versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 08-Abr-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190067
A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte em todo o mundo. A atividade física (AF) e uma dieta adequada, quando adotadas na infância e na adolescência, podem reduzir a carga da DCV na fase adulta. O projeto “Ginásio Experimental Olímpico (GEO)” foi implementado para aumentar os níveis de AF dos estudantes por meio de AF regular e hábitos alimentares saudáveis.
estimar e comparar a prevalência dos fatores de risco para DCV em GEOs versus escolas regulares (ERs), e avaliar associações entre o meio escolar e os fatores de risco cardiovascular.
Neste estudo transversal que incluiu um grupo de comparação, estudantes com idade entre 12 e 13 anos de três GEOs (n = 719) e três ERs (n = 394) foram avaliados após um ano de participação no programa para estimar a prevalência de sobrepeso, pré-hipertensão/hipertensão, e de glicemia e perfil lipídico alterados. Um α de 0,05 foi usado para inferências estatísticas.
Estudantes de ERs apresentaram maior chance de serem hipertensos (OR 1,86; 1,36-2,54) e apresentarem sobrepeso (OR 1,49; 1,13-1,98) que estudantes de GEOs. A glicemia não estava alterada na maioria dos casos, independentemente do tipo da escola, e não houve diferenças quanto ao perfil lipídico. Na análise de sensibilidade estratificada por gênero, estudantes do sexo feminino das ERs apresentaram maior probabilidade de apresentarem índice de massa corporal elevado que os do sexo masculino.
A exposição dos adolescentes às políticas adotadas pelos GEOs associou-se positivamente com uma importante redução nos fatores de risco para DCV, incluindo hipertensão e sobrepeso.
Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Hipertensão; Sobrepeso; Dislipidemias; Exercício; Estilo de Vida; Criança; Adolescente; Dieta
Cardiovascular disease (CVD) is the leading cause of death worldwide. Physical activity (PA) and appropriate diet, if adopted in childhood and adolescence, may reduce the CVD burden in later life. The Olympic Experimental Gymnasium (OEG) project was implemented to increase the PA levels of students by means of regular physical exercise and healthy eating habits.
To estimate and compare the prevalence of CVD risk factors in OEG schools versus regular schools (RSch) and to examine associations between the school environment and CVD risk factors.
In this cross-sectional study with a comparator group, adolescents aged 12-13 years attending three OEG schools (n = 719) and three RSch (n = 394) were evaluated after one year of the ongoing program to estimate the prevalence of overweight, pre-hypertension/hypertension, altered glycemia, and lipid profile. An α level of 0.05 was set for statistical analysis.
RSch students had higher odds to have high blood pressure (OR 1.86, 1.36-2.54) and to be overweight (OR 1.49, 1.13-1.98) than OEG students. Glucose levels were not altered in most cases regardless of school type, and no differences were found in lipid profile. In the sensitivity analysis stratified by gender, girls from RSch were more likely to have high body mass index than boys.
Exposure of adolescents to the OEG policies was positively associated with an important reduction in CVD risk factors, including high blood pressure and overweight.
Keywords: Cardiovascular Diseases/mortality; Hypertension; Overweight; Dyslipidemias; Exercise; Life Style; Child; Adolescent; Diet
O número de mortes atribuídas ao sedentarismo pode atingir valores próximos a cinco milhões de pessoas no mundo.1 Entre os adolescentes, a prevalência de um estilo de vida sedentário também é alta. O Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) encontrou uma frequência de 54% de sedentarismo, o qual foi ainda mais prevalente entre as adolescentes do sexo feminino.2 O mesmo estudo, ao considerar cerca de 37 mil indivíduos, relatou que níveis maiores de atividade física (AF) associaram de maneira independente com risco cardiovascular e com tempo de inatividade física. Um dado interessante foi que os níveis de AF parecem não mudar a associação entre índice de massa corporal (IMC) e risco cardiovascular.3
Padrões de estilo de vida relacionados a hábitos alimentares e práticas de AF estabelecidos no meio escolar podem ter consequências potenciais na vida adulta. Existem evidências de que a aterosclerose se inicia em fases precoces da vida, evoluindo lenta e progressivamente até idades avançadas.4 Scherr et al.,5 afirmaram que é importante considerar a presença de fatores de risco cardiovascular em escolares e que esses fatores podem estar relacionados com o estilo de vida.
