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Programa Bolsa Família e a redução da mortalidade infantil nos municípios do Semiárido brasileiro

Programa Bolsa Família e a redução da mortalidade infantil nos municípios do Semiárido brasileiro

Autores:

Everlane Suane de Araújo da Silva,
Neir Antunes Paes

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.2 Rio de Janeiro fev. 2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.04782017

Introdução

A desigualdade de renda no Brasil está entre as mais altas do mundo1. A fim de superar tal situação, foram criados programas de transferência condicional de renda com o propósito de creditar valores monetários do governo federal para famílias pobres, desde que os pais ou responsáveis por elas cumpram certas condicionalidades específicas, geralmente com foco na saúde, na educação e na assistência social24.

O Programa Bolsa Família (PBF), criado no Brasil em 2003, é um dos maiores em se tratando de transferência condicional de renda no mundo e atingiu uma alta cobertura na última década como programa da rede de segurança social e popular. Alcançou todos os 5.565 municípios brasileiros e tinha cadastrado cerca de 13,4 milhões de famílias em 2011. O PBF é destinado às famílias extremamente pobres e às famílias consideradas pobres com crianças, jovens até 17 anos, gestantes e lactantes.

A região do Semiárido é uma das maiores beneficiárias do PBF no Brasil e é marcada por ser a maior do mundo quanto à extensão (982.563,3 km²) e à densidade demográfica (23,06 hab./km2) com 22 milhões de pessoas em 2010. Formada por nove Estados, ela abrange 1.133 municípios e é considerada a menos desenvolvida do País por ser gravemente afetada por sérios problemas sociais e econômicos5.

Estudos têm associado a expansão do PBF com a redução da pobreza e da desigualdade de renda, além de a um conjunto de fatores relacionados à condição biológica da criança e da mãe, às condições ambientais e às relações sociais que organizam a vida das pessoas. Esses estudos forneceram evidências de que programas de transferência de renda, como o BFP, favorecem o aumento do uso de serviços preventivos de saúde e, consequentemente, diminuem os níveis de doença e de morte das crianças. Assim, contribuem para reduzir as desigualdades sociais e regionais, e levam a uma convergência desses níveis nas regiões1,6,7.

Neste contexto, a mortalidade infantil – um indicador importante da saúde da criança – destaca-se como um dos principais problemas a serem enfrentados pelo governo, particularmente em regiões como a do Semiárido brasileiro.

No País, a redução da mortalidade infantil (MI) intensificou-se a partir de 1960, quando se registraram 117,0/1.000 nascidos vivos (nv), tendo diminuído para 50,2/1.000 nv em 1980 e para 16,7/1.000 nv em 20108. No entanto, ainda há um longo caminho a se percorrer para o Brasil alcançar os níveis das regiões mais desenvolvidas do mundo – cerca de cinco óbitos de crianças menores de um ano por 1.000 nascidos vivos, tal como recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)9.

Apenas três estudos no País analisam as consequências das intervenções do PBF sobre a mortalidade infantil, mas nenhum deles concentrou-se na região Semiárida1,6,7. Diante deste contexto, o presente estudo sobreleva a necessidade de se conhecer os processos que regulam a redução dos níveis da mortalidade infantil e a escassez de estudos ligados à temática, tendo como objetivo principal avaliar os efeitos do Programa Bolsa Família sobre as taxas de mortalidade infantil da região Semiárida brasileira, no período 2004-2010.

Métodos

Dados e fontes de dados

Trata-se de um estudo ecológico longitudinal que fez uso dos microdados dos 1.133 municípios do Semiárido brasileiro. Foi criado um banco de dados longitudinal para os anos de 2004 a 2010 através do software Stata versão 12.0 que foi utilizado para o processamento e análise dos dados.

A Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) foi definida como a variável dependente do estudo. Embora existam restrições relacionadas à confiabilidade das estimativas da mortalidade infantil obtidas a partir do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, desenvolvido em parceria com a Fundação João Pinheiro (FJP), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elas foram consideradas como proxy satisfatória de seus níveis para os municípios. Para essas instituições, o indicador não pode ser calculado diretamente a partir das informações dos Censos Demográficos, recorrendo-se, então, a técnicas indiretas para a sua obtenção, posto que a maioria dos municípios do Semiárido não possuem estatísticas vitais confiáveis. Para tanto, adotou-se o padrão de mortalidade do Estado ao qual pertencem os municípios pesquisados para a obtenção dos níveis da mortalidade infantil10,11.

A principal variável independente foi a cobertura do Programa Bolsa Família. Para tanto, foram utilizadas as bases de dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário12. A cobertura do PBF foi obtida a partir do quociente entre o número de beneficiários e o número de residentes no município.

As demais variáveis independentes selecionadas foram baseadas na literatura, entre aquelas cujas relações mostraram-se significativas com a mortalidade infantil1,6,7. A partir de dados do Ministério da Saúde foram obtidas as coberturas da Estratégia Saúde da Família e das consultas de pré-natal (percentual de gestantes que fizeram 7 ou mais consultas)13,14. Através do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, foram acessadas as seguintes variáveis socioeconômicas: taxa de fecundidade total; taxa de analfabetismo (15 anos ou mais); percentual de pessoas com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados; taxa de atividade e percentual da população urbana10,11.

Como algumas informações foram obtidas a partir das bases de dados dos Censos Demográficos de 2000 e de 2010, os valores anuais de 2004 a 2009 foram calculados por interpolação linear, considerado o mais simples entre os métodos de interpolação, o qual consiste na interligação entre valores consecutivos, por uma reta, obtida por uma função polinomial (polinômio de grau 1). Nota: - Existem outros métodos de interpolação e a escolha depende da adequação aos dados: quadrática (polinômio de grau 2), Lagrange (polinômio de grau n)15 e a interpolação segmentada – útil quando a função que se quer interpolar possui derivadas de valor numérico elevado em alguma região do intervalo de interpolação16.

Verificações preliminares sugeriram que a alternativa mais adequada aos ritmos de incremento ou descenso esperados das variáveis foi o método de interpolação linear. Assim, este método foi adotado para as variáveis: taxa de mortalidade infantil, taxa de fecundidade total, taxa de analfabetismo (15 anos ou mais), percentual de pessoas com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados, taxa de atividade e percentual da população urbana.

Por ter sido utilizada uma base com dados secundários, de livre acesso online, justifica-se a ausência de encaminhamento do estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Análise estatística

A partir do ajuste do modelo e da utilização do processo Stepwise (com p<0,05), foi realizada a seleção das variáveis independentes para compor o modelo final. Nesta fase, as variáveis que não se mostraram significativas foram eliminadas do estudo, a saber: taxa de atividade e percentual da população urbana.

Para a análise de associação da TMI com as variáveis selecionadas e obtenção do modelo final foi utilizada a regressão linear múltipla para dados em painel. Realizado o teste de especificação de Hausman para escolha do modelo adequado, efeitos fixos ou aleatórios, o primeiro foi o escolhido. Os modelos com efeitos fixos para dados em painel, além do termo de erro, incluem um segundo termo para controlar as características não observadas invariáveis no tempo, tais como: características socioculturais, históricas e geográficas de cada município. Estes modelos têm sido bem estabelecidos na literatura e permitem correlações entre o termo invariável no tempo e as variáveis independentes do modelo, tornando-se, em geral, mais robustos para a análise do impacto de intervenções17.

Resultados

A Tabela 1 mostra as estatísticas descritivas (mínimo, máximo, média, mediana e desvio padrão) referentes aos municípios da região Semiárida brasileira, para os indicadores selecionados (2004 e 2010). A média e mediana dos indicadores apresentaram variação anual durante o período de estudo.

Tabela 1 Estatísticas descritivas para os municípios do Semiárido brasileiro, segundo indicadores selecionados, 2004 e 2010. 

