versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.5 São Paulo maio 2014 Epub 17-Abr-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140048
Há uma carência de dados epidemiológicos sobre o perfil de risco cardiovascular nos pacientes renais crônicos em hemodiálise no Brasil.
O estudo CORDIAL foi planejado para avaliar fatores de risco cardiovascular e acompanhar a evolução de uma população em programa de hemodiálise numa cidade metropolitana do Brasil.
Todos os pacientes em hemodiálise por doença renal crônica nos quinze centros de nefrologia de Porto Alegre foram considerados para inclusão na fase inicial do estudo CORDIAL. Dados clínicos, laboratoriais e demográficos foram obtidos nos registros médicos, e em entrevistas individuais estruturadas realizadas com todos os pacientes por pesquisadores treinados.
Foram incluídos 1215 pacientes (97,3% de todos os que estavam em hemodiálise na cidade de Porto Alegre). A média de idade era 58,3 anos, 59,5% eram homens e 62,8% eram brancos. A prevalência de fatores de risco cardiovascular encontrada foi 87,5% para hipertensão, 84,7% para dislipidemia, 73,1% para sedentarismo, 53,7% para tabagismo e 35,8% para diabetes. Em uma análise multivariada ajustada, sedentarismo (p = 0,032; RP 1,08 - IC95%: 1,01-1,15), dislipidemia (p = 0,019; RP 1,08 - IC95%: 1,01-1,14), e obesidade (p < 0,001; RP 1,96 - IC95%: 1,45-2,63) foram mais frequentes em mulheres; e hipertensão (p = 0,018; PR 1,06 - IC95%: 1,01-1,11) e tabagismo (p = 0,006; RP 2,7 - IC95%: 1,79-4,17) foram mais frequentes naqueles com menos de 65 anos. Sedentarismo apresentou uma associação independente com tempo em diálise inferior a 12 meses (p < 0,001; RP 1,23 - IC95%: 1,14-1,33).
Pacientes em hemodiálise nesta metrópole do sul do Brasil apresentaram uma prevalência elevada de fatores de risco cardiovascular similar a diversos países do hemisfério norte.
Palavras-Chave: Pacientes; Diálise renal; Fatores de risco; Prevalência
There are scarce epidemiological data on cardiovascular risk profile of chronic hemodialysis patients in Brazil.
The CORDIAL study was designed to evaluate cardiovascular risk factors and follow up a hemodialysis population in a Brazilian metropolitan city.
All patients undergoing regular hemodialysis for chronic renal failure in all fifteen nephrology centers of Porto Alegre were considered for inclusion in the baseline phase of the CORDIAL study. Clinical, laboratory and demographic data were obtained in medical records and in structured individual interviews performed in all patients by trained researchers.
A total of 1215 patients were included (97.3% of all hemodialysis patients in the city of Porto Alegre). Their average age was 58.3 years old, 59.5% were male and 62.8% were white. The prevalence of cardiovascular risk factors observed was 87.5% for hypertension, 84.7% for dyslipidemia, 73.1% for sedentary lifestyle, 53.7% for tobacco use, and 35.8% for diabetes. In a multivariate adjusted analysis, we found that sedentary lifestyle (p = 0.032, PR 1.08 - 95%CI: 1.01-1.15), dyslipidemia (p = 0.019, PR 1.08 - 95%CI: 1.01-1.14), and obesity (p < 0.001, PR 1.96 - 95%CI: 1.45-2.63) were more frequent in women; and hypertension (p = 0.018, PR 1.06 - 95%CI: 1.01-1.11) and tobacco use (p = 0.006, PR 2.7 - 95%CI: 1.79-4.17) were more often found among patients under 65 years old. Sedentary lifestyle was independently associated with time in dialysis less than 12 months (p < 0.001, PR 1.23 - 95% CI: 1.14-1.33).
Hemodialysis patients in this southern metropolitan Brazilian city have a high prevalence of cardiovascular risk factors resembling many northern countries.
Key words: Patients; Renal dialysis; Risk factors; Prevalence
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de óbito em pacientes com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise1 - 3. Nestes indivíduos, a mortalidade cardiovascular é 10 a 20 vezes maior quando comparada à da população geral de mesmo sexo, idade e raça2 - 5, sendo até 44 vezes superior na presença de diabetes6. A DCV está presente desde as fases precoces da DRC e atinge em torno de 30 a 44% dos pacientes iniciando hemodiálise7 - 10. Salienta-se que a DCV oculta está presente em até 50% dos pacientes assintomáticos em diálise7 , 11 , 12.
