versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 no.11 Rio de Janeiro 2019 Epub 31-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00236318
Studies in developing countries report a steady increase in mental disorders, with major social and economic repercussions. The current study proposes to analyze the prevalence of common mental disorders (CMDs) and associated factors in urban residents of São Paulo, Brazil. Based on data collected in the Health Survey in São Paulo City (ISA-Capital) in 2015, the study identified the presence of CMDs using the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). The association of CMDs with sociodemographic variables and health conditions was analyzed as relative frequency, corrected by the respective weights resulting from cluster sampling, estimating the prevalence and 95% confidence intervals (95%CI) and assessing the association’s significance by the chi-square test, corrected by the F distribution. Prevalence of CMDs was 19.7% (95%CI: 18.2-21.4), higher in women (24.3%); persons 60 years or older (25.3%); followers of the African-Brazilian umbanda or candomblé religions (37.8%); widows/widowers (30.4%); individuals that had never attended school (31.4%); unemployed (28.3%); those with family income up to one minimum wage (28.8%); individuals that reported illness in the previous 15 days (36.9%); those with physical disabilities (21.6%); mental or intellectual disabilities (44.4%); emotional or mental problems (48.9%); headache (33.63%); and individuals with one or more chronic diseases (24.1%). The information in this study reaffirms the relevance of the prevalence of CMDs and their association with the most vulnerable social groups, corroborating the need to implement public measures in mental health.
Keywords: Mental Disorders; Mental Health; Health Surveys
Estudios realizados en los países en desarrollo describen un aumento progresivo de los trastornos mentales, con grandes repercusiones sociales y económicas. El presente estudio se propone analizar la prevalencia de los trastornos mentales comunes (TMC) y sus factores asociados en los habitantes del área urbana de la ciudad de São Paulo, Brasil. A partir de los datos recabados por la Encuesta de Salud en el Municipio de São Paulo (ISA-Capital) de 2015, se identificó la presencia de TMC con la utilización del Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). La asociación de TMC con las variables sociodemográficas y de condiciones de salud se analizó a través de la frecuencia relativa, corregida por los respectivos pesos derivados de una muestra de conglomerados, estimándose la prevalencia y intervalos de confianza (IC95%) y evaluándose la significancia de la asociación por el chi-cuadrado, corregido por la distribución F. La prevalencia de TMC encontrada fue de 19,7% (IC95%: 18,2-21,4), siendo mayor en mujeres (24,3%); personas con 60 años o más (25,3%); practicantes de umbanda/candomblé (37,8%); viudos (30,4%); que nunca asistieron a la escuela (31,4%); inactivos/desempleados (28,3%); quienes tenía una renta familiar de hasta un salario mínimo (28,8%); individuos que informaron morbilidad durante los últimos 15 días (36,9%); deficiencia física (21,6%); deficiencia mental o intelectual (44,4%); problema emocional o mental (48,9%); cefalea (33,63%); y en los portadores de una o más enfermedades crónicas (24,1%). La información de esta investigación reafirma la relevancia de la prevalencia de TMC, así como su asociación con los grupos sociales más vulnerables, lo que refuerza la necesidad de la implementación de medidas públicas de salud mental.
Palabras-clave: Trastornos Mentales; Salud Mental; Encuestas Epidemiológicas
O transtorno mental comum (TMC), expressão cunhada por Goldberg & Huxley 1, refere-se à situação de saúde que não preenche critérios formais suficientes para diagnósticos de depressão e/ou ansiedade segundo as classificações do DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - 5ª edição) e CID-11 (Classificação Internacional de Doenças - 11ª revisão), todavia, os sintomas como insônia, fadiga, queixas somáticas, esquecimento, irritabilidade, dificuldade de concentração, entre outros, provocam uma incapacitação funcional significativa, trazendo prejuízos psicossociais para o indivíduo, bem como alto custo social e econômico 1,2,3.
Em estudos brasileiros, a prevalência de TMC varia entre 17% e 35% 2,4,5,6,7,8, o que representa uma parcela significativa da população, indicando a relevância de pesquisas relacionadas a esse tema em termos de saúde pública.
