versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.2 São Paulo mar./abr. 2019 Epub 29-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.10.009
No século XXI, os distúrbios da comunicação, que incluem a deficiência auditiva (DA), constituem uma grave preocupação na saúde pública; e sem tratamento têm efeitos negativos no bem-estar econômico de uma sociedade na era da comunicação.1 O problema merece destaque, pois o sentido da audição é essencial para o desenvolvimento da fala, linguagem e aprendizagem2 e quanto maior o grau de deficiência auditiva, maiores são as dificuldades de perceber e distinguir a fala, inclusive déficits de linguagem.3
Em crianças com menos de 15 anos, 60% das perdas auditivas decorre de causas evitáveis4 e estimativas indicam que 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo podem estar sob risco de deficiência auditiva devido a práticas auditivas inseguras, como o uso de dispositivos de áudio individuais.5 Os adolescentes merecem atenção, pois estão expostos a altos níveis de intensidade de ruído não ocupacional.5,6 Alguns fatores associados à deficiência auditiva incluem infecções das vias aéreas superiores7 e da orelha média,8-10, além da presença de cerúmen que obstrui o meato acústico externo,9-11 já que podem interferir na transmissão do estímulo auditivo. No entanto, apesar do fato de as causas de DA poderem ser identificadas em crianças e adolescentes, os dados são limitados quanto a possíveis fatores de risco para DA adquirida.8
A detecção precoce da DA pode ajudar a prevenir atrasos acadêmicos,10 além de ser um determinante para a produtividade e a qualidade de vida do potencial portador de transtornos auditivos.12 Os exames audiológicos são indicados para a detecção precoce de distúrbios auditivos.7 Portanto, é evidente a necessidade de um conhecimento mais profundo sobre a prevalência e os fatores associados à deficiência auditiva em escolares. Ações de prevenção e intervenção poderiam então ser realizadas para minimizar as consequências negativas da DA na vida dos indivíduos. O objetivo deste estudo é fazer uma revisão sistemática da literatura científica sobre a prevalência da deficiência auditiva e seus fatores associados em escolares.
Fez-se uma revisão sistemática da literatura, norteada pela questão: "Qual a prevalência da deficiência auditiva e seus fatores associados em crianças e adolescentes em idade escolar?" As bases de dados consultadas foram PubMed/Medline, Lilacs, Web of Science, Scopus e SciELO. Os principais descritores relacionados ao tema investigado foram cruzados: prevalence, epidemiology, cross-sectional studies, hearing, hearing loss, hearing disorders, school health services, school health, child e adolescent, como mostram as estratégias apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 Estratégia de pesquisa para os bancos de dados selecionados
Pubmed | (prevalence and epidemiology) E (cross-sectional studies) E (hearing loss or hearing) E (child or adolescent) E (school health services or school health) |
Web of Science | TS=(prevalence) E TS=(hearing loss or hearing) E TS=(cross-sectional studies) E TS=(child or adolescent)) |
Scopus | ALL (prevalence) E ALL (cross-sectional studies) E ALL (hearing loss) OU (hearing disorders) E ALL (school health services) OU (school health) E ALL (child) OU (adolescent) |
Lilacs | Perda auditiva OU hearing loss [Words] E Prevalência OU Prevalence [Words] E Criança OU Niño OU child [Words] |
Scielo | (prevalence) E (hearing loss) OU (hearing) E (child) OU (adolescent) |
A revisão incluiu apenas os estudos transversais e que apresentavam a prevalência de deficiência auditiva em crianças e/ou adolescentes. Outros tipos de estudos ou formatos foram excluídos, bem como estudos transversais que incluíram crianças e/ou adolescentes mas não apresentaram uma prevalência específica para essa população. O levantamento dos dados bibliográficos ocorreu em 10 de abril de 2018, com base nos critérios de inclusão supracitados. A primeira fase da seleção de artigos foi a exclusão de estudos duplicados, seguida da leitura e análise de títulos e resumos de todos os trabalhos identificados. O passo seguinte foi a leitura completa dos estudos selecionados, o que levou à exclusão de trabalhos que não atenderam a proposta da revisão. As bibliografias dos artigos identificados foram analisadas para identificar possíveis estudos adicionais que pudessem ser adicionados à revisão aqui apresentada.
