versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.6 Rio de Janeiro jun. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015216.07462016
A institucionalização da promoção da saúde (PS) no Brasil ocorreu há mais de 27 anos, após a promulgação da Constituição Federal de1988, e desde então ações intersetoriais estão sendo implementadas, tanto no âmbito das políticas públicas quanto da produção científica para o enfrentamento das iniquidades na saúde1-3. Desde então, percebe-se o comprometimento das instituições de ensino e pesquisa com o fortalecimento da PS como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas, se manifestando no aumento crescente de programas de pós-graduação envolvidos com essa temática4,5. Por outro lado, programas de PS só foram efetivamente implantados nas Unidades de Atenção Primária à Saúde (UBS) em decorrência da introdução da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)6,7. Esse processo oficializou a inclusão de ações direcionadas à melhoria da qualidade de vida e redução das vulnerabilidades e dos fatores de risco relacionados com determinantes da saúde na agenda de saúde do país8.
Programas envolvidos com a promoção da prática de atividade física; de alimentação saudável; não consumo de tabaco; e implantação de ambientes saudáveis são os mais prevalentes nas UBS do país, e pelos menos um deles é ofertado na maioria das unidades e três ou mais em metade delas9. Embora ações estratégicas como as direcionadas ao controle do consumo de tabaco já tenham promovido expressiva redução da prevalência de tabagismo na população adulta9-11, aumento de consumo abusivo de álcool e drogas ilícitas em jovens e adultos no país12-14 são exemplos de metas ainda não concretizadas e que constituem um desafio a ser vencido.
De qualquer maneira, os resultados obtidos após a implantação da PNPS sinalizam uma superação inicial do desafio constitucional de consolidar a implementação dos programas e encorajam o desenvolvimento de novas abordagens de enfrentamento das iniquidades em saúde. O sucesso das ações em saúde não depende apenas de investimentos em infraestrutura e treinamento pessoal mas também de integração entre os diferentes setores e ciências, em especial aquelas com enfoque interdisciplinar. A articulação do conhecimento científico com a formulação de novas estratégias facilita as tomadas de decisões e garante maior sucesso das ações voltadas à resolução dos problemas15,16.
Conhecer e sistematizar a produção científica vinculada à PS pode facilitar a avaliação dos resultados alcançados e dimensionar a formulação, revisão e melhoria institucional da PNPS e garantir o fortalecimento e concretização das estratégias de PS no país. Estudos cienciométricos têm sido realizados com frequência para análise quantitativa e qualificativa de produção científica em um campo específico, especialmente em saúde17,18. No presente estudo apresenta-se uma análise cienciométrica das contribuições científicas direcionadas ao processo de planejamento, análise e avaliação da PNPS. Isto ilustra a importância do tema PS como área de pesquisa e reforça as iniciativas da integração entre ciência e serviços de saúde.
Foi realizado estudo cienciométrico da literatura científica nacional e internacional sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)19, aprovada pelo Ministério da Saúde pela Portaria nº 687, de 30 de março de 2006. A pesquisa foi realizada nas bases de dados indexados no United States National Library of Medicine (PubMed), acessada pelo site http://www.ncbi.nlm.nhi.gov/pubmed, e também no Scientific Eletronic Library Online (SciELO), disponível na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) pelo site http://www.bireme.br.
A pesquisa foi feita no mês de dezembro de 2015 utilizando os termos em português “política nacional de promoção da saúde” e seu correspondente em inglês “national health promotion policy”, e para a busca na língua inglesa foi acrescida a palavra Brazil. Na base de dados PubMed foi utilizado o filtro de dados Publication dates – 10 years e na base de dados SciELO foram selecionados os anos de 2006 a 2015.
Os artigos identificados foram selecionados e classificados por meio da análise dos títulos e resumos. Foram excluídos os artigos com tema central relacionados a epidemiologia de doenças, estudos de caso, pesquisas nas áreas das ciências básicas, entre outros que não se enquadraram nas temáticas da PNPS. Após a leitura dos resumos, os trabalhos incluídos no estudo foram classificados pelo ano de publicação, local de origem das publicações (baseado no primeiro autor), nome do periódico da publicação do artigo, e agrupados nos estratos WebQualis (A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C) na área interdisciplinar. A classificação WebQualis refere-se a estratificação da qualidade da produção científica utilizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para avaliar os periódicos nas diferentes áreas de pesquisa no Brasil.