Considerando que os jovens passam a maior parte do seu tempo na escola, o papel dos programas escolares não pode ser subestimado.6 Nesse sentido, as formas mais comuns de aumentar AF por meio da escola baseiam-se em aulas de educação física e atividades físicas extracurriculares. No entanto, essas atividades são geralmente pouco aplicadas. 7
Intervenções escolares para aumentar a prática de AF parece uma estratégia viável para reduzir fatores de risco. Knox et al.,8 relataram uma diminuição nos fatores de risco cardiovasculares em 115 alunos de 12 anos de idade após uma intervenção na escola durante 18 semanas. O projeto ACORDA também relatou uma redução na obesidade em adolescentes após aumentarem os níveis de AF com e sem orientação sobre a alimentação após uma abordagem durante um período de oito meses.9
Em 2012, o governo da cidade do Rio de Janeiro iniciou um projeto que integrou treinamento acadêmico e esportivo, o Ginásio Experimental Olímpico (GEO).10 O projeto deu ênfase à prática de esportes (duas horas por dia, cinco vezes por semana), e foram fornecidas cinco refeições saudáveis para os estudantes diariamente. Nas escolas regulares (ERs), por outro lado, a prática de AF é limitada (uma vez por semana), e os estudantes recebem somente uma refeição por dia.
Nesse contexto, nosso objetivo foi avaliar possíveis associações entre o ambiente escolar nos GEOs versus ERs e importantes fatores de risco para doença cardiovascular (DCV) em adolescentes. Nossa hipótese foi a de que os adolescentes que frequentam as ERs estariam mais propensos a apresentarem fatores de risco que aqueles frequentando escolas do projeto GEO.
Este artigo foi escrito de acordo com os padrões estabelecidos no Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) para estudos transversais.11
Foi realizado um estudo transversal que incluiu um grupo de comparação em seis escolas públicas do Rio de Janeiro - três GEOs e três ERs. A coleta de dados foi realizada nas escolas entre 2013 e 2015. Os dados foram sempre coletados pelas manhãs, no mesmo dia da semana, por um mesmo pesquisador treinado. Para inferências de associação, consideramos o tipo da escola (ER ou GEO) como exposição, e importantes fatores de risco cardiovasculares como desfecho, tratados como variáveis categóricas. Um total de 1113 alunos foram incluídos em uma razão de alocação 2:1 para exposição (719 alunos frequentando GOEs) e não exposição (394 alunos frequentando ERs).
Foram considerados elegíveis estudantes regularmente matriculados do sexto ao nono ano, que frequentaram a mesma escola por pelo menos um ano. Os alunos dos GEOs deveriam estar ativamente envolvidos em AFs com gasto energético > 5 equivalentes metabólicos (METs) cinco vezes por semana, seguindo a política do GEO. A participação nas atividades físicas era relatada pelos próprios estudantes ou seus pais.
Na seleção dos pacientes para o grupo de comparação, tentou-se parear os estudantes o mais próximo possível para evitar potenciais fatores de confusão. Portanto, foi realizado um pareamento quanto à idade cronológica, sexo e ano escolar. Nas ERs, os estudantes praticavam AF por cerca de uma hora por semana.
No momento da coleta de dados, havia quatro GEOs em funcionamento no Rio de Janeiro, mas somente três deles em funcionamento por um ano ou mais. Assim, todos os GEOs foram incluídos sem que houvesse um planejamento prévio do tamanho amostral. As ERs, selecionadas por conveniência, estavam localizadas na mesma região geográfica que os GEOs, para evitar discrepâncias, especialmente socioeconômicas. Tanto GEOs como ERs eram escolas públicas, frequentadas por estudantes de todas as regiões da cidade.