Os artigos selecionados foram submetidos à avaliação metodológica de acordo com a lista de verificação fornecida pelo relatório Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe)13 para estudos transversais, receberam o valor 1 quando o item foi contemplado, 0 quando não contemplado e 0,5 quando parcialmente contemplado. Todas as fases foram feitas pelos dois primeiros autores/pesquisadores, de maneira independente. Este estudo incluiu apenas os artigos que alcançaram pelo menos 60% do escore determinado pela lista de verificação Strobe, com um ponto de corte estabelecido para garantir boa qualidade metodológica. Artigos que não atingiram o limiar de corte foram excluídos. Todos os procedimentos da revisão aqui apresentados foram conduzidos de acordo com checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma).
Foram identificados 463 artigos, que abordaram a prevalência de deficiência auditiva em escolares e/ou adolescentes. Após todos os passos metodológicos, foram incluídos 26 artigos (fig. 1), com descrição da qualidade metodológica apresentada na tabela 2. Os artigos investigaram diferentes populações, grupos etários, critérios e métodos de diagnóstico de deficiência auditiva, mostrando a heterogeneidade dos resultados.
Tabela 2 Qualidade metodológica dos estudos incluídos, de acordo com a lista de verificação Strobe
Referência | TR | CJ | O | DE | C | P | VA | DM | V | TA | VQ | ME | P | DD | D | RP | OA | RP | L | I | G | F | Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Al-Rowaily et al., 2012 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 0 | 17 |
Al-Khabori et al., 2004 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0 | 1 | 14,5 |
Balen et al., 2009 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0 | 1 | 0 | 0,5 | 0 | 1 | 15,5 |
Baraky et al., 2012 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 19,5 |
Béria et al., 2007 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 20,5 |
Bevilacqua et al., 2013 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0 | 1 | 0 | 0,5 | 0,5 | 1 | 15,5 |
Chen et al., 2011 | 0,5 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 17 |
Czechowicz et al., 2010 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 17,5 |
Feder et al., 2017 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 0,5 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 16,5 |
Gierek et al., 2009 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 0,5 | 1 | 16 |
Gondim et al., 2012 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0,5 | 0 | 0 | 16,5 |
Govender et al., 2015 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 0 | 16 |
Hong et al., 2016 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0 | 18 |
Jun et al., 2015 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 18,5 |
Kam et al., 2013 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0,5 | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 14,5 |
le Clercq et al., 2017 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 19,5 |
Niskar et al., 1998 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 17 |
Ramma et al., 2016 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 21 |
Samelli et al., 2011 | 0,5 | 1 | 1 | 0,5 | 0,5 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 18 |
Serra et al., 2014 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0,5 | 0,5 | 1 | 0,5 | 0 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 0,5 | 1 | 14,5 |
Shargorodsky et al., 2010 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 17 |
Skarzyński et al., 2016 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0,5 | 0,5 | 1 | 0 | 0 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 13,5 |
Taha et al., 2010 | 0,5 | 1 | 0 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 0 | 14,5 |
Tarafder et al., 2015 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0,5 | 0,5 | 1 | 18,5 |
Wake et al., 2006 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 19,5 |
Westerberg et al., 2005 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0,5 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0,5 | 1 | 17,5 |
C, contexto; CJ, contexto/justificativa; D, desfechos; DD, dados descritivos; DE, desenho do estudo; DM, fonte de dados/medidas; F, financiamento; G, generalização; I, interpretação; L, limitações; ME, métodos estatísticos; O, objetivos; OA, outras análises; P, participantes; P, participantes; RP, resultados principais; RP, resultados principais; TA, tamanho do estudo; TR, título e resumo; V, viés; VA, variáveis; VQ, variáveis quantitativas.
Os estudos avaliaram diferentes faixas etárias e oito artigos incluíram grupos etários além de crianças e adolescentes.11,12,14-19 Houve variação nos métodos diagnósticos e critérios de normalidade entre os estudos selecionados. Alguns estudos usaram o limiar auditivo como procedimento de triagem,9,11,12,15,16,18-28 limiar auditivo automatizado,8,17,29,30 triagem audiométrica,14,31 e audiometria audiometria diagnóstica em alguma etapa.10,32,33 Em relação aos critérios de normalidade, houve diferenças mesmo entre os que usaram a mesma técnica, limiar auditivo ou triagem, e alguns estudos apresentaram um conjunto de procedimentos para indicar a normalidade do teste. Devido a essas diferenças, houve variação nos valores de prevalência encontrados. A maioria dos estudos não forneceu os respectivos intervalos de confiança (IC) (tabela 3) e alguns estudos analisaram a prevalência por meio de diferentes critérios e/ou avaliaram uma faixa etária mais ampla do que a que foi incluída nesta revisão, apresentaram o IC para alguns critérios.
