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Problemas de comportamento internalizantes e externalizantes e uso de substâncias na adolescência

Problemas de comportamento internalizantes e externalizantes e uso de substâncias na adolescência

Autores:

Wanêssa Lacerda Poton,
Ana Luiza Gonçalves Soares,
Helen Gonçalves

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.34 no.9 Rio de Janeiro 2018 Epub 06-Set-2018

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00205917

ABSTRACT

This study investigated the relationship between externalizing behavior problems (EBP), internalizing behavior problems (IBP), and combined externalizing/internalizing behavior problems (EIBP) in early adolescence (11 years) and substance use (alcohol, tobacco, and illegal drugs) at 15 years, using data from the 1993 Pelotas (Brazil) birth cohort. Behavior problems were assessed with the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), applied to mothers when their children were 15 years old. Substance use was assessed with a self-applied confidential questionnaire for the adolescent. The association between behavior problems and substance use was analyzed with Poisson regression with robust adjustment of variance. After adjusting for confounding, adolescents with EBP showed higher risk of alcohol abuse (RR = 1.74, 95%CI: 1.21; 2.50) and experimentation (RR = 1.78, 95%CI: 1.42; 2,23) and tobacco use in the previous 30 days (RR = 2.38, 95%CI: 1.64; 3.45). Adolescents with IBP showed greater risk of having tried tobacco (RR = 1.54, 95%CI: 1.22; 1.93) and of having used tobacco products in the previous 30 days (RR = 1.92, 95%CI: 1.31; 2.83). Adolescents with EIBP showed greater risk of trying (RR = 2.24, 95%CI: 1.57; 3.21) and consuming tobacco products in the previous days (RR = 3.01, 95%CI: 1.63; 5.56), and lower risk of having tried alcohol at 15 years of age (RR = 0.72, 95%CI: 0.55; 0.94). Public health measures aimed at reducing behavior problems in early adolescence can help reduce tobacco and alcohol consumption at 15 years.

Keywords: Behavior; Mental Health; Alcoholism; Smoking; Street Drugs

RESUMEN

Este estudio investigó la relación entre los problemas de comportamiento externalizantes (PCE), internalizantes (PCI), y los que se producían concomitantemente (PCEI), al comienzo de la adolescencia (11 años) y el consumo de sustancias como: bebidas alcohólicas, tabaco y drogas ilícitas a los 15 años, utilizando datos de la cohorte de nacimientos de Pelotas, Brasil, de 1993. Los problemas de comportamiento fueron evaluados por el Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), aplicado a las madres cuando los hijos tenían 15 años. El consumo de sustancias se evaluó mediante un cuestionario anónimo, realizado por el propio adolescente. La asociación entre problemas de comportamiento y el uso de sustancias se analizó mediante la regresión de Poisson, con un ajuste robusto de variancia. Tras el ajuste para los factores de confusión, los adolescentes con PCE tuvieron un riesgo mayor de consumo abusivo de alcohol (RR = 1,74; IC95%: 1,21; 2,50) y de probar estas sustancias (RR = 1,78; IC95%: 1,42; 2,23), además del consumo de tabaco en los últimos 30 días (RR = 2,38; IC95%: 1,64; 3,45). Los adolescentes con PCI tuvieron un mayor riesgo de probar el tabaco (RR = 1,54; IC95%: 1,22; 1,93) y de consumirlo durante los últimos 30 días (RR = 1,92; IC95%: 1,31; 2,83). Los adolescentes con PCEI presentaron un mayor riesgo de probar estas sustancias (RR = 2,24; IC95%: 1,57; 3,21) y consumir tabaco durante los últimos 30 días (RR = 3,01; IC95%: 1,63; 5,56), y menor riesgo de probar el alcohol a los 15 años (RR = 0,72; IC95%: 0,55; 0,94). Se requieren acciones de salud pública que actúen en la reducción de los problemas de comportamiento al principio de la adolescencia, puesto que podrían disminuir el consumo de tabaco y bebidas alcohólicas a los 15 años.

Palabras-clave: Conducta: Salud Mental; Alcoholismo; Fumar; Drogas Ilícitas

Introdução

Os transtornos mentais e o uso de substâncias são frequentes na adolescência (10-19 anos) 1,2 e, muitas vezes, ocorrem concomitantemente, contribuindo para o aumento dos anos de vida perdidos por incapacidade (DALYs) 3,4. Estudos mostram que a experimentação e o início do uso frequente de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas começam na adolescência 5,6,7 e, apesar de os dados mostrarem uma tendência de declínio no uso dessas substâncias entre adolescentes 8, ele ainda é recorrente e preocupante. Sabe-se que o consumo de substâncias na adolescência predispõe ao seu uso também na vida adulta, repercutindo em desfechos negativos em saúde, tais como ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis (gastrointestinais, cardiovasculares e câncer), e provocando ou intensificando consequências sociais, cognitivas e psicológicas 1,2,9.

Estima-se que cerca de 20% dos adolescentes apresentam algum problema de saúde mental, sendo os mais frequentes os problemas de comportamento internalizantes (PCI) e os externalizantes (PCE) 1. Os PCI se caracterizam por humor deprimido e ansiedade, preocupação em demasia, medos e inseguranças, sendo, muitas vezes, pouco evidentes, uma vez que não são externados 10. Em contraste, os PCE manifestam-se por meio de hiperatividade, impulsividade, comportamento desafiador, desobediência, hostilidade e agressividade 10.

