versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.11 Rio de Janeiro nov. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.25212016
O rápido crescimento do número de idosos na população brasileira serve como um alerta para o governo e também para a iniciativa privada, em relação à necessidade do desenvolvimento de políticas sociais que preparem a sociedade para essa realidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) no seu último relatório técnico, “Previsões sobre a população mundial”, elaborado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, estima que o número de pessoas com mais de 60 anos de idade triplicará em 2050. Os idosos representarão cerca de um quinto da população mundial projetada, ou seja, 1,9 bilhões de indivíduos1.
Os dados do Censo2, realizado pelo IBGE, indicam que dos 18 milhões de pessoas idosas, ou seja, com mais de 60 anos (aproximadamente 9% da população brasileira), mais de 100 mil residem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Estando o Rio Grande do Sul (RS) como um dos estados com as maiores proporções de idosos na população total (10,4%) e em asilos no Brasil (0,6%). Diante disso, e com a elevada expectativa de vida, os profissionais da saúde têm constatado a promoção da qualidade de vida da população de idosos como um dos seus maiores desafios3.
Para Paulo e Yassuda4, o envelhecimento é descrito por alterações orgânicas que podem resultar em redução da capacidade de manutenção homeostática, comprometendo diferentes esferas, tais como as funções executivas, a memória e o déficit cognitivo, que predispõe o aparecimento de doenças neurodegenerativas. Associado a este fato, a institucionalização do idoso ocorre quando ele apresenta dependência para Atividades de Vida Diária (AVD) e um dos fatores que leva a isso é o comprometimento cognitivo3. Além disso, a mudança de ambiente leva os idosos, na maioria das vezes, a apresentarem pior desempenho nas habilidades físicas e psicológicas, pois a maioria dessas ILPIs não possuem recursos financeiros e humanos que possam oferecer uma atenção integral.
Portanto, é necessário que essas alterações que ocorrem com o envelhecimento sejam acompanhadas por exames físicos e por avaliações do estado cognitivo, com o objetivo de distinguir a senescência da senilidade3. A senescência pode ser caracterizada pelo envelhecimento fisiológico do organismo marcado por um conjunto de alterações orgânicas, funcionais e psicológicas. Porém, a senilidade se refere à fase do envelhecer em que o declínio físico é mais acentuado e é acompanhado de alterações cognitivas5.
A função cognitiva no idoso pode ser avaliada por meio de vários instrumentos, sendo o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) o mais utilizado6. E o exame físico é realizado utilizando-se escalas funcionais, que consistem de métodos sistemáticos, que fornecem informações relevantes para o planejamento de uma assistência adequada7. Autores afirmam que a associação dos resultados do teste cognitivo com as escalas funcionais, pode aumentar a confiabilidade do diagnóstico do estado mental3,8.
Dessa forma, este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência e os fatores associados ao prejuízo cognitivo em idosos residentes em instituições filantrópicas.
Trata-se de um estudo transversal e descritivo, de uma população de idosos residentes nas três ILPIs de caráter filantrópico existentes em uma cidade da região central do estado do RS, no período de agosto de 2013 a janeiro de 2014.
Neste estudo foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 60 anos e residir em ILPIs; e de exclusão: comprometimentos graves de linguagem ou de compreensão documentado nos prontuários, que são necessários para a realização dos testes físicos; não aceitar participar do estudo e/ou não assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Para a elaboração do TCLE, foram atendidas as recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos. Os participantes do estudo assinaram o TCLE, após leitura e esclarecimento realizados pela pesquisadora.
Após a seleção inicial de 142 prontuários e a explicação dos instrumentos de avaliação a serem utilizados, 44 idosos foram excluídos em função dos critérios de exclusão estabelecidos no estudo. Assim, a amostra ficou constituída por 98 idosos.
Posteriormente, foram obtidos, por meio da consulta aos prontuários, os dados sociodemográficos (sexo, idade, cor da pele, estado civil, escolaridade e tempo de institucionalização) e clínicos [número e tipo de medicamentos e as doenças diagnosticadas, classificadas, respectivamente, de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Classification Index (ATC) e pelo Código Internacional de Doenças (CID-10); ocorrência de quedas; presença de depressão; realização de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico].