Tabela 3 Características dos estudos incluídos, com qualidade metodológica avaliada de acordo com os critérios da lista de verificação Strobe
Referência | Cidade/País | Amostra/População | Método diagnóstico | Critério de normalidade |
Prevalência de DA | Fatores associados com DA |
---|---|---|---|---|---|---|
Al-Rowaily et al., 2012 | King Abdulaziz Medical City, Arábia Saudita | 2.574 (4-8 anos) | Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHza | 20 dB | 1,75% (1,25-2,25) | Otite média, cerume, otite média crônica, perda auditiva neurossensorial, perfuração timpânicab |
Al-Khabori et al., 2004 | Omã | 11.400 indivíduosc | Triagem em 1, 2 e 4 kHz | > 25 dB Reteste imediato em 35 dB |
0-9 anos, 16,7% (12,71-20,76) | Cerume, presbiacusia, infecçõesb,d |
10-19 anos, 33,3% (27,63-38,91) | ||||||
Balen et al., 2009 | Itajaí, Brasil | 419 (0-14 anos) | 4-14 anos: Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz, reflexos acústicos e timpanometria | > 15 dB para melhor orelha | 16,84% | Fatores associados não incluídos no estudo |
Baraky et al., 2012 | Juiz de Fora, Brasil | 267 (4-19 anos) | Otoscopia Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz Questionário |
Perda auditiva incapacitante (OMS) | 3,03% (8-267) | Zumbido, > 60 anos, baixo nível de escolaridaded |
Béria et al., 2007 | Canoas, Brasil | 776 (4-19 anos) | Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz | Perda auditiva incapacitante (OMS) | 4-9 anos: 12%; 10-19 anos: 7,1% |
Renda e nível de escolaridaded |
Incapacitante: 4-9 anos: 5,3%; 10-19 anos: 2,2% |
||||||
Bevilacqua et al., 2013 | Monte Negro, Brasil | 577 indivíduosc | Otoscopia Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz |
0-29 dB sem comprometimento; 30-40 dB leve; 41-60 dB moderada; 61-80 dB grave; > 80 dB profunda |
3,8% (2,17-5,45) incapacitante | Fatores associados não incluídos no estudo |
Chen et al., 2011 | Xi'na, China | 1567 (12-19 anos) | Otoscopia Limiar auditivo 0,25 kHz a 8 kHz Timpanometria |
Limiar auditivo (500-4000 Hz) > 25 dB | 3,32% doença otológica (30-1567) |
Gênero, uso de dispositivo audiológico portátil, drogas ototóxicas, histórico familiar de DA |
Czechowicz et al., 2010 | Distrito de Lima, Peru | 355 (6-19 anos) | Otoscopia pneumática Limiar auditivo em 0,25, 0,5, 1, 2, 4, 8 kHz Timpanometria Desempenho acadêmico e questionário aplicado por adultos responsáveis |
> 25 dB | 6,9% (4,2%-9,6%) | Renda, pobreza. Icterícia neonatal, hospitalização, infecções recorrentes do ouvido médio, histórico familiar de DA com < 35 anos, anormalidade da membrana timpânica, cerume impactado, disfunção tubária |
Feder et al., 2017 | Canada | 1879 (6-19 anos) | Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz | > 20 dB | 4,7% | Fatores associados não incluídos no estudo |
EOAPD | > 26 dB e "passar" em três das quatro frequências de teste (2, 3, 4 e 5 kHz) com relação sinal/ruído 6 dB |
|||||
Gierek et al., 2009 | Upper Silesia, Polônia | 8.885 (6-14 anos) |
Triagem a 1, 2 e 4 kHz Fala no ruído Teste com figuras e teste com palavrasa |
25 dB NA | 10,3% falharam | Disfunção tubária por infecção das vias aéreas superiores |
90% correto; 75% correto |
6% confirmaram DA | |||||
Gondim et al., 2012 | Itajaí, Brasil | 35 (4-9 anos) | Questionário Otoscopia Limiar auditivo em 1, 2 e 4 kHz Timpanometria Reflexos acústicos |
Perda auditiva incapacitante (OMS) | 2,86% | Presbiacusia, idiopatia, cerume, otite média crônica, otosclerose, perda auditiva induzida por ruído, labirintopatiab,d |
Govender et al., 2015 | Durban, África do Sul | 241 (estudantes de 1º ano) | Otoscopia Timpanometria Limiar auditivo em 0,5, 1, 2 e 4 kHz |
20 dB NA | 24% | Os fatores estudados não apresentaram significância estatística |
