versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.11 Rio de Janeiro nov. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.29662016
Dentre os cinco principais riscos globais para a mortalidade no mundo, se encontram a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus1, reconhecidos fatores de risco para as doenças cardiovasculares e causas de óbito na população idosa2,3. Com elevadas prevalências, destacam-se entre os principais problemas de saúde pública na atualidade1, por sua relação com a morbimortalidade e, principalmente, com as grandes síndromes geriátricas2,3.
A hipertensão arterial sistêmica é a mais frequente das doenças cardiovasculares levando à diminuição na qualidade e expectativa de vida da população. Considerada uma condição clínica multifatorial, caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA), frequentemente associa-se a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas2. Existe uma relação direta da PA com a idade. No Brasil, observam-se prevalências em torno de 50% para a população idosa4-9.
O diabetes mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresenta em comum a hiperglicemia, decorrente de defeitos na ação da insulina, na secreção de insulina ou em ambas. Essa desordem crônica no metabolismo de glicose, com aumento persistente da glicemia, pode desencadear complicações agudas ou crônicas no sistema cardiovascular, renal e neurológico3,10. O diabetes mellitus tipo 2 é responsável por 90 a 95% dos casos desta doença3. Estimativas apontam que entre 2010 e 2030 haverá um aumento de 69% no número de adultos com diabetes nos países em desenvolvimento e de 20% nos países desenvolvidos11. No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) estimam em cerca de 9,2 milhões de brasileiros com o diagnóstico de diabetes mellitus, ou 6,2% da população acima de 18 anos12, sendo crescente a prevalência conforme aumenta a idade12,13. Na população idosa brasileira, dados da PNAD apontavam prevalência de diabetes acima de 15%, em 2008. De acordo com a PNS, em 2013, a prevalência era de 19,9% e 19,6% entre idosos de 65 a 74 anos e acima de 75 anos, respectivamente12. Para a população com idade ≥ 60 anos, estudos em localidades específicas têm revelado prevalências superiores a 13%4,7,14-16.
O aumento da importância dessas condições de saúde de um modo geral, e entre os idosos, se reflete fortemente no aumento da procura por serviços, no elevado uso de medicamentos nesta faixa etária4,7 e na restrição de atividades pelos acometidos por tais doenças com impacto social importante17,18, sendo apontado grau intenso e muito intenso de limitações de atividades diárias em 7,0% dos diabeticos, e relato de internação em 13,4% nos últimos 12 meses18. Esse aumento da procura por serviços de saúde, tanto na atenção primária, quanto nos serviços de maior complexidade, representa elevado ônus ao Sistema Único de Saúde (SUS), impondo-lhe a necessidade de (re)organização, qualificação e ampliação do atendimento19, a partir do conhecimento da demanda.
Principalmente quando associadas, a hipertensão arterial e o diabetes mellitus são relevantes causas de morbidade e mortalidade, com maior risco de doença renal, doença cardíaca coronariana, acidente vascular encefálico e insuficiência cardíaca. Também se associam com comorbidades como a dislipidemia, estado pró-trombótico e disfunção autonômica cardíaca20. Estudos mostram que a prevalência de hipertensão é aproximadamente o dobro entre os diabéticos em comparação com os não diabéticos, e o risco de doença cardiovascular é cerca de quatro vezes maior em pacientes com ambas as doenças21,22.
O aumento da proporção de idosos na população, observado tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, tem sido desigual entre as regiões brasileiras23. A ocorrência de doenças e sua distribuição na sociedade decorre de fortes processos de determinação social, econômica, cultural, ambiental, política, entre outros, além de fatores individuais, tais como as características sociodemográficas e fatores comportamentais24.
O Brasil é um país de dimensões continentais com situações sociodemográficas e epidemiológicas contrastantes nas diferentes regiões5,8,12,23 e, considerando-se que o risco cardiovascular aumenta progressivamente com o número de fatores de risco presentes, a distribuição da hipertensão e diabetes simultaneamente na população estudada, caracteriza situação de maior risco para as doencas cardiovasculares21. O objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos brasileiros, e os fatores contextuais e individuais associados, para identificar desigualdades na distribuição desses fatores.