Indicadores Mínimo Máximo Média Mediana Desvio padrão
2004 2010 2004 2010 2004 2010 2004 2010 2004 2010
Taxa de Mortalidade Infantil (‰) 18,9 13,4 74,3 45,4 39,6 26,3 39,0 25,2 7,8 5,6
Cobertura do PBFa (%) 0,3 24,3 84,4 84,6 38,1 54,3 38,3 54,1 10,4 8,8
Cobertura da ESFb (%) 0,0 0,0 100,0 100,0 70,4 91,3 86,3 100,0 34,9 17,1
Consultas pré-natalc (%) 2,5 6,5 94,8 98,2 31,3 50,6 28,2 50,0 16,7 17,8
Taxa de Fecundidade Total 1,9 1,4 5,0 3,7 2,8 2,2 2,7 2,2 0,4 0,3
Taxa analf. (≥15anos)d (%) 11,9 9,1 50,6 44,4 32,8 27,8 32,7 27,7 6,4 5,8
Ab. água/sanit. inad.e (%) 0,0 0,0 63,7 66,5 18,8 17,1 16,0 14,5 12,2 12,2

Fonte de dados básicos: Programa das Nações das Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e Ministério da Saúde (MS).

aCobertura do Programa Bolsa Família;

bCobertura da Estratégia Saúde da Famíla;

cCobertura do número de consultas de pré-natal;

dTaxa de analfabetismo – 15 anos ou mais;

ePercentual de pessoas com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados.

Em 2010, a TMI mais elevada (45,4/1.000 nv) foi encontrada no município de Olivença no estado de Alagoas, ao passo que, em 2004, o valor mais alto fora o do muncípio de Jucati em Pernambuco. Em termos médios, para o conjunto dos municípios, a TMI mostrou-se reduzida em 13,3/1.000 nascidos vivos durante o período de seis anos, o que significou uma média de redução anual de cerca de 2,2/1.000 nv. O desvio padrão deste indicador também foi reduzido, o que demonstra uma menor dispersão dos níveis.

A cobertura média do PBF nos municípios aumentou de 38,1% (2004) para 54,3% (2010). O município de Capitão Gervásio Oliveira, do estado do Piauí, apresentou a maior cobertura do PBF (84,4%) em 2004. Em 2010, a cobertura mais alta foi observada para o município de Guaribas no Piauí. Já a cobertura média da ESF nos municípios atingiu 70,4% em 2004 e 91,3% em 2010. Em 2004, 440 municípios do Semiárido alcançaram uma cobertura universal (100%) dentre os 1.133 municípios e, em 2010, esse valor passou para 768 municípios (cerca de 68%).

Quanto às consultas de pré-natal, a cobertura média passou de 31,3% (2004) para 50,6% (2010). Em 2004, o município de Berilo, no estado de Minas Gerais, alcançou a cobertura mais elevada (94,80%). Em 2010, a cobertura mais alta (98,18%) foi atingida no município de Itaiçaba, no estado do Ceará.

Tabela 2 Modelo de regressão a efeitos fixos para a associação entre a Taxa de Mortalidade Infantil e indicadores selecionados para os municípios do Semiárido brasileiro, 2004-2010. 

Indicadores Modelo
Coeficiente IC (95%) P-valor
Cobertura do PBF (%) -0,034 -0,041 −0,027 0,001
Cobertura da ESF (%) -0,012 -0,023 −0,002 0,020
Consultas de pré-natal (%) -0,025 -0,030 −0,020 0,001
Taxa de Fecundidade Total 4,224 3,793 4,655 0,001
Taxa de analfabetismo (≥15anos) 1,803 1,751 1,856 0,001
Ab. água/sanit. inad. (%) 1,029 0,012 0,047 0,001
ESF2 0,001 0,000 0,001 0,026
R2 (within) 0,832

Fonte de dados básicos: Programa das Nações das Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e Ministério da Saúde (MS).