Após esta etapa, os idosos foram avaliados com a utilização de três instrumentos: o MEEM; o Índice de Katz e o Short Physical Perfomance Batter (SPPB).
O MEEM foi utilizado para o rastreamento do estado cognitivo, o qual avalia cinco áreas da cognição: orientação; registro; atenção e cálculo; recuperação e linguagem. Como o número de idosos com baixa escolaridade era elevado nesta população, optou-se por adotar os seguintes pontos de corte: 13 para analfabetos, 18 para os idosos com até oito anos de escolaridade e 26 para àqueles que apresentavam mais de oito anos de escolaridade6. Os idosos que apresentaram resultado inferior ao ponto de corte, de acordo com o grau de escolaridade, foram considerados portadores de alterações cognitivas. Assim, foram considerados dois grupos para a análise dos dados, em função do prejuízo cognitivo.
O segundo instrumento a ser utilizado foi o Índice de Katz, que consiste em um instrumento baseado numa escala funcional, que avalia as atividades fundamentais à manutenção da independência do indivíduo, compreendendo o banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, fazer transferência da cama à cadeira e vice-versa, continência dos esfíncteres, e alimentar-se. A classificação resultante é a soma das respostas sim (escore=1). Seis pontos, significam independência para as AVD; quatro pontos, dependência moderada; dois pontos ou menos, dependência importante9.
Por último foi aplicado o Teste SPPB, adaptado à versão brasileira por Nakano10, sendo utilizado para avaliar o desempenho funcional, e aplicado em 75 dos idosos, devido ao fato de 23 serem cadeirantes, impossibilitando a execução do teste físico. O SPPB avalia três domínios de desempenho: equilíbrio estático, velocidade da marcha usual e força de membros inferiores. Cada domínio admite escores de 0 a 4 pontos, sendo que o melhor desempenho físico corresponde a maior pontuação. Os indivíduos são classificados como desempenho muito ruim (0 a 3 pontos), baixo (4 a 6 pontos), moderado (7 a 9 pontos) ou bom (10 a 12 pontos)10.
Salienta-se que os três instrumentos foram aplicados pela mesma pesquisadora para que ocorresse homogeneidade nas avaliações, assim como, realizado em locais nas ILPIs onde os idosos se sentissem confortáveis.
Para a analise estatística dos dados foi realizada, inicialmente, a análise descritiva e, posteriormente, a análise inferencial, por meio dos testes não paramétricos do Qui-quadrado, exato de Fisher e U de Mann-Whitney, sendo considerado o nível de significância de 5%. As análises foram realizadas utilizando o aplicativo computacional STATISTICA 9.1.
Ao analisar os resultados da aplicação do protocolo do MEEM nos 98 idosos, foi constatado que 27(27,6%) apresentavam prejuízo cognitivo com uma média de 15,7 pontos ± 2,6 (mínimo: 12 e máximo: 25 pontos). Para os 71(72,4%) idosos que não possuíam prejuízo cognitivo, o resultado do MEEM apresentou uma média de 22,1 pontos ±4,3 (mínimo: 13 e máximo: 29 pontos).
Na Tabela 1, é apresentada a distribuição dos idosos em função das variáveis sociodemográficas e suas associações com o prejuízo cognitivo.
