versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.1 São Paulo 2019 Epub 25-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018237
Processamento auditivo central é o termo usado para descrever uma série de operações mentais que o indivíduo realiza ao lidar com informações recebidas via sentido da audição e que dependem de uma capacidade biológica inata, do processo de maturação e das experiências e estímulos no meio acústico(1).
Alterações neste processamento podem levar a prejuízos no desempenho acadêmico, atraso de linguagem, dificuldade para entender apropriadamente o que é dito e dificuldade de aprendizagem.
Nos últimos anos, houve crescente interesse em estudar as habilidades auditivas de crianças, pois existem evidências de que crianças que apresentam alterações nestas habilidades são mais suscetíveis a distúrbios de linguagem e aprendizagem(2-4).
A literatura tem ressaltado a importância de se considerar a influência de comorbidades relacionadas ao neurodesenvolvimento, bem como dos fatores cognitivos na avaliação comportamental do processamento auditivo central(5,6), porém salienta-se a necessidade de um consenso entre os pesquisadores com o intuito de melhorar a confiabilidade dos testes ou encontrar abordagens alternativas para que o diagnóstico deste transtorno não seja influenciado por estes fatores (6).
Na revisão de literatura, não foram encontrados estudos epidemiológicos que tenham avaliado as habilidades auditivas em escolares na faixa etária de seis e sete anos. Além disso, ainda não existe consenso quanto à bateria de testes comportamentais padronizados que devem ser utilizados na avaliação do processamento auditivo central nesta população.
Autores relatam dúvidas quanto à confiabilidade dos testes que avaliam estas habilidades, pois o desempenho na avaliação pode ser influenciado pela idade (7), experiência auditiva(8), ou pelas competências cognitivas necessárias para realização do processamento auditivo(9).
Considerando que as habilidades auditivas são fundamentais para compreensão da mensagem falada, fica evidente a necessidade de se conhecer o processamento auditivo central de crianças no início do processo de alfabetização, uma vez que a investigação e o acompanhamento das habilidades auditivas desta população podem auxiliar na escolha de condutas adequadas para eliminar ou minimizar alterações que possam interferir negativamente no processo de aprendizagem.
Sendo assim, os objetivos deste estudo foram: caracterizar e comparar o desempenho dos escolares das séries iniciais nos testes comportamentais utilizados para avaliação do processamento auditivo central nas etapas teste e reteste; e correlacionar as variáveis idade e gênero com os resultados dos testes.
Este foi um estudo do tipo coorte, analítico, observacional, longitudinal e prospectivo.
Este estudo foi desenvolvido na única escola da rede pública de ensino de uma cidade de pequeno porte do interior do Estado de São Paulo A avaliação audiológica e comportamental do processamento auditivo central foi realizada no anfiteatro da escola, após autorização da Secretaria da Educação do Município. Cabe ainda ressaltar que o local onde foram realizadas as avaliações era silencioso e que, durante os procedimentos, permaneciam no local apenas a avaliadora e a criança.
A amostra foi composta por 36 escolares e estes foram agrupados segundo a escolaridade em:
Grupo 1 (G1): composta por 13 escolares que frequentavam o 1º ano do ensino fundamental, com idade variando de seis anos e seis anos e nove meses (média de seis anos e dois meses). Sendo, quatro escolares do gênero masculino e nove do feminino.
Grupo 2 (G2): composta por 23 escolares que frequentavam o 2º ano do ensino fundamental com idade variando de seis anos e onze meses a sete anos e dez meses (média de sete anos e quatro meses). Sendo, oito escolares do gênero masculino e quinze do feminino.
Para a constituição da amostra, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, estar regularmente matriculado no primeiro ou segundo ano do ensino fundamental e avaliação audiológica dentro dos padrões de normalidade nas etapas teste e reteste. Como critérios de exclusão, considerou-se a presença de alterações neurológicas, cognitivas e comportamentais com base na análise das respostas do questionário (Anexo A) enviado para os pais e/ou responsáveis e das informações obtidas em entrevista com os professores.
