versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.1 no.3 São Paulo jul./set. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180047
A dor lombar (DL) é caracterizada como uma dor referida abaixo da margem das últimas costelas e acima das linhas glúteas inferiores, com ou sem dor nos membros inferiores1,2 sendo que apenas 10% das lombalgias têm causa específica relacionada a uma determinada doença3.
A lombalgia é um dos mais difundidos problemas de saúde pública enfrentados pelo mundo industrializado. Constitui um pesado ônus para os sistemas nacionais de saúde e de previdência em termos de diagnóstico, tratamento, absenteísmo e aposentadoria prematura4,5. Acrescente-se a isso o impacto psicossocial causado pelo prematuro afastamento de pessoas, ativas sob os demais aspectos, de suas atividades cotidianas6.
Meucci, Fassa e Faria7 e Nascimento e Costa8 demostraram que a prevalência de dores lombares em adultos jovens varia de 13,0 a 30%, e estima-se que essa condição pode atingir até 65% das pessoas em geral anualmente, e até 84% das pessoas em algum momento da vida. Furtado et al.5 relataram uma prevalência de DL de 29,3% em estudantes universitários com idade de 18 a 29 anos.
Apesar desses números, um diagnóstico específico sobre as possíveis causas da DL não é determinado entre 90 e 95% dos casos, uma vez que a DL apresenta caráter multifatorial. Todavia, existem autores que relacionam a presença da DL a um conjunto de causas, como fatores sociodemográficos, estado de saúde, estilo de vida e fatores ocupacionais5,9-11.
Considerando a presença de DL como uma causa que limita a aptidão física, emocional e cognitiva de um indivíduo, especialmente em estudantes universitários12 se faz necessário o estudo de estimativas precisas de prevalência em universitários, em especial em estudantes de fisioterapia, para avaliar o panorama de desenvolvimento da DL produzindo indicadores globais de saúde para o grupo investigado, e prevenindo hábitos que possam acelerar a geração do processo de incapacitação pela dor.
O objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados à DL em estudantes universitários.
Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva, de corte transversal.
A amostragem foi do tipo probabilística aleatória simples, considerando um total de 445 estudantes matriculados no período pesquisado. O cálculo da amostra foi estimado assumindo-se uma prevalência de 45,2%13, erro máximo de 5% para um intervalo de significância de 95% e usado um fator de correção para o desfecho do desenho de 1,5. A amostra foi aumentada em 30%, pressupondo a taxa de não resposta, e para controlar fatores de confusão, resultando em um total de 400 universitários.
Os critérios de inclusão da pesquisa foram alunos do curso de fisioterapia, de ambos os sexos, com idade entre 18 a 44 anos que aceitaram participar da pesquisa e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os critérios de exclusão foram gestantes, estudantes com dores ou lesões musculoesqueléticas por doenças infecciosas, onco-hematológicas, genéticas e traumáticas recentes, e aqueles que não aceitaram participar da pesquisa. A coleta de dados ocorreu nos meses de maio a junho de 2017.
Para a avaliação da DL (variável dependente) foi utilizado o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO)14, versão validada e adaptada para língua portuguesa15. Para o estudo, a DL foi definida como dor ou desconforto nos últimos 12 meses não relacionado à trauma ou dor menstrual, com duração mínima de um dia, associada ou não com irradiação para um ou ambos os membros inferiores6,11.
Foram investigadas também outras variáveis, independentes, nos seguintes blocos de informações.
Sociodemográficas e econômicas: sexo, faixa etária, estado civil, raça/cor, religião, renda familiar, classe social (ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - 2016 - www.abep.org), local de moradia, número de residentes no domicilio, possuir filhos, ocupação, escola, curso e ano do curso;
Estilo de vida: prática de atividade física, consumo de álcool, uso de drogas ilícitas, estado nutricional;
Aspectos autorreferidos de saúde: plano médico de saúde, foi ao médico nos últimos 12 meses, morbidades, satisfação com o sono, autopercepção de saúde e estresse.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão (FACEMA) com o CAAE no 61597016.0.0000.8007 e parecer nº 1.947.138. O estudo obedeceu à resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial.
Os dados foram organizados e tabulados utilizando o SPSS versão 18.0 para Windows (SPSS Inc. Chicago, IL 60606, EUA).
Na análise univariada aplicou-se os procedimentos de estatística descritiva. Na análise bivariada utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson (χ2).
