versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.12 Rio de Janeiro dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182312.25582016
O aumento dos índices de sobrepeso e obesidade vem sendo observado nos últimos anos, refletindo no estado geral de saúde da população e na incidência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis1-4 (DCNT), que estão entre as principais causas de morte no Brasil5 e no mundo6. Entre crianças e adolescentes brasileiros, a prevalência de sobrepeso e obesidade mais que triplicou em 34 anos7. Essas modificações estão relacionadas às alterações dos hábitos alimentares, como ao aumento no consumo de alimentos industrializados com elevados teores de sal, açúcar e gordura1,7-9. Nesse contexto, evidencia-se a relevância de políticas que limitem a disponibilidade desses alimentos para escolares8, especialmente por ser a escola um importante ambiente para a formação de hábitos alimentares que tendem a permanecer na vida adulta10-13. Destaca-se ainda que, em 2014, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde, por meio do Plano de Ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes, apresentaram entre suas metas, a melhoria das refeições oferecidas pelas escolas3.
A execução do programa de alimentação escolar brasileiro vem sendo modificada a fim de melhorar a qualidade da alimentação servida sob vários aspectos. É possível observar preocupação com a adequação aos hábitos alimentares e a inclusão de alimentos frescos a partir do fortalecimento da economia local, desde o início do processo de descentralização em 199414. Nesse período, a gestão foi transferida para os municípios, que ultrapassam 5.500 em todo o Brasil15. O abastecimento com alimentos locais passou a se destacar entre as metas e diretrizes dessa política16. Contudo, o processo de descentralização não foi suficiente para garantir o incentivo à economia local, o respeito aos hábitos alimentares e garantir a qualidade nutricional da alimentação escolar14,17.
Em 2009, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) teve outra importante mudança em sua forma de execução. Tornou-se obrigatória a utilização de, no mínimo, 30% dos recursos financeiros provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de alimentos da agricultura familiar, além de proibir e limitar a aquisição de alguns alimentos18. Ficou vedada a aquisição de bebidas de baixo valor nutricional, como refrigerantes, refrescos artificiais, concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha e chás prontos. Houve ainda restrição da aplicação dos recursos financeiros para a aquisição de alimentos enlatados, embutidos, doces, alimentos compostos, preparações semiprontas ou prontas para o consumo e alimentos concentrados19,20
O PNAE é um dos mais abrangentes programas de alimentação escolar do mundo, e no ano de 2014 era responsável pelo fornecimento de refeições diárias para 42,2 milhões de estudantes21. Para isso, nesse mesmo ano contou com um orçamento federal, proveniente do FNDE, de aproximadamente 3,7 bilhões de reais por ano21. Além dos recursos federais, as normativas do programa estabelecem a obrigatoriedade de investimento financeiro complementar, originário da esfera municipal20, o que contribui para a boa execução do programa22.
Observam-se os avanços legais do PNAE em direção à promoção de uma alimentação saudável aos escolares, os quais apresentam como cerne a regulamentação da aplicação dos recursos financeiros federais destinados à aquisição de alimentos. Apesar disso, evidencia-se uma lacuna no conhecimento científico sobre o tema, especificamente de estudos que se proponham a verificar e analisar como essas diretrizes são executadas a nível local (municípios). Nessa perspectiva, e de acordo com as diretrizes governamentais para a execução financeira do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o estudo objetivou analisar o investimento financeiro para a compra de alimentos destinados ao abastecimento do PNAE em um município do sul do Brasil.
Realizou-se um estudo transversal, descritivo, analítico e exploratório baseado em consultas a fontes secundárias. O estudo foi realizado em um município do estado do Paraná com aproximadamente 30 mil habitantes, onde a rede pública de ensino contava com 23 unidades de ensino fundamental, responsáveis pelo atendimento diário dos 4.031 alunos. Com base em análise documental, foram estudadas as chamadas públicas (modalidade de compra utilizada para a aquisição de alimentos provenientes de agricultores familiares), as licitações (compra de outros fornecedores) e a prestação de contas do programa do ano de 2010, obtidos com o responsável técnico do programa.
