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Programa de treinamento auditivo em portadores de zumbido

Programa de treinamento auditivo em portadores de zumbido

Autores:

Daniele Tugumia,
Alessandra Giannella Samelli,
Carla Gentile Matas,
Fernanda Cristina Leite Magliaro,
Camila Maia Rabelo

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.1 São Paulo jan./fev. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015113

INTRODUÇÃO

Muitas hipóteses sobre a geração do zumbido foram propostas por diversos pesquisadores sem que a confirmação tenha se dado de maneira consistente. Assim, a heterogeneidade de achados nos diversos estudos não permite a determinação de um único tratamento específico e definitivo para todos os casos.

É um consenso entre pesquisadores que o zumbido pode ser extremamente prejudicial à qualidade de vida das pessoas que sofrem desse sintoma1. Alguns propuseram que o zumbido seria consequência de atividade espontânea anormal em algumas partes ou em toda a via auditiva, a qual causaria uma reorganização plástica do sistema nervoso central (SNC)2.

Baseado nos conceitos da neuroplasticidade, o Treinamento Auditivo (TA) é uma técnica amplamente utilizada nas terapias de reabilitação do processamento auditivo e no processo de adaptação de próteses auditivas. O TA é definido como um conjunto de condições e/ou tarefas direcionadas para a ativação do sistema auditivo e sistemas associados para que existam alterações benéficas no comportamento auditivo e no sistema nervoso central. As modificações provocadas no Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC) pelo TA estão frequentemente associadas a mudanças comportamentais e eletrofisiológicas, as quais podem ser mensuradas por meio de avaliações específicas3 4.

Existem poucos estudos relacionando TA com zumbido, entretanto achados da literatura sugerem que o zumbido pode ser uma consequência negativa da plasticidade no sistema nervoso central após uma agressão periférica; sendo assim, o treinamento das habilidades auditivas poderia reverter parcialmente essas mudanças e, consequentemente, melhorar o zumbido5 6.

Com base nos aspectos supracitados, bem como levando em consideração o prejuízo causado pelo zumbido e a falta de tratamentos definitivos eficientes e viáveis para a maioria dos casos, é evidente a necessidade de propor alternativas para reabilitar esses pacientes.

Portanto, a hipótese deste estudo é que o uso do TA poderia reduzir o incômodo causado pelo zumbido, possivelmente pelo fortalecimento das sinapses da via auditiva, bem como da sincronia de disparo dos neurônios envolvidos no processamento auditivo. Essa melhora gerada pelo TA poderia ser observada por meio da avaliação comportamental (testes que avaliam habilidades auditivas de discriminação de fala, frequência e habilidades temporais5 7 8 9, eletrofisiológica (potencial de longa latência10 e pela melhora na qualidade de vida desses indivíduos (identificada por meio de um questionário específico - Tinnitus Handicap Inventory - THI11.

O objetivo do referido estudo foi verificar o efeito de um programa de treinamento auditivo formal em portadores de zumbido na percepção desse sintoma e no incômodo causado por ele.

MÉTODOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Instituição sob o protocolo de registro nº 1068/10. Todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento livre esclarecido antes do início das avaliações.

Inicialmente, foi realizado um levantamento nos prontuários dos pacientes do Setor de Audiologia de um hospital público de São Paulo e foram selecionados 175 indivíduos que se enquadravam nos critérios de inclusão previamente estabelecidos: idade superior a 18 anos; presença de zumbido constante há mais de dois anos (unilateral ou bilateral); ausência de alterações metabólicas; ausência de alterações neurológicas; presença de limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade ou com perda auditiva neurossensorial até 55 dBNA em qualquer frequência avaliada, para que não houvesse interferência dos limiares auditivos tonais nos potenciais evocados auditivos; imitanciometria indicando ausência de alterações de orelha média; potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) normal.