Foi obtido consentimento informado de todos os estudantes participantes bem como de seus pais ou responsáveis. A primeira visita na escola foi agendada, e os seguintes procedimentos foram realizados: coleta de amostra de sangue periférico, entrevista médica, exame físico, e medida da pressão arterial (PA).
Uma equipe médica entrevistou todos os estudantes e seus pais ou responsáveis, utilizando um questionário estruturado desenvolvido especificamente para o estudo. No questionário, informações quanto ao sexo, idade, história clínica e dados atuais de saúde relevantes foram coletados. A equipe médica também avaliou adolescentes, incluindo avaliação antropométrica, medida da PA, e coleta de amostra sanguínea.
As amostras de sangue capilar foram coletadas após jejum de doze horas para medidas dos níveis de glicose, colesterol total, e triglicerídeos (Roche AccuTrend Plus Kits®). Níveis alterados de glicose, colesterol total e triglicerídeos foram considerados como resultados acima de 99 mg/dL, 170 mg/dL e 130 mg/dL, respectivamente. A altura e o peso corporal foram medidos usando uma balança da marca Filizola® (capacidade máxima de 150 Kg) com estadiômetro vertical (220 cm). Com base no IMC, os indivíduos foram classificados como eutrófico, sobrepeso e obeso, de acordo com percentis de altura e idade para cada indivíduo. A PA foi medida três vezes na posição sentada, usando um esfigmomanômetro aneroide calibrado, em milímetros de mercúrio. Os alunos com PA sistólica e diastólica acima do percentil 95 para o sexo, idade e altura, foram considerados hipertensos, enquanto que os alunos com valores de PA sistólica e diastólica entre os percentis 90 e 95 foram classificados como pré-hipertensos. Todos os estudantes incluídos nas análises haviam participado do programa de AF por pelo menos um ano. Essa medida foi tomada para minimizar o risco de causalidade reversa. Os valores de referência utilizados foram baseados nas recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria.12
Foi conduzida uma análise descritiva, e os dados foram expressos em média e desvio padrão para características basais e variáveis contínuas, e como frequências absolutas e porcentagens para as variáveis categóricas. Na análise inferencial, o teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a normalidade da distribuição dos dados. Os grupos foram comparados quanto às variáveis contínuas usando o teste t de Student bicaudal para amostras independentes e quanto as variáveis categóricas usando o teste do qui-quadrado.
A associação entre exposição (escola) e desfechos em saúde foi avaliada por regressão logística binominal, e seu diagnóstico realizado para corroborar a análise. Os desfechos em saúde em relação a níveis alterados de triglicerídeos, colesterol, sobrepeso/obesidade (considerados como uma única variável), e pré-hipertensão/hipertensão foram dicotomizados em “SIM” e “NÃO” de acordo com os limiares recomendados pela Sociedade Brasileira de Pediatria.12 Estimativas pontuais para as associações foram expressas em odds ratio (OR) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), e todas as análises foram ajustadas por sexo e idade. Uma análise de sensibilidade exploratória seria realizada em caso de discordância entre as variáveis pareadas. Os GEOs foram escolhidos como grupo de referência em todas as análises. Não foi realizada imputação de dados faltantes, e foram usados todos os dados disponíveis para cada análise. Todas as análises estatísticas foram conduzidas usando o programa estatístico StataSE versão 14.0. Um valor de a de 0,05 foi usado para inferências estatísticas.
Um total de 1113 estudantes foram rastreados, incluídos e avaliados. Desses, 719 frequentavam GEOs e 394 frequentavam ERs. A Tabela 1 apresenta dados comparativos entre alunos de GEOs e ERs, bem como o número de alunos analisados para cada categoria.