A média da taxa de fecundidade total variou de 2,8 para 2,2, considerando os anos de 2004 e 2010. Em 2004, a TFT mais baixa (1,9) foi observada para o município de São João do Jaguaribe no estado do Ceará e, a mais alta (4,9), em Canapi, no estado de Alagoas, revelando, assim, uma amplitude total de 3 filhos em média por mulher no período reprodutivo dentro do Semiárido. Para 2010, o município de Triunfo, em Pernambuco, apresentou o menor (1,4) valor para o indicador e o maior (3,7) ocorreu no município de Pureza, no Rio Grande do Norte, e a amplitude total foi reduzida em 2,3 filhos, em média, por mulher.

O valor médio da taxa de analfabetismo (15 anos ou mais) passou de 32,8, em 2004, para 27,8, em 2010. O município de Feira de Santana, no estado da Bahia, atingiu o nível mais baixo do indicador em 2004 (11,9%) e, em 2010, chegou a 9,1%. O mais alto foi encontrado no município de Casserengue, na Paraíba, com 50,6% em 2004 e, para o município de Alagoinha, do Piauí, em 2010, que atingiu 44,4%. O percentual médio de indivíduos que viviam em agregados familiares, com acesso ao abastecimento de água e saneamento básico inadequados, decresceu de 18,8 (2004) para 17,1 (2010). Em 2004, o valor mais elevado (63,7%) para o indicador ocorreu no município de Vertente do Lério, no estado de Pernambuco. Em 2010, o município de Santa Cecília, na Paraíba, ocupou essa posição com 66,5%.

O modelo de regressão linear múltipla (Tabela 2) fornece os efeitos dos programas governamentais (PBF e ESF) na mortalidade infantil, controlados por covariáveis sociodemográficas e da saúde. De acordo com o teste de Hausman, rejeitaram-se os modelos com efeito aleatório (H0), ou seja, o modelo com efeito fixo explicou melhor as variações na TMI.

A modelagem revelou que todos os indicadores mostrados na Tabela 2 foram significativos ao nível p ≤ 0,03 e, a maioria, com p < 0,001. Tanto o PBF quanto a ESF mostraram uma associação negativa significativa com as taxas de mortalidade infantil. Na mesma direção, foi observada uma associação significativa com as consultas de pré-natal. Por outro lado, verificou-se uma associação significativa positiva com a taxa de analfabetismo, pessoas com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados e taxa de fecundidade. Um termo quadrado para a ESF foi incluído no modelo (Tabela 2), já que a cobertura universal do sistema de saúde do Brasil inclui pobres e não pobres da mesma forma, e isso resulta na diminuição dos impactos da cobertura sobre a Taxa de Mortalidade Infantil, se os pobres são atingidos em primeiro lugar.

Discussão

Os níveis das TMI diminuíram ao longo do período para todos os municípios do Semiárido, mas ainda são considerados altos para os padrões internacionais. O valor mais baixo observado em 2010, não foi inferior a dois dígitos (13,4) por 1.000 nascimentos, como recomendado pela OMS, mas destaca-se a redução em bloco do conjunto dos municípios no período9. O menor desvio padrão dos valores em relação à média sugere uma tendência de homogeneização dos níveis em todo o Semiárido. De fato, esta é uma tendência esperada quando existe espaço para redução, mas não deixa de ser muito importante que tal fato ocorra em um espaço de tempo tão curto como o foi quanto aos municípios do Semiárido.

A cobertura do Bolsa Família aumentou vigorosamente. No final de 2010, o BFP tinha ultrapassado, em mais de dois milhões, a meta pré-fixada de cobertura de 11 milhões de famílias brasileiras (48.441.100 de pessoas), a qual já havia sido alcançada desde 200612. As condicionalidades do PBF incentivam as famílias a procurar cuidados de saúde preventiva para os grupos mais vulneráveis, com efeitos importantes sobre a saúde das mulheres grávidas e crianças. Portanto, o PBF contou com redes de serviços existentes para o seu apoio, como a Estratégia Saúde da Família, para o cumprimento das condicionalidades de saúde dos beneficiários. Em 2010, a ESF tinha alcançado a universalidade (100%) para a maioria dos municípios da região Semiárida brasileira. Ainda assim, alguns municípios apresentaram cobertura de 0,0%, mas não se pode deixar de observar uma melhora importante nesse indicador, bastando verificar que a cobertura média da ESF nos municípios aumentou continuamente, atingindo 70,4%, em 2004 e 91,3%, em 2010.

