versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.9 Rio de Janeiro set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.15392016
Nos últimos anos houve intensificação das discussões sobre a disponibilidade de médicos no Brasil, a distribuição regional destes profissionais e a qualidade da formação deles, assim como o impacto dessas questões no acesso e na resolutividade da Atenção Primária à Saúde (APS) no Sistema Único de Saúde — SUS1,2. Apesar de controvérsias nessa discussão quanto ao diagnóstico da realidade e às soluções possíveis, o Ministério da Saúde (MS) instituiu o Programa Mais Médicos (PMM) no segundo semestre de 20133.
Entre as finalidades desse programa destacam-se a formação em saúde e o provimento de médicos em regiões prioritárias para o SUS. No que se refere ao provimento, componente do programa denominado Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMM), o MS lançou chamadas públicas para o ingresso temporário de médicos na APS. Embora tenha sido priorizada a adesão de profissionais formados em instituições de educação superior brasileira ou com diploma revalidado no País, o número de interessados nos primeiros editais foi insuficiente frente à demanda dos municípios. Logo, as vagas remanescentes foram disponibilizadas a médicos intercambistas: médicos estrangeiros habilitados ao exercício da medicina em outros países2.
Passados pouco mais de dois anos de implantação do projeto, o MS relatou que 18.240 médicos participavam do projeto em 4.058 municípios (72,9% dos municípios do Brasil), além de 34 distritos indígenas, beneficiando cerca de 63 milhões de pessoas. A proporção de médicos intercambistas aproximou-se de 71%, em sua maioria provenientes de Cuba4.
O Nordeste foi a região que recebeu o maior número de médicos pelo PMM nos cinco primeiros ciclos de adesão e início de atividades profissionais. Os ciclos iniciaram em setembro de 2013 e finalizaram em junho de 2014. Segundo dados do MS5, dos 14.465 médicos que iniciaram suas atividades no Projeto até o 5° ciclo, 4.825 (33,4%) profissionais destinaram-se ao Nordeste, seguido do Sudeste com proporção de 30%, Sul (16,6%), Norte (13,1%) e Centro-Oeste (6,4%).
A região demonstrou alta demanda por médicos na APS, com participação de 1303 municípios (72,6%) até o 5° ciclo, além de constituir importante lócus de ocorrência de doenças influenciadas por questões socioeconômicas6. Ao longo das últimas décadas também tem sido a região que tem tido forte adesão à Estratégia de Saúde da Família (ESF), com grande expansão em todos os estados7.
A despeito da magnitude do PMM e da relevância do problema que busca intervir, o acesso da população à assistência médica na APS, o conhecimento acerca dos resultados dessa iniciativa ainda é incipiente, persistindo questionamentos e incertezas quanto ao seu potencial, tensões políticas e ampla exposição midiática.
Além disso, a avaliação da APS requer a superação de desafios teóricos e operacionais que decorrem da complexidade de processos históricos e conjunturais. Os estudos de Linha de Base têm contribuído para elucidar evidências de efetividade8, no entanto, os mesmos têm se voltado para municípios de grande porte, com mais de 100.000hab, onde há algum tipo de assistência. O PMM teve como foco os municípios com dificuldades para garantir essa assistência, em sua maioria de pequeno porte, os quais têm sido pouco estudados quanto à efetividade da APS.
Apesar dos limites impostos a qualquer tipo de avaliação, principalmente um projeto recente que envolve um ator específico, faz-se necessário buscar estratégias que elucidem seus efeitos na APS. A perspectiva do projeto é que a efetividade da APS seja maior ao ampliar a sua cobertura por meio das equipes da ESF. Um dos instrumentos comumente utilizado para avaliar a efetividade da APS em diferentes contextos é a observação das internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP)9,10. O pressuposto é que quando a APS é acessada em tempo oportuno pode reduzir ou evitar a hospitalização por algumas CSAP, e assim sua efetividade pode ser medida a partir destas11.