Tabela 1 Comparação de características demográficas e antropométricas, e fatores de risco cardiovascular entre estudantes de Escolares Regulares (ERs) e Ginásios Experimentais Olímpicos (GEOs)
Variável | GEOs | ERs | Valor de p* |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 12,6 ± 1,2 (n = 719) | 13,3 ± 1,5 (n = 394) | |
IMC (kg/m2) | 20,5 ± 4,3 (n = 716) | 21,4 ± 4,4 (n = 394) | 0,001 |
Sobrepeso | 191/716 (26,7%) | 133/394 (33,8%) | 0,01 |
Glicemia alterada | 1/700 (0,1%) | 0/393 (0,0%) | NA |
Colesterol total alterado | 270/714 (37,8%) | 152/393 (38,7%) | 0,78 |
Triglicerídeo alterado | 403/624 (64,6%) | 253/387 (65,4%) | 0,80 |
Pré-hipertensão/ hipertensão | 116/712 (16,3%) | 112/393 (28,5%) | < 0,001 |
Dados expressos em média ± desvio padrão ou números absolutos (porcentagem). IMC: índice de massa corporal; NA: não aplicável; valor p obtido pelo teste do qui-quadrado ou teste t de Student.
Os alunos das ERs apresentaram maior IMC que alunos de GEOs (21,4 ± 4,4 vs 20,5 ± 4,3 kg/m2, p < 0,001), e sobrepeso também foi mais prevalente nos alunos de ERs (33,8% vs 26,7%, p = 0,001). A prevalência de hipertensão foi mais alta nos alunos de ERs que de GEOs (28,5% vs. 16,3%, p = 0,013). Não houve diferença entre as escolas na frequência de estudantes com glicemia, ou níveis de colesterol total e triglicerídeos alterados.
Apesar dos nossos esforços para parear os grupos quanto ao sexo, o teste do qui-quadrado apontou diferenças entre os grupos, com uma maior proporção de estudantes do sexo feminino nas ERs que nos GEOs (64,0% vs. 49,4%, p < 0,001). Por esse motivo, realizamos uma análise de sensibilidade estratificada por sexo (Tabela 2).
Tabela 2 Comparação de características demográficas e antropométricas, e fatores de risco cardiovascular entre estudantes de Escolares Regulares (ERs) e Ginásios Experimentais Olímpicos (GEOs), estratificada por sexo
Variável | Feminio | Maculino | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
GEOs | ERs | Valor de p | GEOs | ERs | Valor de p | |
Estudantes | 354 (49,4%) | 252 (64,0%) | < 0,001 | 362 (50,6%) | 142 (36,0%) | < 0,001 |
Idade (anos) | 12,6 ± 1,2 (n = 354) | 13,4 ± 1,4 (n = 252) | < 0,001 | 12,6 ± 1,1 (n = 362) | 13,2 ± 1,6 (n = 142) | < 0,001 |
IMC (kg/m2) | 20,6 ± 4,3 (n = 354) | 21,9 ± 4,5 (n = 252) | 0,001 | 20,3 ± 4,2 (n = 362) | 20,6 ± 3,9 (n = 142) | 0,56 |
Sobrepeso | 86/354 (24,3%) | 90/252 (35,7%) | 0,002 | 105/362 (29,0%) | 43/142 (30,3%) | 0,78 |
Glicemia alterada | 1/348 (0,3%) | 0/252 (0,0%) | NA | 0/352 (0,0%) | 0/141 (0,0%) | NA |
Colesterol total alterado | 146/355 (41,1%) | 107/252 (42,5%) | 0,74 | 124/359 (34,5%) | 45/141 (31,9%) | 0,56 |
Triglicerídeo alterado | 226/321 (70,4%) | 162/247 (65,6%) | 0,22 | 177/303 (58,4%) | 91/140 (65,0%) | 0,19 |
Pré-hipertensão/ hipertensão | 61/352 (17,3%) | 67/251 (26,7%) | 0,006 | 55/360 (15,3%) | 45/142 (31,7%) | < 0,001 |
Dados expressos em média ± desvio padrão ou número absoluto (porcentagem); IMC: índice de massa corporal; NA: não aplicável; valor p obtido pelo teste do qui-quadrado ou teste t de Student
A diferença de IMC encontrada entre os alunos de ERs e GEOs limitou-se às adolescentes do sexo feminino (21,9 ± 4,5 vs. 20,6 ± 4,3 kg/m2, p = 0,001), não se observando diferenças quando somente os alunos do sexo masculino foram comparados (20,6 ± 3,9 vs. 20,3 ± 4,2 kg/m2, p = 0,564). Observou-se uma diferença na prevalência de sobrepeso entre alunas do sexo feminino de ERs e GEOs (35,7% vs. 24,3%, p = 0,002), mas não entre os do sexo masculino 30,3% vs. 29,0%, p = 0,777). Não houve diferença em nenhum outro parâmetro avaliado.