A relação entre problemas de comportamento e uso de substâncias na adolescência 11,12,13,14,15,16 e vida adulta 17,18 tem sido alvo de investigação, e, em geral, os estudos mostram que adolescentes com PCE têm risco aumentado para uso de substâncias na adolescência e início da vida adulta 14,15,16,17,18, porém resultados conflitantes são evidenciados para os PCI 12,14,15,16, fato que merece maior atenção. Além disso, PCI e PCE podem coexistir e interagir na relação com o uso de substâncias 19.

A maior parte dos estudos que investigaram a relação entre PCI e PCE e uso de substâncias na adolescência foram realizados em países de alta renda 12,13,14,15,16. No entanto, no Brasil, desigualdades socioeconômicas se mostraram associadas com o consumo de drogas em adolescentes 20. Indivíduos pertencentes aos grupos socioeconômicos mais elevados têm maior propensão para iniciar o uso de bebidas alcoólicas e drogas 9,20,21, no entanto, maior risco de uso abusivo e dependência de algumas substâncias são evidenciados nas classes socioeconômicas menos favorecidas 9,20,21. Da mesma forma, o contexto e a posição socioeconômica exercem influência sobre a saúde mental, sendo os indivíduos mais pobres os que possuem maior risco para desenvolver alguns transtornos mentais 20,21,22. O contexto individual, social e cultural pode influenciar na utilização e resposta ao uso de determinadas substâncias em países de baixa e média renda 2 e na ocorrência de PCE e/ou PCI, sendo, portanto, essa relação importante de ser explorada em diferentes contextos socioculturais e econômicos.

Este estudo, portanto, tem como objetivo investigar a relação entre PCE, PCI e PCEI aos 11 anos e o uso de substâncias (bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas) aos 15 anos, utilizando dados de uma coorte de nascimentos de um município de renda média do Brasil.

Métodos

Foram utilizados dados da coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993. No referido ano, todos os 5.265 nascimentos ocorridos nas maternidades foram identificados, e as mães que residiam na zona urbana e que aceitaram a participação de seu(s) filho(s) no estudo foram entrevistadas, por entrevistadores treinados, logo após o nascimento (N = 5.249), obtendo-se diversas informações socioeconômicas, demográficas e comportamentais, sobre morbidades, história reprodutiva e assistência pré-natal e ao parto, e suas crianças foram medidas, pesadas e examinadas 23. Na adolescência, os membros da coorte e suas mães responderam a questionários sobre saúde, comportamento e estilo de vida. Para este estudo, dados do nascimento e da adolescência (11 e 15 anos) foram utilizados. As taxas de acompanhamento perinatal, aos 11 e 15 anos foram 99,7%, (n = 5.265), 87,5% (n = 4.452) e 85,7% (n = 4.349), respectivamente 24. Não foram observadas diferenças significativas na amostra utilizada neste estudo em comparação à coorte original em relação às características sociodemográficas (renda familiar, escolaridade materna, idade materna e presença de companheiro vivendo com a mãe) (Tabela 1). As análises deste estudo foram restritas aos indivíduos que tinham informações completas sobre problemas de comportamento e consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas. Para evitar causalidade reversa, foram excluídos os adolescentes que haviam consumido bebida alcoólica (n = 408) ou tabaco (n = 201) até os 11 anos, utilizando-se, portanto, casos incidentes. Dessa forma, foram incluídos 3.588, 3.626 e 3.504 adolescentes nas análises de consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas, respectivamente.

Tabela 1 Características dos participantes da coorte com informações completas sobre problemas de comportamento externalizantes avaliado pelos pais aos 11 anos e experimentação de álcool aos 15 anos e comparação com a coorte original. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993-2008. 

Coorte original (n = 5.249) n (%) Amostra (n = 3.588) * n (%) Valor de p **
Renda familiar (quintis) 0,126
1 (menor) 1.030 (20,0) 664 (18,9)
2 1.195 (23,3) 831 (23,6)
3 889 (17,3) 612 (17,4)
4 1.002 (19,5) 722 (20,5)
5 (maior) 1.021 (19,9) 690 (19,6)
Escolaridade materna (anos) 0,178
0-4 1.467 (28,0) 963 (26,9)
5-8 2.425 (46,3) 1.736 (48,4)
9-11 923 (17,6) 610 (17,0)
≥ 12 427 (8,1) 275 (7,7)
Idade da mãe (anos) 0,899
< 20 916 (17,4) 621 (17,3)
20-24 1.447 (27,6) 980 (27,3)
25-29 1.353 (25,8) 904 (25,2)
30-34 956 (18,2) 685 (19,1)
≥ 35 576 (11,0) 397 (11,1)
Marido/Parceiro vivendo com a família 0,824
Sim 4.600 (87,6) 3.164 (88,2)
Não 649 (12,4) 424 (11,8)

* O valor das variáveis pode diferir do N total do acompanhamento devido à perda de acompanhamento ou de informação;

