Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.2 São Paulo Mar./Apr. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500026
O Sistema Único de Saúde brasileiro apresenta como princípios a universalidade do acesso, a integralidade da atenção, a participação popular e a equidade. A proposta deste sistema é romper com o modelo de atenção que se caracteriza pela centralidade no trabalho médico e no hospital e voltado para o tratamento de doenças. Tem-se procurado construir um sistema baseado na defesa da saúde como um direito, entendendo-a como resultante das condições de vida da população. Para isso, foi proposto um sistema pautado nas ações de promoção da saúde, prevenção e tratamento das doenças nos diversos níveis de atenção.(1)
Com o propósito de melhorar a Atenção Básica foi aprovada a nova Política Nacional de Atenção Básica, que estabelece a revisão de diretrizes e normas para a sua organização, expansão e consolidação.(2)
O Programa Saúde da Família, criado em 1994 e modificado para a Estratégia Saúde da Família, surge como uma possibilidade de mudança do paradigma biomédico centrado na patologia. A Saúde da Família é orientada pelos princípios do Sistema Único de Saúde, como forma de buscar a consolidação da Atenção Básica e a aproximação da população aos serviços de saúde. Visa estruturar o sistema público de saúde propondo a mudança do modelo de atenção, como estratégia de priorizar a prevenção e a promoção da saúde, sem necessariamente abandonar o atendimento assistencial.(3)
Promoção da saúde é o processo de capacitação dos indivíduos e da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. A promoção de saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai além de um estilo de vida saudável, na direção do bem-estar global. Refere-se também a uma combinação de ações que incluem o desenvolvimento de habilidades pessoais, reorientação do sistema de saúde, reforço da ação comunitária, políticas públicas saudáveis e criação de ambientes favoráveis.(4)
A promoção da saúde procura estimular o desenvolvimento pessoal e social providenciando informações, educação em saúde que podem contribuir para a melhoria das habilidades de vida. A partir disto, ocorre o aumento de opções disponíveis para que as pessoas exerçam mais controle sobre sua saúde e ambiente, com escolhas propícias para a existência. Capacitar as pessoas para aprender, durante a vida, e prepará-las para todas as etapas, como lidar com a doença crônica ou a preparar-se para as causas externas que afetam a sua saúde.(5)
Diante da acentuada expansão da Estratégia de Saúde da Família e da discussão das questões relacionadas ao montante de dados coletados pelas equipes, foi necessária a criação de um sistema de informação que contemplasse a complexidade da organização da Atenção Básica,(6) pois o material recolhido e arquivado manualmente se mostrou insuficiente para o aproveitamento dos dados coletados pelos profissionais. Esse sistema desenvolvido pelo Ministério da Saúde foi denominado Sistema de Informação da Atenção Básica.
Acredita-se que o não reconhecimento da importância desse sistema para subsidiar o processo de tomada de decisão faz com que o mesmo não seja devidamente reconhecido por gestores e trabalhadores de saúde. Entretanto, um maior envolvimento desses atores na consolidação do sistema facilitaria e qualificaria as ações de planejamento em saúde da população.(7)
As mudanças nos paradigmas internacionais da saúde pública, expostas em diversas conferências de promoção da saúde, buscam levar mais equidade às regiões assistidas, minimizando a desigualdade, trabalhando políticas de promoção em níveis locais. Sabe-se que, quanto maior a gama de informações disponíveis no sistema, mais fáceis, completos e seguros se tornam o planejamento e a elaboração de estratégias para a promoção da saúde. Para que a utilidade do Sistema de Informação da Atenção Básica seja ampliada e agilize as tomadas de decisão referentes à promoção, sugere-se a formulação de políticas públicas saudáveis, de modo que cumpram as metas propostas dentro de um planejamento viável, de acordo com a necessidade de intervenção de cada comunidade, respeitando suas peculiaridades culturais, socioeconômicas, crenças, hábitos e costumes.(8)
Este estudo teve como objetivo discutir a utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica na perspectiva da promoção da saúde.
Foi realizada uma pesquisa descritiva em Unidades de Saúde da Família de 21 municípios que compõem a região da Grande Florianópolis, exceto a capital. A amostra do estudo foi composta por 21 profissionais responsáveis pelos registros do Sistema de Informação da Atenção Básica nos municípios, sendo considerados como critério de inclusão a indicação dos gestores de saúde e estar vinculado à Secretaria Municipal de Saúde. Foram excluídos da amostra os profissionais que não conheciam o sistema de informação em estudo.
