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Prevalência de dificuldade na mastigação e fatores associados em adultos

Prevalência de dificuldade na mastigação e fatores associados em adultos

Autores:

Flávia Torres Cavalcante,
Cristiano Moura,
Pedro Augusto Tavares Perazzo,
Fabiana Torres Cavalcante,
Marinalva Torres Cavalcante

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro mar. 2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018243.10122017

Introdução

A mastigação constitui-se em uma das mais importantes funções do sistema estomatognático, se relacionando com aspectos nutricionais, crescimento e desenvolvimento craniofacial em idades mais jovens, desenvolvimento da musculatura orofacial, estabilidade oclusal e da articulação temporomandibular1-3. Neste sentido, a habilidade mastigatória dos indivíduos pode ser influenciada por disfunções temporomandibulares, dor, alterações miofuncionais orofaciais, oclusopatias, perdas dentárias, uso de próteses mal adaptadas, presença de cárie e doença periodontal1-4.

A dificuldade na mastigação é um importante indicador de incapacidade bucal5. De fato, em estudo realizado na Flórida, Estados Unidos, verificou-se que 16,0% dos adultos relataram insatisfação com a mastigação sendo essa associada às condições normativas, tais como, cáries dentárias, gengivite, doença periodontal, ausência de dentes, mobilidade dental, abscesso, bem como condições autorreferidas como a dor dentária, a autopercepção da condição de saúde bucal e da necessidade de tratamento odontológico5.

No Brasil, o último levantamento epidemiológico nacional, realizado em 2010, mostrou que a prevalência de dificuldade na mastigação em adultos era da ordem de 31,0%6. Alguns estudos nacionais populacionais abordaram a mastigação como item da saúde bucal7,8, nos quais se verificaram uma associação entre a insatisfação com a mastigação e a piora da saúde bucal e da qualidade de vida8.

A mastigação pode ser avaliada tanto normativamente, pelo profissional de saúde, como subjetivamente, pelo próprio indivíduo, embora a literatura aponte haver divergências entre esses dois métodos de avaliação4,8,9. Por outro lado, sugere-se a utilização de itens únicos autorreferidos em saúde bucal no intuito de permitir uma avaliação sistemática por meio de um sistema de vigilância em saúde ao longo do tempo, e de vital importância para os inquéritos populacionais9.

O objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência de dificuldade na mastigação e analisar os fatores associados em adultos de 20 a 59 anos de idade, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), em Patos, Paraíba, Brasil.

Material e Métodos

Realizou-se um estudo transversal, entre maio e agosto de 2016, nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF), zona urbana de Patos, Paraíba, município com estimativa de população10 para 2016 de aproximadamente 107.000 habitantes, localizado na região Nordeste do Brasil.

Para o cálculo amostral foi considerado um intervalo de confiança de 95%, prevalência do desfecho (31,0%)6 e erro amostral de 5%. Foram adicionados 20,0% para eventuais perdas ou recusas e 15,0% para o controle de confusão em estudos de associação. O tamanho mínimo da amostra foi de 523 indivíduos.

Os dados foram coletados em 32 UBSF, distribuídas pelas regiões norte, sul, leste e oeste do município. Os usuários presentes na sala de espera, independentemente do tipo de atendimento que estavam esperando, eram convidados a participar do estudo. Realizaram-se entrevistas e exames físicos com os participantes da pesquisa em locais disponíveis, com luz natural, nas UBSF. Os critérios de inclusão foram: estar na faixa etária de 20-59 anos de idade e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos da pesquisa os indivíduos inaptos a responder a entrevista por algum impedimento físico e/ou mental.

Previamente a coleta de dados realizou-se uma etapa de calibração com os dois examinadores da pesquisa, especificamente em relação às condições normativas: perda dentária e uso e necessidade de prótese. Aferiu-se a porcentagem de concordância intra e interexaminadores, a fim de verificar a reprodutibilidade do estudo. Na fase de calibração a porcentagem de concordância intra-examinadores foi de 90,0% (IC95%: 89,2-92,0) e interexaminadores foi de 92,0% (IC95%: 90,4-93,7), para o uso e necessidade de prótese. Em relação à perda dentária a concordância intra e inter-examinadores foi de 100,0%. O percentual de concordância intra-examinadores, para as condições normativas supracitadas, durante a coleta de dados foi superior a 94,0%.

