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Prevalência de diabetes autorreferido no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013

Prevalência de diabetes autorreferido no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013

Autores:

Betine Pinto Moehlecke Iser,
Sheila Rizzato Stopa,
Patrícia Sampaio Chueiri,
Célia Landmann Szwarcwald,
Deborah Carvalho Malta,
Helena Oliveira da Cruz Monteiro,
Bruce Bartholow Duncan,
Maria Inês Schmidt

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.2 Brasília abr./jun. 2015

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000200013

ABSTRACT

OBJECTIVE:

to estimate the prevalence of self-reported diabetes in Brazil, describing it according to sociodemographic characteristics.

METHODS:

this was a descriptive study of prevalence of medically diagnosed diabetes in adults (aged ≥18 years), using National Health Survey data, a household survey conducted in Brazil in 2013.

RESULTS:

62,202 subjects were interviewed; reported disease prevalence was 6.2% (95%CI 5.9-6.6). It was greater in women (7.0%; 95%CI 6.5-7.5) than men (5.4%; 95%CI 4.8-5.9) and among people living in urban areas (6.5%; 95%CI 6.1-6.9) rather than rural areas (4.6%; 95%CI 4.0-5.2). Some nine million people are estimated to have diabetes in Brazil, around 3.5 million of whom are aged 65 years or more.

CONCLUSION:

the results from National Health Survey were consistent with other research conducted, and show an elevated number of people diagnosed as having diabetes, especially in urban areas.

Key words: Diabetes Mellitus; Self Report; Diagnosis; Health Surveys; Epidemiology, Descriptive

RESUMEN

OBJETIVO:

estimar la prevalencia de la diabetes autorreferida en Brasil y describirla según características sociodemográficas.

MÉTODOS:

estudio descriptivo de la prevalencia del diagnóstico médico de la diabetes en adultos(≥18 años) con datos de la Encuesta Nacional de Salud, hecha en domicilio en Brasil el año de 2013.

RESULTADOS:

se entrevistaron 60.202 residentes; la prevalencia de la enfermedad informada fue de 6,2% (IC95% 5,9-6,6), superior en las mujeres (7,0%; IC95% 6,5-7,5) que en los hombres (5,4%; IC95% 4,8-5,9), y en los habitantes de la zona urbana (6,5%; IC95% 6,1-6,9) más que en las zonas rurales (4,6%; IC95% 4,0-5,2); la estimación fue de cerca de 9 millones de personas con diabetes en este país, alrededor de 3,5 millones de ellos con edad igual o superior a los 65 años.

CONCLUSIÓN:

los resultados de la encuesta fueron consistentes con otras investigaciones y muestran un alto número de personas con diagnóstico de esa enfermedad en el país, especialmente en las zonas urbanas.

Palabras-clave: Diabetes Mellitus; Autoinforme; Diagnóstico; Encuestas Epidemiológicas; Epidemiología Descriptiva

Introdução

O diabetes é uma das doenças crônicas priorizadas em nível global. Seu impacto inclui elevada prevalência, importante morbidade decorrente de complicações agudas e crônicas e alta taxa de hospitalizações e de mortalidade, gerando significativos danos econômicos e sociais.1,2

O diabetes causou 4,9 milhões de mortes no mundo em 2014 e foi responsável por 11% do gasto total com a saúde de adultos: um custo estimado de 612 milhões de dólares.3 No Brasil, essa enfermidade foi responsável por 5,3% dos óbitos ocorridos em 2011, com taxa de mortalidade de 33,7 óbitos a cada 100 mil habitantes, apesar da redução de 1,7% ao ano verificada no período 2000-2011.4 A mortalidade por complicações agudas da doença, quase sempre preveníveis pelo pronto atendimento, mostrou uma taxa de 2,45 óbitos por 100 mil habitantes em 2010, sendo de 0,29 por 100 mil habitantes entre os menores de 40 anos de idade.5

A Federação Internacional do Diabetes (IDF) estima que o número de pessoas com diabetes no mundo em 2013 era de 387 milhões de pessoas, 46% delas sem diagnóstico prévio.3 Para a América Central e a América do Sul, essa estimativa era de 24 milhões de pessoas, podendo chegar a 38,5 milhões em 2035 - um aumento projetado de 60%. Para o Brasil, o contingente estimado, de 11,9 milhões de casos, pode alcançar 19,2 milhões em 2035.3