O instrumento de pesquisa foi um roteiro validado e adaptado aplicado sob a forma de entrevista, (9) no período de outubro 2011 a julho de 2012. Este roteiro foi constituído por três componentes: caracterização da instituição; preenchimento do sistema de informação das respectivas fichas e relatórios; e, identificação das atividades de educação em saúde desenvolvidas em grupo.
Para a análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva por meio das frequências absolutas e relativas. Os dados coletados foram apresentados na forma de tabelas e discutidos a partir do referencial teórico da Carta de Ottawa(4) sobre promoção da saúde.
O desenvolvimento do estudo atendeu às nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
O Estado de Santa Catarina possui 6.248.436 habitantes e 295 municípios. Os 21 municípios da região da grande Florianópolis, contemplados nesta pesquisa, possuem uma população total de 590.993 habitantes, o que corresponde a 9,46% da população do Estado, e são constituídos por 146 equipes de Saúde da Família, conforme a tabela 1.
Tabela 1 Distribution of the total population and the family health teams
Município | Habitantes n | Equipes n(%) |
---|---|---|
Águas Mornas | 5,548 | 2(1.4) |
Alfredo Wagner | 9,410 | 3(2.0) |
Angelina | 5,250 | 2(1.4) |
Anitápolis | 3,214 | 1(0.7) |
Antônio Carlos | 7,458 | 3(2.0) |
Biguaçu | 58,206 | 17(11.6) |
Canelinha | 10,603 | 4(2.7) |
Garopaba | 18,138 | 6(4.1) |
Governador Celso Ramos | 12,999 | 5(3.5) |
Leoberto Leal | 3,365 | 2(1.4) |
Major Gercino | 3,279 | 1(0.7) |
Nova Trento | 12,190 | 4(2.7) |
Palhoãa | 137,334 | 26(17.8) |
Paulo Lopes | 6,692 | 3(2.0) |
Rancho Queimado | 2,748 | 1(0.7) |
Santo Amaro | 19,823 | 7(4.8) |
São Bonifãcio | 3,008 | 1(0.7) |
São João Batista | 26,260 | 8(5.5) |
São José | 209,804 | 37(25.3) |
São Pedro Alcãntara | 4,704 | 2(1.4) |
Tijucas | 30,960 | 11(7.6) |
Total | 590,993 | 146(100) |
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2010; Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 2012.
Todos os municípios pesquisados têm pelo menos uma equipe de Saúde da Família, sendo que São José possui a maior população (3,4%) e o maior número de equipes (n 37; 25,3%), enquanto que os municípios de Rancho Queimado, São Bonifácio e Anitápolis são constituídos pelas menores populações.
Na tabela 2, observa-se que todos os municípios utilizam o Sistema de Informação da Atenção Básica, sendo que 19 (90,5%) utilizam todas as Fichas (A, B, C e D). Em relação aos relatórios que podem ser gerados a partir deste sistema de informação, apenas oito municípios (38,1%) realizam todos os relatórios (SSA2, SSA4, PMA2, PMA4), enquanto 12 (57,1%), somente o PMA2 - que é o único utilizado em 100% dos municípios.
Tabela 2 Fichas e Relatórios do Sistema de Informação da Atenção Básica utilizados nos municípios
Fichas e Relatórios | Municípios | n(%) |
---|---|---|
Fichas A/B/C e D | Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitãpolis, Antônio Carlos, Biguaçu, Canelinha, Garopaba, Governador Celso Ramos, Leoberto Leal, Major Gercino, Palhoãa, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifãcio, São João Batista, São José, São Pedro de Alcãntara e Tijucas | 19(90,5) |
Sem Fichas A/B/C e D | Nova Trento e Paulo Lopes | 2(9,5) |
SSA2, SSA4, PMA2, PMA4 | Alfredo Wagner, Antônio Carlos, Biguaçu, Governador Celso Ramos, Leoberto Leal, Major Gercino, Palhoãa e São José | 8(38,1) |
SSA2, PMA2 | Garopaba | 1(4,8) |
Apenas PMA2 | Águas Mornas, Angelina, Anitãpolis, Canelinha, Nova Trento, Paulo Lopes, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifãcio, São João Batista, São Pedro Alcãntara e Tijucas | 12(57,1) |
Fonte: Coleta de dados nos 21 municípios da região da grande Florianópolis, 2012.