Um estudo publicado em 2016 9 estimou que a carga global das doenças mentais equivale a 32,4%, dos anos vividos com incapacidade, e a 13%, dos anos de vida ajustados por incapacidade. Já a prevalência global de TMC é de 17,6%, para um adulto nos últimos 12 meses, e de 29,2%, ao longo da vida 10.
Os transtornos mentais são pouco identificados e tratados, gerando um forte impacto na sociedade, normalmente a maior atenção é para os sintomas físicos, quando presentes. Assim, ocorre o emprego de medicações e exames desnecessários, intervenções ineficazes, comprometendo o prognóstico e a aderência aos tratamentos propostos 2,11.
Segundo o estudo de Nunes et al. 12, publicado em 2016, no qual a prevalência de TMC foi de 26,8% (intervalos de 95% de confiança - IC95%: 26,1-27,5), os grupos sociodemográficos mais acometidos foram mulheres (RP = 1,9; IC95%: 1,8-2,0); os mais jovens (35-54 anos) (RP = 1,7; IC95%: 1,5-1,9), “não brancos” e indivíduos sem graduação.
Nesse contexto, pretende-se, com esta pesquisa, contribuir para o conhecimento da relação de TMC com fatores socioeconômicos assim como corroborar ou complementar informações existentes na literatura. Sendo assim, o objetivo é contribuir com os estudos que estimam a prevalência de TMC e sua associação com os fatores: sexo; idade; cor; religião; situação conjugal; naturalidade; escolaridade; ocupação; renda familiar em salários mínimos vigentes em 2015, como também sua associação com as determinadas condições de saúde (morbidade referida nos últimos 15 dias; deficiência física; deficiência mental/intelectual; doença crônica; problema emocional ou mental referidos; cefaleia) em moradores da área urbana de São Paulo, Brasil, com idade igual ou superior a 15 anos no ano de 2015.
Trata-se de um estudo que utilizou dados secundários oriundos do Inquérito de Saúde do Município de São Paulo (ISA-Capital) de 2015 13. Sendo a terceira edição do inquérito de saúde de base populacional de corte transversal no qual o público investigado foi formado por residentes de domicílios particulares, em área urbana, do Município de São Paulo. A amostragem probabilística por conglomerados foi estratificada por domínios em dois estágios: setor censitário (4 grupos) e domicílios (5 grupos). As coordenadorias regionais de saúde (Norte, Sul, Leste, Sudeste e Centro-oeste) foram consideradas para estratificar a cidade. Trinta setores censitários foram sorteados em cada coordenadoria, com base nos setores urbanos do Censo Demográfico de 2010. Sendo assim, a amostra foi formada seguindo os seguintes domínios: adolescentes de 12 a 19 anos de idade, homens adultos de 20 a 59 anos, mulheres adultas de 20 a 59 anos e idosos homens e mulheres de 60 anos ou mais. O cálculo foi baseado em uma estimativa de prevalência de 50% com 0,10 de erro amostral considerando um intervalo de 95% de confiança e efeito de desenho de 1,5.
No presente trabalho, a população foi composta por todos os indivíduos com idade maior ou igual a 15 anos, que responderam ao Bloco E de saúde emocional no ISA-Capital 2015.
A presença de TMC foi estabelecida por meio do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), que compõe o Bloco E sobre saúde emocional. Trata-se de um instrumento concebido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o objetivo de servir como método de triagem de transtornos psiquiátricos na atenção básica de países em desenvolvimento 14. Tal questionário é composto por 20 questões de fácil aplicação do tipo sim ou não sobre a presença de sintomas físicos e psíquicos nos últimos 30 dias. Para definir a presença de TMC, o ponto de corte 7/8 foi estabelecido no estudo de validação dos autores Mari & Williams 15 como o mais adequado em sensibilidade e especificidade. Contudo, observaram que, para os homens, tal ponto de corte apresentaria um valor preditivo positivo menor (66%) quando comparado com as mulheres (83%). Sendo assim, propuseram uma distinção entre os pontos de corte a serem utilizados: 5/6 para os homens e 7/8 para as mulheres, com sensibilidade de 83% e especificidade de 80%. Já o trabalho de Scazufca et al. 16 demonstrou a validade do SRQ-20 em uma população de idosos, encontrando o ponto de corte 4/5 como o de melhor sensibilidade e especificidade para ambos os sexos. Sendo assim, no presente estudo, foram utilizados os seguintes pontos de corte para indicar TMC: homens com 64 anos ou menos - 6 ou mais respostas positivas; mulheres com 64 anos ou menos - 8 ou mais respostas positivas; e homens e mulheres com 65 anos ou mais - 5 ou mais respostas positivas.