O modelo de regressão linear com efeitos fixos revelou uma associação negativa e estatisticamente significativa esperada entre o PBF e a taxa de mortalidade infantil para o Semiárido brasileiro. Dessa forma, corroborou alguns resultados de estudos já publicados1,6,7. Alguns impactos positivos na saúde das crianças podem ser creditados ao cumprimento das condicionalidades impostas aos beneficiários do PBF. No mínimo a cada seis meses, as crianças com idade inferior a sete anos precisam receber acompanhamento médico, permitindo a prevenção, detecção e combate às doenças que mais afetam a primeira infância: desnutrição, diarreia, anemia e peso incompatível com a altura18.

Com a manutenção da cobertura do PBF e da ESF, é possível que a redução na TMI continue; no entanto, até atingir os níveis de Países mais avançados como a do Japão e da Suécia, em torno de 2%o, por exemplo, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Assim, programas como o Bolsa Família ainda são capazes de fazer a diferença na manutenção da redução dos níveis da mortalidade infantil no Brasil e, em especial, em regiões como a do Semiárido. Paes-Sousa et al.19 incluíram municípios do Semiárido brasileiro em estudo e confirmaram que as famílias beneficiárias do PBF priorizam a compra de alimentos para crianças visando ao cumprimento de condicionalidades do Programa. Os cuidados nutricionais são esseciais para a prevenção de inúmeras doenças que podem levar à morte infanil, dentre elas, a desnutrição1,2023.

As evidências estatísticas mostraram a importância motivada pelas ações públicas, a exemplo do PBF que objetiva auxiliar o combate de dois agravos importantes no País: pobreza e elevados níveis de mortalidade infantil. As constantes intervenções governamentais, entre elas medidas que minimizam as disparidades de renda experimentadas pela população, são importantes aliadas no combate à mortalidade infantil. Além disso, é essencial que haja aumentos na renda das pessoas e que ocorra, principalmente, uma melhor distribuição dela.

Dada a importância do PBF na redução da mortalidade infantil, alguns pontos deveriam ser considerados. Os gestores necessitam examinar a adequação da infraestrutura de saúde nos municípios aos programas de transferência de renda condicionais, uma vez que a expansão dos programas depende da disponibilidade dos serviços oferecidos pelos sistemas de saúde, devido à imposição das condicionalidades aos beneficiários. A utilização dos serviços sociais públicos depende da capacidade do País em assistir à demanda19.

Existe a crença de que as famílias beneficiárias do PBF teriam mais filhos; no entanto, ela não é confirmada por alguns autores19,24,25. Evidências nesse sentido mostram que mulheres beneficiárias do PBF ampliaram o uso de métodos contraceptivos, o que contribuiria para o declínio da fecundidade24. A média e a mediana do indicador demográfico TFT revelaram um rápido declínio no período. O valor da média para 2010 (2,2) foi muito próximo ao nível de reposição da população, fixado em 2,1. Alguns municípios do Semiárido alcançaram uma TFT equivalente a de Estados como São Paulo (1,66), Rio de Janeiro (1,68) e Santa Catarina (1,71). Os municípios de Triunfo e de Frei Miguelinho, ambos no estado de Pernambuco (1,4), e de Brumado na Bahia (1,5), por exemplo, já apresentaram níveis abaixo da taxa de reposição e possibilitaram comparação com a TFT de Países desenvolvidos como Itália (1,4), Japão (1,4) e Espanha (1,5).