As variáveis de estudo foram: (I) Percentual do recurso financeiro destinado à aquisição de alimentos Recomendados, Restritos, Proibidos e Outros. (II) Percentual do recurso utilizado para a compra de alimentos da agricultura familiar. (III) Percentual do valor da complementação financeira do município (R$). A definição das variáveis teve como base as recomendações governamentais para a execução financeira do programa (Lei nº 11.947/2009; Resolução nº 26/2013).
Da prestação de contas, denominada Demonstrativo Sintético de Execução Físico-Financeira, foram extraídas informações relativas ao investimento financeiro proveniente do FNDE, investimento do município para a aquisição de alimentos e valor dos recursos oriundos do FNDE destinado à compra de alimentos da agricultura familiar.
Das licitações e das chamadas públicas foram extraídas as quantidades (kg), os valores unitários (R$) e a origem (provenientes de agricultura familiar e de outros fornecedores) dos alimentos adquiridos para o abastecimento anual (duzentos dias letivos) do programa de alimentação escolar.
A análise das listas de compras foi realizada tomando como referência o Método de Avaliação da Aquisição de Gêneros Alimentícios (AGA)23. Construído com base nas normativas vigentes do PNAE e nas recomendações nacionais para uma alimentação saudável, o método possibilita explorar a adequação da lista de compras da alimentação escolar a estas normativas e recomendações. Para isso, os alimentos apresentados nas licitações e nas chamadas públicas são agrupados segundo sua origem e características nutricionais. Para agrupá-los de acordo com as características nutricionais, os alimentos são divididos em duas categorias: (1) Alimentos Recomendados (incluídos em uma alimentação nutricionalmente saudável e recomendados quantitativamente pela legislação do PNAE). (2) Alimentos Restritos (relacionados a uma alimentação não saudável e restritos e/ou proibidos financeiramente pela legislação do PNAE, incluem alimentos com elevadas concentrações de sódio, açúcar, gorduras saturadas e trans). Adicionalmente ao proposto pelo método AGA, criaram-se as categorias 3 e 4: (3) Proibidos (com aquisição proibida pela legislação do PNAE: refrigerantes, refrescos artificiais, concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha, chás prontos para consumo e outras bebidas similares). (4) Outros (alimentos que não são restringidos pela legislação do programa, todavia não devem ter seu consumo incentivado em grandes quantidades). Cada categoria, por sua vez, foi dividida em subcategorias (Quadro 1).
Quadro 1 Subcategorias de Alimentos Recomendados, Restritos, Proibidos e Outros
Alimentos recomendados | |
---|---|
1) Frutas | Frutas frescas e suco natural |
2) Vegetais com baixo teor de carboidrato | Vegetais com até 10% de carboidrato: alface, rúcula, brócolis, couve, repolho, tomate, ervilha, vagem, cenoura, beterraba, abóbora |
3) Vegetais com alto teor de carboidrato | Vegetais com mais de 10% de carboidrato: mandioca, cará, batata |
4) Ervas, especiarias e vegetais complementares | Alho, salsinha, cebolinha, tomilho, hortelã |
5) Cereais, pães, massas, farinhas e fermentos | Cereal matinal sem açúcar, pão, macarrão, farinha de trigo e milho, fermentos |
6) Alimentos integrais | Cereais integrais, pães integrais |
7) Carnes com baixo teor de gordura e ovos | Carnes com quantidade de gordura menor que 50% do valor calórico total; cortes bovinos e suínos magros, aves e peixes em geral; e ovos |
8) Leguminosas | Todas as leguminosas in natura |
9) Leite e derivados com teor reduzido de gordura saturada | Todos os tipos de leite, ricota, queijo branco, iogurte natural |
10) Temperos utilizados em pequenas quantidades nas preparações | Vinagre, aceto balsâmico, azeite de oliva |
Alimentos restritos | |
11) Carnes gordurosas, embutidos ou produtos cárneos industrializados, queijos e molhos com alto teor de sódio e/ou gordura saturada | Carnes com quantidade de gordura maior que 50% do valor calórico total, salsicha, salame, presunto, creme de leite, manteiga, margarina, maionese, gordura vegetal hidrogenada, queijos e grande quantidade de óleo |
12) Alimentos com alto teor de açúcar e produtos açucarados | Doce de fruta, geleia, cremes doces, iogurte, biscoitos doces, barra de cereais, bolo com recheio, cereais adoçados |
13) Biscoitos e produtos salgados | Biscoitos salgados, torradas, salgadinhos industrializados |
14) Alimentos compostos | Iogurtes com cereais para mistura posterior, massas com pó para molho, bolo de chocolate com cobertura |
15) Preparações semi-prontas ou prontas | Massas com recheio, almôndega pronta, batata pré-frita industrializada, macarrão instantâneo, molhos prontos para o consumo, pão de queijo industrializado, farofa de mandioca temperada |
16) Alimentos concentrados, em pó ou desidratados e misturas para o preparo de alimentos | Mistura para o preparo de bolo, bebida láctea em pó |
17) Enlatados e em conserva | Todos os alimentos enlatados ou em conserva |
Alimentos proibidos | |
18) Bebidas de baixo teor nutricional | Refrigerantes, refrescos artificiais, concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha, chás prontos para consumo e outras bebidas similares |
Outros alimentos | |
19) Bebidas na forma de grão torrado e moído e/ou bebidas de infusão | Chá e café |
20) Óleo | Óleo de soja, girassol, canola, milho |
21) Açúcar | Branco, mascavo, demerara |
22) Sal | Grosso, fino, temperado |
Adaptado de Martinelli et al.23.