Prejuízo cognitivo | ||||
---|---|---|---|---|
|
||||
Variáveis | Total (%) | Presente(%) | Ausente(%) | p-valor |
Sexo | 0,125* | |||
Masculino | 32(32,6) | 12(44,4) | 20(28,2) | |
Feminino | 66(67,4) | 15(55,6) | 51(71,8) | |
Idade | 0,483*** | |||
60 a 70 | 25(25,5) | 06(22,2) | 19(26,8) | |
71 a 84 | 42(42,9) | 11(40,7) | 31(43,6) | |
85 ou mais | 31(31,6) | 10(37,1) | 21(29,6) | |
Média±(DP);Mín-Máx | 76,3 ± (8,5);60-94 | 77,1 ± (8,8);61-91 | 76,0 ± (8,3);60-94 | |
Cor da pele | 0,737* | |||
Branca | 77(78,6) | 21(77,7) | 56(78,8) | |
Negra | 15(15,3) | 05(18,5) | 10(14,1) | |
Parda | 06(6,1) | 01(3,7) | 05(7,1) | |
Estado Civil | 1,000** | |||
Com vida conjugal | 02(2,1) | 0(0,0) | 02(2,8) | |
Sem vida conjugal | 96(97,9) | 27(100,0) | 69(97,2) | |
Escolaridade**** | ||||
Analfabeto | 14(14,3) | 0(0,0) | 14(19,7) | |
Fundamental Incompleto | 73(74,5) | 20(74,1) | 53(74,7) | |
Fundamental Completo | 11(11,2) | 07(25,9) | 04(5,6) | |
Tempo na ILP (anos) | 0,156*** | |||
0,1 a 4,9 | 55(56,1) | 14(51,9) | 41(57,8) | |
..5 a 9,9 | 29(29,6) | 08(29,6) | 21(29,6) | |
10 ou mais | 14(14,3) | 05(18,5) | 09(12,6) | |
Média±(DP);Mín-Máx | 5,6 ± (6,9);2,4-42,0 | 6,7 ± (7,1);0,1-32,0 | 5,2 ± (6,8);0,1-42,0 | |
Total | 98(100,0) | 27(27,6) | 71(72,4) |
ILP = Instituições de Longa Permanência;*Teste do Qui-quadrado;**Teste exato de Fisher;***Teste U de Mann-Whitney;****Fundamental incompleto = 1 a 4 anos de escolaridade, Fundamental completo ou mais = 5 anos ou mais de escolaridade; DP = Desvio-Padrão; Mín = Mínimo; Máx = Máximo; Significância estatística para p ≤ 0,05.
Com base nos resultados apresentados na Tabela 1, pode-se observar que o prejuízo cognitivo não esteve associado significativamente com as variáveis sociodemográficas deste estudo. A idade em que os idosos foram institucionalizados não difere significativamente entre os idosos com e sem prejuízo cognitivo (p = 0,527).
Na Tabela 2 são apresentadas as frequências dos medicamentos utilizados, bem como, as doenças diagnosticadas e suas associações com o prejuízo cognitivo.
Prejuízo cognitivo | ||||
---|---|---|---|---|
|
||||
Medicamentos | Total (%) | Presente (%) | Ausente (%) | p-valor |
Otoneurológico | 20(20,4) | 05(18,5) | 15(21,1) | 0,775 |
Sistema Cardiovascular | 67(68,4) | 17(63,0) | 50(70,4) | 0,478 |
Trato alimentar | 82(83,6) | 25(92,6) | 57(80,2) | 0,140 |
Sistema Nervoso | 88(89,8) | 25(92,6) | 63(88,7) | 0,573 |
Sistema Sanguíneo | 01(1,0) | 0(0,0) | 01(1,4) | 0,536 |
Sistema Muscular | 55(56,1) | 13(48,1) | 42(59,1) | 0,327 |
Sistema Respiratório | 08(8,1) | 03(11,1) | 05(7,0) | 0,511 |
Preparações hormonais | 55(56,1) | 17(63,0) | 38(53,5) | 0,400 |
Oftalmológico | 24(24,4) | 05(18,5) | 19(26,7) | 0,397 |
Número de medicamentos* | ||||
Média ± (DP);Mín-Máx | 7,8 ± (3,7);2-17 | 7,6(± 2,8);2-14 | 7,9(± 4,0);2-17 | 0,786 |
Doenças | ||||
Infecciosas e parasitárias | 05(5,1) | 02(7,4) | 03(4,2) | 0,523 |
