versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.26 no.1 São Paulo jan./mar. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/18024126012019
El presente estudio buscó verificar la prevalencia de Problemas Crónicos de Columna o Dolor de Espalda (PCC/DE) y los factores sociodemográficos, de estilo de vida y las enfermedades crónicas asociadas en adultos quilombolas. Se realizó un estudio epidemiológico, poblacional y seccional, con una muestra representativa de una región del Nordeste brasileño. Los datos se recolectaron por medio de una entrevista con formulario estandarizado. El análisis estadístico consistió en la regresión de Poisson robusta, con cálculo de las razones de prevalencia, el intervalo de confianza (95%) y el nivel de significancia inferior al 5%. La prevalencia de PCC/DE fue del 50,5% (intervalo de confianza - IC95%: 47,1:53,9), independientemente asociada al grupo de edad, la calidad del sueño, la salud autorreferida, la deficiencia locomotora y los disturbios osteomusculares relacionados al trabajo (Dort). Se observó que hubo una mayor probabilidad de exposición a los PCC/DE en los quilombolas con edad >40 años, mala calidad del sueño, peor salud autorreferida, diagnóstico de Dort y deficiencia locomotora.
Palabras clave Grupo de Ascendencia Continental Africana; Columna Vertebral; Encuestas Epidemiológicas
A coluna vertebral é uma das estruturas com maior exigência motora do corpo humano, o que pode promover alterações posturais, problemas e dores musculoesqueléticas1. Os problemas crônicos de coluna/dor nas costas (PCC/DC) incluem variadas morbidades. As cervicalgias, dores torácicas e ciáticas, transtornos dos discos intervertebrais, espondiloses, radiculopatias e dores lombares são as mais comuns2.
Essas morbidades estão entre os principais acometimentos de saúde na população3. Um quinto dos adultos brasileiros apresentam algum PCC/DC2, presentes entre 15% e 20% do tempo de vida dos acometidos3, sendo a segunda enfermidade crônica mais prevalente nessa população4),(5. Tais problemas impactam negativamente a condição de saúde dos indivíduos, mesmo que sejam de baixa gravidade3.
Há aumento da utilização de serviços de saúde por pessoas doentes, ampliada conforme as características sociodemográficas dos usuários6. Estima-se que entre 70% e 85% da população apresentará algum episódio de DC durante a vida7. No entanto, ainda há divergências quanto à prevalência de PCC/DC e seus fatores predisponentes2),(7)-(9, principalmente quando consideradas as características étnico-raciais.
Diante das dimensões continentais e das diferenças sociodemográficas, econômicas e étnico-raciais do Brasil, ações de rastreio das diferentes regiões e populações são necessárias para o adequado enfrentamento dos diferentes quadros epidemiológicos. Assim, os indicadores de saúde, conforme os grupos étnico-raciais, evidenciam pior situação para grupos negros10, e que, em quilombolas, comunidades descendentes de negros escravizados, com identidade eminentemente ruralista11, as questões socioeconômicas e étnico-raciais reforçam as desigualdades em saúde12.
Diante da carência de informações sobre as condições de vida e saúde de populações negras, que dificulta a compreensão do processo saúde-doença quanto aos PCC/DC e seus fatores predisponentes, este estudo tem como objetivo estimar a prevalência de PCC/DC, os fatores sociodemográficos e de estilo de vida e as doenças crônicas associadas a adultos quilombolas.
Este é um estudo transversal, descritivo e com aspectos analíticos, baseado em dados primários derivados da pesquisa epidemiológica transversal de base populacional denominada: “Perfil epidemiológico dos quilombolas baianos”, autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia, sob o parecer nº 1.386.019/2016, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (Caae) nº 49955715.6.0000.0057.
O campo empírico foi a microrregião geográfica de Guanambi (BA), com 42 quilombos rurais e contemporâneos certificados13 até o ano de 2016, distribuídos em dez municípios. Diante da indisponibilidade de informações oficiais prévias sobre a quantidade de moradores desses quilombos, a população foi estimada considerando oitenta famílias por quilombo14, com dois adultos (>18 anos) por família em cada comunidade, totalizando 6720 adultos.
O cálculo amostral considerou correção para a população finita, prevalência desconhecida para o desfecho (50%), intervalo de confiança de 95%, erro amostral de cinco pontos percentuais, efeito de 1,5 vez para conglomerado, acréscimo de 30% para recusas e de 20% para perdas e confundimento, determinando amostra de 818 sujeitos; maiores informações quanto aos procedimentos amostrais e metodológicos podem ser consultados em estudos prévios15.