A variável dependente (dificuldade na mastigação) foi obtida por meio das respostas à seguinte pergunta: Com que frequência o Sr(a) tem dificuldade em se alimentar por causa de problemas com seus dentes ou dentadura?11, com os seguintes padrões de respostas: nunca; raramente; de vez em quando; frequentemente; e sempre. A dificuldade na mastigação foi dicotomizada em: sim (de vez em quando / frequentemente / Sempre) e não (nunca / raramente).

As variáveis independentes foram: sexo (feminino/masculino); faixa etária em anos (20-34/35-44/45-49); cor (branco/não branco); escolaridade em anos completos de estudo (0/1-4/5-8/10-11/≥12); classe econômica (A-B/C/D-E), segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB)12; tipo de serviço odontológico utilizado em sua última consulta odontológica (público/privado); tempo desde a última consulta odontológica em anos (<1/1-2/3ou mais); motivo da última consulta odontológica (prevenção/dor/tratamento); acesso à informações em saúde bucal (sim/não); hábito tabagista (não/ex-fumante/fumante); frequência de escovação dentária (uma ou duas vezes/três ou mais vezes); e uso de fio dental (sim/não). No exame clínico foram avaliados: a perda dentária severa13, ou seja, possuir menos de 9 dentes presentes (sim/não); a ausência de dentição funcional13, ou seja, ter menos de 21 dentes funcionais (sim/não); o uso de prótese (sim/não); e a necessidade de prótese (sim/não). As variáveis autorreferidas foram: dor de origem dental (sim/não); necessidade de tratamento odontológico (sim/não); e as alterações na Articulação Têmporo-Mandibular (ATM) por meio do Índice Anamnésico de Fonsea14 (Sem Alteração/Leve/Moderada/Severa). As variáveis independentes foram dispostas em quatro níveis hierárquicos segundo um modelo teórico de determinação15.

O controle de qualidade foi realizado por meio de entrevistas reduzidas, via telefone, em aproximadamente 12,0% (n = 62). Calculou-se a estatística Kappa que variou entre 0,7 e 0,9, para o uso de prótese dentária.

Para verificar a existência de associação entre o desfecho e as demais variáveis independentes, foi realizada análise bivariada através do Teste Qui-Quadrado de Pearson, adotando-se um nível de significância de 5% (p < 0,05) e IC95% (Intervalo de Confiança). Posteriormente, para estimar as razões de prevalência bruta e ajustada e seus respectivos IC95% e valor de p (através do Teste de Wald de Heterogeneidade e Tendência Linear), foi realizada a Regressão de Poisson com ajuste robusto de variância16. Na análise multivariada foi utilizado um modelo hierárquico de determinação, com o objetivo de ajustar as variáveis pelo mesmo nível e os níveis superiores. As variáveis do nível 1 (sociodemográficas), mais distal, foram: sexo, faixa etária, cor, escolaridade e CCEB; no nível 2 (utilização de serviços, acesso a informações em saúde e hábitos em saúde geral e bucal), intermediário, estavam: tipo de serviço, tempo desde a última consulta odontológica; no nível 3 (condições normativas em saúde bucal), intermediário, estavam: perda dental severa, ausência de dentição funcional e uso de prótese; e no nível 4 (aspectos subjetivos em saúde bucal), proximal, estavam as variáveis: dor de origem dental, necessidade de tratamento e alterações na ATM. As variáveis com p < 0,20, em cada nível hierárquico, na análise bruta, foram testadas em modelos múltiplos, e posteriormente mantidas na análise ajustada, seguindo este mesmo critério, com o objetivo de controlar possíveis fatores de confusão nos níveis subsequentes. O modelo multidimensional adotado neste estudo como base para análise dos fatores associados à dificuldade na mastigação foi proposto por Gift et al.17 e adaptado por Martins et al.8.

As análises estatísticas foram realizadas através dos programas Statistical Package for Social Sciences (SPSS para Windows, versão 18.0, SPSS Inc., Chicago, EUA) e Stata/SE 12.1 (StataCorp, College, Texas, USA).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Alcides Carneiro (HUAC) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), com registro no Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos.

Resultados

A amostra total (n = 532), que correspondeu a uma taxa de seguimento de 91,7% foi composta por 52,6% de mulheres e 47,4% de homens. A média de idade foi de 36,7 anos (Desvio-Padrão – DP = 11,9). Em relação à cor da pele, 70,0% dos indivíduos autodeclararam-se pardos, negros, amarelos ou indígenas. Observou-se ainda que, aproximadamente, 40,0% da amostra tinham até 8 anos de estudo e que 53,1% dos indivíduos pertencia a classe social C, conforme Tabela 1.