** Teste qui-quadrado de heterogeneidade.

Problemas de comportamento externalizantes e internalizantes

A versão brasileira do Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) 25 foi aplicada aos adultos responsáveis (93,7% deles eram mães) e ao adolescente, quando tinham 11 anos de idade. O SDQ é um questionário de rastreio para problemas de saúde mental e possui 25 itens agrupados em cinco escalas: hiperatividade, problemas emocionais, problemas de conduta, problemas com os colegas e comportamento pró-social. Cada escala possui um escore de classificação singular, que é obtido somando-se as pontuações dos itens que a compõem, podendo variar entre 0 e 10. As escalas investigadas neste estudo foram: (1) hiperatividade e problemas de conduta que, ao serem somados, compreendem os PCE; e (2) problemas de relacionamento com os colegas e problemas emocionais que, quando somados, compõem os PCI. Para este estudo, o resultado do SDQ aplicado ao responsável foi utilizado, e análises suplementares (apresentadas em material suplementar) foram realizadas com o instrumento aplicado aos adolescentes. Os PCE e PCI foram investigados em duas categorias da distribuição dos escores do SDQ: normal (percentil < 90) e anormal (percentil ≥ 90) 26. Tal ponto de corte permite classificar indivíduos normais e anormais em população de baixo risco 26.

Os adolescentes foram agrupados em quatro categorias de acordo com o comportamento: (1) sem problemas de comportamento; (2) somente PCE; (3) somente PCI; e (4) PCEI (adolescente com ambos PCE e PCI aos 11 anos).

Consumo de substâncias

Informação sobre o uso de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas foi obtida por meio de questionário confidencial autoaplicado no acompanhamento dos 15 anos dos participantes.

Consumo de bebidas alcoólicas

As seguintes questões avaliaram o consumo de bebidas alcoólicas e foram consideradas neste estudo: (1) “Alguma vez tu já tomaste bebida de álcool?” (sim; não); (2) “Nos últimos 30 dias, quantos dias tu tomaste bebida de álcool?” (1 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 ou mais dias; todos os dias; não ingeri nos últimos 30 dias; nunca ingeri álcool); (3) “Tu já tomaste algum porre ou ficaste bêbado?” (sim; não). Para o consumo atual de bebida alcoólica (últimos 30 dias), as opções de reposta foram recategorizadas em “sim” (consumiu bebida alcoólica, pelo menos, um dia no último mês) e “não” (não ingeriu bebida alcoólica no último mês ou nunca bebeu).

Consumo de tabaco

Para avaliar o consumo de tabaco, duas perguntas foram consideradas: (1) “Alguma vez tu experimentaste fumar cigarros, mesmo uma ou duas fumadas?” (sim; não); e (2) “Nos últimos 30 dias, quantos dias tu fumaste?” (1 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 ou mais dias; todos os dias; não fumei; nunca fumei). Essas possibilidades de resposta foram reagrupadas em “sim” (fumou, pelo menos, um dia no último mês) e “não” (não fumou no último mês ou nunca fumou).

Consumo de drogas ilícitas

Uma questão foi utilizada para investigar o consumo de drogas ilícitas: (1) “Tu já experimentaste alguma destas coisas (cola de sapateiro, solvente ou tiner, cocaína, maconha)?”. Para experimentação de drogas ilícitas, foi considerado o uso de quaisquer drogas listadas.

Variáveis de confusão

As potenciais variáveis de confusão, medidas no nascimento, foram: renda familiar mensal (quintis), escolaridade materna em anos de estudo (0-4; 5-8; 9-11; ≥ 12), idade materna em anos (< 20; 20-24; 25-29; 30-34; ≥ 35), presença de companheiro ou marido vivendo com a mãe (sim; não), sexo do adolescente. Aos 11 anos, foram consideradas as seguintes variáveis: cor da pele autorreferida pelo adolescente e classificada em branca ou preta/parda/amarela/indígena; tabagismo materno (sim; não); consumo de bebida alcoólica pela mãe (sim; não); transtorno mental comum materno (sim; não). O transtorno mental comum materno foi avaliado com a aplicação do Self Report Questionnaire (SRQ-20), que contém vinte questões para rastreamento de transtornos mentais não psicóticos. Neste estudo, foi considerado como tendo transtorno mental comum quando a pontuação foi igual ou superior a oito pontos 27.

Análise estatística

Inicialmente, o uso de substâncias e os problemas de comportamento foram descritos conforme as variáveis de confusão, sendo as comparações feitas utilizando o teste qui-quadrado de heterogeneidade para as variáveis binárias e categóricas e o teste qui-quadrado de tendência linear para as categóricas ordinais, quando os resultados sugeriam aumento ou redução conforme mudança das categorias 28.

Para avaliar a associação entre os problemas de comportamento e o uso de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas, foi utilizada regressão de Poisson com ajuste robusto da variância nas análises brutas e ajustadas. Multicolinearidade foi testada utilizando o fator de inflação da variância, sendo considerada presente quando maior que dez 28.

Considerando as diferenças no uso de substâncias conforme sexo e evidência de efeitos diferentes na associação com os problemas de comportamento 16,17,18, foi investigada possível interação com o sexo na relação entre problemas de comportamento e uso de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas, a qual não se mostrou evidente (p > 0,05) 28.

As análises foram conduzidas no programa Stata, versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (parecer nº 4.06.1.095).