Aqueles com deficiência cognitiva ou de comunicação independente foram excluídos das entrevistas. Acamados, amputados, engessados, grávidas e nutrizes com menos de seis meses foram excluídos das medidas antropométricas. As perdas foram definidas pela não realização de alguma medida, exame ou ausência de resposta de alguma questão da entrevista.
O PCC/DC é a variável dependente que foi determinada a partir da resposta (“sim” ou “não”) à questão: “O(a) sr.(a) tem algum problema crônico de coluna, como dor crônica nas costas ou no pescoço, lombalgia, dor ciática, problemas nas vértebras ou disco?”, que passou por processo de validação para a aplicação em população quilombola12.
As variáveis sociodemográficas são: sexo (feminino, masculino), grupo etário (<40 anos, >40 anos), escolaridade (<5 anos, >5 anos) e carga horária de trabalho semanal (<44 horas/semanais, >44 horas/semanais).
Estilo de vida (conforme instrumento validado para adultos quilombolas)12: atividade física geral (>150 minutos semanais definido como ativo e <150 minutos semanais como insuficientemente ativo), comportamento sedentário (horas por dia assistindo televisão, >3 horas por dia como ponto de corte para a presença de comportamento sedentário excessivo) e qualidade do sono autorreferida (“muito boa” e “boa” agrupadas em “boa qualidade”; “regular”; e “ruim” e “muito ruim” agrupadas em “má qualidade”).
Percepção de saúde autorreferida (“muito boa” e “boa” agrupadas em positiva; “regular”; e “ruim” e “muito ruim” agrupadas em negativa), artrite/reumatismo autorreferida (“sim” ou “não”), deficiência locomotora autorreferida (“sim” ou “não”), distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort) - (“sim” ou “não”) e obesidade (>30% de gordura corporal para mulheres e >25% para homens)16.
As mensurações do percentual de gordura, determinadas por balança de bioimpedância validada (Omron hbf-514c, com capacidade 150kg e precisão de 0,1%)17, ocorreram durante a manhã, antes do desjejum, em duplicata para igualdade, com terceira medida em caso de diferença, utilizando a mediana para análise. Antes delas foi verificada abstinência alcoólica, de cafeína e de atividade física intensa nas últimas 24 horas. Os participantes foram orientados a retirarem objetos metálicos e permanecerem em repouso por cinco minutos antes dos testes.
Para a análise de associação dos preditores com os PCC/DC foram estimadas razões de prevalências (RP) a partir da regressão de Poisson com variância robusta. Após verificação das RP brutas, aquelas que apresentaram p-valor <0,20 foram incluídas na análise múltipla. As variáveis que apresentaram p-valor <0,05 no modelo saturado foram definidas como associadas ao desfecho. As magnitudes de associação foram estimadas pelo intervalo de confiança de 95% (IC95%). Todas as análises foram realizadas no programa SPSS Statistics, versão 22.0.
O PCC/DC foi prevalente em 50,5% (IC95%: 47,1:53,9) dos quilombolas, a taxa de ausência de resposta foi 3% (26 perdas). A idade variou dos 18 aos 92 anos com mediana de 45. A maioria se referiu negros (86,5%). As mulheres (61,2%, IC95%: 57,9:64,5) predominaram. As demais características populacionais podem ser consultadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características dos quilombolas. Bahia, Brasil, 2016 (n=850)
Sexo | ||
Feminino | 61,2% (520) | |
Masculino | 38,8% (330) | |
Grupo etário | ||
<40 anos | 42,1% (358) | |
>40 anos | 57,9% (492) | |
Raça-cor | ||
Negros | 86,6% (716) | |
Outras | 13,4% (111) | |
Escolarização | ||
>5 anos | 41,5% (321) | |
<5 anos | 58,5% (453) | |
Carga horária de trabalho semanal | ||
<44 horas/semanais | 73,8% (363) | |
>44 horas/semanais | 26,2% (129) | |
Qualidade do sono | ||
Boa | 65,7% (541) | |
Regular | 22,7% (187) | |
Má | 11,5% (95) | |
Atividade física geral | ||
>150 minutos | 78,1% (650) | |
<150 minutos | 21,9% (182) | |
Comportamento sedentário | ||
>3 horas/dia | 77,2% (578) | |
<3 horas/dia | 22,8% (171) | |
Saúde autorreferida | ||
Positiva | 48,9% (404) | |
Regular | 41,6% (344) | |
Negativa | 9,6% (79) | |
Artrite/reumatismo | ||
Sim | 13,0% (107) | |
Não | 87,0% (718) | |
Dort | ||
Sim | 10,0% (82) | |
Não | 90,0% (740) | |
Deficiência locomotora | ||
Sim | 21,3% (176) | |
Não | 78,7% (649) | |
% de gordura | ||
Obeso | 63,0% (513) | |
Não obeso | 37,0% (301) |
A análise bruta (Tabela 2) indicou maior prevalência da PCC/DC (p<0,05) entre aqueles com idade >40 anos, <5 anos de estudo, qualidade do sono regular ou má, saúde autorreferida regular e negativa, diagnóstico de artrite e/ou Dort, e deficiência locomotora.