Tabela 1 Descrição da amostra e distribuição da prevalência de Dificuldade na Mastigação segundo características sociodemográficas, utilização de serviços odontológicos, aspectos comportamentais e hábitos em saúde geral e bucal. Patos, PB, 2016. 

Variáveis Dificuldade na Mastigação Valor p*

Amostra Sim IC95%
n (%) n (%)
Total 532 (100,0) 162 (30,5) 26,5 – 34,3
Sexo 0,237
Feminino 280 (52,6) 79 (48,7) 41,0 – 56,4
Masculino 252 (47,4) 83 (51,3) 43,5 – 58,9
Faixa Etária <0,001
20-34 anos 252 (47,3) 47 (29,0) 22,0 – 36,0
35-44 anos 119 (22,3) 37 (22,8) 16,3 – 29,3
45-59 anos 161 (30,4) 78 (48,2) 40,4 – 55,8
Cor 0,379
Branco 160 (30,0) 53 (32,7) 25,4 – 39,9
Não Branco 372 (70,0) 109 (67,3) 60,0 – 74,5
Escolaridade <0,001
≥ 12 anos 84 (15,7) 12 (7,4) 3,3 – 11,4
10-11 anos 237 (44,5) 58 (35,8) 28,4 – 43,1
5-8 anos 103 (19,3) 35 (21,6) 15,2 – 27,9
1-4 anos 72 (13,5) 34 (21,0) 14,7 – 27,2
Nenhuma 36 (7,0) 23 (14,2) 8,8 – 19,5
CCEB 0,014
A-B 94 (17,6) 18 (11,1) 6,2 – 15,9
C 283 (53,1) 87 (53,7) 46,0 – 61,3
D-E 155 (29,3) 57 (35,2) 27,8 – 42,5
Tipo de Serviço 0,071
Particular 214 (40,6) 56 (34,8) 27,2 – 41,8
Público 313 (59,4) 105 (65,2) 57,4 – 72,1
Tempo da Última Consulta <0,001
< 1 ano 339 (64,3) 84 (52,2) 44,7 – 60,1
1-2 anos 115 (21,8) 35 (21,7) 15,2 – 27,9
3 ou mais anos 73 (13,9) 42 (26,1) 19,1 – 32,6
Acesso a Informações 0,021
Sim 333 (63,1) 90 (55,9) 47,9 – 63,1
Não 194 (36,9) 71 (44,1) 36,1 – 51,4
Hábito Tabagista <0,001
Não 397 (74,6) 101 (62,3) 54,8 – 69,8
Ex-Fumante 90 (16,9) 38 (23,5) 16,9 – 29,9
Fumante 45 (8,5) 23 (14,2) 10,9 – 22,4
Frequência de Escovação <0,001
Três ou mais vezes 410 (77,0) 105 (64,8) 57,4 – 72,1
Uma ou duas vezes 122 (23,0) 57 (35,2) 27,8 – 42,5
Uso do Fio Dental <0,001
Sim 247 (46,4) 54 (33,3) 26,0 – 40,5
Não 285 (53,6) 108 (66,7) 59,4 – 73,9

*Teste Qui-quadrado de Pearson (p<0,05).

Em relação à utilização de serviços de saúde, 59,5% das pessoas entrevistadas tinha ido ao serviço público em sua última consulta odontológica; 64,3% a menos de um ano e 63,1% relataram ter recebido informações sobre saúde bucal em sua última consulta ao dentista. Ademais, observou-se que 77,0% dos respondentes relataram escovar os dentes três ou mais vezes; 53,6% não usavam o fio dental e que 25,0% apresentaram hábitos tabagistas, como pode ser observado na Tabela 1.

Na Tabela 2, verificou-se que 8,7% apresentaram perda dentária severa e 23,9% tinham ausência de dentição funcional; 23,9% usavam algum tipo de prótese e 32,4% necessitavam de prótese. Observa-se ainda que 23,3% apresentaram dor de origem dental nos últimos seis meses; que a grande maioria, 69,2%, necessitava de tratamento odontológico; e que mais de cinquenta por cento dos entrevistados tinham indícios de alterações na ATM.

Tabela 2 Descrição da amostra e distribuição da prevalência de Dificuldade na Mastigação segundo características normativas e subjetivas em saúde bucal. Patos, PB, 2016. 