Todavia, em que medida a chegada de novos atores possibilitou melhorar a efetividade da ESF? Frente aos diferentes perfis municipais e à diversidade de inserção dos médicos que ingressaram nos municípios, o que pode ser observado no comportamento das CSAP? Tendo em vista essas questões o objetivo deste estudo foi avaliar o PMM na Região Nordeste, com o uso das internações por CSAP como indicador de efetividade da ESF, contextualizando-as pela razão de médicos por 10.000 habitantes nas unidades federativas.
Estudo de natureza quantitativa para análise dos resultados alcançados pelo PMM. Teve como referência os eventos de internação por CSAP em municípios do Nordeste (NE), sendo realizado em duas etapas: 1. Estudo exploratório e 2. Estudo avaliativo com seleção e análise de uma CSAP.
Consistiu em fase de estruturação do objeto do estudo a partir de levantamento exploratório de dados. Foram utilizados os registros de internações por CSAP nas autorizações de internação hospitalar do Sistema de Informações Hospitalares do SUS. Os dados foram obtidos por transferência de arquivos do site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e explorados a partir do software TabWin para os anos de 2008 a 2014.
As internações por CSAP foram consultadas de acordo com os códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), baseando-se nos critérios de seleção utilizados no cálculo do indicador Proporção de internações por condições sensíveis à Atenção Básica — Icsab. Este é adotado pelo MS como parâmetro de avaliação da meta de redução das internações por esse grupo de causas, estimando a resolutividade da APS12. As CSAP que compõe o cálculo do indicador foram determinadas por adaptação da Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária, publicada pela Portaria MS/SAS n° 221, de 17 de abril de 2008.
A partir dos critérios de seleção das CSAP usados na construção do referido indicador, foram verificadas as ocorrências de internação por local de residência de 380 códigos CID-10. Esse número foi elevado em função da abrangência de classificações dos grupos de condições sensíveis.
A este levantamento preliminar sobre as internações por CSAP no NE foram incorporados dados relativos à distribuição de médicos na ESF e à cobertura populacional das equipes de saúde da APS. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. A decisão de utilizar esses dados deveu-se à importância de fornecer subsídios para uma análise mais abrangente.
Considerando o banco de dados de CSAP obtido, foi selecionada aquela que atendeu três critérios: elevada frequência no período, simplicidade de intervenção e ocorrência histórica no NE. Do conjunto de condições sensíveis, procedeu-se à análise das internações por Diarreia e Gastroenterite de origem infecciosa presumível (CID-10: A09).
O período do estudo foi de setembro de 2012 a agosto de 2015 e permitiu abarcar o primeiro ano que antecedeu o início das atividades do PMM e os dois primeiros de sua execução. Nesse período, os médicos integrados até o 5° ciclo de adesão ao projeto exerciam suas atividades, no mínimo, há 14 meses e, no máximo, há 24 meses. O universo de estudo foram os 1794 municípios do NE. O critério de inclusão na amostra foi a participação do município no PMM com sua adesão confirmada nos cinco primeiros ciclos do projeto, tendo sido incluídos 1303 municípios do NE (72,6%).
Dos 1303 municípios da amostra, foram excluídos aqueles que não possuíam registro de internação dessa condição sensível nos 36 meses do período de referência do estudo. O número de exclusões correspondeu a somente 61 municípios (4,7% dos municípios participantes do PMM no NE).
A representatividade do número de municípios da amostra em relação ao total de cada estado variou de 45% na Paraíba a 85% no Ceará, com seis apresentando percentual maior ou igual a 60%. A representatividade da população na amostra de municípios em relação à população total de cada estado variou de 61% na Paraíba a 95% no Ceará. Cabe observar que seis estados tiveram percentual maior que 80,0% da população residente.
Para a análise dos dados a amostra de municípios foi agrupada em sua totalidade, caracterizando representação da Região Nordeste, também sendo estratificada por estados. O Teste Shapiro-Wilk foi utilizado para averiguar se a soma das frequências mensais de internação da CSAP, ordenadas em três séries temporais de 12 meses — os 3 anos do período investigado, era compatível com distribuição Gaussiana. Atendendo aos pressupostos de normalidade, as médias de internação das séries temporais foram comparadas pelo algoritmo de agrupamento hierárquico de Scott-Knott (SK) com nível de significância de 5%. O SK, um pacote de funções do software ‘R’ (Package ‘ScottKnott’, repositório CRAN), testa a similaridade de médias, agrupando-as por semelhança e hierarquia de valores13.