Tabela 2 RP do problema crônico de coluna e seus intervalos de confiança de 95% (IC 95%) segundo variáveis sociodemográficas, estilo de vida e situação de saúde. Bahia, Brasil, 2016 (n=850)
VARIÁVEIS | RP (IC95%) | p-valor1 | RP (IC95%) | p-valor2 | |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Masculino | 1 | 1 | |||
Feminino | 1,144 (0,991:1,321) | 0,067 | 1,174 (0,997:1,383) | 0,054 | |
Grupo etário | |||||
<40 anos | 1 | 1 | |||
>40 anos | 1,951 (1,652:2,303) | <0,001 | 1,410 (1,155:1,722) | 0,001 | |
Escolaridade | |||||
>5 anos | 1 | 1 | |||
<5 anos | 1,455 (1,244:1,702) | <0,001 | 1,113 (0,943:1,313) | 0,205 | |
Trabalho | |||||
<44 horas/semanais | 1 | ||||
>44 horas/semanais | 1,047 (0,858:1,278) | 0,653 | |||
Qualidade do sono | |||||
Boa qualidade | 1 | 1 | |||
Regular | 1,364 (1,171:1,589) | <0,001 | 1,125 (0,971:1,303) | 0,116 | |
Má qualidade | 1,669 (1,427:1,952) | <0,001 | 1,266 (1,061:1,509) | 0,009 | |
Atividade física | |||||
>150 minutos | 1 | 1 | |||
<150 minutos | 1,187 (0,989:1,425) | 0,066 | 1,193 (0,991:1,435) | 0,062 | |
Comportamento sedentário | |||||
<3 horas/dia | 1 | ||||
>3 horas/dia | 1,087 (0,855:1,383) | 0,494 | |||
Saúde Autorreferida | |||||
Positiva | 1 | 1 | |||
Regular | 1,627 (1,392:1,902) | <0,001 | 1,424 (1,210:1,675) | <0,001 | |
Negativa | 2,290 (1,948:2,693) | <0,001 | 1,552 (1,281:1,879) | <0,001 | |
Artrite/reumatismo | |||||
Não | 1 | 1 | |||
Sim | 1,695 (1,494:1,924) | <0,001 | 1,097 (0,953:1,264) | 0,198 | |
Dort | |||||
Não | 1 | 1 | |||
Sim | 1,891 (1,690:2,117) | <0,001 | 1,509 (1,314:1,733) | <0,001 | |
Deficiência locomotora | |||||
Não | 1 | 1 | |||
Sim | 1,737 (1,539:1,961) | <0,001 | 1,294 (1,129:1,485) | <0,001 | |
% de gordura | |||||
Não obeso | 1 | 1 | |||
Obeso | 1,133 (0,979:1,311) | 0,095 | 0,944 (0,797:1,119) | 0,508 |
RP: Razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%; 1: p-valor da análise bruta; 2: p-valor da análise saturada.
Na análise múltipla (Tabela 2), após ajuste pelas variáveis incluídas no modelo final (p<0,20), permaneceram independentemente associadas aos PCC/DC: grupo etário, qualidade do sono, saúde autorreferida, diagnóstico de Dort, e deficiência locomotora. Então, quilombolas com idade >40 anos apresentaram probabilidade 41% maior de apresentarem PCC/DC. Assim como aqueles com má qualidade do sono, saúde autorreferida negativa, diagnóstico de Dort e deficiência locomotora tiveram 27%, 55%, 51% e 29% maior probabilidade para o desfecho investigado.
Os principais achados deste estudo indicam que mais da metade dos adultos quilombolas apresentaram PCC/DC significativamente associados com grupo etário, qualidade do sono, saúde autorreferida, diagnóstico de Dort e deficiência locomotora. É possível que este seja o primeiro estudo que analisa esse desfecho em amostra representativa de população quilombola de região de estado brasileiro.
Os PCC/DC proporcionam diminuição da capacidade física, do contato social, do aumento de estresse e ansiedade, de problemas laborais e financeiros, além dos prejuízos relacionados ao custeio de tratamentos, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez3),(7, gerando problemas pessoais, sociais e econômicos.