Após contato e reavaliação desses indivíduos, 162 foram excluídos por não apresentar mais zumbido (após tratamento médico) ou não atendimento aos critérios de inclusão após a reavaliação.

Sendo assim, 12 indivíduos com zumbido efetivamente entraram para a pesquisa, sendo divididos aleatoriamente em dois grupos: Grupo Estudo (GE) (média de idade de 34,83 e DP de 16,28 anos); e Grupo Controle (GC) (média de idade de 34,5 e DP de 17,17 anos), com quatro mulheres e dois homens em cada grupo.

O estudo dividiu-se em três etapas: avaliação, intervenção (treinamento) e reavaliação.

1ª etapa: Avaliação

Os indivíduos realizaram os seguintes procedimentos:

• Anamnese clínica e questionário de gravidade do zumbido (Tinnitus Handicap Inventory - THI - adaptado para o Português), constando 25 questões, sendo o resultado categorizado em cinco graus de gravidade do zumbido (desprezível a catastrófico)11.

  • • Imitanciometria (com o analisador de orelha média da marca Interacoustic modelo AT235h).

  • • Audiometria tonal liminar (250 a 20.000 Hz) em cabina, com o audiômetro modelo GSI-61, marca Grason-Stadler, fones de ouvido supra-aurais modelo TDH-50P para audiometria nas frequências de 0,25 a 8 kHz e fones Sennheiser HDA-200 para as frequências mais altas.

  • • Acufenometria para identificação da loudness e pitch do zumbido.

  • • Avaliação reduzida do processamento auditivo, composta pelos testes: Gaps in Noise - GIN7, Fala com ruído 8 e Padrão de frequência9.

  • • Avaliação eletrofisiológica composta por: PEATE e Potencial evocado auditivo de longa latência (P300). Inicialmente, o PEATE foi realizado em todos os indivíduos para garantir a integridade do tronco encefálico, procurando evitar distorções nos resultados do P300. Os indivíduos somente foram submetidos à gravação do P300 quando confirmada a normalidade na morfologia das ondas e dos valores das latências absolutas das ondas I, III e V e dos interpicos I-III, III-V e I-V. Os critérios de normalidade foram os parâmetros do equipamento Intelligent Hearing Systems modelo 5020. O PEATE foi realizado com os eletrodos nas posições fronte (Fpz), na mastóide esquerda (A1) e na mastóide direita (A2), estímulo "clique", de polaridade rarefeita, monoauralmente a 80 dBNA, com velocidade de apresentação de 19,0 estímulos por segundo, totalizando 2000 estímulos, janela de análise de 10,24 ms, filtros passa-baixo (3000 Hz) e passa-alto (100 Hz).

O P300 foi realizado com os eletrodos posicionados no vértex (Cz), mastóides esquerda (A1), direita (A2) e fronte (Fpz). Foram utilizados os estímulos tone-burst em 1000 Hz (frequente) e 1500 Hz (raro), apresentados monoauralmente a 75 dBnNA, com velocidade de 1,1 estímulos por segundo, totalizando 300 estímulos (20% raro e 80% frequente), janela de análise de 512 ms, filtros passa-baixo de 30 Hz e passa-alto de1Hz.

Os indivíduos foram instruídos a contar mentalmente os estímulos raros e, ao término das apresentações, relataram o número de estímulos. O critério de normalidade utilizado foi o proposto por estudo prévio12.

2ª etapa: Intervenção (treinamento)

Após a avaliação, os indivíduos foram divididos em dois grupos:

  • • Grupo Estudo (GE), que foi submetido a oito sessões de treinamento auditivo (TA) formal semanal, em cabina acústica, por aproximadamente 40 minutos, cujas atividades enfocavam, principalmente, habilidades auditivas temporais e de atenção (ordenação temporal, resolução temporal, fechamento auditivo, figura-fundo, integração e separação binaural). As atividades foram planejadas de forma a não serem as mesmas em todas as sessões e o grau de dificuldade foi aumentando em cada sessão, sendo utilizadas as mesmas atividades para todos os indivíduos13.