No país, a prevalência em geral é estimada por meio de inquéritos de saúde, os quais, em sua maioria, utilizam medidas autorreferidas devido à dificuldade de realizar medidas bioquímicas em âmbito populacional.6

O primeiro inquérito nacional a fornecer dados de prevalência com medidas bioquímicas foi realizado em oito capitais brasileiras e no Distrito Federal, na década de 1980, junto a adultos na faixa etária de 30 a 69 anos. A prevalência encontrada de diabetes autorreferido foi de 4,1%, aumentando para 7,6% quando os resultados de exames laboratoriais foram incluídos na classificação dos casos.7 Estudo recente, realizado em seis capitais brasileiras, em uma faixa etária semelhante (35 a 74 anos), porém com medidas laboratoriais mais abrangentes, encontrou uma prevalência de cerca de 20%, aproximadamente metade dos casos sem diagnóstico prévio.8

Dados mais abrangentes para o país foram fornecidos exclusivamente por informação autorreferida. No Inquérito Nacional do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), resultado de uma parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde,9 realizado em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal no ano de 2002, na Pesquisa Mundial de Saúde realizada em 200310 e nos suplementos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, 2003 e 2008,11 as prevalências da doença variaram entre 2,0 e 7,4%, com valores mais elevados em anos recentes. Dados do inquérito telefônico do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico - Vigitel -,12 realizado anualmente desde 2006 nas capitais brasileiras, confirmaram a tendência crescente na prevalência de diabetes, sendo verificado um aumento de 25% desde 2006 até 2013.

O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de diabetes autorreferido no Brasil a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 e descrevê-la segundo características sociodemográficas da população, grandes regiões nacionais, Unidades da Federação e respectivas capitais.

Métodos

Foi conduzido um estudo descritivo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde - PNS -inquérito domiciliar realizado no Brasil em 2013, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). A população-alvo da pesquisa foi constituída por moradores adultos (≥18 anos de idade), residentes em domicílios particulares de todo o território nacional, excluídos os setores censitários especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais).

Utilizou-se amostragem por conglomerados, divididos em três estágios, tendo como unidade primária os setores censitários, os domicílios como unidades secundárias e um morador adulto (≥18 anos) selecionado de cada domicílio como unidade terciária para responder à parte individual do questionário aplicado pela PNS. Os domicílios e moradores foram selecionados por amostragem aleatória simples. O tamanho mínimo definido para a amostra foi de 1.800 domicílios por UF. Inicialmente, foram selecionados 81.167 domicílios. Após o encerramento da coleta, havia-se realizado entrevistas em 64.348 domicílios e 60.202 moradores tinham respondido ao questionário individual, o que resultou em uma taxa de não resposta de 8,1%.

As entrevistas foram feitas entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014, utilizando-se computadores de mão [personal digital assistance (PDA)] programados para crítica de valores recebidos. As estimativas fornecidas pela PNS foram ponderadas considerando-se (i) o peso da unidade primária de amostragem (UPA) em relação à probabilidade de fazer parte da pesquisa, (ii) o peso do domicílio, com ajustes para correção de não resposta e calibração pelos totais populacionais, e (iii) o peso do morador selecionado para a entrevista individual, que considera ainda a probabilidade de seleção do morador, ajustes de não resposta por sexo e calibração pelos totais populacionais por sexo e classes de idade, estimados com o peso de todos os moradores. Outros detalhes sobre o processo de amostragem e ponderação estão disponíveis em publicações prévias.13,14

A prevalência de diabetes autorreferido foi calculada tendo como numerador o número de adultos entrevistados que responderam positivamente à questão "Algum médico já lhe deu o diagnóstico de diabetes?", e como denominador, o total de adultos entrevistados.

As prevalências e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram apresentados segundo sexo (masculino; feminino), situação do domicílio (área urbana; área rural), grupos de idade (em anos: 18 a 29; 30 a 59; 60 a 64 anos; 65 a 74 anos; e 75 ou mais), nível de instrução (sem instrução e Ensino Fundamental incompleto; Ensino Fundamental completo e Médio incompleto; Ensino Médio completo e Superior incompleto; Ensino Superior completo) e raça ou cor da pele autodeclarada (branca; preta; parda). As prevalências foram calculadas para o conjunto do Brasil, por grandes regiões nacionais, Unidades da Federação (UF) e respectivas capitais.

A estimativa do número absoluto de pessoas com diabetes foi realizada mediante a expansão dos dados amostrais ao total da população brasileira na mesma faixa etária e área geográfica. Diferenças entre as categorias foram avaliadas pela sobreposição de seus intervalos de confiança. Os dados foram analisados utilizando-se o programa Stata(r) versão 11, por meio do módulo survey, que considera efeitos da amostragem complexa.