Neste estudo foram avaliados dados provenientes do Vigitel relativos ao ano de 2012. Este inquérito telefônico vem sendo realizado anualmente pelo Ministério da Saúde desde 2006, nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. O sistema seleciona uma amostra da população adulta (≥ 18 anos) residente em domicílios servidos por pelo menos uma linha de telefone fixo.
Trata-se de um estudo transversal de base populacional com amostra probabilística em três estágios: a primeira etapa da amostragem consistiu no sorteio sistemático de 5 mil linhas telefônicas divididas em réplicas ou subamostras de 200 linhas cada, reproduzindo a mesma proporção de linhas por região da cidade ou prefixo telefônico. O segundo estágio, realizado concomitantemente às entrevistas, incluiu a identificação de linhas efetivamente residenciais e ativas, as quais foram consideradas elegíveis para o sistema. Nessa etapa excluíram-se as linhas empresariais, fora de serviço ou inexistentes, assim como os números que não responderam a seis ligações realizadas em horários/dias diferentes. Identificadas as linhas elegíveis, no terceiro estágio sortearam-se os indivíduos para entrevista, dentre todos os adultos (≥ 18 anos) residentes no domicílio25.
Também no ano de 2012, uma amostra mínima de 2000 entrevistas por cidade foi considerada, para que se pudesse estimar com nível de 95% de confiança e erro máximo de cerca de 2 pontos percentuais, a frequência de qualquer fator de risco para doenças crônicas na população adulta e idosa. Para compensar o viés da não cobertura universal de telefonia fixa, utilizaram-se fatores de ponderação. As estimativas produzidas foram ajustadas à população adulta brasileira, a partir do uso de um peso pós-estratificação, calculado com base em 36 categorias de análise por sexo (feminino e masculino), faixa etária (18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 e ≥ 65 anos) e nível de instrução (sem instrução ou fundamental incompleto, fundamental completo ou médio incompleto, médio completo ou superior incompleto e superior completo). O peso pós-estratificação de cada indivíduo da amostra foi calculado pelo método ‘rake’25.
O instrumento de coleta de dados do Vigitel aborda características demográficas e socioeconômicas dos indivíduos, informações sobre hábito alimentar, atividade física, peso e altura recordados, frequência de consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas, autoavaliação de saúde, uso de medicamentos entre outras questões, como o diagnóstico médico anterior de algumas doenças. Neste estudo a presença simultânea das doenças foi verificada por meio das seguintes perguntas: Algum médico já lhe disse que o(a) Sr(a) tem pressão alta?. E em relação ao diabetes: Algum médico já lhe disse que o(a) Sr(a) tem diabetes? A partir das respostas obtidas para os idosos (sim ou não) uma variável dicotômica foi criada, considerando-se presença simultânea a referência positiva do entrevistado em relação a ambas as questões.
Neste estudo foram utilizadas como variáveis independentes a macrorregião geográfica do país (Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste), sexo (masculino e feminino), faixa etária (60 a 64, 65 a 69, 70 a 74, 75 a 79 e ≥ 80 anos), situação conjugal (solteiro, casado/unido, viúvo e separado/divorciado), cor da pele/raça (branca, parda, preta ou amarela/indígena), escolaridade (0 a 4, 5 a 8 e 9 ou mais anos de estudo) e posse de plano de saúde (sim ou não). As variáveis relacionadas ao comportamento foram tabagismo (não fumante, ex-fumante e fumante atual), índice de massa corporal (< 22 Kg/m2, 22 a 27 Kg/m2 e > 27 Kg/m2)26 e prática de atividade física (sim ou não). O recorte para a análise geográfica, ou seja, entre as regiões Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste considerou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das capitais segundo o Censo de 201027.