  • • Grupo Controle (GC), que foi submetido a oito sessões de treinamento visual (TV), uma vez por semana, por aproximadamente 40 minutos. As atividades visuais (jogo 7 erros, caça palavras, palavras cruzadas e sudoku) foram impressas e eram as mesmas para todos os indivíduos, iniciando pelas atividades menos complexas e, à medida em que os acertos foram se tornando mais consistentes, as atividades tornaram-se mais difíceis. Vale ressaltar que os indivíduos desse grupo não receberam nenhum tipo de estímulo auditivo durante a sessão de TV.

Ao término das oito sessões de treinamento (TA ou TV), foi realizado um intervalo de dois meses e, em seguida, a reavaliação foi realizada.

3ª etapa: Reavaliação

Foram realizados, novamente, os seguintes procedimentos: avaliação do Processamento Auditivo reduzida; Avaliação Eletrofisiológica da Audição; Aplicação do THI.

Quanto à análise estatística, inicialmente foi realizada a análise descritiva das variáveis. Para variáveis que apresentavam medidas diferentes para cada orelha, por exemplo: teste de Fala com ruído com um resultado para cada orelha, foram comparadas dentro de cada grupo e, como não apresentaram diferença estatisticamente significante, as mesmas foram agrupadas entre si. No caso da análise da intervenção pré e pós-treinamento e comparação entre os grupos, utilizamos o teste ANOVA. Para tanto, na comparação pré e pós-treinamento criou-se a seguinte regra: resultado pós menos resultado pré é igual à diferença. Essa diferença foi comparada entre os grupos para cada teste realizado. Para todas as análises foi adotado o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Caracterização da casuística

Em relação ao zumbido, dos seis indivíduos no GE, um apresentou zumbido unilateral na orelha direita e os outros cinco apresentaram zumbido bilateral. Para o GC, foram dois indivíduos com zumbido unilateral (um na orelha direita e um na orelha esquerda) e quatro com zumbido bilateral.

A análise do pitch do zumbido para o GC mostrou média para ambas as orelhas de 7675 Hz (DP: 6593) e para GE média de 7606 Hz (DP: 6041), sem diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,984).

Quanto à loudness, o GC teve média para ambas as orelhas de 19 dBNS (DP: 18,67) e o GE média de 7,27 dBNS (DP: 7,19), sem diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,146).

Em relação aos limiares auditivos para as frequências de 0,25 a 20kHz (Tabela 1), não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos para nenhuma das frequências testadas.

Tabela 1: Limiares auditivos (em dBNA), considerando as orelhas direita e esquerda juntas, segundo a média e desvio-padrão por grupo e valor p 

Legenda: GC = grupo controle; GE = grupo estudo; DP = desvio padrão

Vale ressaltar que, apesar das médias dos limiares auditivos para os grupos estarem dentro dos limites de normalidade para a audiometria convencional, alguns indivíduos apresentaram perda auditiva. Para o GE, dois tiveram perda auditiva neurossensorial leve e um apresentou perda auditiva neurossensorial moderada. Para o GC, dois indivíduos tiveram perda auditiva neurossensorial leve.

Avaliação Comportamental

Pela Tabela 2 pode-se observar que embora os resultados mostrem uma diferença mais acentuada para o GE, em todos os testes comportamentais realizados, não houve diferença estatisticamente significante para nenhum deles.

Tabela 2: Diferença pós e pré-intervenção para os testes da avaliação comportamental do processamento auditivo por grupo, segundo a média, desvio-padrão e valor p 

Legenda: GC = grupo controle; GE = grupo estudo; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda; ms = milissegundo; FR = Fala com Ruído; GIN = Gaps in noise; TPF = Teste de Padrão de Frequência; DP = desvio padrão

Avaliação eletrofisiológica

A Tabela 3 evidencia que as latências do P300 pós-treinamento para o GE estavam diminuídas quando comparadas ao pré-treinamento. No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significante.