A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ministério da Saúde, sob o Parecer n° 328.159, em 26 de junho de 2013. Todos os entrevistados que compuseram a amostra final concordaram em participar da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

ResultadosFigura 2

A partir do número de adultos que referiram diagnóstico de diabetes na amostra, foi possível expandir o número de casos para a população brasileira de 18 anos ou mais de idade: 9.121.631 (IC95% 8.634.051-9.609.211) adultos referiram ter diagnóstico prévio de diabetes: 5.433.262 mulheres e 3.688.369 homens (Tabela 1). A prevalência da doença reportada foi de 6,2% (IC95% 5,9-6,6), sendo maior nas mulheres (7,0%; IC95% 6,5-7,5) comparativamente aos homens (5,4%; IC95%4,8-5,9) (Tabela 2).

Tabela 1 Número estimado de adultos (≥18 anos) que referiram diagnóstico médico de diabetes, de acordo com características sociodemográficas e situação do domicílio - Pesquisa Nacional de Saúde. Brasil, 2013 

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%

Tabela 2 Prevalência (%) de adultos (≥18 anos) que referiram diagnóstico médico de diabetes, de acordo com características sociodemográficas e situação do domicílio - Pesquisa Nacional de Saúde. Brasil, 2013 

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%

A prevalência de diabetes aumentou com o avanço da idade, atingindo aproximadamente 20% da população das faixas etárias de 65 a 74 anos e de 75 anos ou mais, um contingente superior a 3,5 milhões de pessoas (Tabelas 1 e 2). As pessoas que se autodeclararam de cor da pele parda apresentaram menor prevalência de diabetes (5,5%) quando comparadas às pessoas de cor branca e preta (cerca de 7,0%), embora com limites dos IC95% muito próximos (Tabela 2). Para as pessoas de cor da pele ou raça amarela e indígena, não foram apresentados dados estratificados em virtude do menor número de respondentes e baixa precisão das estimativas; não obstante, essas pessoas foram incluídas no resultado total da amostra.

No total da população e notadamente na área urbana, o diagnóstico de diabetes foi referido com maior frequência por pessoas menos escolarizadas, sendo 9,6% - ou cerca de 5,5 milhões - entre aqueles sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto, 5,4% entre os adultos com Ensino Fundamental completo ou Médio incompleto, e estabilizando entre 3,4% e 4,2% naqueles que estudaram até o Ensino Médio completo. O menor número de pessoas que referiram ter recebido diagnóstico médico de diabetes foi identificado entre os que possuíam o Ensino Superior completo, única categoria com menos de um milhão de casos estimados (Tabelas 1 e 2).

A doença foi mais relatada pelos moradores da área urbana (6,5%: mais de 8 milhões de casos) do que da área rural (4,6%: 934 mil casos), na população geral e em moradores do sexo masculino, nas faixas etárias de 30 a 59 anos e a partir de 65 anos de idade, com menor grau de instrução (abaixo do nível superior), de raça/cor da pele branca e parda (Tabela 2).

Entre as grandes regiões do país, a maior prevalência de diabetes autorreferido foi verificada na região Sudeste (7,1%; IC95% 6,4-7,7) e a menor, na região Norte (4,3%; IC95% 3,6-4,9) (Figura 1). As UF acompanharam esse padrão, sendo as maiores prevalências encontradas no Rio Grande do Sul, São Paulo e Mato Grosso do Sul, alcançando 7,0 a 7,8%; e as menores, no Acre, Pará e Roraima, com valores entre 3,3 e 4,0%.

Figura 1 Prevalência (%) de adultos (≥18 anos) que referiram diagnóstico médico de diabetes de acordo com as grandes regiões nacionais e Unidades da Federação. Pesquisa Nacional de Saúde. Brasil, 2013 

Figura 2 Prevalência (%) de adultos (≥18 anos) que referiram diagnóstico médico de diabetes nas capitais dos estados e no Distrito Federal - Pesquisa Nacional de Saúde. Brasil, 2013 

Discussão

Nesse estudo, foram apresentados os resultados da PNS sobre a referência a um diagnóstico médico prévio (autorreferido) de diabetes. O relato da doença foi mais frequente em mulheres, entre adultos de menor escolaridade e maior idade e nas macrorregiões mais desenvolvidas do país, com poucas diferenças verificadas para raça ou cor da pele. Cerca de 90% dos casos estão concentrados em áreas urbanas.