O investimento total diário em reais para cada grupo de alimentos foi calculado com o objetivo de analisar o investimento financeiro utilizado para a aquisição de alimentos recomendados e controlados. Para isso foram contabilizados os valores totais para cada grupo, que foram divididos pelos 200 dias letivos. Posteriormente, foram calculadas as proporções correspondentes de cada categoria e subcategoria de alimentos em relação ao total de gastos. Para identificar se esses recursos estavam sendo destinados à agricultura familiar (AF) ou a outros fornecedores (OF), os valores de cada grupo de alimentos foram estratificados segundo a origem (AF/OF), calculando as proporções destinadas a AF e a OF (em relação ao total de cada grupo).
Com base nas informações apresentadas na prestação de contas do município, foram calculados os valores financeiros provenientes do FNDE e os do próprio município. Com o objetivo de explorar a utilização de cada um dos recursos na compra de alimentos da AF, utilizou-se como referência o percentual de investimento dos recursos do FNDE apresentado na prestação de contas. Considerou-se oriundo de recursos municipais o valor financeiro gasto em chamada pública que ultrapassou esse percentual.
Realizou-se uma análise descritiva dos dados e um teste para comparação de proporções a fim de detectar diferenças estatisticamente significativas entre os percentuais gastos em chamada pública (agricultura familiar) e em licitação (outros fornecedores) em relação ao total gasto por dia, assim como entre os valores gastos em alimentos Recomendados, Restritos e Proibidos. Considerou-se nível de significância p < 0,05. Os dados foram digitados em planilhas eletrônicas e analisados no software Stata 11.0 (StataCorp.,CollegeStation, TX, 2011).
A Tabela 1 apresenta as médias diárias dos gastos financeiros utilizados para a aquisição de alimentos em cada uma das categorias e subcategorias do estudo, bem como o resultado do contraste de proporções. Observou-se investimento diário de aproximadamente R$ 3.482,00 para a aquisição dos alimentos. A maioria do investimento foi destinada para aquisição de alimentos recomendados (65,6%). Os gastos com alimentos restritos representaram 27,9% e com os demais alimentos que não entraram na classificação anterior 6,5%. Não foi identificada a aquisição de bebidas de baixo valor nutricional que representam os alimentos proibidos pela legislação do PNAE.
Tabela 1 Total diário investido para a aquisição de alimentos em cada categoria e subcategoria de estudo, 2010.