Neoplasias | 05(5,1) | 0(0,0) | 05(7,0) | 0,156 |
Sangue | 05(5,1) | 01(3,7) | 04(5,6) | 0,698 |
Endócrinas | 53(54,0) | 19(70,3) | 34(47,8) | 0,046 |
Transtornos mentais | 41(41,8) | 16(59,2) | 25(35,2) | 0,031 |
Sistema nervoso | 91(92,8) | 26(96,3) | 65(91,5) | 0,414 |
Olhos e anexos | 25(25,5) | 05(18,5) | 20(28,1) | 0,327 |
Aparelho circulatório | 71(72,4) | 17(63,0) | 54(76,0) | 0,195 |
Aparelho respiratório | 09(9,1) | 02(7,4) | 07(9,8) | 0,707 |
Aparelho digestivo | 61(62,2) | 17(63,0) | 44(62,0) | 0,928 |
Sistema osteomuscular | 55(56,1) | 12(44,4) | 43(60,5) | 0,150 |
Aparelho geniturinário | 29(29,5) | 22(81,4) | 07(9,8) | 0,624 |
Número de doenças* | ||||
Média±(DP);Mín-Máx | 4,5±(1,6);0-8 | 4,5±(1,7);1-8 | 4,4(±1,6);0-8 | 0,799 |
Total | 98(100,0) | 27(27,6) | 71(72,4) |
ILP = Instituições de Longa Permanência; Teste do Qui-Quadrado ou exato de Fisher; *Teste U de Mann-Whitney; Sistema muscular = Sistema osteomuscular e tecido subconjuntivo; Trato alimentar = Trato alimentar e metabólico; Preparações hormonais = Preparações hormonais sistêmicas; Sangue = Sangue e órgãos hematopoiéticos e transtornos imunitários; Endócrinas = Endócrinas nutricionais e metabólicas; Transtornos mentais = Transtornos mentais e comportamentais; DP = Desvio-Padrão; Mín = Mínimo; Máx = Máximo; Significância estatística para p ≤ 0,05.
Pode-se observar, na Tabela 2, que dos idosos com prejuízo cognitivo 70,3% apresentavam doenças endócrinas, sendo este percentual significativamente maior (p = 0,046) em relação ao percentual de idosos sem alterações cognitivas (47,8%). Em relação à ocorrência de transtornos mentais também ocorreu diferença significativa (p = 0,031), o que era esperado em função do prejuízo cognitivo.
Salienta-se que 48,9% dos idosos apresentavam cinco ou mais doenças e que todos faziam uso de algum tipo de medicamento.
As demais avaliações clínicas e suas associações com o prejuízo cognitivo estão demonstradas na Tabela 3.
Prejuízo cognitivo | ||||
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|
||||
Variável | Total (%) | Presente (%) | Ausente (%) | p-valor |
Queda | 0,564 | |||
Não | 25(25,5) | 08 (29,6) | 17(23,9) | |
Sim | 73(74,5) | 19 (70,4) | 54(76,1) | |
Depressão | 0,084 | |||
Não | 18(18,3) | 02(7,4) | 16(22,5) | |
Sim | 80(81,7) | 25(92,6) | 55(77,5) | |
Tratamento psicológico | 0,060 | |||
Não | 54(55,2) | 19(70,4) | 35(49,2) | |
Sim | 44(44,8) | 08(29,6) | 36(50,8) | |
Tratamento psiquiátrico | 0,004 | |||
Não | 87(88,8) | 20(74,1) | 67(94,4) | |
Sim | 11(11,2) | 07(25,9) | 04(5,6) | |
Total | 98(100,0) | 27(27,6) | 71(72,4) |
ILP = Instituições de Longa Permanência; Teste do Qui-Quadrado ou exato de Fisher; Significância estatística para p ≤ 0,05.
Verifica-se na Tabela 3, que a maioria significativa de idosos com prejuízo cognitivo fazia tratamento psiquiátrico (p = 0,004).
Os resultados das avaliações pelas escalas funcionais estão descritas na Tabela 4.