Variáveis Dificuldade na Mastigação Valor p*

Amostra Sim IC95%
n (%) n (%)
Total 532 (100,0) 162 (30,5) 26,5 – 34,3
Perda Dentária Severa <0,001
Não 486 (91,3) 122 (75,3) 68,7 – 81,9
Sim 46 (8,7) 40 (24,7) 18,0 – 31,3
Ausência de Dentição Funcional <0,001
Não 405 (76,1) 80 (49,3) 41,6 – 57,0
Sim 127 (23,9) 82 (50,7) 42,9 – 58,3
Uso de Prótese <0,001
Não 405 (76,1) 103 (63,5) 56,1 – 70,9
Sim 127 (23,9) 59 (36,5) 29,1 – 43,8
Necessidade de Prótese <0,001
Não 360 (67,6) 64 (39,5) 31,9 – 47,0
Sim 172 (32,4) 98 (60,5) 52,9 – 68,0
Dor de Origem Dental 0,012
Não 408 (76,6) 113 (69,7) 62,6 – 76,8
Sim 124 (23,3) 49 (30,3) 23,1 – 37,3
Necessidade de Tratamento 0,105
Não 164 (30,8) 42 (25,9) 19,1 – 32,6
Sim 368 (69,2) 120 (74,1) 67,3 – 80,8
Alterações na ATM <0,001
Sem Alteração 254 (47,7) 75 (46,2) 38,6 – 53,9
Leve 217 (40,7) 55 (33,9) 26,6 – 41,2
Moderada 49 (9,2) 24 (14,8) 9,3 – 20,2
Severa 12 (2,4) 8 (5,1) 1,6 – 8,2

*Teste Qui-quadrado de Pearson (p<0,05).

A prevalência de dificuldade na mastigação (variável desfecho) foi de 30,5%. Indivíduos pertencentes às faixas etárias de 34-44 anos e de 45-59 anos; com escolaridade inferior a 4 anos de estudo; pertencentes as classes sociais C, D e E; que utilizaram o serviço público em sua última consulta odontológica; com intervalo de tempo superior a um ano; que procuraram o dentista por motivo de dor ou para realizar algum tipo de tratamento; que não receberam informações em saúde bucal; que apresentaram algum hábito tabagista; com frequência de escovação entre uma e duas vezes e que não usavam fio dental, mostraram associados, de acordo com análise bivariada, ao desfecho do estudo, conforme mostra a Tabela 1.

De acordo com a Tabela 2, as pessoas com a perda dentária severa, ausência de dentição funcional e que necessitavam de prótese apresentavam três vezes maior prevalência de dificuldade na mastigação, quando comparadas aquelas não apresentavam de tais condições.

A Tabela 3 apresenta os modelos de análise multivariada seguindo o modelo teórico de determinação. Após terem sido realizados os devidos ajustes, a dificuldade na mastigação manteve-se associada a faixa etária de 45-59 anos, escolaridade inferior a 11 anos de estudo; com um tempo superior a três anos ou mais em relação à última consulta odontológica; ao hábito tabagista; com a perda dentária severa e ausência de dentição funcional; com o uso de prótese e a necessidade de prótese; a presença de dor de origem dental; e apresentar indícios de alterações moderada a severa na ATM.

Tabela 3 Análise bruta e ajustada dos fatores associados à Dificuldade na Mastigação, segundo níveis do modelo hierárquico proposto. Patos, PB, 2016. 

