versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.27 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2019 Epub 21-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900010010
Childhood overweight and obesity represent one of the main public health problems in the world, but there is a scarcity of prevalence records in Brazil during the first year of life.
Verify the prevalence of overweight and obesity in the first year of life of infants enrolled in the Family Health Strategies, and to identify whether there is a difference in weight-per-age, height-per-age, weight/height-per-age and body mass index (BMI)-per-age in relation to sex, age group and socioeconomic level.
A cross-sectional study was performed, in which weight and height data were collected from the Child Health Handbook.
The prevalence of overweight and obesity was 7.2% according to the weight/height index, and 4.8% for the BMI index. Infants with an A-B socioeconomic status had higher BMI-per-age when compared to children at level C (p=0.048). Infants aged 6 to 12 months had higher weight-per-age (p=0.02) and height-per-age (p=0.01) than infants younger than six months.
The prevalence of overweight and obesity in the first year of life depends on the index used for classification. The socioeconomic status may interfere with BMI-per-age values, and the age group may interfere with weight-per-age and height-per-age indexes.
Keywords: prevalence; pediatric obesity; body mass index; weight by height
O sobrepeso e a obesidade infantil representam alguns dos principais problemas de saúde pública no mundo devido ao aumento da prevalência e à predisposição ao desenvolvimento de várias doenças crônicas 1 . No Brasil, uma revisão sistemática com metanálise recente identificou que a prevalência de obesidade foi de 14,1% entre crianças e adolescentes 2 . Já em crianças menores de 2 anos de idade, 6,5% foram identificadas com sobrepeso e/ou obesidade infantil no país 3 .
Os primeiros meses de vida são críticos para o desenvolvimento da obesidade ao longo da vida 4,5 , uma vez que crianças que apresentam maiores índices de massa corporal (IMC) ou ganho acelerado de peso nesse período possuem maiores chances de se tornarem obesas ao longo da infância, da adolescência e da vida adulta 6,7 . Além disso, o ganho excessivo de peso nessa faixa etária é considerado um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes mellitus tipo II na vida adulta 1,8 .
Como as maiores velocidades de aumento do peso e estatura ocorrem no primeiro ano de vida 5 , é importante o acompanhamento do crescimento físico de crianças nessa faixa etária. A avaliação do crescimento infantil pode ser realizada a partir das curvas de referência de peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e IMC por idade, propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) 9 . A partir da avaliação dos parâmetros dessas curvas de referência, é possível identificar situações que podem prejudicar o crescimento infantil. Cabe ressaltar que, tradicionalmente, essas curvas eram utilizadas para identificar, sobretudo, a desnutrição infantil. Porém, nas últimas décadas, a preocupação a respeito do ganho de peso tem aumentado, e as curvas de referência têm sido utilizadas também para a identificação precoce de sobrepeso e obesidade infantil 10 .
Assim, o aumento da prevalência de sobrepeso e de obesidade infantil em idades precoces 11 tem ampliado a preocupação dos profissionais da área de saúde a respeito do seu impacto no futuro 4 . Porém, observa-se uma escassez de registros de prevalência no Brasil no primeiro ano de vida da criança, considerada uma fase determinante para o desenvolvimento da obesidade ao longo da vida. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de sobrepeso e de obesidade no primeiro ano de vida das crianças cadastradas nas Estratégias Saúde da Família (ESF) do município de Diamantina-MG. Além disso, objetiva-se verificar se existe diferença entre os índices peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e IMC por idade em relação ao sexo, à faixa etária e ao nível socioeconômico.
Foi realizado um estudo transversal no período de janeiro a junho de 2014 no município de Diamantina-MG, após autorização da Secretaria Municipal de Saúde e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (Parecer nº 477.845).
Todas as crianças, entre 0 e 12 meses de idade, cadastradas nas ESF, foram incluídas no estudo. Foram excluídas: crianças que apresentaram alguma doença crônica e/ou deficiência diagnosticada que acometesse o desenvolvimento infantil, como paralisia cerebral ou hidrocefalia; que estivessem internadas no momento da coleta; ou que os pais não concordassem em participar do estudo.
