadas por crianças mais jovens e mais velhas.15 Esses fatores interferem na prevalência de DA, constituem a principal limitação do estudo aqui apresentado. Apesar da heterogeneidade de métodos, prevalência e seus fatores associados, a DA é um importante fator que compromete o desenvolvimento acadêmico e o desempenho de crianças e adolescentes.

Conclusão

Há heterogeneidade em relação à metodologia, critérios de normalidade e, consequentemente, quanto à prevalência e seus fatores associados. No entanto, a relevância do assunto e a necessidade de intervenções precoces são unânimes entre os estudos. Mais estudos são necessários, local e globalmente, para investigar a correlação entre os fatores associados e deficiência auditiva nessa população, para que intervenções e políticas públicas de saúde auditiva sejam progressivamente mais assertivas e direcionadas às novas necessidades desta geração.

REFERÊNCIAS

1 Ruben RJ. Redefining the survival of the fittest: communication disorders in the 21st century. Laryngoscope. 2000;110:241-5.
2 Regaçone SF, Gução ACB, Frizzo ACF. Eletrofisiologia: perspectivas atuais de sua aplicação clínica em fonoaudiologia. Verba Volant. 2003;:1-20.
3 Oliveira PS, Penna LM, Lemos SMA. Language development and hearing impairment: literature review. Rev CEFAC. 2015;6:2044-55.
4 World and Health Organization [WHO Web site]. Deafness and hearing loss; 2013. Available at: [accessed 23.02.17].
5 World and Health Organization [WHO Web site]. Hearing loss due to recreational exposure to loud sounds: a review; 2015. Available from: [accessed 22.09.17].
6 Marques APC, Filho ALM, Monteiro GTR. Prevalence of hearing loss in adolescents and young adults as a result of social noise exposure: meta-analysis. Rev CEFAC. 2015;6:2056-64.
7 Gierek T, Gwóźdź-Jezierska M, Markowski J, Witkowska M. The assessment of hearing organ of school children in Upper Silesia region. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73:1644-9, .
8 Shargorodsky J, Curhan SG, Curhan GC, Eavey R. Change in prevalence of hearing loss in US adolescents. JAMA. 2010;18:772-8.
9 Czechowicz JA, Messner AH, Alarcon-Matutti E, Alarcon J, Quinones-Calderon G, Montano S, et al. Hearing impairment and poverty: the epidemiology of ear disease in Peruvian schoolchildren. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142:272-7.
10 Al-Rowaily MA, AlFayez AI, AlJomiey MS, AlBadr AM, Abolfotouh MA. Hearing impairments among Saudi preschool children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76:1674-7.
11 Gondim LM, Balen SA, Zimmermann KJ, Pagnossin DF, Fialho Ide M, Roggia SM. Study of the prevalence of impaired hearing and its determinants in the city of Itajaí, Santa Catarina State, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78:27-34.
12 Baraky LR, Bento RF, Raposo NR, Tibiriçá SH, Ribeiro LC, Barone MM, et al. Disabling hearing loss prevalence in Juiz de Fora, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78:52-8.
13 Vandenbroucke JP, von Elm E, Altman DG, Gøtzsche PC, Mulrow CD, Pocock SJ, et al. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE): explanation and elaboration. PLoS Med. 2007;16:e297.
14 Al Khabori M, Khandekar R. The prevalence and causes of hearing impairment in Oman: a community-based cross-sectional study. Int J Audiol. 2004;43:486-92.
15 Béria JU, Raymann BC, Gigante LP, Figueiredo AC, Jotz G, Roithman R, et al. Hearing impairment and socioeconomic factors: a population-based survey of an urban locality in southern Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2007;21:381-7.