As variáveis independentes utilizadas foram as sociodemográficas (sexo; idade; cor; religião; situação conjugal; naturalidade; escolaridade; ocupação; renda familiar em salários mínimos vigentes em 2015) e sobre as condições de saúde (morbidade referida nos últimos 15 dias; deficiência física; deficiência mental/intelectual; doença crônica; problema emocional ou mental referidos; cefaleia). A variável dependente neste estudo foi a de ser ou não portador de TMC.
A análise se deu descrevendo a frequência relativa de cada variável dentre os portadores e não portadores de TMC; estimando-se a prevalência e respectivos IC95% em cada situação e avaliando-se a significância da associação pelo qui-quadrado corrigido pela distribuição F (Satterwaite).
O programa Stata 11 (https://www.stata.com) foi utilizado para realizar as análises.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), campus Sorocaba (CAAE 66296917.0.0000.5373).
A Tabela 1 descreve a distribuição dos 3.618 sujeitos da amostra de acordo com as variáveis sociodemográficas e de condição de saúde.
Tabela 1 Distribuição da amostra segundo as variáveis sociodemográficas e condições de saúde. Inquérito de Saúde do Município de São Paulo (ISA-Capital), São Paulo, Brasil, 2015.
Variável/Condição de saúde | n * | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 1.564 | 43,23 |
Feminino | 2.054 | 56,77 |
Idade (anos) | ||
15-29 | 1.077 | 29,77 |
30-44 | 863 | 23,85 |
45-59 | 701 | 19,38 |
60 ou mais | 977 | 27,00 |
Cor | ||
Branca | 1.810 | 52,16 |
Preta | 387 | 11,15 |
Amarela ou indígena | 80 | 2,31 |
Parda | 1.193 | 34,38 |
Religião | ||
Católica | 1.769 | 49,87 |
Evangélica/Protestante | 1.064 | 30,00 |
Espírita ou Budismo ou Judaísmo | 180 | 5,07 |
Umbanda/Candomblé | 33 | 0,93 |
Nenhuma | 501 | 14,12 |
Situação conjugal | ||
Casado no civil ou religioso ou vive em união conjugal estável ou vive junto | 1.811 | 50,18 |
Solteiro ou separado ou desquitado ou divorciado | 1.477 | 40,93 |
Viúvo | 321 | 8,89 |
Naturalidade | ||
Estado de São Paulo | 2.189 | 60,67 |
Outros estados | 1.344 | 37,25 |
Exterior | 75 | 2,08 |
Escolaridade | ||
Nunca frequentou | 716 | 19,87 |
Ensino Fundamental | 1.370 | 38,01 |
Ensino Médio e/ou técnico | 1.416 | 39,29 |
Ensino Superior e/ou Pós-graduação | 102 | 2,83 |
Ocupação | ||
Ativos | 2.691 | 75,40 |
Inativos/Desempregados | 878 | 24,60 |
Renda familiar (salário mínimo) ** | ||
< 1 | 250 | 7,58 |
1-2 | 669 | 20,28 |
2-4 | 1.211 | 36,71 |
4-9 | 883 | 26,77 |
> 9 | 286 | 8,67 |
Morbidade referida em 15 dias | ||
Não | 2.925 | 80,94 |
Sim | 689 | 19,06 |
Deficiência física *** | ||
Não | 1.839 | 50,83 |
Sim | 1.779 | 49,17 |
Deficiência mental ou intelectual | ||
Não | 3.546 | 98,12 |
Sim | 68 | 1,88 |
Problema emocional ou mental | ||
Não | 3.079 | 85,27 |
Sim | 532 | 14,73 |
Cefaleia | ||
Não | 2.505 | 69,26 |
Sim | 1.112 | 30,74 |
Doença crônica (1 ou mais) | ||
Não | 1.196 | 34,55 |
Sim | 2.266 | 65,45 |
* Dados ignorados: cor (n = 148); religião (n = 71); situação conjugal (n = 9); naturalidade (n = 10); escolaridade (n = 14); ocupação (n = 49); renda familiar (n = 319); morbidade em 15 dias (n = 4); deficiência mental ou intelectual (n = 4); problema emocional ou mental (n = 7); cefaleia (n = 1); doença crônica (n = 156);
** Salário mínimo vigente em 2015 = R$ 788,00;
*** Inclui quem utiliza óculos, lente de contato, aparelho auditivo, alguma órtese, prótese, bengala ou aparelho auxiliar (muleta, andador, cadeira de rodas).