O Teste não paramétrico de Friedman e o seu respectivo pós-teste, baseado na tese de Nemenyi14, foram utilizados para a comparação das médias em cada estado e ano. Essa opção foi escolhida por haver relação de dependência dos eventos de internação entre os anos para um mesmo território e a série temporal ser constituída por três anos. Agregaram-se à análise: percentuais que determinam o desempenho relativo dos estados por variação das médias de internação; taxas padronizadas dessas médias pelo tamanho populacional das amostras; assim como, dos médicos participantes do PMM. O método de cálculo de cada elemento é informado abaixo:
–. Média padronizada: razão entre a média das internações por CSAP em um determinado ano e unidade da federação (UF) e a amostra populacional da respectiva UF no ano considerado. O resultado foi ajustado para 10.000 habitantes.
–. Redução %: percentual de ‘redução relativa’ da média de internações em cada UF, calculado pela subtração da média do 1° ano pelo 3° e divisão desse resultado pela média do 1°.
–. Redução % ajustada: é uma proporção que compara o desempenho entre as UF quanto à redução da média de internação. Foi calculada a partir da diferença de média entre o ano 1 e o ano 3 em cada UF, a qual foi dividida pela população da amostra de municípios do respectivo território, de modo a se obter a variação relativa por habitante. Cada variação encontrada foi dividida pela soma de todas as variações.
–. Taxa do n° de médicos do PMM por 10.000 habitantes: parâmetro da concentração de médicos do PMM em cada UF. Foi obtida por meio do cálculo da razão de médicos do PMM pela população da amostra de municípios em cada estado e ajustado para 10.000 habitantes.
Este estudo é um desdobramento da pesquisa multicêntrica “Iniciativas inovadoras na organização das redes assistenciais e regiões de saúde e seu impacto na estruturação da oferta no SUS: um estudo avaliativo”, coordenado pelo Grupo de Pesquisa Economia Política da Saúde da UFPE.
As internações por todo o grupo de CSAP no NE possuíam distribuição não uniforme entre os estados no período de 2008 a 2014 (Figura 1). O Maranhão foi o único a apresentar aumento do quantitativo de internações ao se comparar os anos de 2008 e 2014. Porém, a redução observada nas demais unidades da federação não foi gradual, à exceção de Alagoas. Neste estado, houve a maior variação entre os anos, com redução de 44,2%. Sergipe, em todos os anos, registrou a menor frequência de internações.
Figura 1 Distribuição das internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária nos Estados da Região Nordeste, de 2008 a 2014, ajustada para 10.000 habitantes em cada unidade da federação e variação percentual entre o ano de 2008 e o ano de 2014.
Essas diferenças, especialmente da magnitude de ocorrência, podem indicar a existência de particularidades quanto aos determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde nos estados, sobretudo, às características da assistência à saúde.
O grupo das gastroenterites infecciosas e complicações, que inclui a Diarreia e a Gastroenterite de origem infecciosa presumível, representou 37% das internações por CSAP no período, seguido do grupo da asma (11,3%) e da insuficiência cardíaca (9,6%).
Ao se verificar o efeito do PMM no incremento de médicos na ESF, até o 5° ciclo de adesão de profissionais, observou-se uma variação de 20 a 45% do quantitativo de médicos que havia nos estados à época de oficialização do projeto. Todavia, o número de profissionais na ESF ampliou em menor escala que a incorporação do PMM (Figura 2).
Figura 2 Distribuição de médicos na Estratégia de Saúde da Família nos Estados da Região Nordeste, segundo quantitativo de profissionais por 10.000 habitantes e percentuais de cobertura das Equipes de Atenção Básica.Notas: ESF — Estratégia de Saúde da Família: incluiu a participação de ‘médicos de família e comunidade’ e ‘médicos da ESF’ nos estabelecimentos: centro de saúde/unidade básica de saúde, posto de saúde, unidade de saúde da família, unidade mista e unidade móvel fluvial.PMMB — Projeto Mais Médicos para o Brasil, componente do Programa Mais Médicos.Cobertura das Equipes de Atenção Básica — indicador utilizado pelo DATASUS para estimar a cobertura populacional das equipes de saúde (com e sem médicos) na ESF por 3.000 habitantes.