Resultados

Dos participantes da coorte de nascimentos de 1993 de Pelotas incluídos neste estudo, 51,5% eram do sexo feminino, 66,4% referiram cor da pele branca, e a maioria era filho de mulheres jovens (69,8% < 30 anos), com até oito anos completos de estudo (75,3%), cujo companheiro residia na casa (88,2%) (Tabela 2). Quanto à prevalência de problemas de comportamento aos 11 anos, 8,5% dos adolescentes tinham PCI somente; 7,3%, apenas PCE; e 2,6%, PCEI (Tabela 1). Em relação ao uso de substâncias aos 15 anos, tem-se que: 53,1% haviam experimentado alguma bebida alcoólica; 21,3% a consumiram nos 30 dias anteriores à entrevista; e 5,9% o fizeram de modo abusivo; 13,1% haviam experimentado tabaco; e 4,5% referiram tê-lo usado nos 30 dias anteriores à entrevista; a experimentação de drogas ilícitas foi relatada por 1,3% dos adolescentes.

Tabela 2 Características dos participantes avaliados (N = 3.588). Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

Variáveis n * (%)
Variáveis coletadas no perinatal
Sexo do adolescente
Masculino 1.741 (48,5)
Feminino 1.847 (51,5)
Renda familiar (quintis)
1 (menor) 664 (18,9)
2 831 (23,6)
3 612 (17,4)
4 722 (20,5)
5 (maior) 690 (19,6)
Idade da mãe (anos)
< 20 621 (17,3)
20-24 980 (27,3)
25-29 904 (25,2)
30-34 685 (19,1)
≥ 35 397 (11,1)
Escolaridade materna (anos)
0-4 963 (26,9)
5-8 1.736 (48,4)
9-11 610 (17,0)
≥ 12 275 (7,7)
Presença de companheiro na casa (mãe)
Sim 3.164 (88,2)
Não 424 (11,8)
Variáveis maternas e dos participantes coletadas aos 11 anos
Transtorno mental comum materno
Sim 1.089 (30,5)
Não 2.483 (69,5)
Tabagismo materno
Sim 1.934 (53,9)
Não 1.653 (46,1)
Consumo de álcool pela mãe
Sim 1.543 (45,1)
Não 1.881 (54,9)
Cor da pele dos adolescentes
Branca 2.374 (66,4)
Preta/Parda/Outras 1.202 (33,6)
Problemas de comportamento (avaliado pelo responsável)
Sem problemas 3.925 (81,6)
PCE 263 (7,3)
PCI 305 (8,5)
PCEI 95 (2,6)
Variáveis dos adolescentes coletadas aos 15 anos
Experimentação de álcool
Sim 1.906 (53,1)
Não 1.682 (46,9)
Consumo de álcool nos últimos 30 dias
Sim 766 (21,3)
Não 2.823 (78,7)
Consumo abusivo de álcool
Sim 213 (5,9)
Não 3.373 (94,1)
Experimentação de tabaco
Sim 474 (13,1)
Não 3.152 (86,9)
Consumo de tabaco nos últimos 30 dias
Sim 163 (4,5)
Não 3.455 (95,5)
Experimentação de drogas ilícitas
Sim 47 (1,3)
Não 3.457 (98,7)

PCE: problemas de comportamento externalizantes, PCEI: problemas de comportamento externalizantes e internalizantes; PCI: problemas de comportamento internalizantes.

* O número de observações pode não ser semelhante em todas as variáveis devido à perda de informação.

A incidência de utilização de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas conforme variáveis socioeconômicas, demográficas e maternas são apresentadas na Tabela 3. A experimentação e o consumo recente de bebida alcoólica foram mais frequentes nas meninas, nos adolescentes de maior renda, cujas mães possuíam maior escolaridade, fumavam e consumiam bebidas alcoólicas. O consumo abusivo de álcool foi maior entre aqueles de famílias no maior quintil de renda, cujas mães tinham algum transtorno mental comum. A experimentação de tabaco e seu uso recente foram mais frequentes entre as meninas, nos adolescentes de cor da pele não branca, pertencentes às famílias de menor renda e que tinham mães com menor escolaridade, com transtorno mental comum e fumantes. A experimentação de drogas ilícitas foi mais frequente em adolescentes de cor da pele não branca, cujas mães eram jovens (< 20 anos) ou mais velhas (≥ 35 anos), porém não se mostrou associada aos demais fatores socioeconômicos.

Tabela 3 Incidência de utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas aos 15 anos, conforme variáveis socioeconômicas, demográficas e maternas. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