Cabe ressaltar que, apesar da presença de indícios de que algumas crianças apresentavam alterações de fala e/ou linguagem/dificuldades escolares, optou-se por não analisar estas variáveis devido ao fato de que estas encontravam-se em processo de aquisição, os pais não observavam nenhum processo patológico que necessitasse de intervenção e o objetivo deste estudo era conhecer o processamento auditivo central de escolares da rede pública.
A realização da avaliação audiológica consistiu dos seguintes procedimentos: inspeção do meato acústico externo; imitanciometria, audiometria tonal liminar; e avaliação comportamental do processamento auditivo central.
A avaliação audiológica foi realizada com o uso do audiômetro AC-33 da Interacoustics, com fones TDH-39 e calibrado de acordo com normas ANSI-69. Para avaliação do processamento auditivo central, foram utilizados compact discs (CDs) contendo os testes gravados, e estes foram apresentados por meio de um DVD player acoplado ao audiômetro. O equipamento utilizado para a realização da timpanometria foi o imitanciômetro AT-235 da Interacoustics, com tom sonda de 226 Hz.
Como critério de normalidade para a avaliação audiológica em ambas as etapas, teste e reteste, consideraram-se: limiares audiométricos iguais ou inferiores a 20 dBNA nas frequências de 250Hz a 8 kHz (padrão ANSI 69) bilateralmente, curva timpanométrica do tipo A bilateralmente e presença de reflexos acústicos ipsilaterais e contralaterais, nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz(10).
Para avaliação do processamento auditivo central, aplicaram-se os seguintes testes comportamentais: Localização Sonora, Memória Sequencial para Sons Verbais e não Verbais; Teste Dicótico de Dígitos (TDD), Teste de Logoaudiometria Pediátrica (PSI) com mensagem competitiva ipsilateral e o Randon Gap Detection Test (RGDT). A aplicação de cada teste e a análise dos resultados foi de acordo com a proposta da literatura especializada(11,12).
Considerando a faixa etária dos escolares avaliados, a análise da avaliação do processamento auditivo central baseou-se na descrição e no número de habilidades auditivas alteradas, uma vez que os escolares encontram-se em fase de desenvolvimento das habilidades auditivas e não existe consenso quanto à realização da avaliação e/ou diagnóstico em crianças com idade inferior a sete anos(13).
Na segunda etapa do estudo, denominada “reteste”, os participantes foram reavaliados após um período de seis meses, no início do segundo semestre letivo, nos meses de agosto e setembro. Cabe ressaltar que nenhum escolar apresentou alteração na avaliação audiológica no reteste; e, desta forma, aplicou-se a avaliação comportamental do PAC em todos os participantes da etapa teste.
O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o protocolo de aprovação nº 957.964 e conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/2012. Anteriormente ao início das avaliações, os responsáveis legais pelos participantes selecionados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Na análise estatística, utilizou-se a Correlação de Spearman para verificar o grau de relacionamento entre as variáveis idade e gênero e os testes comportamentais de processamento auditivo central. Para comparar os resultados da avaliação do processamento auditivo central obtidos nas etapas teste e reteste, aplicou-se o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon. Os coeficientes de correlação foram classificados segundo sua magnitude em: fraca (< 0,4), moderada (≥ 0,4 a < 0,5) e forte (≥ 0,5) e adotou-se o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).
A análise dos testes comportamentais do processamento auditivo central aplicados nos escolares das séries iniciais, na etapa teste, mostrou que o teste com maior prevalência de alteração, em ambos os grupos, foi o teste Dicótico de Dígitos. Com relação ao RGDT, os escolares de ambos os grupos apresentaram dificuldade em compreendê-lo. No G1, nenhum escolar conseguiu realizá-lo e, no G2, apenas alguns escolares conseguiram realizá-lo. O único teste que não se mostrou alterado, em ambos os grupos, foi o teste de localização sonora ( Figuras 1 e 2 ).