Esta taxa elevada de DCV pode ser atribuída à alta prevalência de fatores de risco cardiovascular13. Embora os fatores tradicionais de risco cardiovascular não possam isoladamente explicar este alto risco de DCV4 , 14, eles parecem ser altamente preditivos de eventos cardiovasculares12, especialmente entre os pacientes mais idosos15. Da mesma forma, este perfil cardiovascular permite a estratificação desse risco na DRC16.
A maioria dos pacientes que iniciam diálise apresenta uma aglomeração de fatores de risco não controlados para DCV14, contribuindo para um aumento da chance de eventos deletérios17.
Esta alta prevalência de fatores tradicionais de risco para DCV nos pacientes em hemodiálise crônica tem sido relatada em diversos estudos realizados em diferentes países8 - 10 , 12 , 14 , 18 - 20. No entanto, há uma carência de dados epidemiológicos consistentes em nosso país para esta população, tanto por vieses metodológicos quanto pela utilização de amostras pequenas e restritas a um único hospital ou clínica.
O objetivo principal deste estudo foi avaliar a prevalência de fatores tradicionais de risco para DCV na população de pacientes com DRC em programa de hemodiálise em uma cidade metropolitana do sul do Brasil.
O estudo CORDIAL (Cardiovascular Outcomes Registry in Dialysis Patients) foi planejado para coletar dados sobre o perfil de risco cardiovascular e realizar o seguimento de todos os pacientes com DRC incluídos em programa de hemodiálise na cidade de Porto Alegre, Brasil. O presente artigo descreve os dados da fase inicial com uma análise transversal desta população.
Os critérios de inclusão foram idade de 18 anos ou mais, estar em programa de hemodiálise ambulatorial crônica por mais de 30 dias, e apresentar condições de fornecer consentimento informado sobre a participação. O protocolo do estudo estava conforme com a Declaração de Helsinki e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pelos comitês dos respectivos centros clínicos incluídos.
Entre agosto de 2010 e março de 2011, todos os pacientes com DRC em hemodiálise em cada um dos quinze centros de diálise da cidade de Porto Alegre (Apêndice 1) foram considerados para inclusão e 1215 (97,3% do total) corresponderam aos critérios de inclusão e concordaram em aderir ao termo de consentimento informado.
Para a coleta dos dados iniciais do CORDIAL, utilizamos um formulário padronizado adaptado e estendido às nossas necessidades a partir do estudo REACH Registry, um estudo desenvolvido em diversos países incluindo o Brasil21. O formulário foi preenchido após visitas a cada centro de diálise, onde os pacientes, o corpo clínico e os registros clínicos eletrônicos foram acessados.
Peso, altura e a pressão arterial medida antes e após a sessão de diálise (média das últimas 3 sessões) foram obtidos através da revisão dos prontuários das salas de diálise. A prevalência de doença cardiovascular aterosclerótica, de diabetes e de hipertensão arterial foi definida pela revisão de todos os dados de história e exame físico dos registros médicos das clínicas de diálise e demais documentos disponíveis. Além disto, foram considerados como hipertensos todos os pacientes em uso de drogas antihipertensivas, ou ainda aqueles com pressão arterial média pré-diálise no estágio 1 ou superior da classificação do Seventh Report of the National Committe on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure (JNC 7) 22.
A definição de diabetes incluiu tanto tipo 1 como tipo 2, com ou sem uso de medicação hipoglicemiante ou insulina. Tabagismo foi registrado tanto como passado ou presente. Em consonância com os critérios do Kidney Disease Outcomes Quality Initiative da National Kidney Foundation-USA (K/DOQI-NKF)23, dislipidemia foi definida como sendo a presença de qualquer um dos seguintes achados - colesterol total > 200 mg/dL, LDL-colesterol > 100 mg/dL, HDL-colesterol < 40 mg/dL, triglicerídeos > 150 mg/dL, ou o uso de estatina. Atividade física foi definida por questionamento sobre "qualquer atividade física moderada (caminhada leve, andar de bicicleta, jardinagem) pelo menos duas vezes por semana" e "quantos minutos por semana".
Dados laboratoriais foram obtidos a partir dos prontuários médicos considerando os resultados mais recentes dentro dos 6 meses precedentes.