Após um levantamento com os agentes comunitários de saúde de cada ESF, verificou-se que existiam 368 crianças cadastradas na área urbana do município nessa faixa etária. O cálculo amostral foi realizado a partir da fórmula para estimativa de proporção: N = Z2α. P (1-P) / E2, considerando um erro de estimativa tolerável de 3%, nível de significância de 95% e valor crítico de z de 1,96. Foi utilizada a prevalência de sobrepeso e de obesidade de 11,2% para crianças com 1 ano de idade, do estudo de Irigoyen et al. 12 . O valor de n ajustado para a amostra finita de 368 crianças, acrescentando 10% para eventuais perdas, foi de 292 crianças.
Duas examinadoras visitaram os domicílios de cada criança cadastrada para explicitar aos pais e/ou responsáveis os objetivos e os procedimentos do estudo. As famílias que não foram encontradas em seus domicílios foram visitadas em até três momentos, em horários distintos. Os responsáveis que aceitaram participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e responderam a uma ficha de dados para identificação da criança. O nível socioeconômico das famílias foi verificado pelo Critério de Classificação Econômica do Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (CCEB-ABEP), questionário que se baseia na acumulação de bens materiais e na escolaridade. A classificação econômica geral resultante desse critério varia de A1 (indicando classe econômica elevada) a E (indicando classe econômica muito baixa) 13 .
Além disso, foi solicitado a cada responsável a Caderneta de Saúde da Criança para registro das informações de saúde da criança. Foram registradas as últimas medidas de peso e estatura da criança, bem como a idade e a data em que foram realizadas. O software WHO Anthro foi utilizado para calcular o IMC e o escore z das variáveis: peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e IMC por idade. As crianças foram classificadas de acordo com as curvas de referência da OMS, segundo a idade e o sexo 9 .
Em relação ao índice peso por idade, crianças que apresentavam escore z inferior a -3 foram classificadas como muito baixo peso; entre -3 e -2, como baixo peso; entre -2 e +2, como peso adequado; e superior a +2, como peso elevado. Quanto ao índice estatura por idade, crianças com escore z menor que -3 foram classificadas como muito baixa estatura; entre -3 e -2, como baixa estatura; e maior ou igual a -2, como estatura adequada. Já para os índices peso/estatura por idade e IMC por idade, crianças com escore z inferior a -3 foram classificadas como magreza acentuada; entre -3 e -2, como magreza; entre -2 e +1, como eutrofia; entre +1 e +2, como risco de sobrepeso; entre +2 e +3, como sobrepeso; e superior a +3, como obesidade 9,14 .
Todas as análises foram realizadas utilizando o programa SPSS, versão 20.0 para Windows. Foi realizada estatística descritiva para caracterização da amostra, e a normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para comparar as variáveis escore z do peso, escore z da estatura, escore z do peso/estatura por idade e escore z do IMC entre as categorias sexo (masculino e feminino) e faixa etária (antes de 6 meses de idade e de 6 a 12 meses de idade), foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes; para compará-las entre as categorias de nível socioeconômico (níveis A e B, nível C e níveis D e E), foi utilizada ANOVA one-way, com post hoc de Tukey. O índice de significância adotado foi α = 0,05.
Entre as 368 crianças cadastradas, 3 foram excluídas por apresentar alguma deficiência neurológica ou estar internada no momento do estudo. Além disso, outras 73 crianças ficaram de fora da pesquisa, pois suas famílias não foram encontradas em seus domicílios. Assim, foram avaliadas 292 crianças, das quais 137 (46,9%) eram do sexo masculino, e 155 (53,1%), do sexo feminino.
A Tabela 1 informa o número de crianças cadastradas e visitadas em cada ESF.