As publicações incluídas neste estudo foram também classificadas quanto às etapas referentes ao processo de implementação da PNPS19 e pelos temas correspondentes a: organização, planejamento, realização, análise e avaliação20. Na sequência os artigos foram analisados e categorizados de acordo com as seguintes políticas públicas setorizadas: Política Nacional de Atenção Básica (Pnab); Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan); Política Nacional de Educação Popular em Saúde (Pnep-SUS); Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS); Política Nacional de Gestão Estratégia e Participativa (ParticipaSUS); Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), Política Nacional de Redução de Morbidade por Acidentes e Violências, Política Nacional de Atenção às Urgências e a Política Nacional de Saúde Integral de Populações Específicas (população negra e LGBT). A análise dos títulos e resumos possibilitou também elaborar eixos temáticos complementares específicos, em razão de que parte dos artigos contemplavam mais de um tema simultaneamente, por exemplo, nutrição e saúde do idoso, educação popular em saúde e obesidade, atenção básica e saúde do homem, entre outros. Por fim, os dados foram tabulados e organizados em planilhas do programa Microsoft Excel 2010.
Na etapa inicial do processo de busca encontrou-se 150 publicações científicas, sendo 85 na base de dados PubMed e outras 65 na SciELO. Após a avaliação dos títulos e resumos foram excluídos os artigos duplicados e aqueles que não atenderam aos critérios de inclusão, resultando 88 artigos.
A Figura 1 apresenta os artigos publicados nas bases de dados PubMed e SciELO. A primeira análise dos artigos identificou aumento da produção científica a partir do ano de 2008, com destaque para os anos de 2012 e 2013 nos quais houve maior número de publicações relacionadas à PNPS.
Figura 1 Número de artigos publicados nas bases de dados PubMed e SciELO no período de 2006 a 2015 sobre a PNPS.
Considerando a PNPS em seu processo de implementação foi possível identificar que do total de 88 publicações, 38% (33) encontram-se relacionadas às etapas de organização, planejamento, análise e avaliação da PNPS. Dentre estes, a maioria, 58% (19) refere-se a análise dos setores da saúde e em contrapartida nenhuma publicação descreveu as etapas referentes a realização de ações relacionadas à PNPS (dados não mostrados).
A análise dos temas de acordo com os setores de saúde descritos na PNPS identificou maior número de pesquisas sobre Alimentação e Nutrição, seguido de pesquisas relacionadas à Atenção Básica e política de Gestão Estratégica e Participativa (Figura 2A). Dentre outras categorias de eixos temáticos, Saúde Bucal, Saúde do Idoso, Saúde do Homem e Formação de Profissionais e Gestores figuraram como os temas mais discutidos na literatura científica (Figura 2B).
*Alguns artigos analisados contemplam mais de um eixo temático simultaneamente.
Figura 2 Número de artigos publicados no período de 2006 a 2015 relacionados à PNPS. Classificações baseadas: nas políticas públicas dos setores da saúde citadas na PNPS (A); em eixos temáticos complementares (B) e amostrados em dezembro de 2015.
A classificação dos artigos quanto ao local de origem das pesquisas está demonstrada na Figura 3. Observa-se que os estados de São Paulo (19), Rio de Janeiro (16) e o Distrito Federal (16) detêm 58% dos 88 artigos relacionados à PNPS. Dentre os outros estados figuram Paraná, Bahia, Goiás, Paraíba e Ceará. Em referência às publicações originárias de outros países estão inclusos pesquisadores dos EUA, Canadá, Itália, França e Inglaterra.
Figura 3 Número de artigos publicados no período de 2006 a 2015 sobre a PNPS, classificados quanto ao local de origem das publicações.
O resultado da classificação quanto à qualidade científica dos artigos analisados neste estudo evidenciou que a maioria das pesquisas está publicada em periódicos internacionais, classificados nos estratos Qualis A1 e A2 (área Interdisciplinar), totalizando 51% (45). Seguido de mais 30% (26) das publicações em periódicos classificados no estrato B1 (Figura 4).
* N/C refere-se a periódicos científicos não classificados no sistema WebQualis.