Na etapa reteste, observou-se que os escolares, de ambos os grupos, apresentaram melhora no desempenho no teste Dicótico de Dígitos, porém esta habilidade se manteve alterada principalmente nos escolares do G1. Com relação ao RGDT, observou-se que os escolares do G2 apresentaram um maior índice de alteração, porém vale ressaltar que este teste não foi aplicado na maioria dos escolares do G1 por estes não o compreenderem ( Figuras 1 e 2 ).
Ao comparar o desempenho dos escolares nos testes comportamentais do processamento auditivo central nas etapas teste e reteste, observou-se que, na etapa teste, o número médio de testes alterados foi de 2,00 e, na etapa reteste, foi de 1,61, ou seja, houve uma melhora no desempenho dos escolares na etapa reteste e esta foi estatisticamente significante.
Em relação à análise do desempenho do escolar, em cada um dos testes aplicados, observou-se uma melhora no desempenho na etapa reteste, porém foi estatisticamente significante apenas nos testes de localização sonora, dicótico de dígitos em ambas as orelhas e RGDT ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Comparação do desempenho dos escolares do G1 e do G2, nas etapas teste e reteste, na avaliação comportamental do processamento auditivo central
Testes | Etapa | n | Média | Desvio padrão | Mínimo | Máximo | Sig. (p) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Localização Sonora | Teste | 36 | 4,89 | 0,32 | 4,00 | 5,00 | 0,046 * |
Reteste | 5,00 | 0,00 | 5,00 | 5,00 | |||
Memória Sequencial para sons verbais | Teste | 36 | 2,67 | 0,79 | 0,00 | 3,00 | 0,271 |
Reteste | 2,78 | 0,59 | 0,00 | 3,00 | |||
Memória Sequencial para sons não verbais | Teste | 34 | 2,41 | 0,89 | 0,00 | 3,00 | 0,248 |
Reteste | 2,47 | 0,77 | 0,00 | 3,00 | |||
Dicótico de Dígitos acertos OD (%) | Teste | 36 | 72,78 | 18,47 | 27,50 | 97,50 | < 0,001* |
Reteste | 90,63 | 9,01 | 67,50 | 100,00 | |||
Dicótico de Dígitos acertos OE (%) | Teste | 36 | 70,83 | 16,21 | 35,00 | 97,50 | < 0,001* |
Reteste | 82,29 | 16,63 | 32,50 | 100,00 | |||
Logoaudiometria Pediátrica OD S/R= -15dB |
Teste | 32 | 80,31 | 10,62 | 60,00 | 100,00 | 0,340 |
Reteste | 82,00 | 10,79 | 60,00 | 100,00 | |||
Logoaudiometria Pediátrica OE S/R= -15dB |
Teste | 32 | 75,00 | 11,07 | 60,00 | 100,00 | 0,050 |
Reteste | 80,29 | 11,50 | 60,00 | 100,00 | |||
Randon Gap Detection Test (Média Escore Final) | Teste | 15 | 16,82 | 7,48 | 5,50 | 28,75 | 0,001* |
Reteste | 9,14 | 4,84 | 3,50 | 22,50 |
*Relação estatisticamente significante
Legenda: OD = orelha direita; OE = orelha esquerda; S/R = Relação Sinal/Ruído; p = nível de significância; n = número de escolares
Na correlação entre os testes comportamentais de processamento auditivo central e as variáveis idade e gênero, observou-se correlação positiva moderada significante entre a idade e o resultado do teste dicótico de dígitos na orelha esquerda na etapa teste e correlação positiva fraca significante no reteste ( Tabelas 2 e 3 ).