Preencheram o critério estabelecido para TMC 780 indivíduos, sendo a prevalência encontrada de 19,7% (IC95%: 18,2-21,4). Em relação às variáveis sociodemográficas (Tabela 2), a prevalência de TMC foi significantemente maior nos seguintes grupos: mulheres; pessoas com 60 anos ou mais; praticantes da umbanda/candomblé e evangélicos/protestantes quando comparados a católicos; viúvos; quem nunca frequentou a escola e quem possuía apenas ensino fundamental quando comparados a curso superior/pós-graduação; inativos/desempregados; quem possuía renda familiar de até um salário mínimo, entre 1 e 2 salários mínimos, entre 2 e 4 salários mínimos, e entre 4 e 9 salários mínimos quando comparados à renda familiar maior que 9 salários mínimos.
Tabela 2 Prevalência de transtorno mental comum e intervalos de 95% de confiança (IC95%) segundo as variáveis sociodemográficas. Inquérito de Saúde do Município de São Paulo (ISA-Capital), São Paulo, Brasil, 2015.
Variável | % (IC95%) | Valor de p |
---|---|---|
Total | 19,7 (18,15-21,44) | |
Sexo | < 0,001 | |
Masculino | 14,6 (12,77-16,60) | |
Feminino | 24,3 (21,88-26,82) | |
Idade (anos) | < 0,001 | |
15-29 | 19,1 (16,48-22,13) | |
30-44 | 17,7 (15,25-20,51) | |
45-59 | 19,2 (16,44-22,42) | |
60 ou mais | 25,3 (21,77-29,26) | |
Cor | 0,337 | |
Branca | 18,5 (16,28-20,87) | |
Preta | 21,4 (17,28-26,11) | |
Amarela ou indígena | 18,6 (10,83-30,13) | |
Parda | 21,1 (18,74-23,63) | |
Religião | < 0,001 | |
Católica | 17,5 (15,61-19,51) | |
Evangélica/Protestante | 23,7 (20,99-26,68) | |
Espírita ou Budismo ou Judaísmo | 19,0 (13,04-26,79) | |
Umbanda/Candomblé | 37,8 (20,10-59,47) | |
Nenhuma | 17,8 (14,56-21,58) | |
Situação conjugal | < 0,001 | |
Casado no civil ou religioso ou vive em união conjugal estável ou vive junto | 19,0 (17,01-21,05) | |
Solteiro ou separado ou desquitado ou divorciado | 19,3 (16,99-21,76) | |
Viúvo | 30,4 (24,96-36,50) | |
Naturalidade | 0,97 | |
Estado de São Paulo | 19,7 (17,62-22,06) | |
Outros estados | 19,8 (17,53-22,22) | |
Exterior | 18,6 (11,12-29,45) | |
Escolaridade | < 0,001 | |
Nunca frequentou | 31,4 (21,89-42,84) | |
Ensino Fundamental | 24,8 (22,26-27,55) | |
Ensino Médio e/ou técnico | 19,0 (16,48-21,71) | |
Ensino Superior e/ou Pós-graduação | 14,3 (11,57-17,65) | |
Ocupação | < 0,001 | |
Ativos | 17,7 (15,97-19,54) | |
Inativos/Desempregados | 28,3 (25,06-31,72) | |
Renda familiar (salário mínimo) * | < 0,001 | |
< 1 | 28,8 (22,21-36,49) | |
1-2 | 21,5 (18,33-25,12) | |
2-4 | 21,7 (19,18-24,43) | |
4-9 | 16,5 (13,58-19,91) | |
> 9 | 11,2 (7,69-16,08) |
* Salário mínimo vigente em 2015 = R$ 788,00.