A tabela 3 evidencia que a maioria (n. 12; 57,1%) dos municípios investigados não realiza atividades de educação em saúde em grupos e dentre aqueles que as desenvolvem (n.9; 42,9%), oito (38,1%) direcionam essas atividades para grupos de hipertensos e diabéticos. Os participantes recebem orientações sobre a doença, os medicamentos e o acompanhamento da equipe de Saúde da Família. Também são realizadas atividades com grupos de idosos, de tabagismo, de caminhada, de pintura e de patchwork, além de grupos de saúde na escola, o qual está vinculado ao Programa de Saúde Escolar do governo federal. Neste estudo, identificou-se que o enfermeiro é convidado pela Direção Escolar para desenvolver as atividades de educação em saúde de acordo com as necessidades dos alunos.
Tabela 3 Atividades de educação em saúde desenvolvidas em grupo
Grupos de Educação em Saúde | Municípios | n(%) |
---|---|---|
Hipertensos e diabéticos | Águas Mornas, Angelina, Antonio Carlos, Biguaçu, Governador Celso Ramos, Rancho Queimado, Santo Amaro e São Bonifácio | 08(38,1) |
Idosos | Angelina e Antonio Carlos | 02(9,5) |
Tabagismo | Antonio Carlos | 01(4,7) |
Caminhada, pintura e patchwork | Biguaçu | 01(4,7) |
Saúde na escola | Águas Mornas e Alfredo Wagner | 02(9,5) |
Sem grupos | Anitápolis, Canelinha, Garopaba, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Palhoça, Paulo Lopes, São João Batista, São José, São Pedro de Alcântara e Tijucas | 12(57,1) |
Fonte: Coleta de dados nos 21 municípios da região da grande Florianópolis, 2012.
O estudo se limita a discutir a utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica numa abordagem quantitativa. Portanto, ampliar a compreensão do uso desse sistema, a partir de diferentes enfoques metodológicos e novos grupos amostrais, faz-se necessário.
As informações produzidas sobre a implementação do Sistema de Informação da Atenção Básica podem ajudar a caracterizar e reorganizar os serviços de saúde oferecidos à população dos municípios da Grande Florianópolis, de acordo com as necessidades de saúde. Esse sistema tem potencial para contribuir com a melhoria da qualidade de vida e diminuição das iniquidades da população, dependendo do esforço de diversos atores para desenvolver práticas de promoção da saúde.
O Sistema de Informação da Atenção Básica produz relatórios que auxiliam as próprias equipes que, ligadas aos gestores municipais, acompanham o trabalho e avaliam a sua qualidade. Neste estudo, percebe-se que as equipes de Saúde da Família preenchem esse sistema, cujos dados podem ser utilizados para análise da realidade social, planejamento e organização das ações de promoção da saúde.
Entretanto, ressalta-se que para as ações se concretizarem os dados precisam ser consolidados, relacionados, analisados e discutidos no âmbito local e municipal. Assim, o Sistema de Informação da Atenção Básica oferece subsídios para avaliar as atividades desenvolvidas, permite adotar condutas apropriadas e até levantar dificuldades das equipes, caracterizando-se como um instrumento orientador do trabalho da equipe e que deve ser utilizado para que sejam atingidos os objetivos propostos e metas pactuadas.(10)
Para que ocorra o desenvolvimento das estratégias promotoras de saúde os profissionais necessitam da compreensão desta temática, visto que, na maioria das vezes, confundem o conceito de promoção da saúde com o de prevenção de doenças.(10) Destaca-se a relevância das estratégias de promoção da saúde para a superação dos determinantes de saúde que interferem no processo de viver e adoecer. As ações de promoção como as atividades educativas podem ser direcionadas para determinados grupos, como o das doenças crônicas, de idosos, de adolescentes e de crianças. Reforça-se a adoção de estilos de vida saudáveis capazes de proporcionar a longevidade dos indivíduos, através do enfoque educativo, mas, como observado neste estudo, muitas vezes ocorre de forma preventiva com abordagem metodológica de transmissão unidirecional de conhecimento, cujo foco não está na promoção da saúde.(11)