Para estimativas baseadas em associações, utilizou-se um modelo de regressão logística binária para cada marcador de saúde, ajustado para idade e sexo, e os resultados apresentados na Tabela 3.
Tabela 3 Modelos de regressão logística binária usando fatores de risco cardiovascular como variáveis independentes, ajustados por idade e sexo
Sobrepeso | Pré-hipertensão/hipertensão | Colesterol total alterado | Triglicerídeo alterado | |
---|---|---|---|---|
Totala,b | (n = 1010) | (n = 1105) | (n = 1104) | (n = 1010) |
ER | 1,49 [1,13 - 1,98]§ | 1,86 [1,36 - 2,54]§ | 1,01 [0,77 - 1,31] | 0,88 [0,66 - 1,16] |
Meninasa | (n = 606) | (n = 603) | (n = 606) | (n = 567) |
ER | 1,89 [1,30 - 2,75]§ | 1,66 [1,10 - 2,51]§ | 1,03 [0,73 - 1,45] | 0,69 [0,48 - 1,01] |
Meninosa | (n = 404) | (n = 502) | (n = 498) | (n = 443) |
ER | 1,09 [0,71 - 1,69] | 2,20 [1,37 - 3,54]§ | 0,95 [0,62 - 1,46] | 1,19 [0,78 - 1,82] |
Dados expressos em odds ratio e intervalo de confiança de 95%: OR [95%: limite inferior- limite superior]. ER: escola regular;
aajustado para idade;
bajustado para sexo,
§p < 0,05.
Após ajuste para sexo e idade, os alunos das ERs eram mais propensos a apresentarem sobrepeso (OR 1,49; 1,13-1,98), hipertensão e pré-hipertensão (OR 1,86; 1,36-2,34), ao passo que não foram observadas diferenças entre os grupos quanto à frequência de indivíduos com níveis alterados de colesterol total e triglicerídeos.
Após estratificação por sexo, devido à diferença previamente encontrada quanto ao sexo entre as escolas, as estudantes do sexo feminino das ERs apresentaram maior chance de apresentarem sobrepeso (OR 1,89; 1,30-2,75) e pré-hipertensão/hipertensão (OR 1,66; 1,10-2,51), sem associação com níveis alterados de colesterol total e triglicerídeos. Para os alunos do sexo masculino, somente a associação entre ser matriculado em ER e pré-hipertensão/hipertensão foi significativa (OR 2,20; 1,37-3,54).
Neste estudo tipo coorte, confirmamos nossa hipótese de que o risco cardiovascular é menos prevalente em estudantes de GEOs em comparação àqueles de ERs. Nossos resultados são importantes por destacar a associação entre a adoção de políticas saudáveis na escola e fatores de risco para DCV em estudantes adolescentes.
Uma análise de diferenças entre proporções mostrou que o sobrepeso e a pré-hipertensão/hipertensão eram menos frequentes em GEOs. A prevalência de alunos com sobrepeso nos GEOs foi aproximadamente 11% menor, e essa diferença foi ainda maior para a prevalência de pré-hipertensão/hipertensão (aproximadamente 13%) entre as escolas. Os níveis de glicose não estavam alterados na maioria dos casos. O perfil lipídico encontrava-se alterado em quase metade dos estudantes, embora não houve diferença estatística entre as escolas.