Figura 4 Levantamento do estrato Qualis/Capes dos periódicos científicos com publicações no período de 2006 a 2015 sobre a PNPS.
A porcentagem de periódicos com maior concentração de publicações relacionadas à PNPS está representada na Figura 5. Observa-se que a Revista Ciência & Saúde Coletiva deteve 24% das publicações, seguida das revistas Saúde & Sociedade (11%) e Cadernos de Saúde Pública (10%). As revistas apresentadas na Figura 5 detêm qualidade científica nos estratos Qualis/Capes A1, A2, B1 e B2 na área Interdisciplinar.
Passada uma década da publicação da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) torna-se relevante mensurar a produção científica relacionada a implementação das políticas de saúde no Brasil, a partir da publicação da PNPS pela Portaria MS/GM nº 687 de 30 de março de 2006, cuja evolução pode ser apreciada na revisão da PNPS decretada na Portaria nº 2.446, de 11 de novembro de 201420. A presente pesquisa, por sua vez, utilizando-se da análise cienciométrica, identificou peculiaridades no comportamento da produção científica brasileira nos temas referentes à PNPS.
Diferente do apresentado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para as publicações científicas brasileiras, cuja produção apresentou crescimento contínuo e constante21, o volume de pesquisas a respeito da PNPS no decorrer da última década sofreu flutuações, com aumento no ano de 2008, 2012 e 2013. Foi nítido que nos primeiros anos após a PNPS ser instituída os autores restringiram-se a debater e refletir sobre as diretrizes dos programas de saúde22 e sobre a promoção da saúde propriamente dita, no Brasil23,24 e na América Latina25. Já a partir de 2008, depois de completado o ciclo de um ano da implementação da PNPS, destacaram-se as pesquisas voltadas a temas relacionados a alimentação e nutrição26-28, saúde bucal29,30, terapia antirretroviral31 e formação de profissionais, interdisciplinaridade e idosos32.
Nos anos subsequentes percebeu-se grande diversidade nas temáticas publicadas. O volume representativo de artigos (38%) relacionados às etapas do processo de implementação da PNPS estão em sua maioria relacionados à análise da PNPS em sua essência1,33-35, enquanto outros artigos analisaram políticas mais específicas relacionadas à saúde mental36,37, tabagismo38, acidentes e violência39 enfrentamento ao HIV/AIDS40,41 entre outras análises.
A PNPS fundamenta a relação com as demais políticas públicas conquistadas pela população, que são direta ou indiretamente relacionadas ao setor da saúde20. A categorização das publicações científicas de acordo com as diversas políticas específicas permitiu identificar maior ocorrência de pesquisas sobre as políticas nacionais de Alimentação e Nutrição, Atenção Básica, e Gestão Estratégica e Participativa.
Os temas de interesse dos pesquisadores sobre alimentação e nutrição permearam diferentes aspectos de estudo, desde reflexões sobre a própria política24 e seu diálogo com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional42, a inclusão nos programas escolares28,43,44, a relação com a obesidade45-47, com a saúde bucal48, o fomento para pesquisas26 e até comparações com outros países49, por exemplo. Justifica-se a grande demanda de estudos sobre alimentação e nutrição porque nas últimas décadas os brasileiros experimentaram transformações sociais, que iniciaram com a diminuição da pobreza e consequente mudança no padrão alimentar, resultando em um novo cenário relacionado ao excesso de peso da população e suas consequências para a saúde50.
No Brasil, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram planejadas para estarem instaladas perto das pessoas e são efetivamente a porta de acesso para a atenção à saúde da população. Pesquisas que visam o acesso ao serviço básico de saúde51,52, a saúde do trabalhador53, do idoso54,55, do homem56 e a mental55 figuram como o segundo assunto de maior interesse identificado na produção científica correlata.
Em continuidade, temas relacionados a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa56 incidiram como o terceiro ponto de destaque dentre as publicações científicas. A Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa coordena o modelo participativo do SUS e atividades de monitoramento, auditorias e avaliações da gestão do SUS56. Nestas temáticas publicou-se sobre o balanço da implementação da PNPS35 e pesquisas sobre gestão em nível municipal e estadual57-60. Sob a perspectiva da participação popular publicou-se trabalhos abordando os serviços de ouvidoria61,62 e aspectos de contribuição de comunidade religiosa63 e também da medicina tradicional embasada em plantas medicinais64.