A caracterização da população estudada foi realizada por meio das frequências relativas. As associações entre as variáveis e a presença das doenças foram verificadas pelo teste Qui-quadrado de Pearson com correção de segunda ordem (Rao & Scott), considerando-se um nível de significância de 5%. As razões de prevalência e os respectivos intervalos de confiança de 95% foram estimados pela regressão de Poisson com variância robusta. Em todas as análises considerou-se o efeito do desenho amostral para análise de inquéritos baseados em delineamentos complexos do programa Stata 12.0.
A análise dos fatores associados à prevalência simultânea de hipertensão e diabetes foi realizada por meio de regressão de Poisson multinível, usando o modelo de efeitos fixos e intercepto randômico que possibilita examinar grupos e indivíduos inseridos (dentro) nesses grupos, simultaneamente, considerando a variável resposta medida no nível individual e as variáveis explicativas medidas tanto no nível dos indivíduos, quanto nos agregados aos quais pertencem28. No presente estudo foram considerados dois níveis de organização dos dados, quais sejam: macrorregião do país e os idosos entrevistados.
No modelo teórico para investigação dos fatores contextuais e individuais associados à prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos, considerou-se a macrorregião do país como variável contextual. Sexo, idade, situação conjugal e cor da pele/raça representaram as variáveis demográficas. A condição socioeconômica foi avaliada pela escolaridade e posse de plano de saúde, consideradas proxy dessa condição e, os comportamentos relacionados à saúde, foram mensurados por meio das variáveis tabagismo, índice de massa corporal e prática de atividade física. A análise de regressão multinível levou em conta o modelo teórico de determinação do desfecho apresentado na Figura 1.
Figura 1 Modelo teórico para investigação dos fatores contextuais e individuais associados à prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos, estruturado em níveis hierárquicos.
Inicialmente, foi realizada análise de regressão de Poisson múltipla hierarquizada. Na primeira etapa foram incluídas as variáveis relativas às características demográficas (sexo, faixa etária, estado civil e cor da pele/raça), ajustadas entre si e pela variável do nível 1 (região de residência). Em seguida, foram inseridas as variáveis socioeconômicas (escolaridade e posse de plano de saúde) e mantidas aquelas que apresentaram um nível descritivo inferior a 0,25 quando ajustadas pelas variáveis demográficas, do mesmo bloco hierárquico e pela variável de contexto. Finalmente, as variáveis relacionadas aos comportamentos de saúde (tabagismo, IMC e prática de atividade física) foram inseridas no modelo e permaneceram aquelas ajustadas por todas as do mesmo nível (individual) e pela macrorregião de residência, que apresentaram significância estatística (p < 0,05).
O sexo e a idade permaneceram como variáveis de ajuste em todas as etapas, considerando-se que as regiões brasileiras apresentam diferenças em relação à distribuição da população idosa por sexo e faixas etárias. Ainda, verificam-se diferenciais entre os homens e mulheres no risco de adoecer, na percepção de sinais e sintomas, procura por serviços de saúde e no modo de cuidado8,29. No que se refere à prevalência de doenças crônicas, deve-se considerar que o padrão de distribuição por idade diferencia-se conforme o tipo de problema de saúde8.
Desse modo, a cada etapa, obteve-se um efeito composicional, ou seja, de fatores individuais sobre o desfecho individual (presença simultânea de hipertensão e diabetes), considerando-se o efeito da macrorregião de residência a que os idosos pertenciam. Portanto, as razões de prevalência foram ajustadas pelas variáveis situadas no mesmo nível de determinação (individual) e pela variável situada no nível mais distal (contexto). Por fim, ajustou-se a variável contextual - macrorregião - pelas variáveis que representavam as características individuais estatisticamente associadas ao desfecho.
Os indivíduos foram informados sobre os objetivos da pesquisa no momento do contato telefônico e o consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, do Ministério da Saúde.