Obtivemos dados sobre gênero de todos os participantes do CORDIAL, sobre idade de 1213 (99,8%), e sobre raça, altura e peso de 1206 (99,3%). Informações sobre hipertensão, doença cardiovascular, atividade física, tabagismo e perfil lipídico foram encontradas respectivamente para 1210 (99.6%), 1170 (96.3%), 1150 (94.7%), 1147 (94.4%), e 1121 (92.3%) dos pacientes do estudo.
As análises estatísticas foram realizadas com o programa STATA 9.0. Estatística descritiva foi utilizada para caracterizar a amostra. Razão de prevalência não ajustada e ajustada foi calculada separadamente para cada variável dependente (hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, sedentarismo e obesidade) com as variáveis independentes (gênero, idade, raça, tempo em diálise e diagnóstico de doença cardiovascular). Todos os testes foram bi-caudais e o nível de significância considerado foi 0,05.
O presente estudo incluiu 1215 indivíduos (97,3% da população em programas de hemodiálise na cidade de Porto Alegre) com uma média de idade de 58,3 anos, sendo 59,5% masculinos e 62,8% brancos.
A Tabela 1 apresenta os dados demográficos e clínicos de todos os pacientes do estudo CORDIAL estratificados por gênero.
Tabela 1 Dados demográficos e clínicos dos pacientes do estudo CORDIAL
Todos | Masculinos | Femininos | |
---|---|---|---|
(n = 1215) | (n = 723) | (n = 492) | |
Dados demográficos | |||
Idade (anos) - média(DP) | 58,3 (15,0) | 59,1 (14,6) | 57,1 (15,4) |
Raça - % | |||
Brancos | 62,8 | 66,2 | 57,8 |
Negros | 25,9 | 23,1 | 30,1 |
Outros | 11,3 | 10,7 | 12,1 |
Tempo em diálise (meses) - média (intervalo interquartis) | 34 (12-71) | 35 (12-67) | 34 (12-72) |
Idade de início em diálise (anos) - média (DP) | 54,1 (15,9) | 54,9 (15,6) | 53,0 (16,2) |
Dados clínicos | |||
Diabetes | |||
DM 1 - n (%) | 27 | 15 (55,6) | 12 (44,4) |
DM 2 - n (%) | 407 | 239 (58,7) | 168 (41,3) |
índice de massa corporal (kg/m2) - média (DP) | 24,7 (4,7) | 24,3 (4,2) | 25,2 (5,4) |
< 18.5 (kg/m2) - % | 6,1 | 5,0 | 7,8 |
18.5 to 24.9 (kg/m2) - % | 52,1 | 56,2 | 46,2 |
25 to 29.9 (kg/m2) - % | 29,4 | 30,0 | 28,3 |
≥ 30 (kg/m2) - % | 12,4 | 8,8 | 17,7 |
Pressão arterial pré-diálise (PA) | |||
Sistólica (mmHg) - media (DP) | 146,9 (23,4) | 147,3 (23,3) | 146,4 (23,5) |
Diastólica (mmHg) - média (DP) | 82,5 (14,0) | 82,8 (13,9) | 81,9 (14,1) |
Sistólica ≥ 140 mmHg - % | 70,2 | 71,6 | 68,6 |
Diastólica ≥ 90 mmHg - % | 34,7 | 36,0 | 32,9 |
Sistólica ≥ 140 mmHg e/ou diastólica ≥ 90 mmHg - % | 72,2 | 74,7 | 70,0 |
Perfil lipídico | |||
Colesterol total (mg/dL) - média (DP) | 168,2 (48,3) | 159,0 (44,1) | 183,1 (50,6) |
HDL-colesterol (mg/dL) - média (DP) | 40,1 (14,8) | 37,6 (12,6) | 43,7 (16,8) |
LDL-colesterol (mg/dL - média (DP) | 94,3 (38,1) | 88,6 (35,4) | 102,4 (40,4) |
Triglicerídeos (mg/dL) - média (DP) | 171,7 (133,0) | 167,8 (145,3) | 177,5 (112,6) |
Colesterol total > 200 mg/dL - % | 22,5 | 16,3 | 31,5 |
HDL-colesterol < 40 mg/dL - % | 60,3 | 64,5 | 49,5 |
LDL-colesterol > 100 mg/dL - % | 39,4 | 32,2 | 49,5 |
Triglicerídeos > 150 mg/dL - % | 45,2 | 41,6 | 50,6 |
Tabagismo | |||
Ex-fumantes - % | 40,5 | 46,8 | 31,2 |
Fumantes ativos - % | 13,2 | 15,2 | 10,2 |
Anos de tabagismo para fumantes ativos - média (DP) | 30,8 (15,0) | 31,2 (14,9) | 30,0 (15,3) |
Numero de cig/dia para fumantes ativos - média (DP) | 12,5 (10,8) | 12,7 (11,2) | 12,0 (10,0) |
Atividade física | |||
Nenhuma - % | 73,1 | 71,1 | 76,2 |
Até 60 minutos/semana - % | 9,6 | 10,6 | 8,0 |
De 60 a 90 minutos/semana - % | 5,6 | 5,5 | 5,8 |
De 90 a 120 minutos/semana - % | 4,9 | 5,2 | 4,3 |
Acima de 120 minutos/semana - % | 6,8 | 7,6 | 5,6 |
DP: desvio-padrão; DM: diabetes melitus; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoporoteína de baixa densidade.