Categoria | Gasto diário total R$ (%) | AF (%) | OF (%) | P |
---|---|---|---|---|
Total geral investido | 3481,65 (100,0) | 12,1 | 87,9 | <0,001 |
Total Recomendados | 2282,57 (65,6) | 12,1 | 53,5 | <0,001 |
Frutas | 659,29 (18,9) | 9,1 | 9,8 | 0,255 |
Vegetais com baixo teor de carboidrato | 175,48 (5,0) | 2,3 | 2,7 | 0,369 |
Vegetais com alto teor de carboidrato | 39,89 (1,1) | 0,6 | 0,5 | 0,393 |
Ervas, especiarias e vegetais complementares | 50,49 (1,5) | 0 | 1,5 | - |
Cereais, pães, massas, farinhas e fermentos | 398,95 (11,5) | 0 | 11,5 | - |
Alimentos integrais | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Carnes com baixo teor de gordura e ovos | 548,90 (15,8) | 0 | 15,8 | - |
Leguminosas | 112,32 (3,2) | 0 | 3,2 | - |
Leite e derivados com teor reduzido de gordura saturada | 294,9 (8,5) | 0 | 8,5 | - |
Temperos utilizados em pequenas quantidades nas preparações | 2,35 (0,1) | 0 | 0 | - |
Total Restritos | 971,21 (27,9) | 0 | 27,9 | - |
Carnes gordurosas, embutidos ou produtos cárneos industrializados, queijos e molhos com alto teor de sódio e/ou gordura saturada | 302,99 (8,7) | 0 | 8,7 | - |
Alimentos com alto teor de açúcar e produtos açucarados | 453,20 (13,0) | 0 | 13,0 | - |
Biscoitos e produtos salgados | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Alimentos compostos | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Preparações semi-prontas ou prontas | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Alimentos concentrados, em pó ou desidratados e misturas para o preparo de alimentos | 198,56 (5,7) | 0 | 5,7 | - |
Enlatados e conservas | 16,45 (0,5) | 0 | 0,5 | - |
Total Proibidos | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Bebidas com baixo teor nutricional | 0 (0,0) | 0 | 0 | - |
Total Outros | 227,87 (6,5) | 0 | 6,5 | - |
Bebidas na forma de grão torrado e moído e/ou bebidas de infusão | 143,21 (4,1) | 0 | 4,1 | - |
Óleo | 18,87 (0,5) | 0 | 0,5 | - |
Açúcar | 60,64 (1,7) | 0 | 1,7 | |
Sal | 5,15 (0,2) | 0 | 0,2 | - |
AF: Agricultura Familiar
OF: Outros Fornecedores.
Entre os alimentos recomendados, os grupos com maior investimento financeiro foram as frutas, seguidas das carnes magras e cereais. Entre os alimentos restritos, constatou-se a aquisição de alimentos com alto teor de açúcar (biscoito doce, barra de cereais e cereal de milho açucarado); embutidos com alto teor de gordura e sódio (salsicha, apresuntado e linguiça defumada); alimentos concentrados ou em pó para diluição (mistura para o preparo de bebida láctea; pó para o preparo de gelatina; pó para o preparo de pudim e caldo de galinha) e enlatados (milho e ervilha em conserva).
A Tabela 2 apresenta os recursos financeiros provenientes do FNDE e do município para a compra de alimentos e os respectivos percentuais direcionados à agricultura familiar. O município investiu aproximadamente quatrocentos e cinquenta e seis mil reais, quase o dobro do valor repassado pelo FNDE (R$ 240.000,00) durante o ano de 2010 para a execução do programa.
Tabela 2 Recursos financeiros provenientes do FNDE e do município para a compra de alimentos e os respectivos percentuais direcionados a agricultura familiar, 2010.
Recurso utilizado para a aquisição de alimentos | |
---|---|
Valor repassado pelo FNDE* (%) | 34,5 |
Complementação financeira do município para aquisição de alimentos* (%) | 65,5 |
Valor gasto com aquisição de alimentos da agricultura familiar em relação ao valor repassado pelo FNDE* (%) | 29,5 |
Valor gasto com a aquisição de alimentos da agricultura familiar em relação ao recurso total utilizado para a aquisição de alimentos (%) | 12,1 |
Valor gasto com a aquisição de alimentos da agricultura familiar em relação à complementação financeira do município (%) | 2,9 |
* Valor declarado na prestação de contas.
Do total gasto com alimentos, a compra da agricultura familiar representou 12,1%. Observou-se que 29,5% dos recursos provenientes do FNDE e 2,9% da complementação financeira do município foram destinados à compra da AF. Ressalta-se que o total de recurso financeiro direcionado para a compra de alimentos da agricultura familiar foi utilizado para a aquisição de alimentos Recomendados.