Na Figura 2, ao tomarmos o Ceará como exemplo, verificamos que o número de médicos correspondia a 2,6 profissionais por 10.000 habitantes antes do PMM, com o acréscimo de 1,1 ao final do 5° ciclo do projeto, passou a 3,0 — inferior ao incremento esperado de 3,7 profissionais. Portanto, a incorporação de médicos do PMM na ESF resultou em menor elevação da razão de médicos que o esperado, característica que se reproduziu em todos os estados. Outro ponto a ser mencionado foi a pequena variação de cobertura das Equipes de Atenção Básica nos estados após a implantação do PMM.
As internações por Diarreia e Gastroenterite de origem infecciosa presumível totalizaram 181.152 casos em 1.242 municípios, que participavam do PMM, no período investigado (69,2% dos municípios do NE). As médias de internação passaram de 6.092,8 no primeiro ano, para 5.040,5 no segundo e, 3.962,7 no terceiro. A redução de média do primeiro ao terceiro ano correspondeu a 35,0%. A Figura 3 apresenta o comportamento dessas internações, mediante os anos de sua ocorrência.
Figura 3 Box plots das internações por Diarreia e Gastroenterite e comparação de médias pelo algoritmo de Scott-Knott, em amostra de municípios do Nordeste, do primeiro ano que antecede a implantação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (set./12 a ago./13) aos dois anos iniciais de sua vigência (set/13 a ago./14 e set./14 a ago./15).Notas: - Os asteriscos nos box plots representam as médias de internações em cada ano.- O Scott-Knott, com nível de significância de 5%, ordena as médias em ordem decrescente de valores.Para cada média da figura, símbolos iguais indicam médias semelhantes e símbolos distintos, médias diferentes.
De acordo com o observado na Figura 3, a condição estudada apresentou redução consecutiva das internações em cada ano, com aproximação de médias e medianas, e diminuição da dispersão dos dados dos anos 2 e 3 em relação ao inicial. O Scott-Knott confirma a diferença de médias entre os anos (p < 0,05).
Considerando a distribuição das médias de internação por estados, os valores mais elevados foram registrados na Bahia e no Maranhão e, os menores, em Sergipe e Alagoas (Tabela 1). Esses resultados, a princípio, mostram relação com o tamanho da população da amostra de municípios em cada estado. Conforme os resultados do Pós-Teste de Friedman (p < 0,05), quatro estados apresentaram diferença de médias no período: BA, PE, PI e RN.
Tabela 1 Comparação das médias de internações por Diarreia e Gastroenterite nos Estados da Região Nordeste, por amostra de municípios, do primeiro ano que antecede a implantação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (set./12 a ago./13) aos dois anos iniciais de sua vigência (set./13 a ago./15).
Estados | Média de internações | Diferença de médias entre os anos (Pós-Teste de Friedman) | ||
---|---|---|---|---|
1° ano | 2° ano | 3° ano | Valor p (1° e 3° ano) | |
BA | 2033,6 | 1625,5 | 1338,8 | 0,000 |
MA | 978,8 | 1114,5 | 820,1 | 0,158 |
PE | 945,1 | 553,4 | 403,5 | 0,000 |
CE | 656,8 | 538,3 | 466,5 | 0,160 |
PI | 578,3 | 542,3 | 393,5 | 0,000 |
PB | 349,8 | 265,7 | 224,8 | 0,330 |
RN | 305,0 | 187,1 | 147,7 | 0,001 |
AL | 203,7 | 161,1 | 127,0 | 0,081 |
SE | 41,8 | 52,7 | 40,8 | 0,870 |
Na Tabela 2, ao se confrontar as médias do 1° ano com as do 3°, percebe-se que a maior redução percentual ocorreu em Pernambuco (57,3%), seguido do Rio Grande do Norte (51,6%). Contudo, quando se ajusta essa redução pelo tamanho populacional dos estados, o melhor desempenho é do Piauí (18,3%), seguido de Pernambuco (17,3%) e do Rio Grande do Norte (16,9%). Ressalta-se que o Piauí ao atingir a taxa de 1,2 médicos do PMM por 10.000 habitantes, alcança grande incorporação na região, permitindo inferir a ação desta maior oferta.
