versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.3 São Paulo mar. 2014 Epub 10-Fev-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140004
Procedimentos cardiovasculares minimamente invasivos têm sido progressivamente empregados no tratamento das cardiopatias.
Descrever as técnicas e os resultados imediatos dos procedimentos minimamente invasivos ao longo de uma experiência de 5 anos.
Estudo unicêntrico, descritivo e prospectivo, com abordagem quantitativa, no qual 102 pacientes foram submetidos a procedimentos minimamente invasivos de forma direta e de forma videoassistida. Foram avaliadas variáveis clínicas, operatórias e evolução imediata dos pacientes operados.
Quatorze pacientes foram submetidos a procedimentos minimamente invasivos diretos e 88 a videoassistidos. Entre os submetidos a procedimentos minimamente invasivos diretos, 13 tinham cardiopatia valvar aórtica. Entre os submetidos a procedimentos minimamente invasivos videoassistidos, 43 tinham cardiopatia valvar mitral, 41 defeito do septo interatrial e quatro tumores. Entre os portadores de cardiopatia valvar mitral, foram realizadas 26 trocas e 17 reconstruções valvares. As médias de tempo de clampeamento aórtico, de extracorpórea e do procedimento foram, respectivamente, 91,6 ± 21,8, 112,7 ± 27,9 e 247,1 ± 20,3 minutos entre os submetidos a procedimentos minimamente invasivos diretos. Já entre os submetidos a procedimentos minimamente invasivos videoassistidos, foram 71,6 ± 29, 99,7 ± 32,6 e 226,1 ± 42,7 minutos, respectivamente. Considerando os tempos de terapia intensiva e de internamento, foram 41,1 ± 14,7 horas e 4,6 ± 2 dias entre os submetidos a procedimentos minimamente invasivos diretos e 36,8 ± 16,3 horas e 4,3 ± 1,9 dias entre os videoassistidos.
Procedimentos minimamente invasivos foram empregados de duas formas - direta e videoassistida - com segurança no tratamento das cardiopatias valvares, do defeito do septo interatrial e das neoplasias do coração. Constatamos tempos maiores das variáveis operatórias nesses procedimentos. Contudo, a recuperação na fase hospitalar foi rápida, independentemente do acesso e da doença tratada.
Palavras-Chave: Cardiopatias; Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos; Cirurgia videoassistida
Minimally invasive cardiovascular procedures have been progressively used in heart surgery.
To describe the techniques and immediate results of minimally invasive procedures in 5 years.
Prospective and descriptive study in which 102 patients were submitted to minimally invasive procedures in direct and video-assisted forms. Clinical and surgical variables were evaluated as well as the in hospital follow-up of the patients.
Fourteen patients were operated through the direct form and 88 through the video-assisted form. Between minimally invasive procedures in direct form, 13 had aortic valve disease. Between minimally invasive procedures in video-assisted forms, 43 had mitral valve disease, 41 atrial septal defect and four tumors. In relation to mitral valve disease, we replaced 26 and reconstructed 17 valves. Aortic clamp, extracorporeal and procedure times were, respectively, 91,6 ± 21,8, 112,7 ± 27,9 e 247,1 ± 20,3 minutes in minimally invasive procedures in direct form. Between minimally invasive procedures in video-assisted forms, 71,6 ± 29, 99,7 ± 32,6 e 226,1 ± 42,7 minutes. Considering intensive care and hospitalization times, these were 41,1 ± 14,7 hours and 4,6 ± 2 days in minimally invasive procedures in direct and 36,8 ± 16,3 hours and 4,3 ± 1,9 days in minimally invasive procedures in video-assisted forms procedures.
Minimally invasive procedures were used in two forms - direct and video-assisted - with safety in the surgical treatment of video-assisted, atrial septal defect and tumors of the heart. These procedures seem to result in longer surgical variables. However, hospital recuperation was faster, independent of the access or pathology.
