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Prevalência de distúrbios psíquicos menores em enfermeiros docentes

Prevalência de distúrbios psíquicos menores em enfermeiros docentes

Autores:

Juliana Petri Tavares,
Tânia Solange Bosi de Souza Magnago,
Carmem Lúcia Colomé Beck,
Rosângela Marion da Silva,
Francine Cassol Prestes,
Liana Lautert

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145

Esc. Anna Nery vol.18 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2014

http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140058

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la prevalencia de Trastornos Psíquicos Menores (TPM) en enfermeros docentes e identificar su asociación con variables sociodemográficas y laborales.

Métodos:

Estudio trasversal, con 130 de los 177 docentes de universidades federales públicas de Rio Grande do Sul. Se utilizó la versión brasileña del Self-Report Questionnaire-20 para identificar la sospecha de TPM.

Resultados:

La prevalencia de TPM fue de un 20,1%. Se obtuvo mayor frecuencia de docentes con respuestas afirmativas cuanto: a sentirse nervioso, tenso o preocupado; por dormir mal; cansarse con facilidad; tener dolores de cabeza frecuentemente; tener dificultad en realizar, satisfactoriamente, sus actividades diarias; tener mala digestión; haberse sentido triste actualmente; tener dificultad de pensar con lucidez. No se asociaron las características sociodemográficas y laborales con la sospecha de TPM.

Conclusión:

Es fundamental que gestores, docentes y representantes sindicales de las universidades investigadas evalúen la situación presentada, buscando reducir el sufrimiento por trastornos psíquicos de estos alumnos.

Palabras-clave: Enfermería; Docentes de enfermería; Trastornos mentales; Salud laboral

INTRODUÇÃO

Dentre as profissões da área da saúde, a enfermagem, é apontada como uma das mais afetadas por doenças laborais. Dessas, ganham proporção cada vez maiores os Distúrbios Psíquicos Menores (DPM)1-3 os quais são identificados em enfermeiros docentes4.

Este profissional utiliza o processo ensino/aprendizagem em todas as suas ações, tanto as dirigidas aos acadêmicos, como à equipe de enfermagem, paciente e família5. O seu trabalho é permeado pelo somatório dos efeitos da atividade como docente e como enfermeiro, o que pode implicar em sobrecarga física e psicológica e repercutir em sua saúde psíquica.

O trabalho do enfermeiro docente apresenta algumas peculiaridades: multiplicidade de atividades, pressões institucionais, problemas de relacionamento entre os pares e falta de interesse dos estudantes, além de depararem-se com turmas com elevado número de estudantes6. Além disso, esses trabalhadores usufruem pouco tempo para descansar, divertir-se e estar com seus familiares7. A escassez de tempo se deve, entre outros motivos, porque o trabalho do docente é mensurado pela produção, cujo produto é entendido como aulas, orientações, publicações, projetos, patentes, pesquisas, entre outros motivos. Essa configuração produtiva, que se exacerba a cada ano, associado aos mecanismos de controle e gratificações, levam a intensificação do trabalho e, em consequência, sua precarização8, fatores que podem causar insatisfação e, por vezes, adoecimento do trabalhador.

É nesse contexto que os DPM devem ser considerados, pois muitos indivíduos não suportam tamanha pressão e exigência. Além disso, esses distúrbios são de difícil caracterização, pois, em geral, são atribuídas a múltiplas causas e sua manifestação envolve tristeza, ansiedade, fadiga, diminuição da concentração, preocupação somática, irritabilidade e insônia9, sintomas nem sempre associados a esta alteração psiquiátrica.

Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), os DPM acometem cerca de 25% dos trabalhadores, variam de 8% a 30%, e os transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10%10. Em pesquisa sobre a produção científica publicada no Brasil, no período de 2000 a 2009, sobre os DPM avaliados pelo Self Report Questionarie, identificou-se que dos 41 estudos revisados, 16 estavam relacionados ao exercício laboral11. Desses, a maior prevalência de DPM (55,9%) foi encontrada em professores da rede pública municipal de ensino4. Também se evidenciou a presença de tais distúrbios psíquicos na enfermagem assistencial, variando de 18,7% a 33,3%1-3. Observou-se, no entanto, que o reflexo das condições laborais desses trabalhadores (professores e enfermeiros) é pouco avaliado, principalmente, no âmbito do ensino superior.