Tabela 3: Diferença pós e pré-intervenção para a latência do P300 por grupo, segundo a média, desvio-padrão e valor p 

Legenda: GC = grupo controle; GE = grupo estudo; ms = milissegundo; DP = desvio padrão

Questionário de gravidade do zumbido

Na comparação da pontuação do THI entre os instantes pré e pós-treinamento, não foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos (Tabela 4). Embora sem diferença significante, observamos que houve melhora na pontuação para o GE, enquanto houve piora para o GC. Cabe mencionar que de acordo com a classificação pela média de pontuação do THI, o GE passou do grau leve para o grau desprezível, enquanto o GC manteve-se no grau leve.

Tabela 4: Diferença pós e pré-intervenção para a pontuação do Tinnitus Handicap Inventory por grupo, segunda a média, desvio-padrão e valor p 

Legenda: GC = grupo controle; GE = grupo estudo; DP = desvio padrão; THI = Tinnitus Handicap Inventory

Na classificação individual dos participantes para o THI, os indivíduos do GC apresentaram pré intervenção: três, zumbido leve; três, zumbido desprezível. Quanto ao GE, dois apresentaram zumbido leve e quatro, desprezível. Para a pontuação pós intervenção, um dos indivíduos do GE mudou a classificação de leve para desprezível e um do GC mudou de leve para moderado. Os outros indivíduos, de ambos os grupos, mantiveram suas classificações iniciais.

DISCUSSÃO

No que se refere às características do zumbido, avaliadas por meio da acufenometria, o pitch, para ambos os grupos, obteve média de aproximadamente 7 kHz. Esses achados concordam com outro estudo15 que também verificou valores referentes ao pitch do zumbido em frequências mais altas.

O zumbido já foi relacionado à frequência do pitch com a presença de perda auditiva numa determinada frequência ou à frequência em que o limiar auditivo apresentava-se mais elevado no audiograma14. Outros autores discordam dessa afirmação, relatando que o pitch do zumbido nos casos de perda auditiva neurossensorial tende a ser mais agudo e que o sintoma pode apresentar-se em qualquer região de frequência onde haja perda auditiva significativa15.

Em relação à média da loudness, observamos que o grupo controle obteve média de 19 dBNS e o grupo estudo, média de 7,27 dBNS. Nossos resultados estão próximos aos valores de loudness obtidos por outros autores14, que verificaram valores que variaram de 5 a 15 dBNS.

Quanto à lateralidade do zumbido, observamos maior prevalência de zumbido bilateral em ambos os grupos, o que está de acordo com outros estudos prévios16 17.

Quanto à audiometria convencional, observamos que as médias dos limiares auditivos de ambas as orelhas encontram-se dentro dos padrões de normalidade e não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos, embora alguns indivíduos do referido estudo apresentem perda auditiva do tipo neurossensorial de grau leve a moderado, tanto no grupo estudo quanto no grupo controle. Dos cinco indivíduos que têm perda auditiva neurossensorial, quatro possuem idade superior a 50 anos.

Alguns pesquisadores observaram que a incidência de zumbido é maior na população de adultos mais velhos, associando esse fato a perdas auditivas, traumas cranianos, exposição a ruído, hipertensão, ansiedade, dentre outros fatores18.

Um estudo prévio19 ressaltou que o aumento da prevalência de zumbido em pacientes mais velhos não significa, necessariamente, que o zumbido, como sintoma único, irá aumentar com a idade. Afirmou, outrossim, que as medidas audiométricas em indivíduos com zumbido podem estar mais correlacionadas com o fator idade e que, nos indivíduos mais velhos, a presença de zumbido está associada, na maioria dos casos, com a perda auditiva.