Hong et al., 2016 | Coreia | 1.534 (13-18 anos) | Limiar auditivo automatizado em 0,5 kHz a 6 kHz | > 25 dB 0,5, 1, 2 e 3 kHz | 2,2% (1,3-3,7) unilateral | Idade, timpanometria, renda, uso de fones de ouvido com limiares > 20 dB em frequências altas |
0,4% (0,2-0,9) bilateral | ||||||
Jun et al., 2015 | Coreia do Sul | 2.033 (12-19 anos) | Limiar auditivo automatizado em 0,5 a 6 kHz | Frequência da fala na DA: limiares em 0,5, 1, 2, 3, 4 kHz ≥ 25 dBNA | Unilateral: 2,18% (±0,48) | Idade, sexo |
Bilateral: 0,34% (±0,13) | ||||||
Alta frequência em DA: limiares em 3, 4, 6 kHz ≥ 25 dBNA | Unilateral: 2,81% (±0,55) | |||||
Bilateral: 0,83% (±0,25) | ||||||
Kam et al., 2013 | Shenzhen, China | 325 (6-10 anos) | Limiar auditivo automatizado em 1, 2 e 4 kHz | > 25 dB | 4,92% | Fatores associados não incluídos no estudo |
le Clercq et al., 2017 | Roterdã, Países Baixos | 5.368 (9-11 anos) | Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz Timpanometria |
> 15 dB | 17,50% | Otite média e baixos níveis de escolaridade materna |
Niskar et al., 1998 | EUA | 6.166 (6-19 anos) | Limiar auditivo em 0,5 kHz a 8 kHz | > 15 dB | 14,9% | Resfriado, sinusite, otalgia, tubos de ventilação, autorreferidos no dia da avaliação |
Ramma et al., 2016 | Cidade do Cabo, África do Sul | 1.000 (4-19 anos) | Limiar auditivo em 0,25 kHz a 8 kHz | > 25 dB | 4-9 (4,3%); 10-19 (2,6) | Sexo masculino, idade, hipertensão, histórico de trauma cranioencefálico e histórico familiar de DAb |
Samelli et al., 2011 | Butantã, Brasil | 214 (2-10 anos) | Avaliação auditivaa | > 15 dB, timpanograma, presença de reflexos acústicos | 46,7% | Fatores associados não incluídos no estudo. |
Serra et al., 2014 | Córdoba, Argentina | 172 (14-15 anos) | Limiar auditivo em 0,25-8 kHz; 8-16 kHz EOAT | 18 dB; Reprodutividade: > 70% SNR; > 6 dB em 3 frequências | 34,88% | Fatores associados não incluídos no estudo |
Shargorodsky et al., 2010 | USA | Ciclo 1988-1994: 1.771 (12-19 anos) | Limiar auditivo automatizado em 0,5-8 kHz. Mudança de Limiar Induzida por Ruído |
Pior orelha: discreto entre 15-25 dB NA, leve ou mais alto > 25 dB NA | Ciclo 1988-1994: 14,9% (13,0-16,9) | Raça / Etnia Taxa de pobreza / renda 3+ infecções da orelha média |
Ciclo 2005-2006: 2.288 (12-19 anos) | Ciclo 2005-2006: 19,5% (15,2-23,8) | |||||
Skarzyński et al., 2016 | Tajikistan, Polônia | 143 (7-8 anos) | Limiar auditivo, questionários (pais e filhos) | 25 dB | 23,7% | Fatores associados não incluídos no estudo. |
Taha et al., 2010 | Distrito Shebin El-Kom, Egito | 555 (6-12 anos) | Triagem audiométrica, questionárioa | 20 dB | 20,9% | Suspeita dos pais, otite média, consumo de tabaco em casa, baixo nível socioeconômico e icterícia pós-natal |
Tarafder et al., 2015 | Bangladesh | 899 (5-14 anos) | Limiar auditivo em 0,5, 1, 2, 4 KHz; EOAT | 30 dB | 13% | Idade, carência socioeconômica, histórico familiar, cerume impactado, otite média crônica supurativa, otite média com efusão e otite externa |
Wake et al., 2006 | Melbourne, Austrália | 6.581 (≤ 7-12 anos | Limiar auditivo em 0,5, 1 e 2 kHz ou 3, 4 e 6 kHz | > 40 dB Melhor orelha |
0,88% (0,66-1,15) | Memória fonológica de curto prazo pior |
Westerberg et al., 2005 | Manicaland, Zimbábue | 5.528 (4-20 anos) | Triagem auditiva em 1, 2 e 4 kHz | > 30 dB | 2,4% (2,0-2,8) | Cerume impactado, infecçõesb |
aEsse estudo inclui avaliação auditiva diagnóstica.
bEsses estudos não incluíram análise de fatores associados, apenas análise das causas.
cEsses estudos não incluíram faixas etárias específicas para crianças/adolescentes.
dEsses estudos não incluíram análise específica de fatores associados para a faixa etária estudada, apenas para a população geral.