Considerando as alterações na educação superior ocorridas nos últimos anos, com mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão, condições de trabalho precárias e aceleração dos ritmos laborais e, ponderando sobre o percentual crescente de doenças psiquiátricas na população brasileira, as quais ocupam o segundo lugar entre os motivos de afastamentos do trabalho por doença, é premente que se investigue a saúde psíquica dos enfermeiros docentes. Para tanto, buscou-se responder à questão: qual a prevalência de DPM em enfermeiros docentes de universidades federais públicas e a que características esses distúrbios estão associados? Por conseguinte, delinearam-se os objetivos de verificar a prevalência de Distúrbios Psíquicos Menores, em enfermeiros docentes das universidades federais públicas do Rio Grande do Sul e identificar a associação entre esses distúrbios e as variáveis sociodemográficas e laborais.

MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico seccional, desenvolvido com os docentes dos cursos de graduação em enfermagem das sete universidades federais do Rio Grande do Sul, Brasil. Do total de 177 enfermeiros docentes, foram excluídos do estudo aqueles do quadro temporário (professores substitutos), os docentes afastados por qualquer tipo de licença ou outro afastamento do trabalho, no período de coleta dos dados. Totalizou uma população elegível de 144 docentes. Desses, 130 (90%) responderam ao questionário, sendo que a perda de 10% resultou de negativas à participação na pesquisa.

A coleta dos dados foi realizada durante o turno de trabalho do docente por quatro acadêmicos de enfermagem e por três enfermeiros. Para minimizar o viés informação, os coletadores foram capacitados, previamente, pela coordenadora da pesquisa quanto aos objetivos do estudo, instrumento de pesquisa e coleta dos dados. Eles receberam uma pasta contendo: manual de instruções ao coletador, relação de docentes a serem pesquisados, instrumentos de pesquisa, Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e canetas. Cada coletador ficou responsável por uma instituição e tinha como função fazer o contato com os docentes, esclarecer os objetivos/justificativas do estudo, verificar interesse de participação com assinatura do TCLE, entregar e guardar a devolução do instrumento de pesquisa preenchido. A coleta de dados ocorreu em dois períodos: de dezembro de 2009 a janeiro de 2010 e de maio a julho de 2010. Isso foi necessário tendo em vista que, no primeiro período estipulado, em algumas instituições, os docentes estavam em férias. Então, optou-se por continuar a coleta no final do primeiro semestre letivo de 2010, momento em que tendo em vista as características laborais pudessem ser semelhantes, ou seja, o final de semestre letivo.

Utilizou-se um questionário estruturado, contendo dados sociodemográficos, laborais (variáveis independentes) e a versão brasileira da Self-Report Questionnaire-20 (SRQ-20)12,13 que avalia a suspeição para DPM (variável dependente). Para a inserção dos dados, foi utilizado o programa Epi-info ® , versão 6.4, com dupla digitação independente. Após a verificação de erros e inconsistências, realizou-se a análise dos dados no programa Predictive Analytics Software (PASW Statistic®), versão 18.0 para Windows.

As variáveis sociodemográficas pesquisadas foram: idade (em anos completos e dicotomizada em 26 a 47 anos e 48 a 68 anos); sexo (masculino e feminino); escolaridade (especialização/mestrado e doutorado/pós-doutorado); cor/raça autorreferida (branca e preta/parda); situação conjugal (casado e solteiro/viúvo); número de filhos (nenhum, de um a dois filhos e mais de três filhos); renda familiar per capita (em salários mínimos e dicotomizada em até seis salários mínimos e mais de sete salários mínimos). As variáveis laborais foram: classe profissional (professor assistente, adjunto, titular/ associado); regime de trabalho (40 horas e 40 horas com dedicação exclusiva); tempo de trabalho na Instituição (menos de um ano, de um a dez anos, de 11 a 20 anos, mais de 20 anos); atividades de ensino (graduação e graduação/pós-graduação); atividades de extensão (sim e não); número de alunos orientados pelo docente no último semestre (graduação, pós-graduação, iniciação científica); apoio social por parte dos colegas e da chefia (alto e baixo)14.

Para a avaliação dos DPM, foi utilizada a versão brasileira do Self-Report Questionnaire-20 (SRQ-20)12, que permite a detecção precoce de sinais e sintomas de comprometimento da saúde mental do trabalhador. Esse instrumento é recomendado pela OMS como um método para identificação dos DPM. O SRQ-20 contém 20 questões sobre sintomas e problemas que tenham ocorrido nos últimos 30 dias anteriores à resposta. Cada alternativa tem escore de (0) a (1), em que o escore um (1) indica que os sintomas estavam presentes no último mês, e zero (0) quando ausentes13. O ponto de corte adotado para suspeição de DPM foi sete respostas positivas tanto para homens como para mulheres, baseado em pesquisas anteriores com trabalhadores de enfermagem1 e com docentes4.