Experimentação de álcool n (%) Consumo de álcool nos últimos 30 dias n (%) Consumo abusivo de álcool n (%) Experimentação de tabaco n (%) Fumo nos últimos 30 dias n (%) Experimentação de drogas ilícitas n (%)
Sexo do adolescente p < 0,001 * p = 0,003 * p = 0,481 * p < 0,001 * p = 0,001 * p = 0,328 *
Masculino 865 (48,9) 344 (19,3) 114 (6,4) 162 (9,0) 60 (3,3) 21 (1,2)
Feminino 1.079 (57,4) 438 (23,4) 109 (5,8) 323 (17,1) 107 (5,7) 29 (1,6)
Cor da pele do adolescente p = 0,410 * p = 0,919 * p = 0,179 * p = 0,003 * p < 0,001 * p = 0,048 *
Branca 1.276 (53,6) 508 (21,3) 150 (6,3) 286 (11,9) 88 (3,7) 25 (1,1)
Preta/Parda/Outras 628 (52,2) 258 (21,5) 62 (5,2) 188 (15,4) 74 (6,1) 22 (1,9)
Renda familiar (quintis) p < 0,001 ** p < 0,001 ** p = 0,013 ** p = 0,014 ** p = 0,001 ** p = 0,934 **
1 (menor) 316 (46,5) 123 (18,0) 46 (6,7) 103 (14,9) 40 (5,8) 7 (1,6)
2 433 (51,4) 170 (20,2) 55 (6,5) 129 (15,2) 46 (5,4) 12 (1,5)
3 344 (55,4) 129 (20,8) 24 (3,9) 75 (12,0) 31 (4,9) 10 (1,6)
4 401 (54,9) 160 (22,0) 37 (5,1) 97 (13,2) 26 (3,5) 10 (1,4)
5 (maior) 421 (59,7) 187 (26,5) 58 (8,2) 70 (9,8) 20 (2,8) 10 (1,4)
Escolaridade materna (anos) p < 0,001 ** p < 0,001 ** p = 0,091* p < 0,001 ** p < 0,001 ** p = 0,884 **
0-4 479 (48,7) 190 (19,3) 65 (6,6) 164 (16,4) 64 (6,4) 16 (1,7)
5-8 929 (52,8) 361 (20,6) 95 (5,4) 235 (13,2) 80 (4,5) 22 (1,3)
9-11 348 (56,2) 145 (23,3) 37 (6,0) 62 (10,0) 15 (2,4) 22 (1,3)
≥ 12 184 (64,6) 86 (30,1) 26 (9,1) 22 (7,7) 8 (2,8) 4 (1,4)
Idade da mãe (anos) p = 0,902 * p = 0,375 * p = 0,846 * p = 0,094 * p = 0,075 * p = 0,016 *
< 20 340 (53,8) 143 (22,6) 43 (6,8) 96 (15,0) 33 (5,2) 15 (2,5)
20-24 522 (52,3) 194 (19,4) 58 (5,8) 140 (13,8) 50 (4,9) 12 (1,2)
25-29 491 (53,2) 196 (21,2) 54 (5,8) 128 (13,7) 44 (4,7) 11 (1,2)
30-34 379 (54,6) 154 (22,2) 40 (5,8) 72 (10,3) 27 (3,9) 3 (0,4)
≥ 35 211 (52,4) 95 (23,5) 28 (6,9) 49 (12,1) 13 (3,2) 9 (2,3)
Presença do companheiro na casa (mãe) p = 0,186 * p = 0,820 * p = 0,608 * p = 0,086 * p = 0,957 * p = 0,351 *
Sim 1.700 (52,8) 687 (21,4) 199 (6,2) 416 (12,8) 147 (4,5) 42 (1,3)
Não 244 (56,2) 95 (21,8) 24 (5,6) 69 (15,7) 20 (4,6) 8 (1,9)
Transtorno mental comum materno p = 0,392 * p = 0,494 * p = 0,002 * p < 0,001 * p < 0,001 * p = 0,063 *
Sim 591 (54,3) 241 (22,1) 85 (7,8) 188 (17,0) 70 (6,4) 20 (1,9)
Não 1.309 (52,7) 523 (21,1) 128 (5,2) 286 (11,4) 93 (3,7) 27 (1,1)
Tabagismo materno p = 0,012 * p = 0,001 * p = 0,078 * p < 0,001 * p < 0,001 * p = 0,582 *
Sim 1.065 (55,1) 451 (23,4) 127 (6,6) 298 (15,3) 113 (5,8) 27 (1,4)
Não 841 (50,9) 315 (19,0) 86 (5,2) 176 (10,5) 50 (3,0) 20 (1,2)
Consumo de álcool pela mãe p < 0,001 * p < 0,003 * p = 0,161 * p = 0,290 * p = 0,637 * p = 0,356 *
Sim 884 (57,3) 368 (23,8) 101 (6,6) 217 (13,9) 75 (4,8) 18 (1,2)
Não 950 (50,5) 369 (19,6) 102 (5,4) 241 (12,7) 85 (4,5) 29 (1,6)

* Valor de p derivado do teste qui-quadrado de heterogeneidade;

** Valor de p derivado do teste qui-quadrado de tendência linear.

A Tabela 4 demonstra a prevalência de PCE, PCI e PCEI em relação às variáveis socioeconômicas, demográficas e maternas. Os PCE foram mais prevalentes entre os meninos, enquanto as meninas apresentaram mais PCI, e a presença de ambos os problemas de comportamento (PCE e PCI) foi mais prevalente em adolescentes de cor da pele não branca. PCE, PCI e PCEI foram mais prevalentes nos adolescentes com menor renda familiar, cujas mães tinham menor escolaridade, apresentavam transtorno mental comum e eram fumantes. Os filhos de mulheres que não possuíam companheiro morando na mesma casa, cujas mães eram mais jovens, apresentaram mais PCE e PCEI, no entanto, essas diferenças não foram evidenciadas para os PCI.