Tabela 2 Redução das médias de internações por Diarreia e Gastroenterite nos Estados da Região Nordeste, por amostra de municípios, entre o 1° ano que antecede a implantação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (set./12 a ago./13) e o 2° ano de sua vigência (set./14 a ago./15), segundo quantitativo de médicos participantes do PMM e a taxa desses profissionais por 10.000 habitantes.
Internações por Diarreia e Gastroenterite | Redução das médias de internação | Médicos do PMM | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Redução | Redução | Taxa por | ||||||||
Estados | 1° ano (set/12 a ago/13) | 3° ano (set/14 a ago/15) | % | % | n° | 10.000 | ||||
Média | dp | Média padron. | Média | dp | Média padron. | ajustada | hab. | |||
PI | 578,3 | 155,0 | 2,2 | 393,5 | 99,6 | 1,5 | 32,0 | 18.3 | 312 | 1,2 |
PE | 945,1 | 253,5 | 1,2 | 403,5 | 98,8 | 0,5 | 57,3 | 17.3 | 650 | 0,8 |
RN | 305,0 | 169,0 | 1,3 | 147,7 | 58,7 | 0,6 | 51,6 | 16.9 | 240 | 1,0 |
PB | 349,8 | 162,5 | 1,4 | 224,8 | 60,9 | 0,9 | 35,7 | 13.3 | 241 | 1,0 |
BA | 2.033,6 | 253,5 | 1,5 | 1.338,8 | 275,9 | 0,9 | 34,2 | 13.0 | 1298 | 0,9 |
AL | 203,7 | 90,4 | 0,9 | 127,0 | 39,9 | 1,0 | 37,6 | 8.4 | 186 | 0,8 |
MA | 978,8 | 285,2 | 1,6 | 820,1 | 154,2 | 1,4 | 16,2 | 6.8 | 629 | 1,0 |
CE | 656,8 | 270,1 | 0,8 | 466,5 | 172,7 | 0,6 | 29,0 | 5.8 | 996 | 1,2 |
SE | 41,8 | 19,3 | 0,2 | 40,8 | 12,2 | 0,2 | 2,6 | 0.2 | 153 | 0,8 |
Nota: A descrição do significado e do método de cálculo de cada elemento está disposta na seção métodos.
Cabe observar na Tabela 2 que as menores reduções ajustadas ocorreram em Sergipe e no Ceará. O Ceará apesar de haver recebido um grande contingente de médicos do programa e de ter alavancado para 1,2 médicos por 10.00 habitantes, apresentou a segunda menor redução ajustada (5,8%). Observa-se também, que tanto no primeiro como no terceiro ano, o Ceará apresentou médias padronizadas menores que a maioria dos estados (de 0,8 no 1° ano para 0,6 no 3°). A pequena redução observada pode ser devido ao ponto de partida dessa média, por estar entre os menores valores, era menos favorável a maiores amplitudes de variação.
Sergipe praticamente não sofreu alteração de média entre os anos. Por outro lado, as médias padronizadas pela população, nos dois anos considerados (0,2), mostram que nesse estado a magnitude das internações era bastante reduzida em relação aos demais, mesmo não variando no período. A análise sugere que as circunstâncias identificadas em Sergipe e no Ceará, não são facilmente captadas por esse indicador (Taxa de médicos do PMM por 10.000 habitantes). Por outro lado, eles apresentavam menor distribuição das internações por CSAP no período de 2008 a 2014 (Figura 1).
Também se destacam as elevadas médias padronizadas do Piauí e do Maranhão frente aos outros estados no terceiro ano (1,5 e 1,4 respectivamente). Tais valores, ainda que referentes à diarreia e gastroenterite, são compatíveis com a magnitude das internações por CSAP apresentadas na Figura 1.