Na comparação entre os grupos para a audiometria de altas frequências, os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significantes, porém os valores dos limiares auditivos para altas frequências apresentaram-se mais elevados nos indivíduos mais velhos, seguindo o mesmo padrão visualizado para a audiometria convencional. Esses achados concordam com outro estudo17, que enfatizou a relação entre aumento da idade e aumento dos limiares auditivos em altas frequências.

Cabe ressaltar que alguns autores que compararam limiares auditivos de altas frequências entre indivíduos com e sem zumbido20 verificaram significante piora nos indivíduos com zumbido quando comparados com indivíduos sem zumbido. Esse fato sugere que nos portadores de zumbido a função coclear pode estar comprometida, mesmo na ausência de perda auditiva detectada pela audiometria convencional14 21 22.

Avaliação comportamental

Em estudo anterior, que comparou indivíduos com e sem queixa de zumbido, identificou-se que o zumbido interfere na habilidade de fechamento auditivo. No entanto, em virtude da alta prevalência de perda auditiva naquela população, é difícil precisar o efeito exato do zumbido, excluído o efeito da perda auditiva23.

Na comparação dos resultados para o teste de Fala com Ruído entre os instantes pré e pós, observamos que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, sugerindo que o treinamento utilizado (auditivo ou visual) não teve interferência sobre a habilidade de fechamento auditivo.

É importante mencionar que, numa análise individual, todos os indivíduos apresentaram os resultados do teste de Fala com Ruído dentro da normalidade, no momento da avaliação pré-intervenção. Esse fato pode ter colaborado para a não ocorrência de melhora significante na porcentagem de acertos, mesmo após o treinamento auditivo. A presença do efeito-teto em tarefas auditivas já foi relatada anteriormente24. Em virtude do efeito-teto, a investigação dos efeitos de magnitude em tarefas auditivas para indivíduos sem alteração do processamento auditivo fica limitada24, o que pode ser aplicado ao presente estudo, já que os participantes não apresentaram resultados alterados nesse teste.

No caso da resolução temporal, não há consenso na literatura a respeito da alteração dessa habilidade em indivíduos com zumbido. Em uma investigação anterior25, por exemplo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos com e sem zumbido, no que se refere ao GIN. Já outro estudo26 verificou que os indivíduos com zumbido apresentaram prejuízo na habilidade auditiva de resolução temporal.

No presente estudo, dentre os 12 participantes, dois apresentaram alteração nos resultados do GIN (um do GE e um do GC). Sendo assim, apesar de não existir consenso na literatura quanto a alteração da resolução temporal em pacientes com zumbido, e embora a casuística da presente pesquisa seja pequena, sugerimos que essa habilidade auditiva seja mais bem investigada em futuros estudos sobre o assunto, pois pode colaborar para elucidar as dúvidas que ainda existem sobre o zumbido.

Na comparação dos instantes pré e pós-treinamento entre os dois grupos para o GIN, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes. Cabe mencionar que em relação aos dois indivíduos que apresentaram alteração nesse teste, o participante do GE mostrou evolução entre os instantes pré e pós (de 58 para 70% de acertos), enquanto o participante do GC manteve seu desempenho. Esses resultados eram esperados, já que houve treinamento da habilidade de resolução temporal para o GE3.

Para o Teste de Padrão de Frequência, as médias obtidas para ambos os grupos estão dentro dos padrões de normalidade para adultos. No entanto, se analisarmos os resultados individualmente verificamos que dois indivíduos mostraram resultados alterados para esse teste, sendo os dois do GC. Cabe ressaltar que os resultados mantiveram-se alterados no instante pós-intervenção, como era esperado, uma vez que esse grupo não foi submetido ao treinamento auditivo.

Em relação à comparação dos instantes pré e pós entre os grupos estudados para o teste de Padrão de Frequência, não observamos diferenças estatisticamente significantes.