Para a análise multivariada foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta dos erros-padrão16 com todas as covariáveis de interesse que apresentaram p<0,20 na análise bivariada.
Para isso foram criados três modelos multivariados adotando uma entrada hierárquica17 de variáveis, no qual as correlações significativas (dor lombar e variáveis independentes) foram ajustadas por fatores de confusão: primeira entrada, variáveis sociodemográficas, econômicas e ocupacionais (sexo, classe social e ocupação); segunda entrada, modelo ajustado por variáveis sociodemográficas, econômicas, ocupacionais e estilo de vida (atividade física); terceira entrada, modelo ajustado por variáveis sociodemográficas, econômicas, ocupacionais, estilo de vida e ano do curso.
Foram calculadas as razões de prevalência brutas e ajustado (RP) com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) e significância obtida pelo teste de Wald.
Em todas as análises realizadas utilizou-se um nível de significância de 5%.
O número final de estudantes pesquisados foi 410. A prevalência de DL no último ano foi de 56,3% (IC95%:51,5-61,2), na última semana foi de 27,1% (IC95%:22,8-31,4). A DL que motivou consulta com profissional foi de 8,0% (IC95%:5,4-10,7), enquanto que 14,9% (IC95%:11,4-18,3) dos pesquisados foram impedidos de realizar suas atividades normais no último ano por causa da dor.
Do total de entrevistados, 72,9% eram do sexo feminino, 43,2% estavam em uma faixa etária de 21-24 anos, com idade média 22,8±5,0 anos, 81,2% eram solteiros/divorciados e 51,2% estavam no 3º e 4º ano do curso (Tabela 1).
Tabela 1 Prevalência de dor lombar nos últimos 12 meses de acordo com as características socioeconômicas e demográficas dos universitários participantes da pesquisa. Caxias, MA, 2017
Variáveis | Total | Dor lombar (%) |
RP | IC95% | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | |||||
Sexo | 0,214 | |||||
Masculino | 111 | 27,1 | 51,4 | 1,0 | ||
Feminino | 299 | 72,9 | 58,2 | 1,13 | 0,92-1,39 | |
Faixa etária (anos) | 0,658 | |||||
17-20 | 139 | 33,9 | 53,2 | 1,0 | ||
21-24 | 177 | 43,2 | 58,2 | 1,06 | 0,89-1,26 | |
25 ou + | 94 | 22,9 | 57,4 | 1,03 | 0,84-1,25 | |
Estado civil | 0,680 | |||||
Solteiro/divorciado | 333 | 81,2 | 55,9 | 1,0 | ||
Casado/união estável | 77 | 18,8 | 58,4 | 1,05 | 0,85-1,29 | |
Raça/cor | 0,442 | |||||
Branca | 76 | 18,5 | 50,0 | 1,0 | ||
Negra | 74 | 18,0 | 59,5 | 1,07 | 0,87-1,32 | |
Parda | 260 | 63,4 | 57,3 | 1,05 | 0,88-1,25 | |
Prática de alguma religião | 0,239 | |||||
Não | 105 | 25,6 | 51,4 | 1,0 | ||
Sim | 305 | 74,4 | 58,0 | 1,13 | 0,92-1,39 | |
Renda familiar (SM) | 0,277 | |||||
Menor 1 | 49 | 12,0 | 44,9 | 1,0 | ||
1-2 | 243 | 59,3 | 56,4 | 1,01 | 0,84-1,19 | |
3-5 | 95 | 23,2 | 60,0 | 1,09 | 0,90-1,32 | |
Mais de 5 | 23 | 5,6 | 65,2 | 1,17 | 0,86-1,60 | |
Classe social | 0,017 | |||||
C e D | 170 | 41,5 | 49,4 | 1,0 | ||
A e B | 240 | 58,5 | 61,3 | 1,24 | 1,03-1,49 | |
Local de moradia | 0,394 | |||||
Pais ou parentes | 268 | 65,4 | 59,0 | 1,0 | ||
Pensão ou amigos | 69 | 16,8 | 47,8 | 0,82 | 0,63-1,07 | |
Sozinho | 12 | 2,9 | 50,0 | 0,88 | 0,50-1,57 | |
Outros | 61 | 14,19 | 55,7 | 1,04 | 0,81-1,32 | |
Número de residentes domicílio | 0,776 | |||||
Até 3 | 196 | 47,8 | 55,6 | 1,0 | 1,0 | |
4 ou + | 214 | 52,2 | 57,0 | 1,03 | 0,86-1,22 | |
Possui filhos | ||||||
Não | 338 | 82,4 | 55,6 | 1,0 | ||
Sim | 72 | 17,6 | 59,7 | 1,07 | 0,87-1,33 | |
Possui ocupação | 0,113 | |||||
Não | 222 | 54,1 | 59,9 | 1,0 | ||
Sim | 188 | 45,9 | 52,1 | 0,87 | 0,73-1,04 | |
Ano do curso | 0,011 | |||||
1º | 67 | 16,3 | 37,3 | 1,0 | ||
2º | 67 | 16,3 | 55,2 | 0,98 | 0,77-1,23 | |
3º | 100 | 24,4 | 60,0 | 1,09 | 0,90-1,31 | |
4º | 110 | 26,8 | 60,0 | 1,09 | 0,91-1,31 | |
5º | 66 | 16,1 | 65,2 | 1,19 | 0,98-1,46 | |
Total | 410 | 100,0 |
SM = salário mínimo (R$ 937,00),
*teste Qui-quadrado de Pearson; RP = razão de prevalência bruta; IC95% = intervalo de confiança de 95%.