Os dados foram analisados por meio de técnicas de estatística descritiva e analítica. As variáveis categóricas foram apresentadas em tabelas, com frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas foram analisadas de acordo com a distribuição de normalidade (avaliada pelo Teste de Kolomogorov-Smirnov) e apresentadas como medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio padrão e intervalos quartis). Para dicotomização das mesmas, utilizou-se a média ou mediana, de acordo com a distribuição de simetria ou não, respectivamente.

Na bivariada entre as variáveis categóricas e DPM, o teste qui-quadrado ou Teste Exato de Fischer (quando menor de 5 células) foi utilizado para verificar a significância estatística das associações (p < 0,05). As variáveis que apresentaram p ≤ 0,25 foram incluídas na análise de regressão binária logística (Método Enter). A medida de associação utilizada foi a Odds Ratio (OR) e seus respectivos Intervalos de Confiança (IC 95%). Em todas as análises, considerou-se associação significativa quando p < 0,05.

A participação na pesquisa foi voluntária e todos os enfermeiros docentes que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo obteve autorização das instituições envolvidas, parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética sob nº 0264.0.243.000-09), em 17 de novembro de 2009, processo número 23081.014364/2009-66.

RESULTADOS

Os enfermeiros docentes das universidades federais do RS eram, predominantemente, do sexo feminino (90,8%), com média da idade de 47 anos (± 4,65 anos), idade mínima de 26 anos e máxima de 68 anos. Um maior percentual tinha doutorado (56,9%) e a maioria referiu pertencer à raça branca (93,1%). Quanto à situação conjugal, 74,6% eram casados, 50% possuíam de um a dois filhos, 50,5% apresentavam renda familiar per capita de até seis salários mínimos (mediana 5,88), e 73,8% possuíam até três dependentes.

No que se refere às características laborais, 50% deles pertenciam à classe de professor adjunto, seguidos por 36,9% da classe assistente; 93,1% trabalhavam 40 horas semanais com dedicação exclusiva. No que tange ao tempo de trabalho na instituição, 30% dos docentes trabalham há mais de 20 anos; 50,8% desenvolvem atividades de ensino na graduação e, concomitantemente, 49,2% na graduação e na pós-graduação. Quanto às atividades de pesquisa e extensão, respectivamente, 91,5% e 85,4% dos docentes as realizavam. No último semestre, 76,2% deles orientaram até cinco acadêmicos de graduação; 56,2% não tiveram alunos de iniciação científica e 50% também não orientaram alunos de pós-graduação.

Com relação a outro emprego, 98,5% dos enfermeiros docentes possuíam somente um emprego. Dos dois docentes (1,5%) que trabalhavam em outra instituição, a carga horária semanal adicional para um dos enfermeiros docentes era de duas horas e para outro era de quatro horas semanais. O segundo emprego também era na docência.

A prevalência de DPM nos enfermeiros docentes das universidades federais públicas do RS foi de 20,1%. Verifica-se, na Tabela 1, o percentual de respostas positivas no SRQ-20:

Tabela 1 Distribuição dos enfermeiros docentes das universidades federais do Rio Grande do Sul, segundo respostas positivas ao Self Report Questionnaire-20 (SRQ20). RS, 2010. (N = 130) 

Questões do Self-Report Questionnaire-20 Sim
N %
1. Tem dores de cabeça frequentemente? 45 34,6
2. Tem falta de apetite? 09 6,9
3. Dorme mal? 51 39,2
4. Assusta-se com facilidade? 22 16,9
5. Tem tremores nas mãos? 10 7,7
6. Sente-se nervoso, tenso ou preocupado? 64 49,2
7. Tem má digestão? 33 25,4
8. Tem dificuldade de pensar com clareza? 27 20,8
9. Tem se sentido triste ultimamente? 33 25,4
10. Tem chorado mais do que o costume? 08 6,2
11. Encontra dificuldade em realizar com satisfação suas atividades diárias? 40 30,8
12. Tem dificuldade em tomar decisões? 20 14,4
13. Tem dificuldade no serviço, no emprego? (seu trabalho é penoso, lhe causa sofrimento) 16 12,3
14. É incapaz de desempenhar um papel útil em sua vida? 03 2,3
15. Tem perdido o interesse pelas coisas? 16 12,3
16. Você se sente uma pessoa inútil, sem préstimo? 05 3,8
17. Tem tido a ideia de acabar com a vida? 01 0,8
18. Sente-se cansado o tempo todo? 33 25,4
19. Tem sensações desagradáveis no estômago? 25 19,2
20. Você se cansa com facilidade? 49 37,7