Tabela 4 Prevalência dos PCE, PCI e PCEI em relação às variáveis socioeconômicas, demográficas e maternas. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

PCE n (%) PCI n (%) PCEI n (%)
Sexo do adolescente p < 0,001 * p < 0,001 * p = 0,297 *
Masculino 197 (11,3) 125 (7,5) 60 (3,7)
Feminino 103 (6,0) 206 (11,4) 51 (3,1)
Cor da pele do adolescente p = 0,032 * p < 0,001 * p = 0,052 *
Branca 183 (7,9) 191 (8,2) 64 (2,9)
Preta/Parda/Outras 112 (10,1) 138 (12,2) 44 (4,2)
Renda familiar (quintis) p < 0,001 ** p < 0,001 ** p < 0,001 **
1 (menor) 67 (10,7) 88 (13,6) 34 (5,7)
2 81 (10,3) 84 (10,6) 32 (4,3)
3 58 (10,0) 60 (10,3) 21 (3,9)
4 56 (8,0) 59 (8,4) 13 (2,0)
5 (maior) 26 (3,8) 37 (5,3) 10 (1,5)
Escolaridade materna (anos) p < 0,001 ** p < 0,001 ** p < 0,001 **
0-4 94 (10,6) 141 (15,1) 48 (5,7)
5-8 169 (10,2) 155 (9,4) 53 (3,4)
9-11 31 (5,0) 26 (4,2) 9 (1,5)
≥ 12 6 (2,2) 9 (3,2) 1 (0,4)
Idade da mãe (anos) p < 0,001 * p = 0,092 * p = 0,001 *
< 20 81 (13,9) 69 (12,1) 34 (6,4)
20-24 82 (8,6) 86 (9,0) 31 (3,5)
25-29 76 (8,7) 89 (10,1) 24 (2,9)
30-34 33 (5,0) 52 (7,6) 12 (1,9)
≥ 35 28 (7,3) 35 (9,0) 10 (2,7)
Presença de companheiro na casa (mãe) p = 0,011 * p = 0,596 * p = 0,001 *
Sim 252 (8,3) 291 (9,4) 87 (3,0)
Não 48 (12,1) 40 (10,3) 24 (6,4)
Transtorno mental comum materno p < 0,001 * p < 0,001 * p < 0,001 *
Sim 148 (16,0) 188 (19,5) 85 (9,9)
Não 150 (6,0) 141 (5,6) 26 (1,1)
Tabagismo materno p = 0,001 * p = 0,001 * p = 0,039 *
Sim 188 (10,3) 205 (11,1) 69 (4,0)
Não 112 (6,9) 126 (7,7) 42 (2,7)
Consumo de álcool pela mãe p = 0,530 * p = 0,702 * p = 0,995 *
Sim 133 (9,0) 144 (9,7) 47 (3,4)
Não 152 (8,4) 170 (9,3) 58 (3,4)

PCE: problemas de comportamento externalizantes, PCEI: problemas de comportamento externalizantes e internalizantes; PCI: problemas de comportamento internalizantes.

* Valor de p derivado do teste qui-quadrado de heterogeneidade;

** Valor de p derivado do teste qui-quadrado de tendência linear.

As incidências de utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas, conforme os grupos de problemas de comportamento, quando avaliados pelo responsável, estão apresentadas na Figura 1. A experimentação (58,6; IC95%: 52,6; 64,5), o consumo nos últimos 30 dias (26,5; IC95%: 21,1; 31,9) e o consumo abusivo (9,8; IC95%: 6,2; 13,5) de bebidas alcoólicas foram mais frequentes entre os adolescentes que apresentavam PCE. A experimentação de tabaco (25,5; IC95%: 16,7; 34,3) e seu uso recente (10,4; IC95%: 4,2; 16,6) foram mais frequentes nos adolescentes com PCEI, bem como a experimentação de drogas ilícitas. A incidência de utilização de substâncias conforme os problemas de comportamento referidos pelos adolescentes está apresentada em material suplementar (Figura 2). Embora as incidências tenham sido diferentes, o padrão de utilização de substâncias conforme os problemas de comportamento foi, em geral, semelhante, exceto para a experimentação de álcool, que foi maior entre aqueles que não tinham nenhum problema de comportamento (54,0; IC95%: 52,2; 55,8).

Figura 1 Incidência de utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas aos 15 anos, conforme os problemas de comportamento avaliados pelo responsável. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

Figura 2 Incidência de utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas aos 15 anos, conforme os problemas de comportamento avaliados pelo adolescente. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

As associações entre PCE, PCI e PCEI e a incidência de uso de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas foram semelhantes entre meninos e meninas (valor de p para modificação de efeito > 0,05) e, portanto, os resultados são apresentados de forma combinada. Após ajuste para fatores de confusão (Tabela 5), a experimentação de álcool foi menor nos adolescentes com PCEI (RR = 0,72; IC95%: 0,55; 0,94), e o consumo abusivo de álcool foi maior nos adolescentes com PCE (RR = 1,74; IC95%: 1,21; 2,50). A experimentação de tabaco foi maior entre os que tinham PCE (RR = 1,78; IC95%: 1,42; 2,23), PCI (RR = 1,54; IC95%: 1,22; 1,93) e PCEI (RR = 2,24; IC95%: 1,57; 3,21). O consumo de tabaco nos últimos 30 dias foi maior entre os adolescentes que tinham PCE (RR 2,38; IC95%: 1,64; 3,45), PCI (RR = 1,92; IC95%: 1,31; 2,83) e PCEI (RR = 3,01; IC95%: 1,63; 5,56).