A tabela 2 apresenta dos dados relacionados com estilo de vida e aspectos de saúde.
Tabela 2 Estilo de vida, uso de serviços de saúde e condições de saúde dos universitários participantes da pesquisa. Caxias, MA, 2017
Total | Dor lombar (%) |
RP | IC95% | Valor de p* | ||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | |||||
Prática de atividade física | 0,022 | |||||
Sim | 162 | 39,5 | 49,4 | 1,0 | ||
Não | 248 | 60,5 | 60,9 | 1,23 | 1,02-1,48 | |
Consumo de álcool | 0,262 | |||||
Não | 203 | 49,5 | 59,1 | 1,0 | ||
Sim | 207 | 50,5 | 53,6 | 0,91 | 0,77-1,08 | |
Tabagismo | 0,798 | |||||
Não | 357 | 87,1 | 56,6 | 1,0 | ||
Sim | 53 | 12,9 | 54,7 | 0,97 | 0,74-1,26 | |
Estado nutricional | 0,861 | |||||
Baixo peso | 43 | 10,5 | 55,8 | 0,99 | 0,75-1,32 | |
Eutrófico | 274 | 66,8 | 55,1 | 1,0 | ||
Sobrepeso | 80 | 19,5 | 60,0 | 1,08 | 0,88-1,33 | |
Obesidade | 13 | 3,2 | 61,5 | 1,10 | 0,71-1,70 | |
Uso de drogas ilícitas | 0,519 | |||||
Não | 386 | 94,1 | 56,7 | 1,0 | ||
Sim | 24 | 5,9 | 50,0 | 0,88 | 0,58-1,33 | |
Plano médico de saúde | 0,821 | |||||
Não | 337 | 82,2 | 56,1 | 1,0 | ||
Sim | 73 | 17,8 | 57,5 | 1,03 | 0,82-1,28 | |
Foi ao médico nos últimos 12 meses | <0,001 | |||||
Não | 102 | 24,9 | 41,2 | 1,0 | ||
Sim | 308 | 75,1 | 61,4 | 1,49 | 1,16-1,91 | |
Morbidades | 0,157 | |||||
Nenhuma | 339 | 82,7 | 54,3 | 1,0 | ||
1 | 35 | 8,5 | 62,9 | 1,18 | 0,92-1,53 | |
2 ou + | 36 | 8,8 | 69,4 | 1,26 | 1,00-1,60 | |
Satisfeito com o sono | 0,941 | |||||
Muito satisfeito | 34 | 8,3 | 50,0 | 1,0 | ||
Satisfeito | 121 | 29,5 | 56,2 | 1,01 | 0,83-1,20 | |
Nem satisfeito/nem insatisfeito | 112 | 27,3 | 58,0 | 1,04 | 0,86-1,26 | |
Insatisfeito | 101 | 24,6 | 57,4 | 1,03 | 0,84-1,25 | |
Muito insatisfeito | 42 | 10,2 | 54,8 | 0,97 | 0,73-1,29 | |
Autopercepção saúde | 0,513 | |||||
Excelente | 47 | 11,5 | 59,6 | 1,0 | ||
Muito boa | 64 | 15,6 | 59,4 | 1,06 | 0,85-1,33 | |
Boa | 166 | 40,5 | 53,6 | 0,92 | 0,77-1,10 | |
Regular | 64 | 15,6 | 55,3 | 0,97 | 0,81-1,18 | |
Ruim | 47 | 11,5 | 80,0 | 1,43 | 1,04-1,98 | |
Considera-se estressado | 0,254 | |||||
Nunca | 13 | 3,2 | 53,8 | 1,0 | ||
Raramente | 61 | 14,9 | 52,6 | 0,73 | 0,54-0,98 | |
As vezes | 196 | 47,8 | 55,6 | 0,98 | 0,82-1,16 | |
Frequentemente | 75 | 18,3 | 62,7 | 1,14 | 0,93-1,39 | |
Sempre | 65 | 15,9 | 64,6 | 1,18 | 0,96-1,45 | |
Dor lombar autorreferida | <0,001 | |||||
Nunca | 41 | 10,0 | 22,0 | 1,0 | ||
Raramente | 65 | 15,9 | 40,0 | 0,67 | 0,49-0,92 | |
Pouco frequente | 98 | 23,9 | 53,1 | 0,92 | 0,75-1,14 | |
Frequentemente | 125 | 30,5 | 69,6 | 1,38 | 1,17-1,62 | |
Sempre | 81 | 18,9 | 70,4 | 1,33 | 1,12-1,58 |
*Teste Qui-quadrado de Pearson; RP = razão de prevalência bruta; IC95% = intervalo de confiança de 95%.