Tabela 2 Correlação entre os testes comportamentais do processamento auditivo central e a variável idade na etapa teste e reteste
Testes | Etapa Teste | Etapa Reteste | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | r | p | n | r | p | ||
Localização Sonora | 36 | -0,162 | 0,345 | 36 | — | — | |
Memória Sequencial para sons verbais | 36 | -0,22 | 0,198 | 36 | -0,177 | 0,301 | |
Memória Sequencial para sons não verbais | 34 | 0,223 | 0,205 | 36 | 0,108 | 0,529 | |
Dicótico de Dígitos acertos OD (%) | 36 | 0,272 | 0,108 | 36 | 0,188 | 0,273 | |
Dicótico de Dígitos acertos OE (%) | 36 | 0,467 | 0,004* | 36 | 0,364 | 0,029* | |
Logoaudiometria Pediátrica OD S/R= -15dB | 32 | 0,036 | 0,845 | 35 | 0,264 | 0,125 | |
Logoaudiometria Pediátrica OE S/R= -15dB | 32 | -0,141 | 0,441 | 35 | -0,037 | 0,831 | |
Randon Gap Detection Test (Média Escore Final) | 15 | -0,204 | 0,467 | 22 | -0,193 | 0,388 |
*Relação estatisticamente significante
Legenda: OD = orelha direita; OE = orelha esquerda; p = nível de significância; S/R= Relação Sinal/Ruído = Sinal; r = coeficiente de correlação; n = número de escolares
Tabela 3 Correlação entre os testes comportamentais do processamento auditivo central e a variável gênero na etapa teste e reteste
Testes | Etapa Teste | Etapa Reteste | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | r | p | n | r | p | ||
Localização Sonora | 36 | -0,063 | 0,717 | 36 | — | — | |
Memória Sequencial para sons verbais | 36 | 0,095 | 0,583 | 36 | -0,009 | 0,96 | |
Memória Sequencial para sons não verbais | 34 | 0,221 | 0,21 | 36 | 0,072 | 0,676 | |
Dicótico de Dígitos acertos OD (%) | 36 | 0,156 | 0,363 | 36 | 0,284 | 0,094 | |
Dicótico de Dígitos acertos OE (%) | 36 | -0,045 | 0,792 | 36 | 0,208 | 0,223 | |
Logoaudiometria Pediátrica OD S/R= -15dB | 32 | 0,146 | 0,425 | 35 | -0,059 | 0,736 | |
Logoaudiometria Pediátrica OE S/R= -15dB | 32 | 0,007 | 0,968 | 35 | -0,034 | 0,845 | |
Randon Gap Detection (Média Escore Final) | 15 | -0,158 | 0,575 | 22 | 0,097 | 0,668 |
Legenda: OD = orelha direita; OE = orelha esquerda; p = nível de significância; S/R: S = Sinal; R = Ruído; r = coeficiente de correlação; n = número de escolares
As crianças, ao ingressarem na escola, estão susceptíveis a novas aprendizagens acadêmicas e a convívio social diferentes das vivências acústicas propiciadas no contexto familiar.
Mudanças morfológicas no cérebro, dependentes da idade, determinam em larga escala a habilidade da criança em desempenhar certas atividades auditivas. Estruturas do sistema nervoso central, embora presentes e em funcionamento ao nascimento continuam a formar novas conexões sinápticas e a aumentar a eficiência até a adolescência e, possivelmente, até o início da idade adulta (14).
A comparação dos testes comportamentais utilizados na avaliação do processamento auditivo central de escolares das séries iniciais, em ambas as etapas, mostrou que o teste com maior prevalência de alteração foi o dicótico de dígitos. Além disso, merece ênfase a dificuldade de compreensão do RGDT, principalmente nas crianças mais novas, o que inviabilizou a aplicação do teste na maioria destas crianças.
A correlação destes achados com a literatura ficou prejudicada, uma vez que os estudos epidemiológicos enfocando o perfil de processamento auditivo central nesta faixa etária são escassos. A maioria dos estudos realizados tem por objetivo diferenciar o processamento auditivo central de crianças com ou sem a presença de outras patologias associadas.
Em consonância com estes resultados, autores confirmaram que os testes com maior número de resultados alterados na avaliação comportamental foram os que avaliaram o processamento temporal e a escuta dicótica(15,16). A autora afirmou que testes para avaliar o mecanismo de escuta dicótica, teste dicótico de dígitos e de processamento temporal são reconhecidos como ferramentas importantes para definir alterações de processamento auditivo central(17).