No ano de 2012, para o conjunto das 27 cidades, o Vigitel realizou 45.448 entrevistas com adultos (≥ 18 anos). A taxa de participação foi de 64,9% (variando entre 60,8%, em Belém, e 73,1%, em Palmas). As recusas em participar do sistema de monitoramento ocorreram no contato inicial com o domicílio, ou após o sorteio do indivíduo a ser entrevistado, e corresponderam a 5,9% das linhas elegíveis. No referido ano, o tempo médio de duração das entrevistas foi de aproximadamente 11 minutos, variando entre 5 e 58 minutos.
Entre os adultos, 10.991 dos entrevistados pelo inquérito telefônico eram idosos. A prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus foi de 16,2 (IC95%: 14,8 - 17,7) e apresentou variação nas capitais brasileiras. Observaram-se maiores prevalências em São Paulo e Curitiba, em relação à Boa Vista e Manaus (Figura 2).
Figura 2 Prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos nas capitais brasileiras. Vigitel, Brasil, 2012.
A Tabela 1 apresenta a distribuição da população idosa e a prevalência das doenças, segundo as macrorregiões do país e características individuais consideradas. Maiores prevalências foram observadas nas capitais das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, nos idosos de cor da pele/raça preta e amarela/indígena, naqueles com menor escolaridade (≤ 8 anos de estudo), nos não fumantes e ex-fumantes, e nos que estavam com excesso de peso à época da pesquisa. Não houve associação entre a inatividade física e a presença de ambas as doenças (RP = 1,20; IC95%: 1,00 - 1,44).
Tabela 1 Prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos segundo região geográfica, características demográficas, socioeconômicas e comportamentais. Vigitel, Brasil, 2012.
Variáveis/categorias | Frequência (%) | Prevalência (%) | p* |
---|---|---|---|
1º nível: contexto | |||
Região geográfica | |||
Macrorregião | 0,041 | ||
Norte e Nordeste | 29,4 | 14,5 | |
Sul, Sudeste e Centro-Oeste | 70,6 | 17,0 | |
2º nível: indivíduos | |||
Características demográficas | |||
Sexo | 0,175 | ||
Masculino | 39,4 | 15,0 | |
Feminino | 60,6 | 17,1 | |
Faixa etária (anos) | 0,444 | ||
60 - 64 | 33,5 | 14,7 | |
65 - 69 | 22,7 | 17,9 | |
70 - 74 | 18,0 | 17,2 | |
75 - 79 | 14,1 | 17,5 | |
80 e mais | 11,7 | 15,0 | |
Estado civil | 0,301 | ||
Solteiro | 10,6 | 13,4 | |
Casado/unido | 57,6 | 16,1 | |
Viúvo | 23,8 | 18,2 | |
Separado/divorciado | 8,0 | 16,9 | |
Cor da pele/Raça | 0,035 | ||
Branca | 56,3 | 15,2 | |
Parda | 28,5 | 15,4 | |
Preta | 9,8 | 20,8 | |
Amarela/indígena | 5,4 | 23,6 | |
Socioeconômicas | |||
Escolaridade (anos de estudo) | 0,016 | ||
≤ 4 | 43,7 | 17,8 | |
5 - 8 | 24,1 | 17,5 | |
≥ 9 | 32,2 | 13,3 | |
Plano privado de saúde | 0,133 | ||
Não possui | 49,6 | 17,5 | |
Possui | 50,4 | 15,2 | |
Comportamento | |||
Tabagismo | < 0,001 | ||
Não fumante | 55,2 | 17,1 | |
Ex-fumante | 35,6 | 17,4 | |
Fumante | 9,2 | 7,6 | |
Índice de massa corporal | < 0,001 | ||
< 22 Kg/m2 | 12,1 | 8,8 | |
22 a 27 Kg/m2 | 39,6 | 12,9 | |
> 27 Kg/m2 | 48,3 | 21,0 | |
Inatividade física | 0,051 | ||
Não | 69,2 | 15,4 | |
Sim | 30,8 | 18,4 |
*Valor de p do teste Qui-quadrado com correção de Rao-Scott.