De maneira similar, o estudo dos fatores associados não foi homogêneo. Sete estudos não incluíram a análise dos fatores associados além da prevalência da deficiência auditiva16,22,24,26,27,29,33 e outros sete incluíram essa análise, embora não fosse específica para a faixa etária das crianças e/ou adolescentes.11,12,14,15,17-19 Devido ao baixo número de estudos que avaliaram fatores associados, as causas estabelecidas pelos estudos foram apontadas como fatores associados na tabela 3.
Foram selecionados para a revisão sistemática 26 artigos, contudo houve variação significativa no método de identificação da deficiência auditiva, critérios de normalidade e grupos etários investigados, o que consequentemente levou à variabilidade na prevalência e seus fatores associados.
A menor prevalência encontrada foi de 0,88%21 e a mais alta foi de 46,7%.33 Enquanto alguns estudos incluíram a avaliação diagnóstica,7,10,32 outros consideraram a perda auditiva incapacitante.11,12,15,16,18 Alguns estudos aplicaram questionários,9,26,32,33 mas com objetivos diferentes. Questionários foram aplicados aos pais9,26,32 e aos indivíduos em idade escolar para investigar possíveis causas de alterações auditivas26 e fatores de risco para DA,32 como histórico de saúde,9 possível presença de zumbido e dificuldades de aprendizagem.26 No entanto, um dos estudos teve o objetivo de desenvolver um questionário como uma ferramenta de baixo custo para triagem auditiva.33
As prevalências encontradas nos estudos variaram de acordo com o método, a faixa etária e o critério de normalidade estabelecido pelos autores e a população em estudo; também houve variabilidade no estudo dos fatores de risco associados à DA. Considerando os estudos que enfocaram a avaliação de crianças e/ou adolescentes, e considerando a faixa etária "crianças" limitada aos 12 anos, verificou-se que o mesmo número de estudos considerou crianças,21,25,26,28,29,32,33 e ambos os grupos etários (crianças e adolescentes),7,9,10,20,22,27,31 com pesquisa específica limitada nos adolescentes.8,23,24,30 Deve-se destacar que as faixas etárias dentro dos grupos etários não foram as mesmas, nem os critérios de amostragem para cada estudo.
Alguns estudos avaliaram populações mistas de pré-escolares e indivíduos em idade escolar10,12,15,19,22,31,33 e dentro desses estudos as causas mais comuns de deficiência auditiva foram cerume impactado10,31 e infecções31 como otite média.10,31 Nesses estudos, a prevalência variou entre 1,75%10 e 46,7%.33 Esses valores mais elevados podem ser explicados pelo critério diagnóstico usado, que, além da audiometria, também considerou o timpanograma tipo A e a presença de reflexos acústicos. Além disso, havia grupos de crianças com maior prevalência de alterações condutivas, como o diagnóstico de perda condutiva em 84,4%10 das crianças com DA. Entretanto, o estudo que comparou duas faixas etárias dentro da mesma população encontrou prevalências semelhantes: 1,3% para a faixa de quatro a nove anos e 1,4% para a faixa de 10 a 19 anos, a partir da análise da orelha melhor.16
O critério de normalidade empregado, o número de indivíduos em idade escolar incluídos e/ou a população selecionada podem ter causado tais discrepâncias, pois as principais causas de DA para indivíduos mais jovens são fatores relacionados à fatores condutivos - otite média com efusão (faixa de quatro a oito anos),10 otite média com efusão associada a disfunção da tuba auditiva e hiperplasia de adenoide (faixa de quatro a 10 anos).11 O estudo que encontrou a menor prevalência avaliou um grupo específico de escolares, com o objetivo de estabelecer a prevalência de DA naqueles que haviam feito a triagem auditiva neonatal. Por esse motivo, aqueles que não fizeram a triagem ou aqueles já diagnosticados com DA foram excluídos.23 Os estudos não apresentaram discussões profundas sobre a etiologia, possivelmente porque os resultados são oriundos de estudos de prevalência, e não de investigação diagnóstica. É importante estudar não apenas os fatores que levam à deficiência auditiva, mas também as causas genéticas.