O estudo ERICA de 2016, o maior estudo transversal envolvendo todas as regiões do Brasil para avaliar a frequência de fatores de risco cardiovascular nos estudantes, também avaliou indivíduos da mesma idade que nosso estudo (12-14 anos), e da mesma região geográfica (sudeste).13,14 Vale destacar que o estudo ERICA relatou menor taxa de pré-hipertensão/hipertensão (6,5%; 5,5-7,8%) e uma menor prevalência global de sobrepeso (18,4%; 15,5-21,6%) no subgrupo de indivíduos da mesma faixa etária e residentes da mesma região geográfica em comparação às encontradas em nosso estudo. Por outro lado, Cureau et al.,14 relataram uma prevalência de 31,3% para hipertensão e 23,9% para sobrepeso em um grupo similar. Várias razões podem explicar essas diferenças, a maioria em relação ao critério usado para definir pré-hipertensão/hipertensão e sobrepeso, além de diferentes métodos, incluindo as medidas obtidas por aparelhos oscilométricos e aneroides.15 Quanto às diferenças entre os GEOs e as ERs, Cureau et al.,14 fornecem achados importantes para explicá-los, já que a prevalência de sedentarismo em sua coorte era de aproximadamente 51%.
Considerando o risco atribuível ao sedentarismo no desenvolvimento de hipertensão e obesidade,16-18 parece plausível a hipótese de que as diferenças no estado de saúde entre alunos de GEO e ERs podem ser resultantes da política de AF adotada na GEO. O período de tempo para as mudanças de peso e o controle da PA por meio de intervenções não-farmacológicas,19 e a associação entre a política de AF e os fatores de risco cardiovasculares 20,21 podem apoiar essa hipótese. Para o perfil lipídico, a ausência de diferença estatística entre os estudantes das duas escolas não foi um resultado surpreendente, já que a AF sabidamente exerce somente um pequeno efeito sobre os níveis lipídicos.22 Contudo, a alta prevalência de dislipidemia deve ser investigada.
Na amostra total, a prevalência de dislipidemia foi quase duas vezes maior na ER que nos GEOs (38,1% vs. 64,9%). No estudo ERICA,23 a frequência de indivíduos com hipercolesterolemia e com hipertrigliceridemia foi de 20,1%, e 7,8%, respectivamente, em uma amostra de 38 069 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos. Uma possível explicação para a discrepância entre nossos dados e os dados da literatura é a de que a faixa etária de 12-13 anos corresponde ao período de estirão de crescimento em meninos e meninas, em que ocorrem interações hormonais e biológicas que podem afetar os marcadores biológicos, o que torna difícil sua quantificação.24
Também é importante destacar a associação entre obesidade e hipertensão. Bloch et al.,12 relataram uma maior prevalência de hipertensão em adolescentes obesos (28,4%) que em adolescentes com sobrepeso (15,4%) e eutróficos (6,3%). A fração de hipertensão atribuível à obesidade foi 17,8%, o que aumenta a hipótese de que cerca de um quinto de pacientes hipertensos não seriam hipertensos se não fossem obesos. Tal fato é importante e poderia ser usado como referência aos tomadores de decisões sobre os potenciais benefícios de se aumentarem intervenções de prática de AF nas escolas, incluindo desfechos intermediários, tal como o controle da hipertensão, a qual é considerada a principal causa de mortalidade cardiovascular na vida adulta.25
Um dado interessante foi que, apesar de que estudantes de ambos os sexos das ERs eram mais sedentários e hipertensos/pré-hipertensos, somente as do sexo feminino pareciam se beneficiarem mais do fato de frequentarem os GEOs considerando o controle de peso corporal. Uma possível explicação para esse achado é a de que os meninos são geralmente mais fisicamente ativos que as meninas, e frequentemente mais envolvidos em AF não regular.26
Em relação à análise de regressão logística binominal exploratória usada em nosso estudo, após ajuste quanto à idade e sexo, os alunos de ERs apresentaram maior chance de apresentarem sobrepeso e pré-hipertensão/hipertensão que os alunos de GEOs, corroborando o racional e os resultados descritos acuma.19 Na realidade, não foram observadas diferenças entre os grupos quanto à frequência de estudantes com glicemia ou perfil lipídico alterado. Os resultados do International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE), um amplo estudo transversal multicêntrico, mostrou uma associação positiva entre o comportamento sedentário e a obesidade, mesmo em análise de agrupamento com 6000 estudantes de 12 países,27 e na avalição daqueles que seguiam as recomendações das diretrizes sobre prática de exercício física nas 24 horas do dia.28