As questões do SRQ-20 com maior proporção de respostas afirmativas foram: sente-se nervoso, tenso ou preocupado (49,2%); dorme mal (39,2%); cansa-se com facilidade (37,7%); tem dores de cabeça frequentemente (34,6%) e, encontra dificuldade em realizar com satisfação suas atividades diárias (30,8%) - Tabela 1. As Tabelas 2 e 3 apresentam a prevalência de DPM, a Odds Ratio (OR) e seus respectivos Intervalos de Confiança (IC), segundo dados sociodemográficos e laborais.

Tabela 2 Distribuição dos enfermeiros docentes das universidades federais do Rio Grande do Sul com suspeição de Distúrbios Psíquicos Menores (DPM), segundo dados sociodemográficos. RS, 2010 

Variáveis sociodemográficas DPM
Sim N % OR IC p £
Sexo
Masculino* 03 25,0 1,00 - - 0,649
Feminino 23 19,5 1,380 0,345 5,493
Idade (N = 124)
26-47 anos 14 23,7 1,370 0,577 3,271 0,472
48-68 anos* 12 18,5 1,00 - - -
Escolaridade
Especialização/Mestrado* 07 13,5 1,00 - - 0,128
Doutorado/Pós-doutorado 19 24,4 2,070 0,801 5,350
Raça
Branca* 24 19,8 1,00 - - 0,863
Negra/Parda 02 22,2 1,155 0,225 5,916
Situação conjugal
Casado* 19 19,6 1,00 - - 0,840
Solteiro/viúvo 07 21,2 1,105 0,417 2,926
Nº de filhos (N = 125)
Nenhum 11 24,4 2,103 0,409 10,804 0,639
1 a 2 13 20,0 1,625 0,325 8,113
Mais de 3* 02 13,3 1,00 - -
Renda familiar per capita* (N = 111)
Até 6 salários 14 25,0 2,722 0,961 7,712 0,053
Mais de 6 salários* 06 10,9 1,00 - -
Nº de dependentes (N = 126)
Até 3 22 22,9 1,932 0,609 6,135 0,258
Mais de 3* 04 13,3 1,00 - -

*Categoria de referência;

OR: Odds ratio;

IC: Intervalo de confiança;

£Qui-quadrado de Person.

Tabela 3 Distribuição dos enfermeiros docentes das universidades federais do Rio Grande do Sul com suspeição de DPM, segundo dados laborais. RS, 2010 

Variáveis laborais DPM
Sim N % OR IC p £
Categoria docente
Assistente* 09 18,8 1,00 - - 0,588
Adjunto 12 18,5 0,981 0,376 2,558
Titular/Associado 05 29,4 1,806 0,507 6,431
Regime de trabalho
40 horas* 00 0,0 - - - 0,120
40 horas e DE 26 21,5 4,421 0,00 0,00
Tempo de trabalho na Instituição
Menos de 01 ano 04 17,4 1,316 0,291 5,949 0,468
01 a 10 anos 11 28,2 2,455 0,693 8,700
11 a 20 anos* 04 13,8 1,00 - -
Mais de 20 anos 07 17,9 1,367 0,360 5,197
Atividade de Ensino
Graduação 14 21,2 1,167 0,493 2,761 0,726
Graduação e Pós-Graduação* 12 18,8 1,00 - -
Atividade de Extensão
Sim* 19 17,1 1,00 - - 0,047
Não 07 36,8 0,354 0,123 1,017
Atividade de Pesquisa
Sim* 26 21,8 - - - 0,098
Não 00 0,0 0,00 0,00 0,00
Orientação Graduação
Nenhum aluno 03 25,0 2,500 0,348 17,941 0,613
01 a 05 alunos 21 21,2 2,019 0,428 9,574
Mais de 05 alunos* 02 11,8 1,00 - -
Orientação Iniciação Científica
Nenhum aluno* 11 16,9 1,00 - - 0,596
01 a 05 alunos 12 23,1 1,473 0,590 3,676
06 a 12 alunos 03 27,3 1,841 0,420 8,061
Orientação Pós-Graduação
Nenhum aluno 15 20,5 1,121 0,283 4,445 0,613
01 a 05 alunos 8 20,5 1,118 0,255 4,895
06 a 12 alunos* 3 18,8 1,00 - -
Apoio social
Baixo apoio social 15 21,7 1,263 0,530 3,008 0,598
Alto apoio social* 11 18,0 1,00 - -

*Categoria de referência;

OR: Odds ratio;

IC: Intervalo de confiança;

£Qui-quadrado de Person.