Tabela 1 Crianças registradas e visitadas em cada Estratégia Saúde da Família, Diamantina - MG, 2014
Estratégias Saúde da Família | Número de crianças cadastradas | Número de crianças visitadas |
---|---|---|
ESF Cazuza | 35 | 31 |
ESF Bela Vida | 25 | 22 |
ESF Cidade Nova | 22 | 20 |
ESF Encontro com a Saúde | 34 | 29 |
ESF Gruta de Lourdes | 30 | 26 |
ESF Saúde e Vida | 39 | 29 |
ESF SBMI Diamante e Vida | 37 | 19 |
ESF SBMI Equipe Sempre Viva | 59 | 39 |
EFS SBMI Renascer | 41 | 36 |
ESF Viver Melhor | 46 | 41 |
Total | 368 | 292 |
Legenda: ESF – Estratégia Saúde da Família; SBMI – Saúde Bucal Módulo I
Os dados referentes à caracterização da amostra total visitada estão representados na Tabela 2 . Considerando os valores médios dos escores z para a amostra total, observa-se que as variáveis peso por idade e estatura por idade apresentaram valores inferiores ao valor 0. Já as variáveis peso/estatura por idade e IMC por idade tiveram valores superiores ao valor 0. Dessa forma, em todos os índices avaliados, a amostra apresentava valores médios de escore z dentro da faixa de referência.
Tabela 2 Caracterização dos participantes do estudo, Diamantina - MG, 2014
Variáveis | Média (± DP) | Frequência (%) |
---|---|---|
Idade (dias) | 166,57 (±5,13) | |
Peso (g) | 6812,65 (±1911,60) | |
Comprimento (cm) | 63,28 (±7,29) | |
IMC | 16,65 (±1,96) | |
Escore z do peso por idade | -0,21 (±1,14) | |
Escore z da estatura por idade | -0,41 (±1,37) | |
Escore z do peso/estatura por idade | 0,26 (±1,27) | |
Escore z do IMC por idade | 0,03 (±1,20) | |
Nível socioeconômico | ||
A2 | 6 (2,1%) | |
B1 | 21 (7,2%) | |
B2 | 39 (13,4%) | |
C1 | 77 (26,4%) | |
C2 | 79 (27,1%) | |
D | 61 (20,9%) | |
E | 9 (3,1%) |
Legenda: IMC – índice de massa corporal; DP – desvio-padrão
A distribuição da classificação das crianças em relação às variáveis peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e IMC por idade está representada na Tabela 3 . Observa-se, portanto, que a prevalência de sobrepeso e de obesidade identificada pelo índice peso/estatura por idade foi de 7,2%, valor distinto ao identificado pelo IMC por idade (4,8%).
Tabela 3 Classificação das crianças em relação aos índices peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e índice de massa corporal por idade, Diamantina - MG, 2014
Classificação | Frequência (%) |
---|---|
Peso por idade | |
Muito baixo peso | 4 (1,4%) |
Baixo peso | 16 (5,5%) |
Adequado | 264 (90,4%) |
Peso elevado | 8 (2,7%) |
Estatura por idade | |
Muito baixa estatura | 6 (2,1%) |
Baixa estatura | 21 (7,2%) |
Adequado | 265 (90,8%) |
Peso/estatura por idade | |
Magreza acentuada | 3 (1,0%) |
Magreza | 12 (4,1%) |
Eutrofia | 203 (69,5%) |
Risco de sobrepeso | 53 (18,2%) |
Sobrepeso | 18 (6,2%) |
Obesidade | 3 (1,0%) |
IMC por idade | |
Magreza acentuada | 2 (0,7%) |
Magreza | 16 (5,5%) |
Eutrofia | 222 (76%) |
Risco de sobrepeso | 38 (13%) |
Sobrepeso | 12 (4,1%) |
Obesidade | 2 (0,7%) |
Legenda: IMC – índice de massa corporal
Além disso, foi observada diferença significativa entre os valores médios de escore z das variáveis peso por idade e estatura por idade em relação à faixa etária, sendo que as crianças com 6 meses ou mais de idade apresentaram valores superiores quando comparadas àquelas menores de 6 meses de idade. Não foi verificada diferença significativa entre os valores médios do escore z das variáveis peso/estatura por idade e IMC por idade em relação à faixa etária ( Tabela 4 ).