Prejuízo cognitivo | ||||
---|---|---|---|---|
|
||||
Protocolos | Total (%) | Presente(%) | Ausente(%) | p-valor |
Katz | 0,446 | |||
Independente | 44(44,8) | 12(44,5) | 32(45,1) | |
Dependência moderada | 33(33,7) | 06(22,2) | 27(38,0) | |
Dependência importante | 21(21,5) | 09(33,3) | 12(16,9) | |
..Média ± (DP);Mín-Máx | 4,4 ± (1,8);0-6 | 4,0 ± (2,0);0-6 | 4,5 ± (1,7);1-6 | |
Total | 98(100,0) | 27(27,6) | 71(72,4) | |
SPPB-Desempenho* | 0,203 | |||
Bom | 17 (22,7) | 02(14,3 | 15(24,5) | |
Moderado | 20(26,6) | 02(14,3) | 18(29,6) | |
Baixo | 30(40,0) | 08(57,1) | 22(36,1) | |
Muito ruim | 08(10,7) | 02(14,3) | 06(9,8) | |
..Média ± (DP);Mín-Máx | 6,8 ± (2,9);1-12 | 6,0 ± (2,4);3-11 | 6,9 ± (2,9);1-12 | |
Total | 75(100,0) | 14(18,7) | 61(81,3) |
ILP = Instituições de Longa Permanência; Teste U de Mann-Whitney;*Aplicado em 75 idosos devido 23 serem cadeirantes; SPPB = Short Physical Perfomance Batter; DP = Desvio-Padrão; Mín = Mínimo; Máx = Máximo; Significância estatística para p ≤ 0,05.
Com base nos resultados apresentados na Tabela 4, pode-se constatar que não houve diferença significativa, entre os escores dos protocolos Katz e SPPB com a presença ou ausência de prejuízo cognitivo nos idosos..
Dos idosos institucionalizados, avaliados neste estudo, 27,6% apresentaram declínio cognitivo corroborando com o estudo de Ferreira et al.8 que também estudou idosos institucionalizados sendo que 30,0% deles apresentaram perda cognitiva. Resultado semelhante (22,2%) também foi relatado em estudo com idosos de uma comunidade espanhola11. Porém, em outro estudo realizado em uma comunidade de Viçosa, MG, Machado et al.12 encontraram uma prevalência de 36,5% de déficit cognitivo entre os idosos. Nesse estudo, os autores utilizaram pontos de corte maiores em relação aos utilizados, no presente estudo, o que aumenta a sensibilidade e o número de casos identificados de idosos com problemas de cognição, o que poderia justificar essa maior prevalência em relação ao presente estudo.
O processo de envelhecimento faz com que os idosos apresentem declínio cognitivo, comumente observado nesta fase da vida. Esse fato leva o idoso a apresentar dificuldades em lembrar fatos recentes, de desenvolver cálculos e problemas com a atenção, em geral. No caso dos idosos institucionalizados, que normalmente possuem uma rotina pré-estabelecida, faz com que eles não necessitem de atividades que exijam muito da memória sendo de mais difícil percepção a ocorrência do declínio cognitivo podendo levar ao atraso no diagnóstico de uma doença psíquica5.
No atual estudo, o prejuízo cognitivo não esteve associado, significativamente, às variáveis sociodemográficas, indo ao encontro do estudo de Machado et al.12. Observou-se, no entanto, que os idosos com problemas cognitivos apresentaram um tempo médio de institucionalização maior, mas não significativo, em relação aos idosos sem prejuízo cognitivo. Jacinto et al.13 citam que a perda da cognição é um dos principais motivos para a institucionalização do idoso, e com frequência contribui para uma maior dependência com seus cuidados nas ILPIs. O que não foi comprovado no presente estudo.
Também a idade em que o idoso foi institucionalizado não diferiu em função da cognição do idoso. Dessa forma, o prejuízo cognitivo não seria um fator, no presente estudo, para a institucionalização.