A taxa de médicos do PMM na amostra de municípios em cada unidade da federação no NE esteve próxima de 1 médico por 10.000 habitantes no fim do período. A variação observada, de 0,8 a 1,2, indica certa homogeneidade na distribuição de médicos do PMM entre os estados da Região Nordeste, o que demonstra a busca por tornar essa oferta mais equânime na região, mas ainda não pautada pelas diferenças de perfis epidemiológicos como sugerido na interpretação da Figura 1.
Se analisarmos a porcentagem de redução média no período ajustada pela população, o que permite uma análise mais adequada do que o número absoluto das internações, identificamos que 4 estados apresentaram desempenho menor do que 10%, podendo sugerir que além do incremento da oferta de médicos talvez sejam necessários outros ajustes no processo de trabalho na APS que permitam melhor desempenho na porta de entrada do sistema.
O estudo, ao avaliar o PMM na Região Nordeste, mediante a ocorrência de internações por Diarreia e Gastroenterite de origem infecciosa presumível (DG), traz contribuições importantes ao diálogo sobre os resultados do Programa Mais Médicos na APS.
A seleção da DG, dentre o conjunto das CSAP, mostrou-se pertinente. Considera-se que o caráter agudo de ocorrência e evolução do agravo, a necessidade de assistência médica oportuna aos acometidos e a relativa simplicidade do tratamento, na maioria dos casos, qualificam-na como uma condição mais sensível para avaliar alterações na APS, em curto prazo.
De acordo com Brandt et al.15, o manejo terapêutico da diarreia aguda de etiologia infecciosa não sofreu alterações importantes nos últimos anos, continua a fundamentar-se na manutenção do estado de hidratação e nutrição do indivíduo acometido. Dessa forma, a abordagem médica pode envolver terapias de reidratação oral e venosa, recomendação alimentar adequada e uso criterioso de medicamentos. Nos casos mais severos, a admissão hospitalar costuma ser indicada, principalmente, quando ocorre em pessoas mais jovens e em idosos16.
A redução da média de internações por DG na amostra investigada, com expressivo declínio nos últimos dois anos, em comparação ao ritmo de redução de todas as condições sensíveis no período de 2008 a 2014 sugere a influência do PMM, o qual parece ter alavancado a tendência observada em anos anteriores. O estudo de Boing et al.11 corrobora a tendência de queda evidenciada neste estudo ao analisar o período de 1998 a 2009, mas com menor intensidade de redução, atribuindo o fenômeno à expansão da cobertura da ESF na APS e à oferta mais adequada de serviços de saúde. No entanto, na última década a DG esteve entre as três principais causas de internações por CSAP17.
Levando-se em conta que o PMM vem sendo implantado gradualmente e há poucos semestres, mudanças mais efetivas na situação de saúde da população, ocasionadas pela oportunidade de acesso à assistência médica, só devem ocorrer ao longo do tempo. Logo, a tendência de redução da DG deve permanecer nos próximos anos até atingir um limite, a partir do qual, mudanças mais substanciais, para além do campo da saúde, precisarão acontecer para que a tendência de queda se mantenha.
A análise por meio da razão de médicos por 10.000 habitantes, ao relacionar o quantitativo desses profissionais à população dos estados, ajuda a entender que embora tenha havido considerável aporte deles pelo PMM e redução da DG, esse incremento parece não ser suficiente ao aprimoramento da APS. Um dos pontos a se destacar é que a desejável busca por distribuição mais homogênea de médicos no país deve vir acompanhada de investimentos na qualidade de equipamentos e infraestrutura, algo previsto no marco legal do Programa Mais Médicos.
Pesquisa que investigou os fatores críticos para a fixação do médico na ESF, apontou que os problemas de infraestrutura nas unidades de saúde foram determinantes para o desligamento dos profissionais. Condições insalubres de trabalho, ausência de equipamentos, de materiais e de insumos necessários à execução das atividades estiveram entre as principais queixas18. Porém, não se sabe em que medida o PMM conseguiu reverter esse cenário, o que merece a realização de estudos futuros. No caso da DG, ainda que a intervenção seja eminentemente clínica e prescinda, na maior parte dos casos, do aporte de tecnologias de maior densidade, dispor de serviços com infraestrutura adequada e de materiais e insumos de rotina é indispensável.