Variáveis Análise Bruta Análise Ajustada


RP (IC95%) Valor p RP (IC95%) Valor p*
Faixa Etária1 <0,001 <0,01
20-34 anos 1,0 1,0
35-44 anos 1,67 (1,15-2,42) 1,20 (0,87-1,19)
45-59 anos 2,60 (1,92-3,52) 1,76 (1,15-2,65)
Escolaridade1 <0,001 0,011
≥ 12 anos 1,0 1,0
10-11 anos 1,71 (0,97-3,03) 1,72 (1,02-2,91)
5-8 anos 2,38 (1,32-4,29) 2,07 (1,20-3,57)
1-4 anos 3,31 (1,85-5,89) 1,91 (1,10-3,34)
Nenhuma 4,47 (2,51-7,98) 2,10 (1,19-3,72)
CCEB1 0,014 0,457
A-B 1,0 1,0
C 1,61 (1,02-2,52) 0,90 (0,67-1,56)
D-E 1,92 (1,21-3,05) 1,34 (0,89-2,01)
Tipo de Serviço2 0,071 0,345
Particular 1,00 1,00
Público 1,28 (0,97-1,69) 0,99 (0,86-1,34)
Tempo da Última Consulta2 <0,001 0,002
< 1 ano 1,00 1,0
1-2 anos 1,23 (0,88-1,71) 1,09 (0,79-1,49)
3 ou mais anos 2,32 (1,77-3,04) 1,60 (1,22-2,10)
Acesso a Informações2 0,021 0,246
Sim 1,00 1,0
Não 1,35 (1,05-1,75) 1,21 (0,76-1,34)
Hábito Tabagista2 <0,001 0,023
Não 1,00 1,00
Ex-Fumante 2,01 (1,44-2,35) 1,67 (1,19-1,89)
Fumante 1,66 (1,24-2,23) 1,12 (1,08-1,76)
Frequência de Escovação2 <0,001 0,070
Três ou mais vezes 1,00 1,00
Uma ou duas vezes 1,82 (1,42-2,35) 1,26 (0,98-1,16)
Uso do Fio Dental2 <0,001 0,122
Sim 1,00 1,00
Não 1,73 (1,31-2,29) 1,22 (0,95-1,58)
Perda Dentária Severa3 <0,001 <0,001
Não 1,00 1,00
Sim 3,46 (2,86-4,19) 1,74 (1,33-2,28)
Ausência de Dentição Funcional3 <0,001 <0,001
Não 1,00 1,00
Sim 3,27 (2,58-4,13) 2,57 (1,97-3,35)
Uso de Prótese3 <0,001 0,027
Não 1,00 1,00
Sim 1,83 (1,42-2,35) 1,19 (1,01-1,98)
Necessidade de Prótese3 <0,001 <0,001
Não 1,00 1,00
Sim 3,20 (2,48-4,15) 2,47 (1,87-3,27)
Dor de Origem Dental4 0,002 0,004
Não 1,00 1,00
Sim 1,43 (1,09-1,87) 1,18 (1,01-1,41)
Necessidade de Tratamento4 0,105 0,344
Não 1,00 1,00
Sim 1,27 (0,94-1,72) 1,02 (0,79-1,34)
Alterações na ATM4 <0,001 0,001
Sem Alteração 1,00 1,00
Leve 0,86 (0,64-1,16) 0,91 (0,70-1,19)
Moderada 1,66 (1,18-2,34) 1,50 (1,09-2,06)
Severa 2,26 (1,45-3,52) 2,13 (1,26-3,62)

RP=Razão de Prevalência; IC95%=Intervalo de Confiança a 95%; *Valor p= Teste de Wald de Heterogeneidade / Tendência Linear; 1Modelo 1: variáveis do primeiro nível ajustadas entre si; 2Modelo 2: variáveis do segundo nível ajustadas entre si e pelas variáveis do nível anterior; 3Modelo 3: variável do terceiro nível ajustada pelos níveis anteriores; 4Modelo 4: variáveis do quarto nível ajustadas entre si e pelos níveis anteriores. Critério de inclusão/manutenção de variáveis (p<0,20).

Discussão

Aproximadamente um terço da amostra relatou dificuldade na mastigação por causa de problemas com seus dentes ou dentadura, ou seja, consideram-na insatisfatória. Essa prevalência se assemelha aos estudos propostos por Hsu et al.18 e por Figueiredo et al.9, ficando um pouco abaixo do estudo proposto por Braga et al.19 e um pouco acima do proposto por Peek et al.20. Esses dados variam entre os estudos, porém, evidenciam certa preocupação, pois a dificuldade ou insatisfação com a mastigação pode levar a restrições alimentares e causa impactos negativos na qualidade de vida dos indivíduos11,21.

Neste sentido, a prevalência de dificuldade na mastigação foi semelhante entre mulheres e homens, não sendo encontrada associação desta variável com o desfecho em questão, tal qual encontrado por outros estudos5,22. No entanto, estudo20 realizado na Flórida, nos Estados Unidos, com adultos de 45 anos ou mais mostrou que a prevalência de dificuldade na mastigação entre as mulheres era o dobro em relação aos homens, corroborando com o estudo proposto por Braga et al.19. A preocupação com a aparência e a saúde dos dentes e da boca22, além do fato das mulheres no Brasil apresentarem maiores perdas dentárias23 em relação aos homens podem hipotetizar tais achados encontrados nos estudos.

Uma maior chance do desfecho foi observada entre aqueles com maior faixa etária, corroborando com outros estudos9,19,21. De certa forma, os estudos demonstram que quanto maior a faixa etária, maior a probabilidade de comprometimento da dentição natural com efeito direto na dificuldade da mastigação e na menor ingestão de alimentos considerados saudáveis11,21,24.