Estudos pregressos5 6 utilizaram diferentes paradigmas de treinamento de discriminação auditiva, buscando obter melhora do zumbido em pacientes com esse sintoma. No entanto, esses estudos não utilizaram testes comportamentais para avaliação do processamento auditivo pré e pós-intervenção. Outros estudos que correlacionassem a habilidade auditiva de discriminação auditiva com o zumbido e, principalmente, que avaliassem essa habilidade auditiva na população não foram encontrados na literatura.

Sendo assim, pode-se inferir, numa análise geral, que para os testes comportamentais não foram observadas diferenças estatisticamente significantes pré e pós-intervenção quando comparados os grupos GE e GC, sugerindo que o treinamento auditivo utilizado no presente estudo não foi capaz de provocar uma modificação significativa no SNAC, mensurável pela avaliação comportamental.

Avaliação Eletrofisiológica

Os sítios geradores dos potenciais evocados auditivos tardios ou de longa latência, apesar de não terem sido estabelecidos com precisão, envolvem o córtex auditivo supratemporal, córtex frontal e o hipocampo12, bem como o tálamo27.

Algumas pesquisas utilizaram PEA tardios para avaliar indivíduos com zumbido, por exemplo, foram verificadas em indivíduos com zumbido: latências normais e redução das amplitudes para N1, P2 e P30028; latências maiores para o componente N129; aumento das latências de N1, N2 e P320. Foi sugerido30 que algumas das alterações observadas nos potenciais tardios em pacientes com zumbido poderiam refletir em um processamento auditivo central anormal associado à sensação do zumbido, que poderia ser um reflexo de processos adaptativos neurais que se seguiram após danos no sistema auditivo periférico.

Na presente pesquisa, as médias obtidas para as latências da onda P3, para ambos os grupos, encontram-se dentro dos padrões de normalidade. As análises dos exames, de forma individual, revelaram que todos os indivíduos do GC e GE apresentaram latências do P300 dentro da normalidade, o que discorda de um dos estudos citados anteriormente16, mas concorda com outro28.

No que se refere à comparação dos resultados do P300 para os instantes pré e pós-treinamento entre GE e GC, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes.

Alguns estudos utilizaram os PEA pré e pós-treinamento para verificarem modificações na via auditiva decorrente da intervenção4 10. No entanto, não foi encontrado nenhum estudo na literatura que tenha comparado os PEA pré e pós-treinamento em pacientes com zumbido.

Dessa maneira, para o P300 houve melhora no tempo de latência na diferença pré e pós-intervenção para o GE, mas essa mudança não foi significativa, quando comparada à diferença pré e pós-intervenção para o GC.

Questionário de gravidade do zumbido

O THI11 é um questionário específico de fácil interpretação e aplicação que auxilia na avaliação dos aspectos: emocional, funcional e catastrófico dos indivíduos acometidos pelo zumbido.

No presente estudo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para a comparação das situações pré e pós-treinamento entre os grupos no que se refere ao THI. Contudo, a classificação do zumbido para o GE mudou de leve para desprezível, enquanto que para o GC a classificação permaneceu em leve.

Outros estudos utilizaram esse instrumento para mensurar a gravidade do zumbido pré e pós-intervenção. A saber, um deles1 encontrou diferença estatisticamente significante com relação ao THI, na comparação pré e pós-intervenção nutricional, em indivíduos que possuíam zumbido e alterações metabólicas.

O THI também foi aplicado em pacientes submetidos a um treinamento de discriminação auditiva, obtendo melhora estatisticamente significante na pontuação do questionário quando comparadas às situações pré e pós-treinamento. Destaca-se que os autores excluíram da pesquisa indivíduos que apresentaram classificação do zumbido severo ou catastrófico6.

Os estudos supracitados conseguiram verificar diferenças evidentes na gravidade do zumbido entre as situações pré e pós-intervenção. A presente pesquisa não verificou diferença significante entre os instantes pré e pós-treinamento entre os grupos para o THI, mas houve a diminuição do grau de incômodo para o GE. Esse fato pode sugerir que o treinamento auditivo teve um efeito, ainda que pequeno, sobre a sensação de zumbido do GE.