Ainda que possua limitações, principalmente relacionadas com o acesso aos serviços de saúde e à própria qualidade do relato,6,15,16 o uso da morbidade referida em inquéritos periódicos de saúde tem crescido em virtude da agilidade na coleta e divulgação dos dados, aliada ao menor custo, demonstrando-se assim sua utilidade e oportunidade para ações de vigilância.17,18

A doença foi reportada por 6,2% dos entrevistados no Brasil e por 6,5% da população das capitais, resultado semelhante ao verificado em 2003 pela Pesquisa Mundial de Saúde 10 e aos resultados encontrados pelo Vigitel 2013 (6,9%; IC95% 6,5-7,3);12 e um pouco acima da prevalência indicada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD -11,21 de 2008 (5,0% de prevalência bruta e 4,3% de prevalência padronizada por sexo e idade, para a população ≥18 anos). Além das diferenças metodológicas entre os inquéritos, o próprio ano do levantamento e o critério utilizado para indicar a presença da doença (incluindo a pergunta utilizada) devem ser considerados na comparação. Enquanto o Vigitel é realizado por entrevistas telefônicas apenas nas capitais do Brasil, a PNS e a PNAD são inquéritos domiciliares e de maior representatividade nacional. Especificamente no caso da PNAD, há que se considerar também o fato de um morador poder responder por todos os membros da família, o que pode reduzir ainda mais a frequência de doença conhecida.

Apesar da possibilidade de subestimação na informação autorreferida, a PNS indicou um contingente de mais de 9 milhões de adultos brasileiros com diagnóstico de diabetes, número superior ao estimado de 6 milhões de adultos com a doença em 2006, após padronização dos dados pelo estado nutricional da população brasileira6 e intermediário às estimativas para o período 2010-2030.19 Isso sugere que fatores determinantes da incidência da doença podem estar contribuindo para o aumento real da prevalência de diabetes (idade e obesidade crescentes), bem como sua detecção, com uma maior realização de diagnósticos pelos serviços de saúde.

O primeiro inquérito baseado em medidas bioquímicas realizado no Brasil, na década de 1980, indicou uma prevalência de 7,6% de diabetes em indivíduos de 30 a 69 anos, dos quais 58,0% não tinham diagnóstico prévio.7 A proporção de casos desconhecidos não era muito diferente da encontrada por estudo realizado recentemente no país,8 e da proporção global estimada pela Federação Internacional de Diabetes (IDF).3 Nos Estados Unidos da América, a proporção de casos não diagnosticados é próxima de 30,0%.15,20

A maior prevalência de diabetes entre as mulheres já foi relatada em outros estudos no Brasil6,21 e, por se tratar de autorrelato, pode estar relacionada à maior procura pelos serviços por parte delas -11,22 especialmente, durante a gravidez - e mesmo pela maior conscientização das mulheres sobre a importância do cuidado com a saúde. Contudo, a predominância de diabetes entre mulheres não é consenso na literatura, especialmente quando se utilizam medidas bioquímicas7,8,23 e ajustes por outras características sociodemográficas.18 Estudo realizado em seis capitais brasileiras, utilizando-se de diferentes medidas bioquímicas para diagnóstico, verificou uma prevalência de diabetes 42,6% maior entre os homens.8

Semelhantemente ao que ocorre com outras doenças crônicas, o aumento da prevalência de diabetes com a idade é marcante, conforme já foi verificado em outras pesquisas.8,18,21,23 Além de alterações no metabolismo decorrentes do envelhecimento em si, o aumento de idade associa-se com redução da atividade física e, em algumas situações, com hábitos alimentares pouco saudáveis.12,17,24 Mesmo assim, o principal fator relacionado ao aumento do diabetes com o avanço da idade parece se encontrar no aumento das oportunidades de diagnóstico, tendo em vista que o rastreamento da doença é indicado especialmente para pessoas a partir dos 45 anos, quando aumenta a ocorrência da doença.25,26