Entre os idosos residentes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus foi 17,0% maior do que naqueles residentes nas regiões Norte e Nordeste. As análises ajustadas evidenciaram desigualdades individuais: a prevalência foi 48,0% e 55,0% maior nos de cor da pele parda e preta, respectivamente. Observaram-se também maiores prevalências naqueles com escolaridade ≤ 8 anos de estudo e particularmente elevada entre os idosos com excesso de peso (RP = 2,63; IC85%: 1,82 - 3,80). Entre os fumantes, a prevalência foi significativamente menor (RP = 0,45; IC95%: 0,27 - 0,74), ou seja, entre os idosos tabagistas, observou-se, em 2012, uma menor proporção de indivíduos acometidos por essas condições (Tabela 2).
Tabela 2 Análise multinível de fatores associados à prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos. Vigitel, Brasil, 2012.
Variáveis/categorias | RP bruta (IC95%) | p | RP ajustada (IC95%) | p |
---|---|---|---|---|
1º nível: contexto | ||||
Região geográfica | ||||
Norte e Nordeste | 1 | |||
Sul, Sudeste e Centro-Oeste | 1,17 (1,01 - 1,36) | 0,040 | ||
2º nível: indivíduos | ||||
Gênero | ||||
Masculino | 1 | 1 | ||
Feminino | 1,14 (0,94 - 1,39) | 0,177 | 1,11 (0,87 - 1,41) | 0,404 |
Faixa etária (anos) | ||||
60 - 64 | 1 | 1 | ||
65 - 69 | 1,22 (0,95 - 1,57) | 0,126 | 1,27 (0,97 - 1,67) | 0,087 |
70 - 74 | 1,17 (0,91 - 1,51) | 0,219 | 1,21 (0,91 - 1,60) | 0,187 |
75 - 79 | 1,19 (0,89 - 1,60) | 0,233 | 1,26 (0,90 - 1,76) | 0,176 |
80 e mais | 1,02 (0,76 - 1,39) | 0,871 | 0,98 (0,66 - 1,45) | 0,915 |
Estado civil | ||||
Solteiro | 1 | 1 | ||
Casado/unido | 1,20 (0,87 - 1,64) | 0,269 | 1,46 (1,03 - 2,08) | 0,035 |
Viúvo | 1,35 (0,97 - 1,88) | 0,072 | 1,50 (1,02 - 2,20) | 0,039 |
Separado/divorciado | 1,26 (0,84 - 1,87) | 0,257 | 1,41 (0,92 - 2,17) | 0,112 |
Cor da pele/Raça | ||||
Branca | 1 | 1 | ||
Parda | 1,01 (0,82 - 1,25) | 0,912 | 1,48 (1,07 - 2,04) | 0,018 |
Preta | 1,36 (0,99 - 1,88) | 0,057 | 1,55 (1,08 - 2,23) | 0,018 |
Amarela/indígena | 1,55 (1,07 - 2,23) | 0,020 | 1,07 (0,86 - 1,34) | 0,511 |
Socioeconômica** | ||||
Escolaridade (anos de estudo) | ||||
≥ 9 | 1 | 1 | ||
5 - 8 | 1,31 (1,04 - 1,67) | 0,021 | 1,31 (1,00 - 1,71) | 0,047 |
≤ 4 | 1,34 (1,10 - 1,65) | 0,004 | 1,40 (1,09 - 1,81) | 0,009 |
Plano privado de saúde | ||||
Não possui | 1 | 1 | ||
Possui | 1,07(0,98 - 1,17) | 0,133 | 1,01(0,91 - 1,13) | 0,840 |
Comportamento*** | ||||
Tabagismo | ||||
Não fumante | 1 | 1 | ||
Ex-fumante | 1,02 (0,85 - 1,23) | 0,846 | 1,06 (0,87 - 1,30) | 0,539 |
Fumante | 0,45 (0,29 - 0,68) | < 0,001 | 0,45 (0,27 - 0,74) | 0,002 |
Índice de massa corporal | ||||
< 22 Kg/m2 | 1 | 1 | ||
22 a 27 Kg/m2 | 1,47 (1,02 - 2,12) | 0,040 | 1,66 (1,12 - 2,44) | 0,011 |
> 27 Kg/m2 | 2,40 (1,69 - 3,40) | < 0,001 | 2,63 (1,82 - 3,80) | < 0,001 |
Inatividade física | ||||
Não | 1 | 1 | ||
Sim | 1,20 (1,00 - 1,44) | 0,050 | 1,18 (0,90 - 1,55) | 0,231 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência. *Ajuste para a região geográfica e características demográficas; **Ajuste para a região geográfica e características demográficas e socioeconômicas; ***Ajuste para a região geográfica e características demográficas, socioeconômicas e comportamentais.