É importante comentar também sobre a mudança de grau de leve para moderado de um dos indivíduos do GC que passou pelo treinamento visual. Isso pode estar relacionado à maior conscientização desse participante do GC sobre o sintoma, uma vez que passou por treinamento visual, na ausência de qualquer estímulo auditivo específico, favorecendo a percepção do zumbido, podendo ter aumentado o incômodo causado pelo sintoma.

Outro fato a ser considerado é a loudness do GC. A média da loudness foi maior que a referida pelo GE, podendo estar relacionado com a presença de um maior número de indivíduos no GC com queixa de incômodo de zumbido mais exacerbada. Essa relação entre a loudness e a gravidade do zumbido já foi descrita anteriormente, em estudo específico30.

Em resumo, podemos dizer que o treinamento auditivo utilizado na presente pesquisa não provocou modificações que fossem identificáveis pelos instrumentos ora empregados, já que não foram identificadas diferenças entre os grupos que passaram por treinamento auditivo (GE) e por treinamento visual (GC).

Isoladamente, para alguns indivíduos do GE, observamos pequenas modificações nos resultados dos testes. No entanto, essas modificações dentro do grupo não puderam ser observadas. Em estudos futuros, uma análise qualitativa dos resultados poderia auxiliar na observação das melhoras obtidas individualmente.

Alguns fatores podem ter contribuído para que esses resultados ocorressem. O número pequeno de sujeitos limita a visualização de possíveis modificações pré e pós-intervenção, dada a variabilidade das respostas possíveis intra e inter-indivíduos. Dessa maneira, apenas modificações muito evidentes resultariam em diferenças estatisticamente significantes.

Outro fator digno de nota é a diferença entre os grupos, no que se refere à gravidade do zumbido. Mesmo que de maneira aleatória, o GC foi composto por indivíduos com maior gravidade de zumbido, que pode ser visualizada tanto pela loudness como pela pontuação do THI. Futuros estudos que empreguem a mesma metodologia devem tentar compor grupos mais homogêneos, no que se refere a essa questão.

Em relação ao treinamento auditivo propriamente dito, uma possível limitação é a periodicidade das sessões. Nesse estudo, o treinamento foi realizado seguindo o padrão de estudos com pacientes que possuem alteração no processamento auditivo central13. Possivelmente, para indivíduos com zumbido, essa periodicidade não é a ideal, já que essas pessoas vivenciam o sintoma 24 horas por dia, todos os dias, durante vários anos. No entanto, o aumento da periodicidade gera um aumento de custo para os voluntários.

Outros estudos5 6, que pesquisaram o treinamento da discriminação auditiva em indivíduos com zumbido, utilizaram periodicidade de treinamento auditivo mais frequente e obtiveram melhores resultados quanto à melhora do zumbido.

Para resolver esses dois problemas (aumento da periodicidade do treinamento auditivo e diminuição dos custos), a sugestão seria a criação de um programa de treinamento que o indivíduo pudesse utilizar em casa, por mais dias na semana.

Em suma, apesar dos achados do presente estudo não terem confirmado nossa hipótese inicial, acreditamos que o zumbido é decorrente de modificações plásticas envolvendo o SNAC e que o treinamento auditivo pode ser uma alternativa viável para a melhora desse sintoma. No entanto, lacunas como: tempo de treinamento, periodicidade, forma de realização do treinamento e monitoramento da intervenção devem ser estudadas, buscando auxiliar na busca por um tratamento eficiente para esse sintoma.

CONCLUSÃO

Nossos resultados não mostraram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para a comparação entre os instantes pré e pós-treinamento (auditivo ou visual), tanto para os testes eletrofisiológicos quanto para a avaliação comportamental do processamento auditivo e para o THI, embora algumas diferenças pontuais na análise individual tenham ocorrido. Dessa maneira, estudos futuros sobre o assunto, envolvendo uma amostra maior, podem obter melhores resultados.

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