Os registros dos dados nos Sistemas Informatizados em Saúde geralmente cumprem uma função obrigatoriamente burocrática, embora esses dados demonstrem a necessidade de ações educativas de promoção que visem diminuir as iniquidades de saúde. As equipes de saúde, na sua prática cotidiana, devem adotar ações de promoção da saúde no âmbito local e municipal, visto que a realidade social e de saúde envolve múltiplos fatores e são processos importantes para se trabalhar o indivíduo, família e comunidade.(12) Estes fatores estão relacionados com inúmeros problemas de saúde globais, incluindo a crise econômica, a mudança climática e uma ampla gama de ameaças à saúde. São novos desafios e oportunidades para reformular, reposicionar e renovar os esforços para fortalecer a promoção da saúde e seu papel na reorientação dos serviços de saúde.(13)
Destaca-se ainda que a maioria das ações de promoção quando realizadas pelas equipes de Saúde da Família tem pouca relação com as estatísticas produzidas pelo sistema. Essas atividades servem mais para cobrar a produtividade dos profissionais, do que ser um instrumento que contribui com o desenvolvimento das ações de promoção da saúde. Por outro lado, os Sistemas Informatizados em Saúde proporcionam conhecimento da situação de saúde, sociocultural e econômica local, mas ainda carece de dados subjetivos, como estilos de vida, situações de risco, desemprego, renda e outros que são elementos importantes que podem contribuir com a organização das ações de promoção da saúde.
Os Sistemas Informatizados em Saúde oferecem dados da análise situacional para que o planejamento de saúde ocorra de acordo com a realidade e as necessidades de cada comunidade, descentralizado e territorializado, visando à produção da qualidade de vida. Destaca-se a organização das ações das equipes, com enfoque na participação comunitária, controle social e ações de educação e promoção da saúde.(14)
Na Catalunha (Espanha) as redes de Informação em Saúde são integradas, há um prontuário eletrônico que compartilha as informações clínicas que são acessíveis a partir de qualquer sistema de saúde, seja da Atenção Primária ou do hospital.(14) O desenvolvimento de um sistema de informação é uma ferramenta essencial para melhorar a Atenção Primária na Espanha.(15)
No Sistema de Informação da Atenção Básica são utilizadas fichas (A, B, C e D) e relatórios (SSA2, SSA4, PMA2 e PMA4) que, preenchidos, permitem a organização e manutenção dos dados coletados pelos profissionais da equipe de Saúde da Família acerca dos atendimentos e procedimentos realizados, bem como em relação à população adscrita. Esses instrumentos de registro são utilizados nos municípios investigados, de acordo com a tabela 2.
Destaca-se que o preenchimento dos formulários desse sistema é uma das várias dificuldades encontradas pela equipe no modelo de trabalho da Estratégia Saúde da Família de 31 municípios do Estado do Rio Grande do Sul, segundo pesquisa sobre a necessidade de capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais.(7)
A Ficha A é preenchida pelo Agente Comunitário de Saúde nas visitas domiciliares para o cadastramento das famílias. Permite conhecer o total de pessoas acompanhadas pela equipe, a idade, sexo, nível de escolaridade, ocupação e doenças referidas. Além disso, são registradas as condições de moradia: tipo de casa, destino de lixo, modo de tratamento e abastecimento da água no domicílio e destino de fezes e urina.(16) A utilização dessa ficha também foi evidenciada neste estudo, quando 90,5% dos municípios apontaram sua implementação, como mostra a tabela 2.