A prevalência de fatores de risco tradicionais demonstrada na Tabela 2 alcança quase 90% para hipertensão e dislipidemia, indicando ainda que 75% eram sedentários. Diabetes apresentou prevalência de 35,8% na população em hemodiálise de Porto Alegre (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência de fatores de risco cardiovascular no CORDIAL (%)
Hipertensão | 87.5 |
Diabetes | 35.8 |
Dislipidemia | 84.7 |
Tabagismo | 53.7 |
Sedentarismo | 73.1 |
Idosos (≥ 65 anos) | 34.9 |
Masculinos | 59.5 |
Obesidade (IMC ≥ 30) | 12.4 |
Em uma análise multivariada (Tabela 3), os pacientes idosos apresentaram uma maior prevalência de diabetes e sedentarismo. Hipertensão, tabagismo e obesidade, no entanto, foram mais prevalentes nos mais jovens. Tabagismo foi mais prevalente entre os homens, enquanto obesidade, dislipidemia e sedentarismo foi mais comum em mulheres. Sedentarismo foi mais prevalente entre aqueles em diálise há menos de 12 meses (tendência linear). Hipertensão, diabetes, dislipidemia e sedentarismo foram mais prevalentes entre aqueles com diagnóstico de doença cardiovascular.
Tabela 3 Razão de prevalência ajustada (RP) de cada fator de risco cardiovascular no estudo CORDIAL
Hipertensão | Diabetes | Dislipidemia | Tabagismo | Sedentarismo | Obesidade | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RP (IC95%) | p | RP (IC95%) | p | RP (IC95%) | p | RP (IC95%) | p | RP (IC95%) | p | RP (IC95%) | p | |
Gênero | 0,883 | 0,453 | 0,019 | 0,006 | 0,032 | < 0,001 | ||||||
Feminino | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Masculino | 1,00(0,96-1,05) | 0,94 (0,81-1,10) | 0,93(0,88-0,99) | 1,57 (1,14-2,15) | 0,93(0,87-0,99) | 0,51(0,38-0,69) | ||||||
Idade - anos | 0,018 | < 0,001 | 0,645 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 | ||||||
< 65 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
≥ 65 | 0,94(0,90-0,99) | 1,46(1,26-1,69) | 1,01 (0,95-1,08) | 0,37(0,24-0,56) | 1,16(1,09-1,24) | 0,53(0,37-0,77) | ||||||
Raça | 0,232 | 0,753 | 0,534 | 0,057 | 0,884 | 0,840 | ||||||
Brancos | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Outros | 0,97(0,93-1,02) | 0,97(0,83-1,14) | 1,02 (0,96-1,08) | 1,33 (0,99-1,78) | 1,01(0,94-1,08) | 0,97 (0,71-1,31) | ||||||
Tempo em diálise - meses | 0,384 | 0,334 | 0,442 | 0,091 | < 0,001 | 0,936 | ||||||
1 - 12 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
13 - 24 | 1,01(0,95-1,07) | 1,09(0,89-1,34) | 1,04 (0,95-1,15) | 1,23(0,75-2,03) | 0,86(0,77-0,95) | 0,98(0,61-1,58) | ||||||
25 - 36 | 0,98(0,91-1,06) | 1,05(0,83-1,33) | 1,06 (0,96-1,18) | 1,60(0,96-2,66) | 0,90(0,81-1,00) | 0,72(0,39-1,35) | ||||||
> 36 | 0,98(0,93-1,03) | 0,92(0,76-1,12) | 1,03(0,96-1,11) | 1,39(0,94-2,06) | 0,81(0,75-0,88) | 1,03 (0,70-1,51) | ||||||
Diagnóstico de doença cardiovascular | < 0,001 | < 0,001 | 0,009 | 0,564 | 0,049 | 0,230 | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Sim | 1,14 (1,09-1,18) | 1,42(1,22-1,66) | 1,08 (1,02-1,15) | 0,91 (0,67-1,25) | 1,07(1,00-1,15) | 1,21(0,89-1,65) |