Os fatores de risco para DA em crianças e adolescentes podem ser otológicos ou não otológicos.9 Os estudos consultados revelaram diferentes fatores associados à DA, como suspeita por parte dos pais,32 pior memória fonológica de curto prazo,21 uso de dispositivos eletrônicos pessoais,23 infecções de orelha média,8-11,18,31 infecções como sarampo, meningite, caxumba e rubéola materna,31 disfunção da tuba auditiva,7,9 cerume,9-11,14,18,20 anormalidades da membrana timpânica,9,10 icterícia neonatal9 e pós-natal,32 convulsões e hospitalização.9 No dia da avaliação, também foram incluídos condições associadas autorrelatadas, como sinusite, resfriado, otalgia e presença de tubo de ventilação.20 Baixo nível socioeconômico,18,32 renda,8,9,15 nível de escolaridade12,15 e baixo nível de escolaridade materna28 foram associados à DA. As infecções não tratadas de orelha média, por acesso limitado aos cuidados pediátricos, constituem um importante fator de risco para DA.
Foi verificada uma variação na prevalência entre adolescentes, que dependeu do critério de normalidade usado, pois alguns estudos analisaram perda auditiva incapacitante,11,12,15,16,18 enquanto outros incluíram frequências acima de 4 kHz no critério de audição normal,7-9,17,19,24,27,30 demonstrando a importância da avaliação de altas frequências nesse grupo. Os quatro estudos que focaram os adolescentes como principais sujeitos investigados foram feitos na última década e a prevalência encontrada variou entre 2,2%30 e 34,88%.24 A maior prevalência pode ser explicada pela inclusão de frequências acima de 8 kHz e emissões otoacústicas evocadas. É possível que isso tenha ocorrido devido à exposição a ruídos por dispositivos pessoais,17,23 já que o uso de fones de ouvido do tipo earbuds e supra-auriculares é comum, sem preocupações em relação aos níveis de intensidade ou duração da exposição.6
O uso de tecnologias de mídia deve ser destacado, assim como o hábito de ouvir música com fones de ouvido, o que ocorre progressivamente cada vez mais cedo na vida.34 Portanto, é comum estar exposto precocemente a altos níveis de ruído. Um estudo que envolveu escolares entre seis e 14 anos na Polônia investigou limiares reduzidos em altas frequências - 6 e 8 kHz, alterados em 17,8% da amostra, a influência do ruído foi o fator mais provável para essa alteração.7 É importante mencionar que as classificações para perda auditiva geralmente não incluem altas frequências, como a classificação proposta pela OMS e empregada em alguns dos estudos incluídos.9,12,15 Algumas das triagens feitas não incluíram altas frequências e, portanto, podem não ter evidências do início da perda auditiva induzida por ruído, a qual certamente apresenta alta incidência nessa população específica, como revelado pelo aumento da prevalência de DA em adolescentes durante um intervalo de quase dez anos.8 Houve associação entre o uso de fones de ouvido e problemas acadêmicos,9 destacou-se a importância das intervenções em saúde auditiva.
Em geral é difícil comparar as prevalências encontradas em diferentes estudos,19 como demonstrado nos resultados apresentados neste trabalho. Além da heterogeneidade dos métodos empregados para detectar e classificar a DA em crianças e adolescentes em idade escolar, o contexto de vida e a saúde dessa população são diversos, assim como as alterações auditivas experimentadas por crianças mais jovens e mais velhas.15 Esses fatores interferem na prevalência de DA, constituem a principal limitação do estudo aqui apresentado. Apesar da heterogeneidade de métodos, prevalência e seus fatores associados, a DA é um importante fator que compromete o desenvolvimento acadêmico e o desempenho de crianças e adolescentes.
Há heterogeneidade em relação à metodologia, critérios de normalidade e, consequentemente, quanto à prevalência e seus fatores associados. No entanto, a relevância do assunto e a necessidade de intervenções precoces são unânimes entre os estudos. Mais estudos são necessários, local e globalmente, para investigar a correlação entre os fatores associados e deficiência auditiva nessa população, para que intervenções e políticas públicas de saúde auditiva sejam progressivamente mais assertivas e direcionadas às novas necessidades desta geração.