As razões de prevalência da variável de contexto - região geográfica - antes e após o ajuste pelas variáveis individuais são apresentadas na Tabela 3. Observa-se que houve uma elevação de 23,5% na magnitude da razão de prevalência bruta que passou de 1,17 para 1,21 após ajuste pelas variáveis individuais, indicando que esta variável permaneceu associada à presença simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus independentemente das variáveis individuais.
Tabela 3 Elevação percentual do efeito da região geográfica na prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em idosos, após ajuste pelos fatores demográficos, socioeconômicos e comportamentais. Vigitel, Brasil, 2012.
Variável contextual | RPbruta(IC95%) | RPajustada*(IC95%) | Elevação** (%) | Deff*** |
---|---|---|---|---|
Região geográfica | ||||
Norte e Nordeste | 1 | 1 | ||
Sul, Sudeste e Centro-Oeste | 1,17 (1,01 - 1,36) | 1,21 (1,03 - 1,44) | 23,5 | 2,25 |
IC95%: intervalo de confiança de 95%; RP: razão de prevalência. *RP ajustada pelas variáveis demográficas, socioeconômicas e comportamentais. **Elevação percentual no efeito após ajustes. ***Efeito do delineamento.
A prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus nos idosos foi de 16,2% e apresentou variação nas capitais brasileiras. Sabe-se que a prevalência de doenças crônicas entre os idosos é elevada8,30,31. No Estudo Bambuí, 69% dos idosos relataram ter pelo menos uma doença crônica30 e no Cardiovascular Health Study (CHS) apenas 18,5% dos idosos não referiram essa condição31. Em estudo que avaliou as fontes de obtenção de medicamentos para hipertensão e diabetes no Brasil com dados do Vigitel de 2011, a prevalência de hipertensão arterial variou de 57,1% a 60,3% nas faixas etárias de 60 a 69 e ≥ 70 anos, respectivamente. Em relação ao diabetes mellitus, os valores observados para esses subgrupos foram de 18,8% e 22,0%4.
A prevalência da simultaneidade de doenças específicas entre os idosos ainda é pouco descrita na literatura nacional. Freitas e Garcia32, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, 2003 e 2008 revelaram a rápida elevação das prevalências simultâneas no período: a partir dos 50 anos de idade, observaram-se elevações significativas nas regiões brasileiras e, entre idosos brasileiros com idade ≥ 65 anos, as prevalências encontraram-se acima de 15%. Estudo com 297 usuários cadastrados no Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus (HIPERDIA/MS) de um Centro de Saúde da Família da Secretaria Executiva Regional VI (SER VI) de Fortaleza-Ceará em 2009, verificou proporção de 19,5% de ambas as doenças33. Entre os idosos integrantes da linha-base do Projeto Bambuí (n = 1.606), 942 eram hipertensos e/ou diabéticos. Destes 77,5% eram apenas hipertensos, 6,6% eram somente diabéticos e 15,9% eram hipertensos e diabéticos34. Diferentemente do presente estudo, os citados não apresentaram intervalos de confiança associados às estimativas pontuais da prevalência simultânea das doenças, impossibilitando comparações.