No que se refere à DL, as seguintes variáveis estiveram associadas a sua ocorrência na análise bivariada: classe social (p=0,017), ano do curso (p=0,011), prática de atividade física (p=0,022), ter ido ao médico nos últimos 12 meses (p<0,001) e DL autorreferida (p<0,001) (Tabelas 1 e 2).
Na análise multivariada através da regressão de Poisson (Tabela 3), observou-se um aumento da prevalência de DL nos estudantes da classe A e B (RPaj=1,25), que foram ao médico nos últimos 12 meses (RPaj=1,40), autorreferiram DL como pouco frequente (RPaj=2,29), frequentemente (RPaj=2,80) e sempre (RPaj=3,13), e naqueles que estavam no terceiro (RPaj=1,52), quarto (RPaj=1,52) e quinto (RPaj=1,66) ano do curso.
Tabela 3 Análise multivariada através de regressão de Poisson para os fatores independentes associados à dor lombar nos últimos 12 meses
Variáveis | Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 |
---|---|---|---|
RP (IC95%) | RP (IC95%) | RP (IC95%) | |
Sexo | |||
Masculino | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Feminino | 1,13 (0,92-1,38) | 0,97 (0,80-1,17) | 0,95 (0,79-1,15) |
Classe social | |||
C e D | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
A e B | 1,25 (1,05-1,50) | 1,26 (1,06-1,50) | 1,25 (1,05-1,47) |
Possui ocupação | |||
Não | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Sim | 0,86 (0,72-1,02) | 0,83 (0,70-0,98) | 0,80 (0,67-0,95) |
Pratica atividade física | |||
Sim | 1,0 | 1,0 | |
Não | 1,09 (0,91-1,31) | 1,08 (0,90-1,30) | |
Foi ao médico nos últimos 12 meses | |||
Não | 1,0 | 1,0 | |
Sim | 1,42 (1,13-1,80) | 1,40 (1,11-1,76) | |
Morbidades | |||
Nenhuma | 1,0 | 1,0 | |
1 | 1,06 (0,82-1,39) | 1,01 (0,78-1,31) | |
2 ou + | 1,13 (0,91-1,41) | 1,09 (0,87-1,37) | |
Dor lombar autorreferida | |||
Nunca | 1,0 | 1,0 | |
Raramente | 1,77 (0,94-3,32) | 1,71 (0,92-3,21) | |
Pouco frequente | 2,33 (1,28-4,22) | 2,29 (1,27-4,12) | |
Frequentemente | 2,89 (1,61-5,17) | 2,80 (1,57-4,99) | |
Sempre | 3,14 (1,75-5,63) | 3,13 (1,75-5,61) | |
Ano do curso | |||
1º | 1,0 | ||
2º | 1,35 (0,95-1,91) | ||
3º | 1,39 (1,02-1,89) | ||
4º | 1,52 (1,11-2,09) | ||
5º | 1,66 (1,20-2,28) |
RP = razão de prevalência; IC95% = intervalo de confiança de 95%; Modelo-1 = modelo ajustado por variáveis socioeconômicas (sexo, classe social e ocupação); Modelo-2 = modelo ajustado por variáveis socioeconômicas, estilo de vida e saúde; Modelo-3 = modelo ajustado por variáveis socioeconômicas, estilo de vida, saúde e ano do curso.Obs: Os dados em negrito representam razão de prevalência e intervalos de confiança estatisticamente significativos pelo teste Wald.