A prevalência de PCC/DC nesta investigação é maior que os 18,5% encontrados na população brasileira2 e os 39,3% em quilombolas de município baiano8. Essa alta prevalência de PCC/DC em quilombolas pode resultar da iniciação precoce em trabalhos que demandam elevado esforço físico desde a infância, momento em que a estrutura esquelética ainda está em desenvolvimento18.
Esta análise corrobora outras investigações populacionais quanto a maior probabilidade de PCC/DC em indivíduos mais velhos2),(8, mesmo após estratificação pelo sexo7. Sabe-se que o envelhecimento provoca modificações funcionais e motoras no sistema musculoesquelético, fator que modifica a estrutura anatômica e o desempenho motor desses indivíduos19, com reflexos negativos na flexibilidade e consequente ampliação dos problemas articulares20. Então, o processo de envelhecimento populacional exige melhor monitoramento do acesso e da utilização de serviços de saúde por pessoas com Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), para adequação do planejamento das demandas emergentes6.
O sono é elemento crucial na vida dos seres humanos. Há forte associação entre distúrbios do sono e diversas doenças, diante da intensificação das tensões musculoesqueléticas21. Essa questão permite a compreensão da associação entre os PPC/DC e a má qualidade do sono em adultos quilombolas, uma vez que essa condição desencadeia sintomas orgânicos negativos, de origem física e/ou cognitiva, como dores que dificultam a realização de atividades da vida diária22.
Assim como encontrado nos quilombolas, estudo representativo em adultos brasileiros7 e levantamento com população predominantemente caucasiana também observaram associação entre pior saúde autorreferida e DC9. Essa situação acompanha a reconhecida interrelação entre presença de enfermidades com pior autoavaliação da saúde, mais ainda, a percepção negativa da saúde aumenta paralelamente ao acréscimo de elementos em situação de multimorbidade5.
A utilização excessiva do sistema osteomuscular, pela repetição de movimentos e uso contínuo de músculos ou grupos musculares, não permite sua suficiente recuperação, o que eleva o surgimento das Dort23. Levantamento de porte nacional com adultos brasileiros também identificou associação entre os PCC/DC e as Dort2 o que acompanha os achados deste levantamento com quilombolas. Essa associação é especialmente preocupante diante da possibilidade de agravamento do quadro de vulnerabilidade entre os acometidos e seus familiares diante da demanda socioeconômica para os tratamentos(24), principalmente em sujeitos com multimorbidades6.
Não foram encontrados estudos que relatassem a associação entre deficiência locomotora e PPC/DC. No entanto, o reconhecimento da dor crônica enquanto uma das condições frequentes de morbidade e incapacidade funcional(25) pode explicar a associação identificada neste estudo com quilombolas.
As DCNT caracterizam-se por ter uma etiologia múltipla, muitos fatores de risco, longos períodos de latência, curso prolongado, origem não infecciosa e, também, por associarem-se a deficiências e incapacidades funcionais4.
Dentre as limitações desta investigação, deve-se reconhecer a possibilidade de superestimavas na prevalência do desfecho investigado, uma vez que questões como a percepção dos participantes e o acesso aos serviços de saúde podem interferir na citação da morbidade2. Outra limitação é inerente ao caráter transversal, que não permite estabelecer relação de causalidade entre exposição e desfecho. No entanto, estudos com esse delineamento são instrumentos robustos que permitem a descrição de condições de vida e saúde em populações específicas(26).
A principal vantagem da análise consiste na apresentação de informações relevantes quanto à situação de saúde postural em população quilombola de ampla região geográfica distante de centros econômicos e populacionais de estado nordestino, geralmente negligenciado pelo serviço de saúde e acadêmicos. Ressalta-se que inquéritos populacionais, como o apresentado, auxiliam na definição de políticas públicas de saúde conforme as demandas do perfil participante(26).
Os resultados indicam alta prevalência de PCC/DC na população quilombola participante da investigação, fortemente associada às questões de estilo de vida e de saúde modificáveis (qualidade do sono, saúde autorreferida e Dort). Então, a implementação de estratégias que considerem as demandas especificas da população quilombolas permitirá melhores resultados na prevenção dos agravos da morbidade.
Os achados reforçam a importância do rastreio das PCC/DC, DCNT altamente prevalente, como mecanismo útil para o embasamento de políticas de saúde específica para população negra rural, possivelmente mais exposta ao grupo de enfermidades investigadas. Assim, a capacitação dos profissionais de saúde da região pode impactar positivamente a atenção à saúde dos quilombolas.