Em relação às variáveis de condição de saúde (Tabela 3), a prevalência de TMC foi maior nas seguintes categorias: morbidade referida nos últimos 15 dias; deficientes físicos; deficientes mentais ou intelectuais; portadores de problema emocional ou mental; presença de cefaleia; e portadores de uma ou mais doenças crônicas. Todas as variáveis apresentaram associação com TMC com significância estatística.
Tabela 3 Prevalência de transtorno mental comum e intervalos de 95% de confiança (IC95%) de acordo com as condições de saúde. Inquérito de Saúde do Município de São Paulo (ISA-Capital), São Paulo, Brasil, 2015.
Condição de saúde | % (IC95%) | Valor de p |
---|---|---|
Morbidade referida em 15 dias | < 0,001 | |
Não | 15,9 (14,36-17,51) | |
Sim | 36,9 (32,68-41,45) | |
Deficiência física | 0,025 | |
Não | 18,1 (16,09-20,38) | |
Sim | 21,6 (19,33-24,16) | |
Deficiência mental ou intelectual | < 0,001 | |
Não | 19,2 (17,70-20,97) | |
Sim | 44,4 (31,80-57,47) | |
Problema emocional ou mental | < 0,001 | |
Não | 14,8 (13,28-16,38) | |
Sim | 48,9 (43,37-57,52) | |
Cefaleia | < 0,001 | |
Não | 13,31 (11,76-15,03) | |
Sim | 33,6 (30,34-37,08) | |
Doença crônica (1 ou mais) | < 0,001 | |
Não | 10,2 (8,39-12,33) | |
Sim | 24,1 (22,00-26,40) |
Na revisão sistemática com metanálise conduzida por Steel et al. 10, a prevalência global de transtornos mentais comuns foi de 17,6%, para um adulto nos últimos 12 meses, e de 29,2%, ao longo da vida. Foram analisados 174 estudos de 63 países. Apesar de a comparação ser comprometida pelos diferentes instrumentos utilizados na identificação do transtorno mental comum, é possível ter uma estimativa da alta prevalência global e adequação dos valores encontrados nesta pesquisa.
No Brasil, os estudos de base populacional que se utilizaram do SRQ-20 apresentaram prevalências que divergem moderadamente de acordo com os pontos de corte utilizados. A Tabela 4 lista alguns desses estudos.
Tabela 4 Prevalência de transtorno mental comum (TMC) em estudos de base populacional que tiveram o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) como instrumento para definição de TMC.
Estudo | Ano | Localização | Pontos de corte | % | IC95% |
---|---|---|---|---|---|
Moraes Júnior 2 | 2010 | Região Metropolitana de São Paulo | 5/6 para homens e 7/8 para mulheres | 22,4 | 19,3-25,6 |
Lima 4 | 2004 | Botucatu, São Paulo | 5/6 para homens e 7/8 para mulheres | 20,8 | 16,8-24,8 |
Anselmi et al. 5 | 2008 | Pelotas, Rio Grande do Sul | 5/6 para homens e 7/8 para mulheres | 28,0 | 26,7-29,4 |
Rocha et al. 6 | 2010 | Feira de Santana, Bahia | 6/7 para ambos os sexos | 29,9 | NI |
Rodrigues-Neto et al. 7 | 2008 | Montes Claros, Minas Gerais | 7/8 para ambos os sexos | 23,2 | NI |
Marín-León et al. 8 | 2007 | Campinas, São Paulo | 7/8 para ambos os sexos | 17,0 | 12,8-22,3 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; NI: não informado.
É possível notar que a maioria das pesquisas aponta prevalências de TMC próximas de nossos resultados e com intervalos de confiança que se sobrepõem.
No estudo conduzido por Ribeiro 17, que se baseou na edição de 2008 do ISA-Capital, a prevalência de TMC foi de 21,3%. Levando em consideração a semelhança da metodologia e amostra de base populacional entre os estudos, é possível constatar que não houve mudança estatisticamente significante da prevalência de TMC na população paulistana entre os anos 2008-2015. O valor de 2008 está dentro do intervalo de confiança da prevalência encontrada no estudo de 2015 (18,15-21,44).