Key words: Heart Diseases; Surgical Procedures, Minimally Invasive; Video-Assisted Surgery
A reconfiguração da cirurgia trata de um processo por meio do qual essa especialidade médica incorporou os avanços técnicos e passou a ser praticada ao longo dos últimos anos1. Esses avanços foram importantes para tornar os procedimentos cirúrgicos mais seguros para os pacientes. Nesse contexto, procedimentos ditos Minimamente Invasivos (MI) têm sido alternativamente introduzidos em cirurgia cardíaca2.
Com o intuito de universalizar o acesso em procedimentos cirúrgicos cardiovasculares, a partir do início da década de 19603, os cirurgiões adotaram a esternotomia mediana total como incisão preferencial, em detrimento das toracotomias iniciais4. Com a esternotomia, permitiu-se o acesso a todas as superfícies, compartimentos e grandes vasos do coração, com canulações centrais. Esse acesso, que comunica amplamente o mediastino médio com o ambiente operatório, trouxe conforto para o cirurgião. Entretanto, possivelmente pelo fato da ampla abertura e também pela divisão óssea inerente, tem sido considerado um estigma para os pacientes a serem operados.
A partir de 1997, com incentivo do trabalho previamente publicado por Laborde e cols.5, ficou clara a necessidade de envolvimento técnico para o desenvolvimento de uma experiência inicial em procedimentos videocirúrgicos6. Dando sequência, em 1999, foi elaborado um projeto com foco em videocirurgia experimental que, por dificuldades estruturais, não seguiu adiante. Somente a partir de 2006 é que o time passou a desenvolver fortes ações focadas em cirurgia MI, com base na experiência inicial de outros autores7 , 8. Nessa fase, foram necessários intensa capacitação e treinamento complementares; os primeiros procedimentos foram realizados a partir do final de 2007. O fato é que o processo para atingir o método hoje empregado foi progressivo e graduado.
Este trabalho teve como objetivo descrever a metodologia utilizada e os resultados imediatos obtidos ao longo de 5 anos de experiência em um total de 102 pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos cardiovasculares MI.
No período compreendido entre dezembro de 2007 e dezembro de 2012, 102 pacientes foram submetidos, após consentimento informado, a procedimentos MI. Esse estudo unicêntrico, descritivo, prospectivo, com abordagem quantitativa, avaliou as variáveis clínicas e operatórias, além da evolução imediata na fase hospitalar dos pacientes operados, tendo sido aprovado pelo comitê de ética da Universidade de Fortaleza.
Foram selecionados pacientes sintomáticos portadores de cardiopatias valvares mitral, aórtica e tricúspide, portadores de defeito do septo e portadores de tumor cardíaco que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos, com recomendação da terapêutica fundamentada nas diretrizes das sociedades de cardiologia9.
Os critérios de exclusão foram: idade superior a 70 anos; índice de massa corpórea > 32 kg/m2; serem portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (VEF1/CVF < 0,7); pacientes submetidos à cirurgia cardíaca prévia; portadores de insuficiência renal; pacientes com procedimento cirúrgico na cavidade pleural direita prévia ou doença inflamatória pulmonar com aderências pleuro-pulmonares significantes; pacientes com deformidades torácicas e com calcificação difusa da aorta ascendente; pacientes com calcificação importante do anel valvar, pressão sistólica em artéria pulmonar > 80 mmHg, doença arterial coronariana associada não suscetível a implante de endoprótese coronariana (stent), insuficiência tricúspide grave, calcificação de artérias ilíacas ou femorais, artérias femorais de diâmetro < 5 mm e dúvida na punção direta do vaso femoral; pacientes com cardiopatia valvar mitral ou defeito septal com insuficiência aórtica moderada ou grave associada; e pacientes que, em algum momento, decidissem não participar do estudo.
Todos os procedimentos foram realizados de forma MI. Estes foram categorizados em dois níveis:
MI Direto (D): procedimento realizado por meio de uma incisão < 8 cm e com uso preferencial da visão direta;
MI Videoassistido (VA): procedimento realizado por meio de quatro portais; portal ou incisão para trabalho (4 cm) e três portais auxiliares (0,5 cm), com uso preferencial da visão da imagem obtida pela ótica e em monitor.