Tabela 5 Análise bruta e ajustada da associação entre problemas de comportamento aos 11 anos, avaliados pelo responsável, e utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas aos 15 anos. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

Experimentação de álcool Consumo de álcool nos últimos 30 dias Consumo abusivo de álcool Experimentação de tabaco Fumo nos últimos 30 dias Experimentação de drogas ilícitas
PCE
RR bruto 1,11 (0,99; 1,23) 1,26 (1,02; 1,56) 1,78 (1,20; 2,63) 1,69 (1,31; 2,20) 2,42 (1,58; 3,70) 1,23 (0,44; 3,42)
RR ajustado 0,99 (0,89; 1,10) 1,11 (0,91; 1,37) 1,74 (1,21; 2,50) 1,78 (1,42; 2,23) 2,38 (1,64; 3,45) 1,42 (0,61; 3,32)
PCI
RR bruto 1,05 (0,94; 1,16) 0,98 (0,77; 1,23) 0,95 (0,58; 1,56) 1,48 (1,14; 1,93) 1,75 (1,10; 2,79) 1,05 (0,38; 2,93)
RR ajustado 0,96 (0,87; 1,07) 0,94 (0,76; 1,16) 0,99 (0,64; 1,52) 1,54 (1,22; 1,93) 1,92 (1,31; 2,83) 1,22 (0,52; 2,87)
PCEI
RR bruto 0,72 (0,55; 0,93) 0,94 (0,63; 1,42) 1,69 (0,89; 3,21) 2,19 (1,54; 3,12) 2,81 (1,52; 5,21) 1,76 (0,43; 7,20)
RR ajustado 0,72 (0,55; 0,94) 0,89 (0,58; 1,38) 1,78 (0,94; 3,37) 2,24 (1,57; 3,21) 3,01 (1,63; 5,56) 1,80 (0,44; 7,36)

PCE: problemas de comportamento externalizantes, PCEI: problemas de comportamento externalizantes e internalizantes; PCI: problemas de comportamento internalizantes; RR: risco relativo.

Nota: modelo ajustado para renda familiar, escolaridade materna, idade materna, presença do parceiro/marido da mãe vivendo com a família, saúde mental materna, tabagismo materno e consumo de álcool pela mãe, sexo e cor da pele do adolescente.

Quando os problemas de comportamento foram avaliados pelo próprio adolescente, as associações entre PCE e consumo abusivo de álcool, experimentação de tabaco e seu uso nos últimos 30 dias se mantiveram, porém em menor magnitude. Para as associações entre PCI e experimentação e uso de tabaco nos últimos 30 dias e entre PCEI e o fumo recente, a magnitude do efeito foi mais forte, e, para a associação entre PCEI e experimentação de tabaco, a associação se manteve, porém mais fraca quando comparada à avaliação dos pais (Tabela 6).

Tabela 6 Análise bruta e ajustada da associação entre problemas de comportamento aos 11 anos, avaliado pelo adolescente, e utilização de álcool, tabaco e drogas ilícitas aos 15 anos. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1993. 

Experimentação de álcool Consumo de álcool nos últimos 30 dias Consumo abusivo de álcool Experimentação de tabaco Fumo nos últimos 30 dias Experimentação de drogas ilícitas
PCE
RR bruto 0,96 (0,84; 1,09) 1,19 (0,94; 1,52) 1,64 (1,06; 2,56) 1,12 (0,78; 1,60) 1,17 (0,60; 2,28) 0,69 (0,17; 2,84)
RR ajustado 0,97 (0,87; 1,09) 1,13 (0,91; 1,40) 1,73 (1,18; 2,53) 1,37 (1,05; 1,79) 1,87 (1,21; 2,86) 0,99 (0,36; 2,76)
PCI
RR bruto 0,93 (0,82; 1,05) 1,05 (0,84; 1,33) 0,67 (0,37; 1,22) 1,84 (1,44; 2,34) 2,51 (1,66; 3,80) 0,52 (0,13; 2,13)
RR ajustado 0,90 (0,81; 1,01) 0,99 (0,81; 1,22) 0,85 (0,54; 1,35) 1,84 (1,48; 2,27) 2,70 (1,89; 3,85) 0,77 (0,28; 2,14)
PCEI
RR bruto 0,90 (0,74; 1,08) 1,12 (0,81; 1,55) 1,27 (0,67; 2,43) 1,91 (1,35; 2,68) 3,33 (1,20; 5,55) 1,19 (0,29; 4,87)
RR ajustado 0,92 (0,76; 1,12) 1,03 (0,71; 1,49) 1,52 (0,80; 2,88) 2,06 (1,45; 2,92) 3,81 (2,29; 6,32) 1,34 (0,33; 5,48)

PCE: problemas de comportamento externalizantes, PCEI: problemas de comportamento externalizantes e internalizantes; PCI: problemas de comportamento internalizantes; RR: risco relativo.

Nota: modelo ajustado para renda familiar, escolaridade materna, idade materna, presença do parceiro/marido mãe vivendo com a família, saúde mental materna, tabagismo materno e consumo de álcool pela mãe, sexo e cor da pele do adolescente.

Discussão

Este estudo mostrou que considerável proporção de adolescentes havia experimentado algumas substâncias, especialmente bebidas alcoólicas, aos 15 anos, sendo que cerca de um quinto deles a consumiu nos últimos 30 dias da entrevista. O uso abusivo de bebidas alcoólicas, experimentação e uso recente de tabaco foram maiores nos adolescentes com PCE, no entanto, aqueles com PCI também apresentaram maior risco para experimentação e uso recente de tabaco. A presença de ambos os problemas de comportamento (PCEI) conferiu risco aumentado para a experimentação e o uso recente de tabaco, porém associação inversa foi observada para a experimentação de bebidas alcoólicas.