O valor investido na compra de alimentos restritos estava dentro dos limites estipulados pelas normativas do FNDE, sendo a totalidade desses alimentos adquiridos por licitação, de fornecedores que não os da agricultura familiar. Por outro lado, foram adquiridos apenas alimentos recomendados da agricultura familiar, sugerindo que essa compra direta pode contribuir com a qualidade da alimentação escolar. Nesta perspectiva, um baixo percentual de recurso financeiro direcionado à compra de alimentos da agricultura familiar pode comprometer a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e o desenvolvimento de um sistema alimentar local, sustentável e saudável.
A aquisição de alimentos restritos, mesmo que dentro dos limites impostos pela legislação, pode representar um risco para a saúde da população. Isso porque suas características nutricionais (maior densidade energética, teor de gordura saturada, trans, açúcar e sódio)24, associado ao seu baixo custo25 e ao crescente consumo desses alimentos por crianças e adolescentes, se relacionam com o aumento dos casos de sobrepeso e obesidade no Brasil7.
Por outro lado, em consonância com estudos prévios, os resultados sugerem que a aquisição de alimentos da agricultura local pode contribuir com a oferta e o consumo de alimentos saudáveis nas escolas26-28. Isso por que foi observada apenas a compra de alimentos recomendados da agricultura familiar, sendo esses associados a uma alimentação saudável8,25. Desse modo, a aproximação da produção agrícola familiar com o consumo de alimentos na escola parece se configurar como uma importante política para a promoção de alimentação saudável, podendo contribuir positivamente no combate às crescentes taxas de obesidade infantil. Além disso, ao proporcionar mercados estáveis aos agricultores, a compra via chamada púbica pode gerar impactos positivos para a agricultura29-32, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento de sistemas agroalimentares locais sustentáveis33,34.
Entretanto, o baixo percentual de investimento global (12,1%), identificado para a aquisição de alimentos da agricultura familiar, pode comprometer a potencialidade dos benefícios dessa compra de alimentos. Esse resultado poderia ser explicado pelo fato de que às diretrizes do FNDE para a execução financeira do programa referem somente à utilização dos recursos provenientes do FNDE20 e não do município, estipulando um valor mínimo de investimento de 30% para a compra da agricultura familiar. Adicionalmente, o curto período de tempo transcorrido desde a implementação das atuais normativas do programa e a coleta de dados, associado às dificuldades organizacionais que os processos de mudança demandam para sua implementação, poderiam explicar este resultado.
Apoiar políticas de aproximação da produção familiar com o consumo de alimentos nas escolas destaca positivamente e internacionalmente a política de SAN do Brasil35 e demonstra os esforços do governo brasileiro em apoiar formas mais sustentáveis de produção/consumo. Ainda que esta política represente importante avanço, parece necessário articular e acrescentar às políticas existentes, diferentes critérios de compra e políticas agroalimentares para possibilitar a consolidação de sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis. Além disso, outras pesquisas a médio e longo prazos são necessárias para identificar os efeitos gerados pelas modificações normativas do PNAE nos sistemas alimentares locais.
A classificação dos alimentos, segundo as diretrizes governamentais, representou uma dificuldade para a realização do presente estudo devido à ausência de critérios claros de categorização. Contudo, a utilização do método AGA facilitou tal classificação, tornando possível agrupar os alimentos de acordo com as características nutricionais e sua origem. As informações analisadas constantes nos documentos não foram registradas pelos pesquisadores, o que deve ser considerado ao interpretar os resultados. No entanto, são fontes oficiais do registro de compra de alimentos do município, elaboradas de forma homogênea para todas as compras realizadas e registradas pelo profissional responsável. Além disso, as chamadas públicas e as licitações utilizadas como fonte de informação representam instrumentos de planejamento da compra e podem sofrer modificações no decorrer da execução do programa. Contudo, os valores financeiros extraídos desses instrumentos foram contrastados com os apresentados na prestação de contas do município, o que possibilitou explorar como os recursos financeiros destinados à compra de alimentos estão sendo utilizados no nível municipal.
De forma conclusiva, a compra de alimentos da agricultura familiar neste município contribuiu para a aquisição de alimentos saudáveis. Contudo, a complementação financeira do município parece não estar direcionada a esse seguimento produtivo, o que pode comprometer o potencial do PNAE em promover sistemas agroalimentares locais, sustentáveis e saudáveis.