16 Bevilacqua MC, Banhara MR, Oliveira AN, Moret ALMN, Alvarenga KF, Caldana ML, et al. Survey of hearing disorders in an urban population in Rondonia, Northern Brazil. Rev Saúde Pública. 2013;47:309-15.
17 Jun HJ, Hwang SY, Lee SH, Lee JE, Song JJ, Chae S. The prevalence of hearing loss in South Korea: data from a population-based study. Laryngoscope. 2015;125:690-4.
18 Tarafder KH, Akhtar N, Zaman MM, Rasel MA, Bhuiyan MR, Datta PG. Disabling hearing impairment in the Bangladeshi population. J Laryngol Otol. 2015;129:126-35.
19 Ramma L, Sebothoma B. The prevalence of hearing impairment within the Cape Town Metropolitan area. S Afr J Commun Disord. 2016;8:63.
20 Niskar AS, Kieszak SM, Holmes A, Esteban E, Rubin C, Brody DJ. Prevalence of hearing loss among children 6-19 years of age: the Third National Health and Nutrition Examination Survey. JAMA. 1998;8:1071-5.
21 Wake M, Tobin S, Cone-Wesson B, Dahl HH, Gillam L, McCormick L, et al. Slight/mild sensorineural hearing loss in children. Pediatrics. 2006;118:1842-51.
22 Balen SA, Debiasi TF, Pagnossim DF, Broca VS, Roggia SM, Gondim LM. Caracterização da audição de crianças em um estudo de base populacional no município de Itajaí/SC. Arq Int Otorrinolaringol Intl Arch Otorhinolaryngol. 2009;4:372-80.
23 Chen Y, Li X, Xu Z, Li Z, Zhang P, He Y, et al. Ear diseases among secondary school students in Xi'an, China: the role of portable audio device use, insomnia and academic stress. BMC Public Health. 2011;:8.
24 Serra MR, Biassoni EC, Hinalaf M, Abraham M, Pavlik M, Villalobo JP, et al. Hearing and loud music exposure in 14-15 years old adolescents. Noise Health. 2014;16:320-30.
25 Govender S, Latiff N, Asmal N, Ramsaroop S, Mbele T. Evaluating the outcomes of a hearing screening service for grade one learners in urban areas at Durban, South Africa. J Public Health Afr. 2015;13:52-6.
26 Skarzyński PH, Świerniak W, Piłka A, Skarżynska MB, Włodarczyk AW, Kholmatov D, et al. A hearing screening program for children in primary schools in Tajikistan: a telemedicine model. Med Sci Monit. 2016;12:2424-30.
27 Feder KP, Michaud D, McNamee J, Fitzpatrick E, Ramage-Morin P, Beauregard Y. Prevalence of hearing loss among a representative sample of Canadian children and adolescents, 3 to 19 years of age. Ear Hear. 2017;38:7-20.
28 le Clercq CMP, van Ingen G, Ruytjens L, Goedegebure A, Moll HA, Raat H, et al. Prevalence of hearing loss among children 9 to 11 years old: the generation R study. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;143:928-34.
29 Kam AC, Gao H, Li LK, Zhao H, Qiu S, Tong MC. Automated hearing screening for children: a pilot study in China. Int J Audiol. 2013;52:855-60.
30 Hong SM, Park I-S, Kim YB, Hong SJ, Lee B. Analysis of the prevalence of and factors associated with hearing loss in Korean adolescents. PLoS ONE. 2016;11:e0159981, .
31 Westerberg BD, Skowronski DM, Stewart IF, Stewart L, Bernauer M, Mudarikwa L. Prevalence of hearing loss in primary school children in Zimbabwe. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69:e517-25.
32 Taha AA, Pratt SR, Farahat TM, Abdel-Rasoul GM, Albtanony MA, Elrashiedy AL, et al. Prevalence and risk factors of hearing impairment among primary-school children in Shebin El-kom District, Egypt. Am J Audiol. 2010;19:46-60.
33 Samelli AG, Rabelo CM, Vespasiano AP. Development and analysis of a low-cost screening tool to identify and classify hearing loss in children: a proposal for developing countries. Clinics (Sao Paulo). 2011;66:1943-8.
34 Dias AC, Siqueira LP, Viganó C. Análise das ações educativas sobre a saúde auditiva em crianças escolares. Rev Bras Pesq Saúde. 2016;18:91-9.