Foram submetidos a esse tipo de acesso cirúrgico os portadores de cardiopatia valvar aórtica, cardiopatia valvar pulmonar, cardiopatia subvalvar aórtica, procedimentos na raiz aórtica e defeito septal do tipo seio venoso.
O paciente foi posicionado em decúbito dorsal; foram realizadas punções venosa e arterial periférica no membro superior esquerdo. Foi realizada a indução anestésica, e o paciente foi intubado com sonda endotraqueal usual. Foi posicionada a sonda esofágica de ecocardiógrafo. A punção venosa central foi realizada na veia subclávia direita; placas descartáveis para cardioversão externa foram posicionadas, e a sonda vesical foi introduzida.
O acesso foi realizado por meio de uma incisão de aproximadamente 6 cm de comprimento. A divisão esternal foi parcial, desde a incisura jugular até o terceiro espaço intercostal direito (Figura 1). A serra óssea foi mantida na mesa operatória durante todo procedimento.
O pericárdio foi parcialmente aberto e fixado aos campos, oferecendo amplo acesso ao mediastino superior.
Após administração de heparina na dose de 4 mg/kg, o suporte circulatório foi estabelecido por meio da canulação arterial na aorta ascendente e da canulação venosa no trígono femoral direito, por punção da veia femoral. A oclusão aórtica foi realizada diretamente na aorta ascendente por meio de pinça articulada. A proteção miocárdica foi obtida com solução cristaloide gelada rica em potássio. O campo operatório foi permeado com a infusão contínua de CO2 a 2 L/min. Quando necessário, um aspirador foi introduzido na veia pulmonar superior esquerda para aspirar o sangue oriundo do retorno venoso pulmonar.
O procedimento foi realizado preferencialmente sob visão direta, com o uso do vídeo apenas para clarificar qualquer dúvida e para auxiliar a drenagem mediastinal.
Foram submetidas a procedimento videocirúrgico com esse tipo de acesso as intervenções intra-atriais esquerdas e direitas - ou seja: plastia e troca valvar, fechamento de defeito septal atrial, retirada de tumor cardíaco, e ablação de arritmia; todos por videotoracoscopia.
O preparo inicial do paciente para esse tipo de acesso foi semelhante ao descrito para a forma MI direta. A única modificação foi o posicionamento do paciente. Um pequeno coxim subescapular direito deslocava entre 15 e 30º o decúbito dorsal do paciente para a esquerda.
O acesso era realizado por meio de quatro portais intercostais. O portal ou incisão de trabalho de 4 cm (sempre maximizado com afastador de tecidos moles ALEXIS®) e três portais auxiliares de 0,5 cm (Figura 2). O local da incisão de trabalho variou conforme o sexo do paciente e a câmara cardíaca a ser abordada, porém sempre direcionada para o quarto espaço intercostal direito.
Figura 2 Desenho descritivo do procedimento minimamente invasivo videoassistido intra-atrial direito.
Nos homens, a incisão era subareolar10 e direcionada ao espaço intercostal por meio do músculo peitoral maior (transpeitoral). Nas mulheres, a incisão era realizada no sulco inframamário e direcionada ao espaço de forma subpeitoral.
Para procedimentos intra-atriais esquerdos, a incisão na pele era localizada entre a linha mamária e linha axilar anterior direita; para procedimentos intra-atriais direitos, o ponto médio da incisão era a linha mamária.
O suporte circulatório foi estabelecido por meio da canulação arterial e venosa, periféricas, no trígono femoral direito. Ambas as cânulas foram introduzidas por punção dos vasos sob visão direta, entre bolsas de polipropileno 6.0, com agulha de punção, fio guia, dilatadores e com a introdução e o correto posicionamento das cânulas confirmado por imagem obtida pelo ecocardiograma.
A seleção da cânula arterial foi baseada em duas variáveis: o diâmetro interno pré-operatório da arterial femoral direita e a superfície corpórea do paciente.