Na Tabela 2, não se evidenciou diferença significativa entre os grupos avaliados (p > 0,05). No entanto, cabe destacar que os enfermeiros docentes do sexo masculino, os mais jovens (26 a 47 anos), os solteiros e sem filhos, os com menor renda familiar per capita e aqueles com até três dependentes tiveram percentuais maiores de suspeição de DPM.

Na Tabela 3, das variáveis laborais avaliadas, evidencia-se que os enfermeiros docentes que não desenvolvem atividades de extensão possuem maior percentual para suspeição de DPM, quando comparados com aqueles que desenvolvem atividades de extensão (p < 0,05). As demais variáveis laborais não apresentaram diferença estatística significativa entre os grupos (p > 0,05).

DISCUSSÃO

A prevalência de distúrbios psíquicos nos enfermeiros docentes das universidades federais públicas do Rio Grande do Sul foi de 20,1%, ou seja, a cada cinco docentes ativos no ensino superior, um apresenta suspeita de desordem mental. Esse resultado é superior ao encontrado em estudos com docentes do nível superior15 e com trabalhadores de enfermagem3, porém, inferior ao encontrado com professores do ensino básico4, médicos14, dentistas15. É um dado preocupante, considerando que este profissional está em contato direto com os estudantes e com colegas, o que pode interferir negativamente no sucesso da instituição. Dados apresentados pela OMS demonstram que as empresas com maior êxito têm trabalhadores sadios, satisfeitos e seguros9.

Estudo realizado com docentes do ensino básico de Belo Horizonte-MG (Brasil), apontou que os transtornos psíquicos ocuparam o primeiro lugar (15%) entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos do trabalho16. No Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), em 2009, de acordo com o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (SIST/RS) foram notificados 24.533 agravos, sendo que 93,3% foram notificações de Acidentes de Trabalho (AT) e 6,7% por doenças ocupacionais. Dentre as doenças notificadas, os transtornos mentais são a segunda causa de afastamento do trabalho por adoecimento (9,3%), superados somente pelos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (55,1%). E na análise dos dados referentes às doenças ocupacionais e os benefícios da seguridade social, se verifica que os Transtornos Mentais estão em gradativo crescimento17.

As várias questões destacadas na Tabela 1 quanto ao enfermeiro docente se sentir nervoso, tenso, preocupado, dormir mal, entre outras, também foram evidenciadas de forma semelhante em estudos com docentes do ensino básico e com trabalhadores de enfermagem3,4. Contemporaneamente, o professor de instituições de ensino superior está, permanentemente, sob pressão para manter-se atualizado, competitivo e produzir cada vez mais18: avaliações sistemáticas para a ascensão profissional, ingresso e manutenção nos programas de pós-graduação, submissão de trabalhos em eventos e revistas de qualidade internacional, entre outras. Esse contingente de exigências, além de cobranças com atividades acadêmicas e científicas como ensino, pesquisa, extensão e gestão, podem gerar insatisfação, descontentamento e sobrecarga, podendo contribuir para um desgaste do docente, resultando em prejuízos para sua saúde física e mental7.

No que tange às variáveis sociodemográficas e o percentual de DPM, pesquisa realizada com trabalhadores de enfermagem apontou que as do sexo feminino, com até 35 anos, maior escolaridade, sem companheiros, que ganhavam entre três a quatro salários mínimos, apresentaram maior prevalência de DPM2. Resultados que convergem parcialmente aos encontrados nesta pesquisa, uma vez que não se identificou associação significativa entre as características sociodemográficas e os DPMe evidenciou-se maior percentual de docentes do sexo masculino com suspeição de DPM.

Outro estudo também identificou frequências mais elevadas de DPM entre os trabalhadores de enfermagem mais jovens e com menor renda. A este respeito, ratifica-se a possibilidade de a maior experiência e o melhor conhecimento do contexto laboral, auxiliar os trabalhadores mais experientes no enfrentamento das dificuldades relacionadas ao trabalho. Da mesma forma, reitera-se a influência da remuneração na motivação e satisfação profissional e, consequentemente, na saúde mental dos trabalhadores3.