Tabela 4 Comparação das médias do escore z das variáveis peso por idade, estatura por idade, peso/estatura por idade e índice de massa corporal por idade em relação aos grupos sexo, faixa etária e nível socioeconômico, Diamantina - MG, 2014
Variáveis | Sexo | Faixa etária | Nível socioeconômico | P | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino (n = 137) |
Feminino (n = 155) |
P |
0-6 meses (n = 165) |
6-12 meses (n = 127) |
P |
A-B (n = 66) |
C (n = 155) |
D-E (n = 71) |
||
Peso por idade | 0,07 | 0,02*a | 0,26 | |||||||
Média (± DP) | -0,34 (±1,18) | -0,10 (±1,10) | -0,35 (±1,10) | -0,03 (±1,18) | -0,01 (±0,89) | -0,29 (±1,20) | -0,23 (±1,21) | |||
Estatura por idade | 0,32 | 0,01*a | 0,34 | |||||||
Média (± DP) | -0,50 (±1,16) | -0,34 (±1,28) | -0,59 (±1,43) | -0,18 (±1,25) | -0,49 (±1,17) | -0,30 (±1,44) | -0,58 (±1,36) | |||
Peso/estatura por idade | 0,87 | 0,39 | 0,16 | |||||||
Média (± DP) | 0,24 (±1,30) | 0,27 (±1,28) | 0,31 (±1,29) | 0,18 (±1,22) | 0,47 (±1,22) | 0,13 (±1,28) | 0,32 (±1,24) | |||
IMC por idade | 0,33 | 0,60 | 0,048*b | |||||||
Média (± DP) | -0,04 (±1,25) | 0,10 (±1,15) | -0,0008 (±1,19) | 0,07 (±1,22) | 0,30 (±1,09) | -0,12 (±1,25) | 0,11 (1,16) |
Legenda: n – tamanho amostral; IMC – índice de massa corporal; DP – desvio-padrão.
a Teste t student para amostras independentes; bANOVA one- way, com post hoc de Tukey.
*Apresentou diferença significativa entre os grupos, p < 0,05.
Foi identificada também diferença significativa entre os valores médios do escore z da variável IMC por idade em relação ao nível socioeconômico ( Tabela 4 ). Após a análise post hoc, verificou-se que os valores dos níveis A-B foram significativamente superiores em relação ao nível C (p = 0,046), porém não foi verificada diferença entre os níveis A-B e D-E (p = 0,63) e entre os níveis C e D-E (p = 0,37). Observou-se também que não foi identificada diferença significativa entre os valores médios do escore z das variáveis peso por idade, estatura por idade e peso/estatura por idade em relação ao nível socioeconômico ( Tabela 4 ).
Por fim, não foi identificada diferença significativa em relação ao sexo para nenhuma das variáveis estudadas, conforme demonstra a Tabela 4 .
Este estudo observou que a prevalência de sobrepeso e de obesidade das crianças no primeiro ano de vida que estavam cadastradas nas ESF do município de Diamantina-MG depende do índice utilizado para classificação. Foram identificadas prevalências de 7,2% quando utilizado o índice peso/estatura por idade e de 4,8% quando utilizado o IMC por idade. É importante apontar que este é o primeiro estudo realizado no Brasil que avaliou a prevalência de sobrepeso e de obesidade infantil nessa faixa etária.
Os valores de prevalência encontrados na literatura nacional variam de acordo com a faixa etária analisada. Cocceti et al. 3 identificaram que 6,5% das crianças brasileiras menores de 2 anos de idade apresentavam sobrepeso e/ou obesidade infantil. Jesus et al. 15 encontraram que 12,5% das crianças menores de 4 anos de idade de Feira de Santana-BA foram classificadas com sobrepeso e/ou obesidade. De acordo com Moreira et al. 16 , a prevalência de sobrepeso e de obesidade foi de 8,6% para crianças menores de 5 anos de idade residentes no Estado de Alagoas. No estudo de Müller et al. 17 , a prevalência de sobrepeso e de obesidade em crianças menores de 5 anos de idade em populações urbanas no Brasil foi de 11,6%. Já os valores de prevalência de estudos internacionais nos dois primeiros anos de vida são superiores aos valores da população brasileira. No estudo de Irigoyen et al. 12 , foi identificado que 11,2% das crianças com 1 ano de idade com baixo nível socioeconômico, residentes em Nova Iorque, apresentaram sobrepeso e/ou obesidade. Já Ogden et al. 18 encontraram que 9,7% das crianças com até 2 anos foram consideradas obesas entre os anos de 2009-2010 nos Estados Unidos. Os mesmos autores ainda identificaram 8,1% de crianças com obesidade nessa faixa etária nos anos de 2011-2012 19 .