Os 1215 indivíduos incluídos em nosso estudo representam 97,3% de todos os pacientes em programas de hemodiálise por insuficiência renal crônica neste período na cidade de Porto Alegre. As características demográficas da população do estudo foram similares às de outros estudos em diversos países9 , 10 , 12 , 14 , 18 , 19. A média de idade foi próxima a 60 anos (com 35% acima de 65 anos) e aproximadamente 60% dos participantes foram do sexo masculino. Em geral, esta fase inicial do estudo CORDIAL descreve uma elevada prevalência de diversos fatores tradicionais de risco cardiovascular. As prevalências de hipertensão (87,5%), dislipidemia (84,7%), sedentarismo (73,1%), tabagismo (53,7%) e diabetes (35,8%) foram similares às de estudos recentes desenvolvidos em todo o mundo9 , 12 , 14 , 18 , 19 , 24 e também comparáveis aos achados de pacientes com DRC em fase pré-diálise4.
Hipertensão arterial foi encontrada em 87,5% dos nossos pacientes, um resultado mais elevado do que o encontrado por Portolés e cols.19(estudo MAR) em uma coorte multicêntrica na Espanha há uma década (75,8%), mas similar a outros, como 87,1% no estudo de Ohsawa e cols.18 no Japão (estudo KAREN, 2005)18, 86% em uma coorte de 2.535 pacientes nos EUA (Agarwal e cols.25 e em torno de 86% em dois estudos na Espanha9 , 12. O estudo CHOICE encontrou uma prevalência maior (96% entre 1.041 indivíduos)14. A pressão arterial pré-diálise em nossa população (em torno de 147/82mmHg) foi similar a outros estudos (149/79mmHg no CHOICE e 147/80mmHg no DMMS Wave2)10 , 14. Pressão arterial não controlada nas medidas pré-diálise representou 72% em nossa coorte (Tabela 1), semelhante aos 70% no estudo de Agarwal e cols.25 e aos 69% do estudo CHOICE14. No CORDIAL, uma análise multivariada ajustada verificou que os pacientes com menos de 65 anos apresentaram uma prevalência mais elevada de hipertensão arterial.
A hipertensão arterial tem sido relacionada a uma maior mortalidade nos pacientes em hemodiálise26, e a importância do tratamento da pressão arterial nesses indivíduos foi salientada em duas metanálises recentes que sugeriram uma redução dos eventos cardiovasculares e da mortalidade por qualquer causa naqueles tratados com drogas antihipertensivas27 , 28.
Entre nossos pacientes, a prevalência de dislipidemia foi 84,7%, uma taxa mais elevada se comparada a outros estudos como os 50% do CHOICE14. Os critérios diferentes utilizados para definir dislipidemia em cada estudo dificultam uma comparação adequada. A média de LDL-colesterol de nossos pacientes (94,3mg/dL) foi similar a outros9 , 12 , 14 , 18 , 19, embora Kronnenberg tenha relatado valores mais elevados (115 mg/dL)24.
A prevalência de triglicerídeos elevados foi 45,2% em nosso estudo, maior do que o resultado de Collado e cols.12 e do que o estudo CHOICE (36,9% acima de 200 mg/dL)14. Os valores médios foram 171,7 mg/dL no CORDIAL, maiores do que no estudo KAREN e no ANSWER, sendo semelhantes ao estudo MAR e ao de Kronnenberg e cols.24, e menores do que no CHOICE (199 mg/dL)9 , 14 , 18 , 19 , 24. HDL-colesterol abaixo de 40 mg/dL foi mais prevalente em nossa coorte (60,3%) do que nos outros9 , 14 , 18 , 19. Uma exceção foi o resultado de 66% relatado por Kronnenberg e cols.24.
No CORDIAL, encontramos uma prevalência ajustada mais elevada de dislipidemia nas pacientes femininas, enquanto que Ohsawa et al. relataram um achado oposto18. Embora não haja a demonstração de uma associação entre lipídios e o desenvolvimento de desfechos cardiovasculares nos pacientes em diálise29, a mensuração dos lipídios e seu tratamento permanecem como uma abordagem fundamental na prevenção das DCV mesmo nesses pacientes com DRC24.