Observou-se associação entre as atividades de extensão e a suspeição de DPM (p = 0,047), sendo os enfermeiros docentes que não desenvolvem atividades de extensão apresentaram maior percentual para suspeição de DPM. Nas atividades de extensão, ocorrem trocas entre os conhecimentos universitários e comunitários, sendo considerada uma atividade que decorre do compromisso social de uma instituição, que busca minimizar as distâncias entre o saber científico e o popular e que está associado também ao ensino19. Sendo assim, sugere-se que a extensão universitária propicia a criação de mecanismos que favorecem o contato com as pessoas e promove o ensino, o que pode ser um fator de manutenção da saúde mental.

Os resultados observados reforçam os achados de outros estudos, que utilizaram o referencial metodológico (SRQ-20) adotado. No entanto, cabe mencionar que a realidade do mundo do trabalho docente é mais complexa e não se limita aos dados analisados. Uma das questões que leva a muitas interrogações é o quanto a carga de produtividade exigida (ensino, pesquisa e extensão) impacta negativamente na saúde dos docentes.

Com relação às limitações do estudo destacam-se: o desenho de estudo, o uso de questionários autoaplicáveis; dois períodos de coleta dos dados; o relato autorreferido para suspeição de DPM e poucos estudos para comparação. Os estudos seccionais não permitem inferir sobre causa-efeito. Portanto, a causalidade reversa não pode ser descartada. Quanto aos questionários autoaplicados, eles possibilitam que os sujeitos não respondam a todas as questões, incluindo como fator o esquecimento. Também, os questionários foram aplicados em dois momentos distintos, que apesar de muito semelhantes e de não demonstrar discrepância nos dados, pode implicar em viés para a pesquisa. Quanto relato autorreferido para suspeição de DPM, os sinais e sintomas de menor intensidade podem não ter sido lembrados pelos enfermeiros docentes, favorecendo a subestimação. No entanto, o SRQ-20 é um instrumento de medida autorreferida importante e válido para inquéritos13.

Finalmente, é importante salientar que existem poucos resultados publicados, envolvendo saúde/adoecimento dos docentes do ensino superior. Essa lacuna dificultou a comparação dos resultados do presente estudo. Todavia, em algumas situações, essa deficiência foi suprida por meio da comparação, envolvendo dados encontrados em estudos com enfermeiros da área hospitalar e com docentes de nível básico.

CONCLUSÕES

O presente estudo permitiu verificar a suspeição de DPM em 20,1% dos enfermeiros docentes. Evidenciou-se que nem todas as situações de trabalho foram fontes de desgaste ao trabalhador. No entanto, observou-se diferença significativa para suspeição de DPM entre os enfermeiros docentes que não desenvolviam atividades de extensão. Estudos adicionais, com outras metodologias, são necessários para compreender os motivos dessa prevalência e esclarecer a associação evidenciada.

Entretanto, independentemente de novas investigações, é fundamental que gestores das universidades pesquisadas e representantes sindicais avaliem, criteriosamente, a situação apresentada, buscando reduzir o adoecimento psíquico dos enfermeiros docentes. Os DPM se não identificados e tratados podem acarretar em riscos aos próprios trabalhadores, ou seja, a sobrecarga mental pode culminar na exaustão mental, situação em que o docente se sente exaurido emocionalmente e o trabalho perde o sentido, o que pode afetar negativamente o trabalho que realiza bem como pode deixar de realizá-lo.

Nesse sentido, é necessário também que cada docente reconheça os fatores de risco para a doença psíquica decorrentes do trabalho, a fim de poder intervir e promover a sua saúde. Acrescenta-se ainda a necessidade de construção e/ou fortalecimento de um serviço de saúde comprometido com a saúde do trabalhador capaz de detectar, precocemente, os efeitos danosos que as condições de trabalho podem causar aos docentes e, intervir na perspectiva da promoção da saúde desses docentes. Portanto, são necessárias tanto ações pontuais como a realização de exames médicos periódicos e a viabilização do suporte médico e psicológico aos docentes que requeiram assistência, quanto ações mantenedoras, como a criação de ambientes favoráveis à saúde, o desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais que favoreçam à saúde, a reorientação dos serviços de saúde, em direção a efetivação de ações de vigilância em saúde, entre outras.

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