Por meio dos três portais auxiliares de 0,5 cm situados à frente da linha axilar média direita, foram introduzidos: pinça transtorácica para oclusão aórtica no segundo espaço, ótica de 0,5 cm no quarto ou quinto espaço e aspirador/insuflador de CO2 no sétimo espaço.
O campo operatório foi permeado com a infusão contínua de CO2 a 2 L/min.
A pericardiotomia era realizada desde a aorta até a veia cava inferior, sendo o pericárdio fixado com três pontos inferiores, exteriorizados pelos portais auxiliares, e dois pontos superiores, fixados internamente na parede torácica.
A oclusão da aorta ascendente foi realizada com a pinça transtorácica. A proteção miocárdica foi obtida com solução cristaloide gelada rica em potássio, administrada por punção aórtica com longa agulha, por meio da incisão para trabalho.
Para os procedimentos no átrio esquerdo, era introduzido o afastador específico. Para procedimentos no átrio direito, a exposição era obtida com pontos na parede do átrio, fixados no pericárdio.
Entre os 102 pacientes, 64 (62,75%) eram mulheres. Os pacientes submetidos à terapêutica cirúrgica de forma MI D (n = 14) apresentavam as seguintes doenças: cardiopatia valvar aórtica (n = 13), defeito do septo tipo seio venoso (n = 1). Os de forma MI VA (n = 88) apresentaram: cardiopatia valvar mitral (n = 43, sendo estenose - n = 18, insuficiência - n = 17 e mista - n = 8); defeito do septo (n = 41, sendo óstio secundário - n = 37, óstio primário - n = 1 e forame oval permeável - n = 3); tumor cardíaco (n = 4) (Tabela 1).
Tabela 1 Variáveis clínicas
Variável clinica | MI D | MI VA | Total |
(n = 14) | (n = 88) | (n = 102) | |
Idade (a) | 39,7 ± 15,8 | 37,2 ± 12,5 | 37,6 ± 13 |
Sexo (M/F) | 9/5 | 29/59 | 38/64 |
CV aórtica | 13 | - | 13 |
Defeito do septo | 1 | 41 | 42 |
CV mitral | - | 43 | 43 |
Tumor | - | 4 | 4 |
MI D: minimamente invasivo direto; MI VA: minimamente invasivo videoassistido; M: masculino; F: feminino; CV: cardiopatia valvar.
Os procedimentos dos pacientes submetidos à terapêutica MI D incluíram troca valvar aórtica (n = 11), reconstrução valvar (n = 1), troca valvar com ampliação do anel (n = 1) e septoplastia com redirecionamento de fluxo pulmonar (n = 1).
Os procedimentos dos 88 pacientes submetidos à terapêutica MI VA incluíram reconstrução valvar (n = 17), troca valvar (n = 26), septorrrafia (n = 22), septoplastia com pericárdio (n = 19), exérese de tumor (n = 4).
No grupo de pacientes MI VA, vale ressaltar que as reconstruções mitrais consistiram em cinco comissurotomias (associadas com papilarotomia em três casos), 11 ressecções parciais da cúspide com anuloplastias (anel semirrígido em sete casos e tira de pericárdio em quatro) e em um caso comissuroplastia com neocorda. Além dos procedimentos mitrais, foram feitos quatro isolamentos ultrassônicos das veias pulmonares.
As médias de tempo de clampeamento aórtico foram 91,6 ± 21,8 minutos no grupo MI D e 71,6 ± 29 minutos no grupo MI VA. As médias de tempo de circulação extracorpórea foram 112,7 ± 27,9 minutos no grupo MI D e 99,7 ± 32,6 minutos no grupo MI VA. Estas e outras variáveis temporais estão descritas na Tabela 2.
Tabela 2 Variáveis temporais
Variável | MI D | MI VA | Total |
(n = 14) | (n = 88) | (n = 102) | |
Clampeamento (min) | 91,6 ± 21,8 | 71,6 ± 29 | 74,4 ± 28,9 |
CEC (min) | 112,7 ± 27,9 | 99,6 ± 32,5 | 101,4 ± 32,2 |
Procedimento (min) | 247,1 ± 20,3 | 226,1 ± 42,7 | 228,1 ± 41,6 |
Extubados em sala (%) | - | 15 (17,04) | 15 (17,04) |
UTI (horas) | 41,1 ± 14,7 | 36,8 ± 16,3 | 37,3 ± 16,2 |
Internamento (dias) | 4,6 ± 2 | 4,3 ± 1,9 | 4,4 ± 1,9 |
MI D: minimamente invasivo direto; MI VA: minimamente invasivo videoassistido; CEC: circulação extracorpórea; UTI: unidade de terapia intensiva.