É importante salientar que 48,9% dos idosos apresentavam cinco ou mais doenças e todos faziam uso de algum tipo de medicamento. Esse fato pode ser explicado pela condição de saúde do idoso institucionalizado, que, em geral, é mais debilitada que os idosos da comunidade14. Uma estratégia para enfrentar essa situação poderia ser baseada em uma revisão sistemática, de Van Uffelen et al.15, na qual mostra que o exercício físico é considerado uma estratégia de intervenção não farmacológica útil, capaz de melhorar a memória e as funções executivas em idosos com déficit cognitivo, partindo da premissa de que o exercício aeróbico regular previne a perda de tecido cerebral e a diminuição no volume do hipocampo durante o envelhecimento, melhorando assim o declínio cognitivo relacionado com a idade16.
No atual estudo, foi observada uma associação significativa entre o prejuízo cognitivo e a presença de doença endócrina e de transtornos mentais, indo de encontro ao estudo de Machado et al.12. Porém, na literatura é referida que as causas mais comuns que podem levar a essa perda da capacidade cognitiva são: encefalopatia metabólica, perda momentânea da memória, demência, hipotireoidismo, uso de medicamentos como ansiolíticos, antipsicóticos, hipnóticos, anti-histamínicos, antiparkinsonianos com ação anticolinérgica e anticonvulsivantes5.
Quando foi avaliada a ocorrência de quedas, observou-se que 70,4% dos idosos com prejuízo cognitivo apresentaram quedas sendo que esse percentual não diferiu significativamente da ocorrência de quedas dos idosos em geral, ou seja, as quedas não estão associadas ao prejuízo cognitivo. Em pesquisa realizada com idosos institucionalizados da cidade de Rio Grande/RS foi observado um resultado inferior, ou seja, dos 20 idosos com prejuízo cognitivo, 50% apresentaram quedas17. Em um estudo randomizado foi constatado que programas de exercícios físicos, com duração de um ano, que envolvam o equilíbrio e a mobilidade funcional, têm um importante papel na prevenção de quedas em idosos institucionalizados com comprometimento cognitivo18. Além disso, os autores do estudo ratificaram que as avaliações dos fatores de risco físicos e ambientais associados a quedas desempenham um papel importante na sua prevenção para os idosos com prejuízo cognitivo18.
Ao se analisar a ocorrência de depressão, verificou-se uma alta prevalência nos idosos de 81,7%. Considerando somente, os idosos com declínio cognitivo, esse percentual é ainda maior, ou seja, 92,6%. No entanto, não houve associação significativa entre prejuízo cognitivo e depressão. Esse resultado possivelmente se deve ao fato da ocorrência de depressão ter sido obtida nos prontuários médicos dos idosos, não sendo, portanto, mensurada por um instrumento específico. Segundo estudo, o uso rotineiro por parte dos médicos, de instrumentos específicos de triagem de depressão, permitiria não só o diagnóstico de muitos casos da doença, que passam despercebidos e influenciam negativamente na qualidade de vida dos idosos, assim como, o prognóstico das comorbidades existentes19.
Diferentemente do atual estudo, Millán-Calenti et al.20 observaram associação significativa entre déficit de cognição e sintomas depressivos. Os autores do presente estudo acreditam que a escassez de profissionais de saúde, mais característico das ILPIs de caráter filantrópico, associada a fatores como: baixo estímulo à integração social e a realidade do abandono social, poderia explicar a maior proporção de idosos com perda cognitiva e depressão.
Pode-se observar que entre os idosos com déficit cognitivo apenas 29,6% já realizaram tratamento psicológico, percentual inferior aos dos idosos sem prejuízo cognitivo (50,8%). Em uma revisão sistemática, foi constatado que o estado cognitivo melhorou após seis meses de tratamento psicológico21. Portanto, é importante observar que agir preventivamente evitando ou retardando o aparecimento da perda cognitiva na população idosa, incentivando-os a lerem, a brincarem, se movimentarem, dançar, raciocinar e memorizar tornando-os mais ativos, modifica a impressão de que eles não são úteis8.