Neste estudo, os fatores individuais associados à prevalência simultânea das doenças consideradas corroboram com aqueles verificados em vários outros estudos relacionados à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus6,9,14-16.
A escolaridade e a raça são determinantes sociais das condições de saúde e doença dos idosos35. Dados nacionais e internacionais revelam desigualdades de escolaridade e raça em relação à presença de doenças crônicas8,36,37, o que pode decorrer da associação com a falta de acesso a oportunidades sociais ao longo da vida, aumentando a vulnerabilidade desse subgrupo a desfechos desfavoráveis na velhice. Particularmente, a cor da pele/raça se mostra como importante variável na investigação da desigualdade social e aspectos de saúde2,5,38,39. Estratégias direcionadas à diminuição dessas desigualdades podem ter impacto na redução da carga das doenças crônicas nos segmentos populacionais mais vulneráveis.
O tabagismo apresentou associação inversa com a prevalência simultânea das doenças. Associações significativas e inversas de tabagismo e hipertensão arterial foram verificadas entre idosos do Rio Grande do Sul40, em Campinas41, e em estudo entre idosos utilizando subamostra do Vigitel42. O tabagismo é o principal fator de risco para mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)43 e a recomendação para sua cessação entre pessoas acometidas por tais doenças deve ser uma medida imediata. Embora a cessação do tabagismo não reduza a pressão arterial, o abandono do tabaco é, provavelmente, a medida isolada mais efetiva para a redução do risco de doenças cardiovasculares42.
De acordo com as diretrizes para a cessação de tabagismo44, os danos causados pelo fumo podem ser reduzidos mesmo nos que fumaram três décadas ou mais, permitindo melhor controle da evolução de doenças pré-existentes e elevação da expectativa de vida. A menor prevalência de tabagistas hipertensos e diabéticos, verificada neste estudo pode ser parcialmente explicada pelo fato de que para o acompanhamento dos níveis pressóricos e glicêmicos, o idoso teria maior contato com profissionais de saúde para recomendações e intervenções educativas.Estes resultados corroboram com a hipótese de que o diagnóstico da hipertensão tenha levado à cessação do tabagismo42.
No que se refere à associação entre o IMC (≥ 22 Kg/m2) e as doenças, ressalta-se que medidas não farmacológicas são fundamentais para a prevenção e controle da pressão arterial e do diabetes mellitus. Estudos apontam que associada à dieta alimentar, a atividade física pode ser benéfica para auxiliar no controle pressórico e glicêmico, na redução ponderal, no aumento da massa muscular e na redução de eventos cardiovasculares mais graves2,3.
As desigualdades regionais observadas em vários indicadores sociodemográficos e de saúde5,8,23 também foram verificadas em relação à prevalência das doenças mais frequentes na população idosa. Nas regiões geográficas com maior IDH (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) observou-se maior prevalência simultânea das doenças, denotando a influência do contexto no desfecho investigado.
Deve-se destacar que a diversidade de características individuais resulta de forças biológicas e sociais que favorecem ou limitam a ocorrência de muitas doenças45. Fatores sociais, econômicos, culturais, raciais e comportamentais são determinantes de vários desfechos em saúde e apresentam-se interrelacionados e sobrepostos de forma hierárquica46,47. Segundo Goldstein48, o modelo multinível pode ser visto como um sistema hierárquico de equações de regressão, possibilitando a estimação dos efeitos intragrupos (efeitos individuais) e dos efeitos entre grupos (efeitos contextuais).
Ressalta-se ainda que as disparidades regionais observadas para a prevalência simultânea das doenças podem refletir menor acesso ao diagnóstico médico, já que a morbidade referida também depende do acesso e uso dos serviços médicos moldando-se, tanto pela capacidade de procura e obtenção do cuidado, quanto pela organização da atenção que define a oferta, a qualidade e a resolubilidade das ações serviços7,8.