As fichas B são de acompanhamento de grupos prioritários: gestantes; hipertensos; diabéticos; pacientes com tuberculose e, hanseníase. Os usuários pertencentes a tais grupos devem ter acompanhamento sistemático da equipe de Saúde da Família e serem visitados mensalmente. A Ficha B-GES (Gestante) permite conhecer as gestantes de cada área de abrangência, a aplicação da vacina antitetânica, o estado nutricional, as consultas de pré-natal e a exposição a fatores de risco. É o Agente Comunitário de Saúde que, por meio da Ficha B-HAS (Hipertensão Arterial), informa a equipe sobre o hipertenso que segue a dieta recomendada, o uso de medicação e a prática de exercícios físicos. Essas informações possibilitam identificar, por exemplo, a adesão à terapia medicamentosa e não medicamentosa. A Ficha B-DIA (Diabetes)contempla os mesmos dados da Ficha B-HAS, adicionadas às informações dos pacientes sobre o uso de hipoglicemiante oral e insulina.(16)
O acompanhamento de pacientes com tuberculose se dá por meio da Ficha B-TB (Tuberculose) com o objetivo de verificar a utilização da medicação, coleta de escarro e os comunicantes. Essas informações também constituem a ficha de acompanhamento dos usuários que têm hanseníase (Ficha B-HAN), acrescido de dados sobre a execução de autocuidado para a prevenção de incapacidades.(16)
Estudo de utilização das fichas do Sistema de Informação da Atenção Básica pelos profissionais revelou que, mesmo para os agravos de maior incidência (hipertensão e diabetes) ou condição de acompanhamento prioritário (gestantes), a ficha B (B-HAS; B-DIA; B-GES) muitas vezes não era utilizada pela equipe.(16) Destaca-se nesta pesquisa, que apenas dois municípios (9,5%) pesquisados não utilizam as Fichas B no processo de trabalho das equipes de Saúde da Família, conforme a tabela 2.
A Ficha C (Cartão da criança) permite identificar o perfil das crianças adscritas em cada área, identificar o peso ao nascer, comprimento, perímetro cefálico, Apgar 5’ e tipo de parto realizado. A mensuração de dados antropométricos (peso e altura) mensalmente possibilita à equipe acompanhar o desenvolvimento infantil e adotar medidas relevantes, quando necessário.(16)
Na Ficha D é realizado o registro diário das atividades, procedimentos e notificações desenvolvidas pelos profissionais. Com o preenchimento desta ficha são coletados dados de produção da equipe, tipos de consultas, encaminhamentos médicos, procedimentos realizados e doenças de notificação.(16)
Análise da produção científica sobre o Sistema de Informação da Atenção Básica e a sua utilização pela equipe de Saúde da Família apontou que as dificuldades relacionadas ao sistema estão na interpretação, conteúdo e quantidade de fichas, além das dificuldades vinculadas à capacitação profissional e à prática da utilização dos dados para direcionar ações.(17)
Nesse sentido, chama-se a atenção para o sistema como fonte de registro e armazenamento de dados, uma vez que a maior preocupação das equipes está no preenchimento das fichas no cotidiano do trabalho e não na análise das informações que ele é capaz de produzir para a realização da programação local. Assim, limitado ao registro, esse sistema de informação não é utilizado como instrumento gerencial básico para o planejamento e avaliação das ações de promoção, prevenção e reabilitação em saúde e de transformação da situação local,(8) realidade que precisa ser discutida com o objetivo de melhorar a saúde da população.
Em relação ao relatório PMA2 é preenchido mensalmente pelo profissional de nível superior, em geral o enfermeiro, que recolhe as Fichas D de toda a equipe, consolida neste instrumento as atividades de produção e os procedimentos realizados por área, encaminha cópia para a Secretaria Municipal de Saúde e retém uma via na unidade, para discussão na reunião mensal da equipe, conforme demonstrado na tabela 2.