Em relação à nossa análise de sensibilidade no modelo de regressão logística, é importante destacar que a magnitude da associação entre a política escolar e apresentar sobrepeso aumentou para estudantes do sexo feminino [OR: de 1,49 [1,13-1,98] para 1,89 [1,13-2,75]) e diminuiu nos do sexo masculino [OR: de 1,49 [1,13-1,98] para 1,09 [0,71-1,69]), quando comparada ao modelo todo ajustado. Em relação à associação entre a política da escola e a presença de pré-hipertensão/hipertensão, a magnitude da associação diminuiu ligeiramente para estudantes do sexo feminino [OR: de 1,86 (1,36-2,54) para 1,66 (1,10-2,51)] e aumentou para estudantes do sexo masculino (OR: de 1,86 [1,36-2,54] para 2,20 [1,37-3,54]), sem diferença no perfil lipídico.29
Apesar do desequilíbrio entre os sexos, o qual motivou a análise de sensibilidade, deve existir uma explicação para as mudanças na magnitude das estimativas pontuais. Estudos prévios indicam que, em geral, adolescentes do sexo feminino têm maior probabilidade de apresentar sobrepeso que os do sexo masculino, possivelmente por esses serem mais fisicamente ativos e menos sedentários.30 No entanto, dados do NHANES revelaram que a prevalência dos fatores de risco para DCV e síndrome metabólica era maior em meninos que em meninas,31 o que está de acordo com a afirmativa que meninos têm mais chance de apresentar pré-hipertensão/hipertensão que as meninas.32 Esse fato aparentemente inesperado é corroborado pelo presente estudo. Entre as adolescentes, 606 apresentavam sobrepeso, e 603 tinham o diagnóstico de pré-hipertensão ou hipertensão. Esses números indicam que outros fatores de risco, tais como história familiar, podem estar associadas com PA elevada - uma vez que pelo menos 98 adolescentes do sexo masculino apresentavam essa condução apesar da ausência de sobrepeso. Portanto, as interações entre o ambiente escolar e o sexo não são suficientes para explicar as diferenças observadas para sobrepeso e pré-hipertensão/hipertensão no modelo ajustado e no modelo estratificado por sexo. No entanto, essa análise corrobora o fato de que o sexo pode influenciar a prevalência de sobrepeso e pré-hipertensão/hipertensão em adolescentes, independentemente da prática ou não de AT.
Os resultados deste estudo precisam ser interpretados considerando algumas limitações. Primeiramente, devido ao delineamento transversal, não podemos estabelecer uma relação causal entre o meio escolar (isto é, adoção de políticas de AF) e o desenvolvimento de fatores de risco para DCV. Segundo, não medidos o nível de AF dos participantes para assegurar se eles cumpriam as recomendações das políticas implementadas pela escola - o que explica o fato por que escolhemos a escola, e não o nível de AF, como exposição. Terceiro, não foi feito nenhum ajuste quanto ao status socioeconômico, influência dos pais, ou dieta, os quais podem exercer alguma influência no desenvolvimento dos fatores de risco cardiovascular. Finalmente, a categorização de algumas variáveis contínuas para análise não pode ser desconsiderada, apesar de termos utilizado limiares comumente usados na literatura.
Por outro lado, a hipótese levantada em nosso estudo necessita ser avaliada em estudos baseados em intervenções, como ensaios multicêntricos, controlados, randomizados por agrupamento. Nós avaliamos, por meio de uma amostra de tamanho considerável, e homogênea quanto à idade cronológica, a prevalência de alguns fatores de risco para DCV no meio escolar em um país de renda média. O uso de maiores doses de AF, tal como a adotada nos GEOs, necessita ser testado e confirmado em estudos futuros.
A prevalência de pré-hipertensão/hipertensão e sobrepeso foi diferente entre as escolas. Os alunos dos GEOs apresentaram menor proporção e menor chance de desenvolverem fatores de risco para DCV.