O fato do estudante possuir ocupação configurou-se, na pesquisa, como um fator de proteção diminuindo em 20% a prevalência de DL.
Considerando-se o fato da DL ser definida como um sintoma, e não uma doença, os estudos investigativos necessitam muito das informações e recordações dos sujeitos que participam das pesquisas. As frequências dos desfechos podem apresentar resultados diferentes conforme as definições admitidas, pois as formas de coleta de dados apresentam variação nos diferentes estudos11,18-21.
O recente interesse na pesquisa sobre a prevalência da DL na população brasileira pode ser em consequência do reflexo no custo financeiro que essa condição tem imposto nos últimos anos entre os serviços de saúde e seguridade social20,22.
No presente estudo, a prevalência de DL no último ano foi de 56,3%, observando-se uma semelhança quando comparada a outras pesquisas. Em estudo conduzido por Matos et al.20 a prevalência de dor relatada pela população na coluna vertebral no último ano foi de 71,5%, sendo que a região mais afetada foi a coluna lombar, representando uma prevalência de 52,8% no ano. Em outra pesquisa realizada por Bejia et al.23 utilizando trabalhadores, observou-se uma variação da prevalência anual equivalente a esse último estudo citado (52,1%).
Já em pesquisa realizada por Andrusaitis, Oliveira e Barros Filho24 com motoristas de caminhão do estado de São Paulo, observou-se uma prevalência de 59%. Outra pesquisa conduzida por Falavigna et al.25 com estudantes dos cursos de fisioterapia e medicina da Universidade de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul) atingiu uma prevalência de 66,8% anualmente, apresentando uma discreta alteração quando comparada às já descritas.
Cavalcante Filho et al.26 conduziram um estudo com adolescentes (11 a 18 anos) de uma escola privada em uma cidade do estado de Piauí, onde foi observada elevada prevalência de DL (78%).
Em um estudo populacional realizado por Noll et al.27 com crianças e adolescentes de 11 a 16 anos foi constatada uma prevalência de dor nas costas nos últimos três meses de 55,7%. Pesquisa de Silva et al.28 com 395 estudantes de todas as séries do curso de medicina da Universidade de Taubaté observou prevalência de dor crônica de 35,69%, os quais definiram como persistente por mais de 6 meses.
Em revisão sistemática realizada por Nascimento e Costa8 no Brasil, foi evidenciada, nos diferentes estudos utilizados, uma prevalência da DL maior que 50%, discordando da pesquisa de Almeida et al.29, desenvolvida com adultos maiores de 20 anos, residentes no Município de Salvador (Bahia), que obteve prevalência de 14,7%. Em estudo conduzido por Fernandes et al.30 com trabalhadores da indústria plástica do Município de Salvador (Bahia), a prevalência anual de DL foi de 28,9%.
Na análise bivariada, dentre os elementos estatisticamente relevantes ligados à DL, evidenciou-se que as variáveis significativas foram: classe social, ano do curso, prática de atividade física, ter ido ao médico nos últimos 12 meses e DL autorreferida. Entretanto, a variável prática de atividade física perdeu sua significância na análise multivariada.
Ainda em relação aos fatores de risco, não foi encontrada associação estatisticamente significativa com a variável sexo, porém, em estudo realizado por Ferreira et al.31 concluíram que o sexo feminino apresentou maior prevalência, uma vez que as mulheres, cada vez mais, combinam a execução das atividades domésticas com o trabalho fora de casa, tornando-se mais propensas a cargas ergonômicas, principalmente repetitividade, posição viciosa e trabalho em grande velocidade.
Outro fator que favorece essa prevalência é o fato do sexo feminino apresentar algumas características anátomofuncionais (menor estatura, menor massa muscular, menor massa óssea, articulações mais frágeis e menos adaptadas ao esforço físico extenuante, maior peso de gordura) e ligadas à modulação no sistema nervoso, o que pode colaborar para o surgimento e maior intensidade das dores32-35.
Em estudo realizado no Brasil, conduzido por Malta et al.18 constatou-se uma prevalência de dor crônica na coluna de 15,5% (IC95% 14,7-16,4) em homens e 21,1% (IC95% 20,2-22,0) em mulheres.