Uma vez que parcela dos médicos do PMM foi integrada a equipes de saúde da ESF existentes, com aumento da razão de médicos por 10.000 habitantes abaixo do esperado, perguntase: a integração dos médicos teve caráter de reposição nas equipes incompletas ou substituição? Estudos apontam que apesar da expansão da cobertura nos últimos cinco anos, são inúmeros os desafios da APS7 e entre estes destacam-se fragilidade na infraestrutura, incompletude das equipes e rotatividade dos profissionais19,20.
Nessa circunstância, o PMM avança na redução da rotatividade de médicos e fortalecimento de vínculo entre profissionais e comunidade pela continuidade da atuação no território. Por outro lado, a possibilidade de menor expansão da ESF, baseada na formação de novas equipes de saúde em áreas antes desassistidas, pode significar que a oferta necessária ainda se constitui um desafio.
É fundamental salientar que as vagas do PMM são destinadas aos municípios que buscam adesão ao projeto, entretanto, esta parte do pressuposto de que há infraestrutura e recursos para garantir a inserção do médico e sua atuação4. Nesse sentido, quando o município declara a demanda por médico, mas não pode suprir essas exigências, o provimento pelo PMM não se viabiliza. Desse modo, é possível que a necessidade real de cobertura de médicos nos municípios esteja subestimada.
As diferenças na ocorrência de internações entre os estados foram observadas, tanto para o conjunto das CSAP, como para a DG. Os casos do Piauí e de Sergipe são ilustrativos e tendem a revelar o potencial e os limites do PMM. No Piauí a considerável redução das internações por DG, mas com manutenção de patamar elevado, pode se traduzir na complexidade dos determinantes sociais da saúde no estado e indicar que o provimento e a concentração de médicos também devem ser pensados segundo características do perfil epidemiológico dos estados e municípios.
Conforme determina o Ministério da Saúde, as áreas e regiões prioritárias com carência e dificuldade de retenção de médico na ESF são definidas com base em modelo de indicadores, mais voltados para questões socioeconômicas, relativos à atuação do profissional e de cobertura em saúde — leitos e população dependente do SUS21.
Em Sergipe, a unidade da federação com menor proporção de internações no NE em todos os anos, a manutenção das médias de internação após o PMM, fornece indícios de que o aprimoramento da APS requer outros ajustes. Assim, novos estudos são recomendados para avaliar adequadamente a realidade da APS no estado.
O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (WHO) sobre a diarreia esclarece que o controle do agravo está além de uma questão de assistência médica. Embora seja enfatizado que os sistemas de saúde devem estar aptos à prevenção e ao tratamento da diarreia, com suficiência de recursos humanos e diminuição da rotatividade de profissionais, o documento também recomenda outras estratégias, como: ações de saneamento básico, de educação em saúde e garantia da oferta de água à população22.
Na última década a DG estava entre as três principais causas de internações por condições sensíveis à APS e permanece como uma condição de mortalidade relevante em menores de cinco anos. Nesse sentido, garantir assistência adequada é basilar para avançar na efetividade da APS e o investimento em infraestrutura, profissionais qualificados e integração com a rede de serviços de saúde constituem-se passos fundamentais. No entanto, apesar de ser uma CSAP, a diarreia é um problema complexo e consequência de outros condicionantes, sendo o sistema de saúde limitado para erradicá-la.
Não obstante os limites da função do médico na APS, o estudo elucida que o PMM influenciou a redução das internações por DG. Estes resultados merecem aprofundamento para que possam responder em que medida a presença desses médicos contribuiu para essa redução, associando os achados a outras variáveis, tais como os indicadores econômicos, demográficos, entre outros. Além disso, fazem-se necessários estudos qualitativos que possam evidenciar os efeitos do PMM sobre o acolhimento, o vínculo, a continuidade da assistência e a diminuição das iniquidades no acesso.