Uma categorização complementar dos artigos científicos, a qual denominou-se como outros eixos temáticos, se fez relevante na presente pesquisa. A análise dos artigos sob esta subclassificação permitiu constatar que publicações sobre saúde bucal, saúde do idoso e saúde do homem foram incluídos como as três temáticas de maior interesse para os pesquisadores.
O destaque para o grande número de divulgações científicas sobre a saúde bucal pode ser compreendido se relacionados aos fatos históricos. Duas décadas antes da implementação da PNPS iniciou o primeiro levantamento epidemiológico em saúde bucal, o qual sinalizou para a precariedade desta na população brasileira. Este estudo inicial, datado de 1986, forneceu embasamento para em 1996 mensurar se houvera alterações no perfil saúde bucal da população, e culminou no grande levantamento epidemiológico Projeto SB Brasil, com início no ano 2000 e término em 200365. O resultado deste projeto estimulou ações que se concretizaram em investimentos arrojados para implementação do Programa Brasil Sorridente8, que gerou na comunidade científica interesse por pesquisas relacionadas aos investimentos e resultados para a saúde bucal da população brasileira29,39,66-68. Outra questão, de grande relevância mundial, levou pesquisadores a buscar conhecimento na pesquisa. Refere-se ao fato de que em menos de uma década o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos69 e essa questão tem fortalecido os estudos a respeito desta temática a partir de uma perspectiva ampla de trabalhos intersetoriais e transdisciplinares32,54,55,58,70,71. Esta questão colocou a saúde do idoso em segundo lugar dentre as temáticas da produção científica sobre a PNPS.
Despontou, em terceiro lugar, publicações a respeito da saúde do homem. Fato interessante, pois prioritariamente o sistema de saúde tem dado assistência às crianças, mulheres e mais recentemente aos idosos. E, mais recentemente, em 2009, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem72, fato que despertou interesse dos pesquisadores e consequentemente demandou publicações sobre a promoção da saúde do homem56,73-76.
Com referência ao local origem das publicações relacionadas à PNPS, a presente pesquisa identificou o estado de São Paulo como destaque com maior número de contribuições, seguido do Distrito Federal e Rio de Janeiro. Estes dados coincidem parcialmente com o ranking divulgado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo77, no qual o estado de São Paulo configura em primeiro lugar com 51% da produção científica do país, seguido pelas contribuições do Rio de Janeiro (18%), Minas Gerais (10,6%), Rio Grande do Sul (10,2%), Paraná (6,3%), Pernambuco (4%), Santa Catarina (3,5%) e Distrito Federal (3,3%)77. O presente estudo identificou que para pesquisas relacionadas à PNPS, o Distrito Federal sobe do oitavo lugar do ranking geral para o segundo lugar, cenário que pode ser fundamentado pela proximidade dos pesquisadores aos Ministérios que se encontram estabelecidos no próprio Distrito Federal.
A análise da qualidade das publicações com embasamento no estrato Qualis identificou que a maioria das publicações figuram em periódicos de qualidade elevada (Qualis A2 da área Interdisciplinar) e o periódico Ciência & Saúde Coletiva concentrou o maior número de divulgações relacionadas à PNPS.
Com a presente pesquisa conclui-se que os pesquisadores empreenderam, nesses dez anos da implementação da PNPS, trabalhos relevantes e criativos. A análise cienciométrica identificou a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e a temática Saúde Bucal como objetos mais abordados nas pesquisas e constatou nitidamente a menor prioridade dada à Política de Atenção às Urgências, à Saúde Materno-Infantil e Adolescência. Esta pesquisa restringiu-se ao termo “Política Nacional de Promoção da Saúde” e, portanto, outros estudos direcionados às políticas de saúde específicas podem agregar conhecimentos adicionais. A estes temas sugere-se investigações futuras, mais pormenorizadas, que permitam esclarecer os motivos dessa disparidade. Espera-se que o resultado das produções científicas relacionadas à PNPS contribuam para geração, difusão e aplicação do conhecimento técnico e científico na promoção da saúde, de modo a facilitar o dimensionamento e a reformulação de ações estratégicas para o enfrentamento das iniquidades em saúde nas próximas décadas.