Com o deslocamento em bloco da distribuição populacional, e não em função apenas do número de indivíduos na faixa etária de risco, a sobreposição de problemas crônicos de saúde se torna progressivamente mais importante porque demanda atenção qualificada. No âmbito da prevenção primária pode-se, por meio de ações de promoção de saúde, postergar o surgimento dessas doenças mesmo em idades avançadas. Secundariamente, o diagnóstico precoce possibilita, além da oferta e do uso de medicamentos adequados ao tratamento, recomendações e medidas educativas para os idosos hipertensos e diabéticos, com impacto positivo sobre a qualidade e expectativa de vida.
Entre as limitações do presente estudo destaca-se o uso da morbidade autorreferida. A validade da informação referida para hipertensão arterial e diabetes mellitus vem sendo verificada em estudos com a população idosa49 ou que consideraram os idosos como subgrupo de análise50,51. Particularmente em relação ao diabetes, deve-se considerar que os entrevistados não diferenciaram o tipo de doença, no entanto, cerca de 90% do total dos casos de diabetes em adultos são do tipo 23.
O uso do cadastro de telefones fixos nas capitais para fins de sorteio da amostra também deve ser considerado como uma limitação do estudo. Nas regiões metropolitanas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste que apresentam cobertura telefônica acima de 70%, os vícios devido à exclusão de domicílios sem telefone fixo podem ser considerados desprezíveis52. Na comparação de estimativas obtidas de inquérito domiciliar e telefônico para o autorrelato de doenças crônicas, não foram observadas diferenças entre as prevalências para hipertensão e diabetes referidos entre os idosos residentes em Campinas (SP)53. Nas regiões Norte e Nordeste que apresentam taxas de cobertura telefônica inferiores a 70%, para corrigir os vícios potenciais o Vigitel utilizou o método de ponderação por célula segundo sexo, idade e escolaridade, com ajuste da distribuição da amostra às características da população residente em cada capital (de acordo com o Censo do IBGE), para reduzir as diferenças entre a população com e sem telefone52.
Ressalta-se que a promoção da saúde afeta o conjunto da população, no contexto de sua vida diária, e não se concentra nos indivíduos que correm risco de desenvolver doenças específicas45. As prevalências observadas são compatíveis com a história natural de ambas as doenças e com o acúmulo de fatores de risco durante o ciclo de vida. Mudança de comportamentos e do estilo de vida da população adulta e idosa é de difícil consolidação. Quanto mais precoces as ações de promoção à saúde, considerando-se as disparidades regionais para a definição de prioridades, maiores as chances de redução do surgimento, também precoce, das principais doenças que acometem os idosos na atualidade.
A prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus nos idosos brasileiros foi superior a 15%, em 2012, e representa um importante problema de Saúde Pública no Brasil. Além do tratamento farmacológico, a prática de atividade física e a adoção de dietas cardioprotetoras podem diminuir o risco de eventos cardiovasculares mais graves ou mesmo fatais neste subgrupo populacional.
Mais do que os fatores individuais relacionados ao desfecho avaliado, relações longitudinais entre os determinantes sociais de saúde envolvidos no processo saúde-doença de tais enfermidades podem ser evidenciados ao se analisar a população idosa inserida em contextos diversos. O Brasil possui dimensões continentais e fases distintas de transição epidemiológica, com polarização entre diferentes áreas geográficas e grupos sociais. O monitoramento constante da prevalência simultânea de hipertensão arterial e diabetes mellitus em diferentes localidades é necessário para o planejamento de ações de saúde com ênfase nessas doenças. Por meio da análise realizada, foi possível dimensionar o efeito do contexto onde estão inseridos os idosos (região de residência), sobre a prevalência das principais doenças que acometem e relacionam-se à mortalidade na população idosa.