Em relação à classe social, pode-se perceber que a prevalência de DL aumentou em 25% na classe A e B quando comparada a C e D, contrapondo estudo de Almeida et al.29 que verificou a classe social como um fator de proteção para lombalgia.
A variável ocupação foi considerada um fator de proteção para DL, reduzindo a prevalência em 20%. Esse resultado pode ser justificado pelo fato de que durante a execução de suas tarefas, os indivíduos podem estar se movimentando, mesmo que seja a pequenos esforços, como por exemplo uma caminhada de casa até o trabalho. Consequentemente, isso fará com que eles não permaneçam dentro de suas residências desenvolvendo hábitos sedentários.
Contrariando o estudo de Andrusaitis, Oliveira e Barros Filho24 no qual relatam que ocupações em que o trabalhador permanece muito tempo sentado seriam um fator positivamente associado à lombalgia. Em seu estudo, Silva, Fassa e Valle35 também demonstraram que ocupações em que os indivíduos passam muito tempo levantando peso ou realizando movimentos repetitivos, aumentam a probabilidade de desenvolvimento da DL.
Na presente pesquisa não houve associação entre a prática de atividade física e DL. Entretanto, Oliveira, Salgueiro e Alfieri36 afirmam que esse tipo de atividade seria um fator de prevenção, pois atuaria fortalecendo a musculatura em geral, contrapondo pesquisa conduzida por Dijken et al.37 que mostrou que a associação da lombalgia com praticantes de atividade física é mais comum em indivíduos que possuem trabalhos fisicamente exigentes.
Para Malta et al.18 a variável prática de atividade física no trabalho, intensa ou pesada e, também, a atividade física pesada no domicílio, estiveram associadas à prevalência de dor crônica na coluna. Ferreira et al.31 afirmam, ainda, que a atividade física pesada não é considerada benéfica para a saúde, pois ocasiona fadiga, sobrecarga muscular e das articulações, levando a uma série de problemas osteomusculares.
Ter ido ao médico nos últimos 12 meses aumentou em 40% a prevalência de DL. Isso pode ser explicado pelo fato de que indivíduos que procuraram médico foram aqueles que apresentavam alguma disfunção osteomuscular. Essa pode ter sido a causa da procura, enquanto aqueles que não visitam o médico há anos podem apresentar relato pouco frequente.
O relato autorreferido de DL, no presente estudo, aumentou a prevalência de DL. Fonseca e Serranheira38 afirmam que a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em diferentes áreas anatômicas num período de 12 meses é elevada (84%), atingindo principalmente a região lombar (65%). Já Serranheira, Pereira e Santos39 relataram que o valor de prevalência de autorreferência para a região lombar foi de 55,4%.
Na presente pesquisa, o avançar dos anos no curso teve uma relação direta com o aumento na prevalência de DL. Por se tratar de uma pesquisa realizada em estudantes universitários da área da saúde, o resultado obtido pode ser uma consequência da sobrecarga de tarefa, fato que pode impossibilitar a prática de atividade física levando à adoção de posturas inadequadas27,28.
Corroborando com o estudo de Dominguez et al.40 realizado com acadêmicos e funcionários de um centro universitário que relata a ideia de que fatores psicológicos como estresse, insatisfação, angústia, desmotivação e sobrecargas psíquicas, comuns em populações que buscam o incessante aperfeiçoamento profissional numa sociedade competitiva, podem gerar processos dolorosos na região lombar41.
A DL, durante a fase acadêmica, pode afetar diretamente a qualidade de vida dos universitários, e consequentemente provocar um menor desempenho acadêmico, visto que o ano do curso oportuniza o aparecimento de problemas que afetam a coluna lombar26-28.
A lombalgia é uma causa que afeta milhares de indivíduos. Contudo, os achados considerados de risco para essa população apontam para a necessidade da implementação de novos serviços para a promoção de saúde, visando medidas complementares que atuem na minimização desse quadro doloroso.
Como o presente estudo foi realizado somente em universitários, o resultado não pode ser extrapolado; e pelo seu caráter transversal, não se pode inferir casualidade.
Houve alta prevalência de DL nos universitários pesquisados, apresentando associação significativa com a classe social, ocupação, ter ido ao médico nos últimos 12 meses, DL autorreferida e ano do curso.
Sendo assim, mais informações sobre a prevalência de DL ainda se fazem necessárias com o intuito de compreender a dimensão dos efeitos que essa dor provoca, e consequentemente encontrar meios para uma melhor estratégia preventiva e de intervenção.