Por sua vez, as condições sociais e da saúde da população melhoraram durante o período de estudo (2004-2010) na região, se forem levados em consideração os decréscimos nas taxas de analfabetismo e no percentual de pessoas com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados. O avanço na educação pode ser apontado como ferramenta fundamental para auxiliar na redução da pobreza e desigualdade de renda que acomete um percentual importante de indivíduos que habitam o Semiárido do Brasil, evitando que esta condição seja transmitida de geração para geração.

Nas últimas décadas, foram observados avanços nos estudos que investigam as relações entre a maneira como se organiza e se desenvolve uma determinada sociedade e a situação de saúde de sua população26,27. É complexo elencar os elementos que sejam capazes de certificar se a saúde será alcançada ou não28. Carvalho29 sustenta que as condições econômicas e sociais influenciam decisivamente as condições de saúde de pessoas e populações.

Para Buss e Pellegrini Filho27, os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) podem ser investigados ao analisar as relações entre a saúde das populações, as desigualdades nas condições de vida e o grau de desenvolvimento da trama de vínculos e associações entre indivíduos e grupos. A luta contra as disparidades em saúde exige dos governos a atuação sobre os DSS30,31, valendo destacar o impacto que os sistemas de saúde e de apoio social podem produzir, especialmente em contextos de persistente desigualdade social em áreas como o Semiárido brasileiro32,33.

Em 2006, foi criada no Brasil a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). A CNDSS é reflexo do movimento mundial em torno dos DSS organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que em 2005 criou a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde27. Em 2011, a Conferência Mundial sobre DSS foi realizada no Brasil e contribuiu para enfatizar a importância das discussões e do combate às iniquidades sociais sobre a saúde da população brasileira.

O R2 (within) do modelo com efeitos fixos foi considerado bastante satisfatório sendo explicado por 83,2% da associação interna entre as covariáveis e a TMI. Com as intervenções do governo contra a desigualdade social e econômica implementadas no Brasil, em grande escala, no mesmo período (2004 a 2010) e nas mesmas áreas, especialmente na região Semiárida, é oportuno explorar os efeitos conjuntos. Neste sentido, é válido destacar a importância da utilização de dados em painel para avaliar a associação entre programas governamentais e saúde, como alternativa ao uso de dados transversais clássicos. Desta forma, a inferência causal obtém evidências mais fortes quando são utilizados dados em painel em relação aos transversais17.

Conclusão

O PBF por estabelecer condicionalidades que são atribuições de programas como a ESF depende muito desses para seu sucesso. Assim, o programa de transferência de renda (PBF) e a garantia para a população de acesso aos serviços públicos de saúde (ESF) tiveram um papel significativo sobre a redução da mortalidade infantil, o que decorreu em função do aumento da cobertura de ambos os programas. As intervenções governamentais, o aumento da cobertura de consultas pré-natal e a redução dos níveis de fecundidade têm contribuído, significativamente, para a diminuição da mortalidade infantil no Semiárido brasileiro. Para manter o quadro de redução, é imprescindível que sejam reforçadas medidas, tais como: redução do analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais, e maior atenção ao fornecimento de água e condições de saneamento dos domicílios.

Para garantir que os programas realmente reduzam a desigualdade e a pobreza na região Semiárida brasileira será muito importante que se proceda a um acompanhamento cuidadoso a cerca da avaliação dos impactos dos programas, da garantia da manutenção e da melhoria da infraestrutura de saúde pública. Assim, o impacto que o PBF tem sobre a redução dos níveis da mortalidade infantil no Semiárido ficará mais bem evidenciado de maneira positiva, lembrando que esse impacto foi potencializado pela intervenção de outros fatores. Ademais, as Taxas foram reduzidas na última década a uma velocidade mais rápida que em qualquer recorte temporal antes da implantação do PBF em 2004.

O estudo demonstrou que a redução da mortalidade infantil decorrerá da atuação de vários setores. Por outro lado, ao estabelecer o fornecimento de uma renda regular mínima para famílias pobres mediante certas condicionalidades, possibilitaram-se importantes avanços em áreas essenciais da vida das pessoas do Semiárido, tendo como consequência, uma importante redução nos níveis da TMI.

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