Os resultados deste estudo não diferiram dos de pesquisas realizadas em países de alta renda, que mostram que os PCE na adolescência estão associados ao maior consumo de bebidas alcoólicas 12,13,14 e tabaco 13,14 nessa fase da vida. Independentemente do nível de desenvolvimento do país, o acesso menos ou mais facilitado para o uso de substâncias tem afetado em algum nível os adolescentes 2,21. As explicações indicam que consumi-las faz parte do desejo contínuo dos adolescentes de quebrar regras sociais e se identificar com alguém ou um grupo que apresenta comportamento semelhante 16,18. Outros estudos sugerem que a associação entre os PCE e uso de algumas substâncias podem ser explicados por mecanismos fisiopatológicos, psicopatológicos, ambientais ou genéticos, que podem estar atuando individualmente ou concomitantemente 18,29,30,31,32,33. Embora a utilização de substâncias investigadas, bem como a prevalência dos PCE e PCI apresentem diferenças em relação ao sexo, neste estudo, não foi observada diferença na associação entre problemas de comportamento e uso de substâncias entre meninos e meninas.

Estudos que avaliam a relação entre PCI e uso de substâncias entre adolescentes apresentam resultados divergentes, não mostrando nenhuma associação ou mostrando tanto associações positivas quanto negativas 12,13,14,15. Uma possível explicação para esse achado é a ocorrência de modificação de efeito dos PCE na relação entre os PCI e uso de substâncias 20,34. Neste estudo, observou-se que os PCI estiveram associados à experimentação e uso recente de tabaco, porém, esse efeito foi potencializado quando os PCE estavam também presentes. Acredita-se que parte dessa associação observada para tabaco, mas não para as demais substâncias, possa ter relação com a alta prevalência no uso de tabaco na região onde este estudo foi realizado 35, sendo o fumo, portanto, ainda um comportamento socialmente aceito localmente, inclusive entre adolescentes 36. O consumo de tabaco, especialmente, não requer a presença de um grupo ou a utilização em espaços de lazer, favorecendo que o estado de atenção e a sensação de bem-estar 37 possam ocorrer em mais locais e momentos (caminhadas, na frente do trabalho ou escola) do que o consumo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas.

Na adolescência, é frequente a presença de PCEI, e a forte influência dos PCE no uso de substâncias pode obscurecer o efeito único dos PCI no uso delas nessa fase da vida 34. PCE, portanto, podem atuar como moderadores da relação entre os PCI e o uso de substâncias 34. Neste estudo, encontrou-se aumento no risco para consumo de tabaco entre os adolescentes com PCEI, mas, para o uso bebidas alcoólicas, uma relação inversa foi observada quando o adolescente apresentava PCEI. Colder et al. 19 testaram essa relação entre PCI e PCE e observaram, entre adolescentes norte-americanos - aos 11-12 anos e aos 18-19 anos -, que maiores escores de PCI aumentavam a probabilidade de consumo de bebidas alcoólicas, no entanto, quando os adolescentes tinham também PCE, esse efeito se tornava protetor 19. Outro estudo longitudinal que testou a interação entre os PCI e PCE no início da adolescência (11-12 anos) e o uso de bebidas alcoólicas e drogas (cigarro, maconha e outras drogas ilícitas) aos 13-14 anos encontrou que os adolescentes com altos níveis de PCE e PCI tinham um efeito protetor para o uso dessas substâncias 38. Estudos que avaliaram a via de mediação desse efeito protetor dos PCI no uso de álcool, quando ocorrendo concomitantemente com os PCE, sugerem que esse problema reduz o envolvimento social do adolescente com amigos que tenham comportamentos considerados desviantes, ou seja, aqueles que poderiam facilitar o acesso às substâncias e incentivá-lo a usá-las 38.

Alguns pontos positivos e limitações do presente estudo merecem destaque. Um ponto positivo é o fato de ser um estudo longitudinal, permitindo examinar a relação prospectiva entre os PCE, PCI e PCEI aos 11 anos e o uso de substâncias aos 15 anos. Para evitar causalidade reversa, os adolescentes que haviam experimentado bebidas alcoólicas e tabaco até os 11 anos foram excluídos das análises. As informações sobre o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas foram coletadas por meio de um questionário anônimo autoaplicado, o que pode ter reduzido a subestimação da incidência de uso dessas substâncias. A aplicação do instrumento de avaliação dos problemas de comportamento ao responsável, no entanto, pode ter subestimado a prevalência dos PCI e superestimado os PCE, e a relação entre os problemas de comportamento e o uso de substâncias pode diferir dependendo do informante (quem responde ao questionário) 12. Foram realizadas, portanto, análises suplementares com as informações do SDQ respondidas pelos adolescentes aos 11 anos, as quais mostraram redução do efeito observado para os PCE e leve aumento na magnitude dos efeitos para os PCI quando comparados aos resultados obtidos na avaliação do responsável.

Este estudo mostrou que, além dos PCE, os PCI também estiveram associados à experimentação e ao uso recente de tabaco, porém não com as demais substâncias avaliadas, e a presença de PCEI apresentou um risco mais elevado para o consumo de tabaco. Intervenções destinadas à identificação precoce de adolescentes com problemas de comportamento, que atuem na promoção da consciência sobre as consequências à saúde do consumo de substâncias, poderão minimizar os riscos nessa fase da vida.

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