Houve um óbito hospitalar (0,98%), no grupo MI D. Houve dois novos episódios de fibrilação atrial que foram revertidos farmacologicamente. Houve uma drenagem pericárdica pós-operatória no grupo MI D e duas revisões de hemostasia no grupo MI VA. Uma paciente do grupo MI VA relatou parestesia transitória na coxa, sendo esta uma das primeiras pacientes da série. Um paciente apresentou pneumotórax, necessitando de redrenagem. Uma paciente, submetida à septoplastia, apresentou hipertensão pulmonar revertida com vasodilatador. Entre os pacientes submetidos a procedimento MI VA, 15 (17%) foram extubados em sala. O aspecto final dos portais em um paciente do grupo MI VA está demonstrado na Figura 3.
Um dos fundamentos dos procedimentos MI, independentemente da forma do acesso, consiste em um time equilibrado e bem capacitado. Suportando esse time, têm importância: conhecimento detalhado da anatomia de superfície e interna do tórax; seleção criteriosa dos pacientes; utilização de instrumental adequado; desenvolvimento de habilidades e competências em videocirurgia; além disso, são necessárias mudança conceitual e filosófica, e extrema determinação.
Na verdade, a cirurgia cardíaca brasileira, após uma experiência inicial, é mais uma das especialidades cirúrgicas que passa a incorporar, de uma forma mais definitiva, os procedimentos cirúrgicos MI. Hoje, já são realizadas a cirurgia valvar mitral e a correção dos defeitos do septo interatrial com a mesma segurança para o paciente, conforme demonstrado previamente11 - 15. Esse benefício pode ser estendido a outros procedimentos: retirada de tumores cardíacos, cirurgia para ablação, arritmias, procedimentos pericárdicos e dissecção de enxertos. Isso impulsionou nossa experiência, de forma que esses procedimentos videocirúrgicos representam 24% de nosso movimento cirúrgico.
O processo de incorporação dessa metodologia pelo nosso time permitiu delinear algumas prioridades, como consultas cardiológica cirúrgica, cardiológica clínica e pré anestésica, somadas à avaliação e orientação fisioterápica e de enfermagem. Além dos exames habituais necessários - hemograma, coagulograma, bioquímica, sumário de urina, eletrocardiograma e radiografia do tórax em posteroanterior e perfil - solicitamos, especificamente, ultrassonografia arterial com Doppler de aorta, ilíacas e femorais com quantificação do diâmetro interno desses vasos. A avaliação pré-operatória da circulação coronariana é realizada de forma bastante estratificada. Em pacientes sem fatores de risco maiores para doença isquêmica do miocárdio, preferimos uma avaliação da anatomia com angiotomografia das artérias coronárias, associada a um teste isquêmico provocativo, com cintilografia miocárdica ou teste ergométrico. Qualquer alteração, dúvida ou risco maior recomendou-se uma coronariografia invasiva via membro superior ou via femoral esquerda.
Alguns autores reportaram ampla experiência com esse tipo de procedimento16 - 19. Isso tem demonstrado que, em centros especializados, certas doenças podem ser preferencialmente abordadas por acessos MI. Toda essa experiência acumulada tem revelado que os benefícios compreendem maior proteção da área operada, menor incidência de sangramento, menor uso de hemocomponentes, melhor controle da dor, menor infecção, melhor cicatrização, menor tempo de internamento, recuperação e reabilitação mais rápida do paciente a suas atividades diárias. Os benefícios podem ser estendidos para os membros do time: menor contaminação, melhor compartilhamento do campo operatório e melhor qualidade de vida para o cirurgião, com menor número de visitas e com divisão das responsabilidades. Por outro lado, algumas desvantagens podem ser apontadas: acesso a dois espaços no tórax, canulação periférica, maior tempo do procedimento cirúrgico na curva de adaptação ao método, maior custo para formatação do programa e adaptação a instrumental específico.