Em um estudo realizado com crianças, nascidas a termo e pré-termo, com idade entre quatro e sete anos, os autores aplicaram uma bateria de testes para avaliação do processamento auditivo central composta por: ASPA, fala com ruído branco, PSI e dicótico de dígitos. Nas crianças pré-termo, as habilidades de ordenação temporal, fechamento auditivo e figura-fundo para sons verbais foram as mais prejudicadas e, nas crianças a termo, as habilidades mais alteradas foram as de figura-fundo e fechamento auditivo(18). Em outro estudo, foi acrescentado o SSW (Stanggered Spondaic Words - versão português) na bateria de testes o objetivo do estudo foi avaliar o processamento auditivo central de crianças entre cinco e sete anos com e sem desvio fonológico; os autores observaram que as habilidades auditivas de figura-fundo com associação auditivo-visual e de fechamento auditivo não foram sensíveis para diferenciar os grupos(19).
Com relação à aplicação do RGDT, existem controvérsias na literatura, um dos estudos verificou que mais de 80% das crianças na faixa etária de cinco e seis anos apresentaram resultados alterados e sugeriu que ele não deve ser administrado em crianças com idade inferior a sete anos devido ao fato de outras capacidades reduzidas influenciaram seu desempenho, dentre elas a atenção(18). Em contrapartida, autores relataram a viabilidade da aplicação deste teste em crianças com idade inferior a sete anos(20,21).
Na população deste estudo, a análise dos resultados do teste dicótico de dígitos e do RGDT permite inferir que as habilidades auditivas que se mostraram mais alteradas foram as de figura-fundo para sons linguísticos e de resolução temporal. A literatura relata que déficits nestas habilidades podem interferir no processamento adequado das informações e, em consequência, afetar o desenvolvimento normal do escolar(22).
Desta forma, pode-se afirmar que o teste dicótico de dígitos foi o teste mais sensível para detectar alterações de processamento auditivo central nesta faixa etária e se mostrou o mais indicado para rastreio de crianças que devem ser encaminhadas para avaliação completa.
Verificou-se, também, melhora estatisticamente significante no desempenho das habilidades auditivas de localização sonora, figura-fundo para sons linguísticos e de resolução temporal, após seis meses, que pode ser justificada tanto pela influência do processo desenvolvimental como também pela plasticidade relacionada à aprendizagem(23).
Todos os escolares, de ambos os grupos, não apresentaram alteração no teste de localização sonora, tanto na etapa teste quanto no reteste. Observou-se, porém, um aumento no número de acertos na etapa reteste, ou seja, os escolares localizaram corretamente todas as direções.
As habilidades auditivas dependem da função neural e, portanto, consideram o processo neuromaturacional, que se encontra intimamente relacionado com a idade da criança (24).
Durante a pré-alfabetização, deve-se atentar a um desempenho inferior para habilidades auditivas esperadas para cada faixa etária, pois alterações nessas habilidades podem indicar baixo desempenho escolar em longo prazo(2).
A análise da correlação entre os testes comportamentais do processamento auditivo central e a variável idade mostrou correlação positiva, em ambas as etapas, apenas para o teste dicótico de dígitos na orelha esquerda; o que permite inferir que o aumento da idade das crianças está relacionado ao melhor desempenho na orelha esquerda neste teste. Os achados deste estudo corroboram os da literatura (15,16,25).
Um estudo relatou que a sensibilidade dos resultados no teste dicótico de dígitos da orelha direita foi de 34,54% e da orelha esquerda de 60% e concluiu que os resultados da orelha esquerda neste teste apresentam uma tendência maior de alteração em crianças com dificuldades de aprendizagem(25).
A influência da variável orelha apenas no teste dicótico de dígitos permite hipotetizar que o fato de os escolares apresentarem maior dificuldade nos testes dicóticos pode ser justificado pela maturação tardia das estruturas responsáveis pela transferência inter-hemisférica. Vale ressaltar que as crianças deste estudo se encontravam em uma faixa etária inferior aos sete anos. Tal fato pode ter interferido no desempenho delas, pois as estruturas cerebrais encontravam-se em desenvolvimento.