É importante apontar que as curvas de crescimento adotadas para classificação de sobrepeso e obesidade infantil pelos estudos nacionais e internacionais se diferiram. Os estudos nacionais utilizaram as curvas propostas pela OMS, recomendadas para identificação de sobrepeso e obesidade em crianças em todos os países a partir de 2006 10,14 . Essas curvas de crescimento foram desenvolvidas a partir de dados de crianças de diferentes países, inclusive no Brasil, e refletem padrões de crescimento de crianças que foram alimentadas com leite materno e/ou com fórmulas infantis 9 . Já os estudos internacionais adotam as curvas de crescimento do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (Center for Disease Control and Prevention - CDC) 20 , que utilizam na amostra apenas crianças alimentadas por meio de fórmulas infantis 10 .
Os índices e os pontos de corte utilizados para classificar as crianças com sobrepeso e obesidade também são diferentes entre as duas curvas de crescimento. Nas curvas da OMS, existem dois índices para classificação nessa faixa etária: índice peso/estatura por idade e IMC por idade, sendo classificadas como sobrepeso crianças com escore z superior a +2, o que corresponde ao percentil 97, e como obesas crianças com escore z superior a +3, o que corresponde ao percentil 99 9,14 . Já as curvas de crescimento do CDC só apresentam o índice peso/estatura para crianças menores de 2 anos de idade e classificam como sobrepeso crianças acima do percentil 85 e como obesidade acima do percentil 95 20 . Dessa forma, os valores de prevalência de estudos nacionais e internacionais devem ser comparados com cautela, uma vez que utilizam critérios diferentes para classificação.
Cabe ainda mencionar que todos os estudos apontados utilizaram o índice peso/estatura por idade para classificar sobrepeso e obesidade infantil nos primeiros anos de vida 3,12,15-19 . Porém, a literatura tem apontado que o IMC por idade tem emergido com o indicador antropométrico populacional universalmente aplicável para classificar sobrepeso e obesidade nos primeiros anos de vida 14 e já vem sendo aplicado em outros estudos na literatura 21,22 .
No presente estudo, foi verificado também se fatores, como sexo, faixa etária e nível socioeconômico, poderiam interferir nas curvas de crescimento. Observou-se que o nível socioeconômico pode interferir no escore z do IMC por idade, mas não no escore z do índice peso/estatura por idade. As crianças de nível socioeconômico superior (A-B) apresentaram os maiores valores de escore z no IMC por idade. Entretanto, esses valores se diferiram apenas nas crianças de nível médio (C), mas não foram diferentes nas crianças de níveis inferiores (D-E) na classificação CCEB-ABEP. A maior parte dos estudos indica que as crianças de famílias com maior nível socioeconômico apresentam maior prevalência de sobrepeso e de obesidade quando comparadas aos níveis mais baixos 3,23,24 . Menezes et al. 24 acrescentam que, além do melhor poder aquisitivo, as maiores prevalências de excesso de peso também estão relacionadas ao maior nível de escolaridade materna, ao maior acesso a bens de consumo e às melhores condições de saneamento básico, moradia e assistência à saúde. Já Moreira et al. 16 observaram que, nos últimos anos, no Brasil, houve aumento na prevalência de excesso de peso em crianças de todos os níveis socioeconômicos, inclusive aquelas pertencentes a famílias de baixo poder aquisitivo. É importante destacar que a amostra do estudo se refere a crianças cadastradas nas ESF. De acordo com Moimaz et al. 25 , a maior porcentagem dos indivíduos que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta classe social mais baixa. Entretanto, no presente estudo, a maior parte da amostra (53,5%) está entre os níveis médios (C1-C2), que compreende a renda média bruta familiar entre R$ 1.147,00 e R$ 1.685,00.