Dentre as atividades de produção previstas no relatório PMA2 são levantadas as consultas médicas, o tipo de atendimento médico e de enfermagem, solicitação médica de exames complementares, encaminhamentos médicos e internação domiciliar. Em relação aos procedimentos, o total deles é realizado pela equipe de saúde (visita de inspeção sanitária, atendimento individual de profissional de nível superior, curativos, suturas, inalações, injeções, retirada de pontos, terapia de reidratação oral, atendimento de grupos de educação em saúde e reuniões), exceto as consultas médicas.(16)
O relatório PMA4 que, conforme este estudo, é realizado somente em oito (38,1%) municípios (Tabela 2), destina-se à consolidação mensal dos dados do relatório PMA2, totalizando as informações referentes à produção de serviços e à ocorrência de doenças e/ou situações consideradas como marcadores, por município.(16)
Quanto ao Relatório SSA2, realizado por nove (42,8%) dos municípios desta investigação, segundo a tabela 2, consolida informações sobre a situação de saúde das famílias acompanhadas em cada área. Os dados para o seu preenchimento são provenientes das Fichas A, B, C e D e referem-se às microáreas de uma determinada área. Existe ainda o Relatório SSA4, utilizado em oito (38,1%) municípios com o objetivo de consolidar os dados referentes às áreas de um mesmo município, por modelo de atenção (PACS ou PSF) e de zona (urbana ou rural).(16)
Autores reconhecem que o Sistema de Informação em Saúde apresenta falhas inerentes tanto ao software quanto à forma de operacionalizá-lo, mas destacam que é fundamental pontuar as possibilidades de sua utilização. Os relatórios e tabelas de produção, gerados pelo sistema, proporcionam resultados para a elaboração de um diagnóstico populacional, o qual deveria ser utilizado na organização da Saúde da Família, nas ações de cada profissional no contexto do trabalho em equipe e na gerência do serviço. Entretanto, pesquisa desenvolvida pelos autores apontou que a equipe opta por outros instrumentos que não os produzidos por esse sistema de informação para nortear o planejamento das suas ações.(18) Muitos dos registros no sistema contêm perguntas repetitivas que distorcem os dados coletados e, consequentemente, as equipes tendem a analisar somente os dados relacionados à determinadas doenças, saneamento básico e hábitos de higiene.(19)
Apesar das dificuldades apontadas em relação ao Sistema de Informação em Saúde, deve-se considerá-lo como uma base fundamental de dados na Atenção Primária à Saúde.(18)
A Estratégia Saúde da Família tem como papel central uma prática educativa voltada para a promoção da saúde. A utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica como instrumento de trabalho das equipes traz dados significativos que possibilitam o direcionamento do processo de trabalho e das ações de educação em saúde. Entretanto, mais da metade dos municípios investigados não realiza atividades de educação em saúde em grupos.
Os grupos educativos objetivam promover oportunidades de convivência e de aprendizagem, o que representa avanço em relação à clássica perspectiva das equipes em tomar os grupos como espaços de passagem de informação e de prescrição de medidas para um viver saudável. Podem ser entendidos como potentes ambientes de cuidado coletivo, que oportuniza a discussão coletiva e a mudança de prática: da perspectiva de somente informar e reproduzir para a perspectiva de produzir cuidados integrais.(12)
A concepção que o profissional de saúde tem de promoção da saúde influencia a sua prática e é efetivada por meio de suas ações que vão ao encontro do conceito mais amplo de promoção da saúde como qualidade de vida, direcionando a atuação do enfermeiro de modo a desenvolver uma visão aprimorada do contexto socioeconômico e cultural da população, como também conhecer, compreender e considerar os determinantes sociais de saúde como indicadores que ampliam ou reduzem as vulnerabilidades dos grupos populacionais.(20)
Estudo(21) revelou a promoção da saúde contemplada nos grupos de portadores de hipertensão arterial superando a visão curativa focada na medicalização e percebeu-se avanços na compreensão destes usuários, quanto ao seu processo saúde-doença, que optaram por novas possibilidades de ser saudável, tais como opções de lazer, alimentação saudável e oportunidade de atividades físicas que contribuam na sua qualidade de vida.
Evidenciou-se a incorporação das ações de promoção da saúde distante da prática concreta dos profissionais, que se sustenta em um modelo biomédico individual e curativo. É preciso que os profissionais de saúde compreendam que a promoção envolve diversas estratégias de intervenção, com atuação desde a clínica até o contexto dos determinantes sociais e políticos do processo saúdedoença que deve estimular o empoderamento dos múltiplos atores sociais.(21) Além disso, os profissionais de saúde, precisam refletir sobre a crescente complexidade técnica necessária para planejar, implementar e avaliar as atividades de promoção da saúde. Os profissionais devem ter habilidades para interpretar e sintetizar os dados e informações em saúde e operar em estruturas organizacionais complexas.(22)
A utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica deve avançar para além da prevenção de doenças, no sentido da promoção da saúde. Nessa perspectiva, a ficha A, que traz as condições de vida e saúde dos indivíduos e famílias, pode possibilitar um diagnóstico e organizar as práticas em saúde, a depender do olhar do profissional. Também, aponta-se o uso da ficha D como uma potencialidade para desenvolver ações de promoção da saúde, entretanto, para que isso ocorra os profissionais precisam compreender a concepção de promoção. A realização dos relatórios nos municípios que participaram deste estudo permite inferir que os dados consolidados não são utilizados pela totalidade dos municípios para planejar as práticas de promoção da saúde do seu território.