O diabetes também costuma ser mais prevalente entre as pessoas de menor escolaridade.7,18,21 Resultados da linha de base de um estudo de coorte realizado em seis capitais brasileiras demonstraram que a prevalência total e a de diabetes previamente diagnosticado foi menor entre a população de nível de escolaridade superior, enquanto encontrou-se uma prevalência ajustada 65% maior entre os adultos que não completaram o Ensino Fundamental.8 Uma análise das prevalências padronizadas de diabetes, com dados da PNAD 2008, demonstrou maior prevalência entre indivíduos com até 8 anos de estudo (4,7%) do que entre os que possuíam 12 anos ou mais (3,8%) de escolaridade.21 Estudos oriundos de inquéritos realizados com idosos, na capital e interior de São Paulo, também mostraram associação entre diabetes autorreferido e baixa escolaridade.24,27 O fato de a prevalência de doença autorreferida ser maior em uma população com menores oportunidades de acesso aos serviços de saúde demonstra não somente a influência dos determinantes sociais no processo saúde-doença27 como também o papel do nível educacional no conhecimento e atitudes tomadas pelo indivíduo em relação a sua saúde.28

Pequenas diferenças foram observadas para cor da pele, com menor prevalência de diabetes entre adultos que se declararam de cor parda. As pessoas assim autodeclaradas, formadas pela miscigenação entre brancos e pretos, constituem, juntamente com a cor preta, a raça negra, a qual representa 50,7% da população brasileira e tem sido relacionada à maior frequência de diabetes. Embora o primeiro estudo de abrangência nacional tenha verificado frequências similares de diabetes entre brancos e não brancos,7 uma análise ajustada, com dados do inquérito telefônico Vigitel de 2011, demonstrou maior prevalência de diabetes autorreferido em adultos de raça/cor da pele preta, quando comparados aos de raça/cor branca, após ajuste para outras características individuais, incluindo escolaridade e idade.18 Estudo realizado com funcionários públicos de seis universidades brasileiras verificou prevalências maiores para os pretos e amarelos (de origem asiática), enquanto os de cor parda apresentaram uma prevalência intermediária entre brancos e pretos.8 Além de fatores socioeconômicos, questões genéticas têm sido relacionadas à ocorrência da doença em diferentes grupos étnicos.15

Poucos estudos avaliaram a prevalência de doenças nas áreas urbana e rural. A PNAD 2008 demonstrou maior frequência de diabetes na área urbana (4,6%; IC99% 4,3-4,9) do que na área rural (3,3%; IC99% 3,1-3,5).21 A menor frequência de diagnóstico na área rural pode - ao menos em parte - estar relacionada com maiores distâncias do domicílio à unidade de saúde, dificuldades de transporte e outros fatores capazes de diminuir a procura por serviços de saúde.11,22 Também é possível que pessoas residentes na área rural sejam mais ativas fisicamente e conservem hábitos alimentares mais saudáveis.

Diferenças na prevalência de diabetes autorreferido entre as grandes regiões nacionais e as capitais das Unidades da Federação, embora pequenas, também foram observadas pelo Vigitel6,12,18 e pela PNAD21 e, da mesma forma, podem ser explicadas pelo maior acesso aos serviços de saúde e, sendo assim, maior possibilidade de diagnóstico para diabetes nas regiões mais desenvolvidas do país21. Além disso, devem ser consideradas variações nas características da população de cada local, como idade, escolaridade, origem étnica e hábitos de vida, fatores não avaliados em detalhes neste estudo, mas sabidamente influentes na prevalência da doença.18

Como limitações desta análise, além daquelas inerentes ao uso da morbidade referida, destaca-se o fato de os entrevistados responderem sobre a existência de um diagnóstico de diabetes independentemente do tipo de doença. Entretanto, considerando que cerca de 90,0% do total de casos são de diabetes tipo 2,25 especialmente na população adulta, os resultados aqui apresentados devem se referir, predominantemente, ao diabetes tipo 2. Ademais, as prevalências apresentadas não foram padronizadas de forma a permitir uma melhor comparação das estimativas entre macrorregiões e Unidades da Federação com estruturas demográficas distintas.

A prevalência de diabetes autorreferido observada no estudo foi elevada, com mais de 9 milhões de casos da doença estimados no Brasil, ultrapassando aquelas previstas por estudos anteriores.3,6,19

A Pesquisa Nacional de Saúde - PNS - não só corrobora achados de pesquisas nacionais prévias, mas soma-se a elas na disponibilidade do diferencial da representatividade em âmbito nacional e possibilidade de comparação entre as áreas urbana e rural do país. Com a divulgação posterior dos resultados das medidas bioquímicas provenientes de subamostra, poder-se-á estimar o percentual de casos desconhecidos da doença, permitindo a validação da medida autorreferida, a qual é utilizada para monitoramento contínuo da prevalência de diabetes no Brasil.

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