Estudos apontam que o Brasil está em um período de transição política, econômica nutricional e epidemiológica, com redução da prevalência da desnutrição e aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade 11,23,26 . De acordo com Silveira et al. 11 , ocorreu um aumento de 129% na prevalência de sobrepeso e de obesidade em crianças entre 24 e 59 meses nas últimas décadas. Apesar da literatura apontar redução da prevalência de desnutrição no país, no presente estudo 6,2% das crianças apresentaram algum grau de magreza, sendo essa proporção superior às encontradas nos estudos de Moreira et al. 16 e Nascimento et al. 23 , que mostraram 2,3% e menos de 1% de algum grau de magreza, respectivamente.
Em relação aos índices peso por idade e estatura por idade, a maior parte da amostra avaliada (mais de 90%) apresentou valores dentro da faixa de referência da OMS. Observou-se que as crianças entre 6 e 12 meses tiveram os maiores valores do escore z para os índices peso por idade e estatura por idade quando comparadas às crianças menores de 6 meses de idade. Além disso, apenas 2,7% da amostra apresentou peso elevado para a idade, sendo esses valores inferiores ao estudo de Robbins et al. 27 , que identificaram que 10% das crianças até 3 anos do sexo feminino e 13% do sexo masculino tinham peso elevado para a idade. Já para a variável estatura por idade, 9,3% das crianças apresentaram algum grau de baixa estatura, valor superior ao estudo de Nascimento et al. 23 , que constataram que apenas 3% das crianças entre 2 e 3 anos de idade possuíam baixa estatura. De acordo com Batista e Rissin 26 , o Brasil apresentou, nas últimas décadas, redução nos valores de prevalência de deficiência de estatura de 72%. O crescimento em estatura é considerado um indicador de adequação da nutrição geral nos primeiros anos de vida 28 .
Cabe ainda apontar que não foi encontrada diferença significativa entre os sexos em nenhuma das variáveis dependentes, o que corrobora o resultado de outros estudos 15,23 . Apenas Lasarte-Velillas et al. 29 encontraram diferença entre os sexos para crianças entre 2 e 14 anos com sobrepeso e obesidade, sendo maior em meninos.
É importante destacar que as medidas das variáveis dependentes analisadas (peso e estatura) foram registradas diretamente da Caderneta de Saúde da Criança e não foram mensuradas pelos pesquisadores do estudo, o que pode ser considerada uma limitação do estudo. A amostra do estudo também representava apenas as crianças cadastradas nas ESF, o que caracteriza um nível socioeconômico peculiar, que não reflete a população completa do município. Dessa forma, os resultados devem ser generalizados com cautela. Outros estudos devem ser realizados nessa faixa etária no Brasil em diferentes regiões, contemplando diferentes níveis socioeconômicos. Além disso, o crescimento infantil também pode estar associado a vários fatores que não foram objeto do estudo, como idade gestacional, peso ao nascer, obesidade materna, escolaridade materna, tempo de amamentação, tipo de alimentação, entre outros 11,15,16,23,30 , o que pode ter interferido nos resultados encontrados.
Este estudo identificou que a prevalência de sobrepeso e de obesidade das crianças no primeiro ano de vida do município de Diamantina-MG depende do índice utilizado para classificação. Foi identificada prevalência de sobrepeso e de obesidade de 7,2% quando utilizado o índice peso/estatura por idade e de 4,8% quando utilizado o IMC por idade. Além disso, foi constatado que o nível socioeconômico das famílias pode interferir nos valores do IMC por idade, enquanto a faixa etária pode interferir nos índices peso por idade e estatura por idade. A identificação desses fatores pode ser útil na implementação de políticas públicas, bem como na elaboração de estratégias e ações a fim de prevenir ou minimizar complicações relacionadas à obesidade no futuro.