Os resultados encontrados no presente estudo mostram uma maior prevalência de TMC principalmente em mulheres, pessoas com 60 anos ou mais, viúvos, quem nunca frequentou a escola, inativos/desempregados, e quem possuía renda familiar de até um salário mínimo. Tais associações são coerentes com outros estudos 2,4,6,11,17. No que tange ao gênero e à classe social, é relevante destacar os determinantes sociais de saúde e sua implicação no TMC, o que ajuda a explicar a alta prevalência constatada em mulheres e naqueles com renda mais baixa. Sendo assim, esses grupos de maior vulnerabilidade compartilham interações de determinantes sociais que estão relacionados à maior prevalência de TMC. Ludermir 18 (p. 461), em um estudo publicado em 2008, esclarece essa associação da seguinte forma: “classe social e gênero representam conceitos distintos e sua associação com a saúde mental tem sido amplamente investigada. O núcleo essencial da concepção de causalidade da doença mental não se encontra numa determinada classe ou gênero, mas sim nas relações estabelecidas entre classes e gêneros, caracterizadas pela opressão e subordinação de um grupo por outro”.
Nesse sentido, a saúde mental das mulheres deve ser entendida de acordo com as questões socioeconômicas e políticas relacionadas a esse grupo.
A idade também parece ser decisiva ao se decompor os fatores associados ao risco de TMC. A maior prevalência em idosos pode ser compreendida analisando as repercussões comuns no envelhecimento: aumento de doenças crônicas, limitações físicas, perdas cognitivas, diminuição sensorial, isolamento social, entre outros. No que tange à saúde mental, verifica-se, nessa faixa etária, transtornos demenciais, ansiosos e principalmente depressivos 19.
A escolaridade, quando elevada, associa-se à menor prevalência de TMC 20,21,22,23. Os achados deste estudo confirmaram tal tendência na literatura. A prevalência encontrada de TMC entre aqueles que nunca frequentaram a escola foi de 31,4% (IC95%: 21,89-42,84), enquanto, entre aqueles com Ensino Superior completo e/ou Pós-graduação, foi apenas de 14,3% (IC95%: 21,89-42,84). Essa associação, que poderia ser interpretada como uma facilidade e maiores recursos financeiros que aqueles com maior número de anos de estudo detêm para enfrentar intercorrências pessoais, parece estar mais relacionada à exposição daqueles com baixa escolaridade a fatores como desemprego, pouca oportunidade de trabalho, baixa remuneração, condições precárias de vida, maior exposição à violência, entre outros, que podem predispô-los a problemas de saúde mental 23.
Como esperado, a prevalência de TMC em relação às variáveis de saúde foi maior nos grupos com piores condições de saúde (morbidade referida nos últimos 15 dias; deficientes físicos; deficientes mentais ou intelectuais; portadores de problema emocional ou mental; presença de cefaleia; e portadores de uma ou mais doenças crônicas). Coelho et al. 24, em um estudo de base populacional, destacam a relação entre TMC e enfermidades crônicas no qual os indivíduos que possuíam cinco ou mais apresentaram uma razão de prevalência de TMC de 4,67 (IC95%: 3,19-6,83) quando comparados com aqueles que não possuíam nenhuma doença crônica. Tais informações são importantes aos profissionais e gestores em saúde para que o cuidado dirigido a esse grupo populacional contemple, de maneira satisfatória, o diagnóstico e tratamento de possíveis doenças psiquiátricas.
Apesar de ser um estudo com amostra de grande tamanho, e dos dados terem sido coletados diretamente por meio de entrevistadores treinados, resta dizer que apresenta as limitações inerentes aos estudos transversais (incapacidade de estabelecer relação de causalidade) e baseia-se em informações autorreferidas. Por outro lado, o presente estudo serve como mais uma referência para futuras pesquisas que pretendam investigar e aprofundar o conhecimento sobre a dinâmica do processo saúde-doença, especialmente no que se refira aos TMC.
Confirma-se a prevalência relevante de TMC, o que corrobora os resultados de outros estudos baseados em inquéritos populacionais realizados em cidades brasileiras. Como era esperado, variáveis sociodemográficas e de condições de saúde possuem associação significante com TMC, de modo que os grupos menos privilegiados (como mulheres, idosos, portadores de doenças crônicas, baixa escolaridade, menor renda, viúvos, inativos/desempregados, deficientes físicos) apresentam maior prevalência. Tal fato se faz importante para os profissionais e gestores de saúde para que se possa garantir o atendimento adequado a esse público.