Tabagismo está associado a um risco bastante elevado de doença cardíaca nos pacientes em diálise8 , 16. Fumantes e ex-fumantes foram 53,7% dos nossos pacientes, semelhante a outros estudos9 , 10 , 12 , 14 , 19. Treze por cento de nossos pacientes eram fumantes atuais, achado similar ao de outros autores9 , 14 , 19, à exceção do estudo KAREN, com 28,2%18. No CORDIAL, a prevalência ajustada de tabagismo foi maior nos homens e naqueles com mais de 65 anos de idade.
Sedentarismo foi identificado em 73,1% de nossos pacientes. No estudo CHOICE14, apenas 14% relataram atividade física intensa pelo menos 3 vezes por semana. Tentori e cols.30 descreveram resultados de 29.920 pacientes no estudo DOPPS com a atividade física auto-relatada de 47,4%. Comorbidades e limitações físicas poderiam explicar a baixa aderência de pacientes em hemodiálise aos programas de exercícios31. Além disso, a idade avançada poderia representar uma outra limitação à atividade física - entre nossos pacientes, a prevalência ajustada de sedentarismo foi maior nos idosos acima de 65 anos do que nos pacientes mais jovens (Tabela 3).
A prevalência de diabetes entre os pacientes em diálise já é elevada e continua aumentando32. A taxa de sobrevivência em 5 anos para os diabéticos em hemodiálise é pior do que nos não diabéticos. Um estudo recente no Brasil encontrou 41,1 versus 62,7%, respectivamente33. De acordo com a base de dados de 2009 do USRDS, apenas 30% dos pacientes diabéticos sobrevivem 5 anos após iniciar hemodiálise1. No CORDIAL, diabéticos eram 35,8% da população, uma taxa inferior àquela apresentada no CHOICE (54%)14, mas semelhante aos 38,5% do relatório anual de 2012 do USRDS34, com outros variando de 26 até 43%9 , 10 , 18 - 20.
Obesidade estimada pelo índice de massa corporal (IMC) estava presente em 12,4% dos indivíduos no CORDIAL. O estudo MAR19 relatou obesidade em 14% dos seus pacientes, enquanto que no ANSWER e no CHOICE a prevalência foi maior (20 e 26%, respectivamente)9 , 14. Diferentemente da população geral, pacientes com sobrepeso em diálise apresentam prognóstico melhor, supostamente devido a um estado nutricional melhor35. Recentemente, o IMC foi considerado um índice não eficiente para a avaliação do excesso de gordura corporal e, portanto, de obesidade36. Epidemiologia reversa e uma avaliação inadequada do acúmulo de gordura poderiam explicar este "paradoxo da obesidade" na DRC37.
Nos pacientes com DRC em hemodiálise, idade avançada proporciona risco cardiovascular que se assemelha à relação descrita na população geral38. Há uma prevalência crescente de idosos na população em hemodiálise em todo o mundo9 , 10 , 19. No censo brasileiro de diálise de 2000, aqueles com 60 anos ou mais eram 26%39, enquanto que em 2011 havia 31,5% com idade de 65 anos ou mais40. No CORDIAL, também em 2011, encontramos uma taxa de 34,9%.
Nossos dados apresentam as limitações usuais dos estudos transversais, especialmente para inferências causais. Foi necessário que nos limitássemos aos resultados laboratoriais de 15 centros de diálise em vez de utilizar um laboratório central. Relatamos taxas similares às observadas em outros estudos, mas nossos dados não podem ser generalizados para outras cidades do país. Nossos dados, no entanto, apresentam a força de terem sido adquiridos a partir de uma grande população com poucas exclusões e com a coleta por entrevistas padronizadas individualmente e coleta de dados de prontuários com revisão dupla.
A população em hemodiálise crônica nesta cidade metropolitana da América do Sul descrita no estudo CORDIAL apresenta uma elevada prevalência de fatores de risco cardiovascular. Estes achados confirmam no Brasil aquilo que já havia sido previamente verificado nos países do hemisfério norte, o perfil de elevado risco cardiovascular dos pacientes em hemodiálise. Estudos prospectivos e ensaios clínicos são necessários para melhor definir possíveis intervenções que possam ser transformadas em estratégias de saúde pública com o objetivo de prevenir morte cardiovascular nos pacientes em hemodiálise.