Possuir menos de 11 anos de estudo esteve associado, mesmo após os ajustes, na análise multivariada, à dificuldade na mastigação. No entanto, a força de associação aumentou à medida que a escolaridade diminuiu. Alguns autores5,9,19,22demonstram que quanto mais baixo o nível educacional, maior a insatisfação com a mastigação. De fato, o baixo nível de escolaridade e a baixa renda têm relação com maior prevalência de impactos negativos em saúde bucal, e que menor renda associa-se com nível educacional, valor atribuído à saúde, estilo de vida, acesso a serviços e informações sobre cuidados em saúde25.

O tipo de serviço odontológico, público ou privado, utilizado pelos indivíduos da amostra não se mostrou associado com a dificuldade na mastigação. No entanto, as pessoas que passaram três ou mais anos sem ir ao dentista tiveram até sessenta por cento de aumento na prevalência de dificuldade na mastigação em relação aos que tinham ido ao dentista a menos de seis meses. Nesse contexto, a utilização de serviços de forma regular pode minimizar problemas odontológicos que estão aparecendo ainda de maneira precoce, evitando desta forma impactos negativos futuros na capacidade mastigatória5,19,25,26.

A ausência de informações em saúde bucal esteve associada ao desfecho apenas na análise bivariada, após os ajustes na multivariada, esta variável perdeu força de associação. No entanto, estudos19,26,27 demonstram que existem falhas, principalmente, no sistema público de saúde, notadamente, na atenção primária em saúde bucal quanto às ações educativas. De fato, obter informações sobre os diversos problemas de saúde bucal, tendo em vista os fatores de risco comuns para outras doenças crônicas, é importante para assegurar o estado de vigilância em relação à saúde bucal e geral.

No presente estudo, ser ex-fumante ou fumante, escovar os dentes uma ou duas vezes ao dia e não usar regularmente o fio dental foram considerados comportamentos de risco para a presença de dificuldade na mastigação, por meio da análise bivariada. No entanto, apenas o hábito tabagista permaneceu no modelo final do estudo. Esses dados demonstram a importância da manutenção constante de informações sobre os aspectos preventivos em saúde bucal e geral, no sentido de evitar problemas futuros, a exemplo da perda dentária.

Neste sentido, as perdas dentárias, classificadas neste estudo em perda dentária severa e ausência de dentição funcional, estiveram fortemente associadas à dificuldade na mastigação, corroborando com outros estudos9,19. Ademais, o uso de prótese e a necessidade de prótese, variáveis relacionadas às perdas dentárias, mantiveram-se, no modelo final, associadas à dificuldade na mastigação. De fato, restabelecer a função mastigatória por meio de reabilitações protéticas pode ser avaliada de maneira positiva pelos indivíduos28, no entanto, os dados do presente estudo evidenciou que os usuários de prótese apresentaram prevalência três vezes maior de dificuldade na mastigação em relação àqueles que não usavam próteses. No entanto, fatores como tempo de uso de prótese, tipo e qualidade da prótese, precisam ser considerados para uma análise mais acurada destes achados.

As condições subjetivas como presença de dor e indícios, através de sinais e sintomas, de alterações na ATM, de moderada a severa, mostraram-se fortemente associada à dificuldade na mastigação. De fato, a presença de dor durante a mastigação interfere no padrão de ingestão para determinados alimentos, bem como, na funcionalidade da musculatura da ATM29.

Ressaltam-se algumas limitações para o presente estudo principalmente em relação à seleção da amostra, especificamente de usuários das Unidades Básicas de Saúde, com possibilidade de viés de seleção; ao desfecho autorreferido, afinal eventos subclínicos podem ser subestimados; e o delineamento transversal, com possibilidade do viés de causalidade reversa, bem como, impossibilidade de verificar a relação temporal entre o desfecho e seus preditores.

Conclusão

Os resultados do presente estudo mostram que a dificuldade na mastigação está diretamente associada a uma estrutura multidimensional de fatores. A análise hierarquizada proposta para análise estabeleceu relações entre as variáveis distais e proximais do desfecho estudado. Ademais, observa-se que, após os ajustes na regressão de Poisson, condições como: faixa etária, escolaridade, intervalo de tempo desde a última consulta, hábito tabagista, perda dentária severa, ausência de dentição funcional, uso de prótese, necessidade de prótese, dor de origem dental e possíveis sinais e sintomas de alterações na ATM foram as que se mantiveram com força de associação considerável com o desfecho.

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