A autora refere que o baixo desempenho na avaliação do processamento auditivo central pode estar associado a uma possível maturação tardia do corpo caloso que, segundo a literatura, tem sua maturação completa somente após os sete anos de idade. Durante a estimulação dicótica, as vias auditivas ipsilaterais são suprimidas favorecendo as vias contralaterais, que apresentam maior número de fibras. A desvantagem da orelha esquerda é o resultado do maior tempo de transmissão da informação verbal apresentada nesse ouvido, uma vez que deve ser transportada do hemisfério direito para seu processamento no hemisfério esquerdo, através do corpo caloso. Portanto, a orelha esquerda necessita de maior participação do corpo caloso para que seja eficiente no processamento da informação linguística (17).
O processo de mielinização nas diferentes áreas do córtex não é homogêneo. Regiões corticais de mielinização precoce controlam movimentos relativamente simples ou análises sensoriais, enquanto as áreas com mielinização tardia controlam as funções mentais superiores. Pode-se afirmar, portanto, que a mielinização funciona como um índice aproximado da maturação cerebral(26).
A mielinização do corpo caloso é crítica para a transferência de informação entre os dois hemisférios e continua até a adolescência. O fato de diversas áreas do cérebro iniciarem a mielinização em diferentes épocas têm implicações profundas no processamento auditivo(27).
Autores sugerem que os testes de escuta dicótica são o melhor método para avaliar a transferência inter-hemisférica da informação e da maturidade do sistema nervoso auditivo. Isto ocorre porque, neste processo, a via contralateral tem prioridade de funcionamento(28).
A dominância do hemisfério esquerdo para o processamento da fala e linguagem e a escuta dicótica poderiam explicar os achados(29). Sabe-se que, em testes de escuta dicótica, a via contralateral é a grande responsável pelo processamento das informações. Assim, para a orelha esquerda, é necessário um tempo maior de processamento já que a informação, após a chegada ao hemisfério direito, deverá atravessar o hemisfério oposto através do corpo caloso(30).
Em contrapartida à variável idade, não houve correlação entre a variável gênero e os testes comportamentais que avaliaram o processamento auditivo central, resultados estes corroborados pela literatura(16,20).
Esta pesquisa aponta que é possível realizar a avaliação do processamento auditivo central na faixa etária entre seis e sete anos, porém sugere-se que o RGDT seja aplicado somente a partir dos sete anos de idade, considerando que nenhuma criança do GI (idade variando entre seis anos e seis anos e nove meses) conseguiu compreender o teste.
A detecção de alterações nas habilidades auditivas na avaliação do processamento auditivo central em crianças em idade escolar possibilitará ao fonoaudiólogo orientar os professores no planejamento de atividades didáticas que envolvam a estimulação das habilidades auditivas, pois poderá minimizar os efeitos nocivos da persistência desse transtorno e melhorar o desempenho escolar dessas crianças.
Novos estudos se fazem necessários para que estes achados sejam confirmados em amostras maiores e, assim, auxiliar o processo de diagnóstico nesta faixa etária, com o intuito de evitar e/ou minimizar dificuldades acadêmicas.
A comparação dos testes comportamentais (teste e reteste) para avaliação do processamento auditivo central de escolares das séries iniciais mostrou que o teste com maior sensibilidade para detectar alterações nas habilidades auditivas foi o Dicótico de Dígitos. De forma diversa, o RGDT mostrou-se inviável em crianças com idade inferior a sete anos devido à dificuldade de compreensão destas crianças. A análise do desempenho dos escolares mostrou que, após seis meses, houve melhora em todas as habilidades auditivas avaliadas, em especial na habilidade de localização sonora, figura-fundo auditivo e resolução temporal.
Observou-se também que não houve correlação entre a variável gênero e os resultados dos testes, contudo a variável idade se correlacionou apenas com os resultados da orelha esquerda no teste dicótico de dígitos.