Entre os pacientes operados, houve predomínio do sexo feminino. Na mulher submetida a procedimento MI VA, o portal para trabalho muito se assemelha à incisão para implante de prótese mamária. Nessa situação, a vantagem é o acesso subpeitoral, sem divisão muscular. Por outro lado, Poffo e cols.10 introduzem o acesso periareolar, o que maximiza o aspecto cosmético, porém implica em divisão de glândulas mamárias e muscular.
Nos procedimentos MI D prevaleceu a cardiopatia valvar aórtica. Uma abordagem MI já é amplamente empregada por outros, em que a substituição valvar aórtica é realizada por minitoracotomia anterior direita20. Fica a observação, nesses casos, da impossibilidade de compressão do coração na fase de reperfusão, por vezes necessária nos casos de hipertrofia miocárdica significante. Vejo assim uma limitação desse método, o que pode ter contribuído para o único óbito da série.
Já entre os procedimentos MI VA, predominaram os procedimentos mitrais e procedimentos para fechamento do defeito do septo interatrial.
Entre os mitrais, a troca valvar foi a mais comum. Entretanto, foram reconstruídas 17 valvas, o que representa 40% dos procedimentos videocirúrgicos mitrais. Esse percentual pode ser considerado baixo se analisarmos os índices para reconstrução valvar mitral na insuficiência severa de etiologia degenerativa21. Porém, considerando que a lesão valvar era insuficiência isolada em apenas 17 pacientes e que a etiologia inflamatória-reumática foi muito frequente, esse índice de reconstrução valvar videocirúrgica pode ser aceitável e comparável ao reportado na literatura por acesso transesternal22.
Considerando os procedimentos septais, houve um balanceamento entre os fechamentos por sutura e o fechamento com pericárdio. Nos fechamentos por sutura, modificamos nossa técnica inicial, que era de dupla sutura contínua para sutura com pontos separados em U, ancorados em almofadas de teflon. Outros autores também demonstraram bons resultados, com fechamento videocirúrgico do defeito septal23.
Finalmente, quatro tumores foram retirados com o acesso MI VA. O resultado histopatológico foi de mixoma em todos. Acreditamos que esse é um excelente acesso para tratar essa doença, inclusive para verificar, com detalhamento, o interior do ventrículo esquerdo. Essa impressão também é corroborada por outros autores20. Fica aqui registrada a atenção necessária aos tumores sésseis de átrio direito, quanto ao posicionamento da cânula proveniente da veia cava inferior e ao uso do vácuo, bem como a mixomas do tipo papilar ou viloso, que tendem a ser extremamente friáveis no átrio esquerdo e de alto risco emboligênico.
Considerando as variáveis temporais, percebemos que, apesar de longos tempos de clampeamento e de circulação extracorpórea, isso não repercutiu na evolução dos pacientes. Pelo contrário, houve uma rápida recuperação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e no internamento pós-operatório. Esses achados confirmam os resultados já publicados na literatura que compararam o acesso MI e o acesso por esternotomia2 , 15 , 24.
Nossa impressão é de que os cirurgiões cardiovasculares vivem, hoje, um momento de transformação na especialidade. As inovações e as modificações técnicas podem, progressivamente, ser incorporadas à prática cirúrgica, caso tornem o procedimento mais preciso e seguro.
Procedimentos minimamente invasivos foram empregados de duas formas - Direta e Videoassistida - com segurança no tratamento das cardiopatias valvares, do defeito do septo e das neoplasias do coração. Constatamos tempos maiores das variáveis operatórias nesses procedimentos. Contudo, a recuperação na fase hospitalar foi rápida, independentemente do acesso e da doença tratada. Em casos selecionados, essas formas de acesso poderão se tornar o método preferencial de abordagem cirúrgica.