Em relação à ocorrência de tratamento psiquiátrico dos idosos com prejuízo cognitivo, 25,9% realizavam esse tratamento, sendo este percentual significativamente maior (p= 0,004) em relação ao percentual de idosos sem alterações cognitivas (5,6%). Segundo Paulo e Yassuda4, o envelhecimento predispõe o surgimento de doenças neurodegenerativas com maior incidência para a Doença de Alzheimer. Em um estudo realizado na Espanha, os pesquisadores afirmaram que o transtorno cognitivo de idosos institucionalizados e não institucionalizados aumentou significativamente, em ambos os grupos, após um ano de acompanhamento22. Dessa forma, os autores da presente pesquisa, acreditam que é importante um acompanhamento psiquiátrico precoce e periódico nos idosos institucionalizados, a fim de avaliar a gravidade do comprometimento da função cognitiva.
Para os idosos com risco cognitivo a ocorrência de tratamento psicológico ou psiquiátrico foi semelhante. Já para os idosos sem prejuízo cognitivo a ocorrência de tratamento psiquiátrico é bem inferior (5,6%) em relação ao psicológico (50,8%). O que é esperado em função do prejuízo cognitivo no qual o tratamento na maioria das vezes é medicamentoso.
Com relação às escalas funcionais, mensuradas pelos protocolos de Katz e SPPB, os idosos com prejuízo cognitivo obtiveram uma pontuação média inferior, mas não significativa, em relação aos idosos sem alterações cognitivas. Autores afirmam que a associação dos resultados do teste cognitivo com as escalas funcionais pode aumentar a confiabilidade do diagnóstico do estado mental3,8.
Os resultados encontrados para o Katz são corroborados ao estudo de Mello et al.3. De acordo com Martins et al.23, uma melhor cognição pode estar relacionada a uma melhor capacidade para realizar as AVD. Apesar da concepção de que os indivíduos nos estágios iniciais de déficit cognitivo não apresentem declínio na realização de atividades diárias, as evidências sugerem que o desempenho das atividades cotidianas complexas com maior exigência cognitiva podem ser afetadas24.
Quanto aos resultados da aplicação do protocolo SPPB, que avalia o desempenho funcional, Millán-Calenti et al.20 afirmam que o declínio cognitivo tem sido considerado um importante preditor para a dependência funcional. No estudo realizado por Bezerra et al.25, a intervenção fisioterapêutica cognitiva-motora, com frequência semanal, durante quatro meses, influenciou as funções cognitivas e os estímulos motores através da flexibilidade, da força muscular, da resistência, do equilíbrio, da propriocepção e da coordenação motora. Por influenciar diferentes domínios, a intervenção fisioterapêutica cognitivo-motora torna-se essencial para o desempenho adequado de tarefas funcionais26. Contudo, os resultados obtidos nas avaliações com as escalas funcionais, no presente estudo, não corroboram com os autores referidos para esta população analisada. Para essa população avaliada, a independência e o desempenho físico foi moderado não demonstrando que o prejuízo cognitivo influenciou as variáveis analisadas.
É importante salientar a importância do conhecimento dos fatores que podem interferir no declínio cognitivo e engajar-se na execução de alternativas que favoreçam a saúde do idoso, contribuindo assim para um envelhecimento saudável, com qualidade de vida e autonomia. Essas medidas incluem a educação em saúde, para manutenção da capacidade funcional, a educação permanente e a sensibilização dos profissionais da saúde pública, para esse novo desafio na área da saúde7.
A partir dos resultados obtidos no presente estudo, pode-se concluir que a proporção de idosos institucionalizados com presença de prejuízo cognitivo é semelhante aos de outros estudos realizados, utilizando o mesmo ponto de corte. Entre as variáveis avaliadas não foram identificados fatores de risco significativos associados a cognição, possivelmente devido ao menor número de idosos com prejuízo cognitivo na amostra estudada.
Considera-se importante que os profissionais de saúde proporcionem incentivos mentais e físicos constantes, através de exercícios que estimulem a cognição e mantenham preservadas as capacidades cerebrais dos idosos.