versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.6 São Paulo nov./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20142014108
O envelhecimento pode levar a mudanças vocais como redução da intensidade, aumento do jitter, alteração da qualidade vocal, redução dos tempos máximos de fonação e da diadococinesia, voz menos aguda para as mulheres e menos grave para os homens, caracterizando presbifonia( 1 , 2 ). O idoso com voz adaptada é aquele que apresenta qualidade vocal com tendência a instabilidade; em que soprosidade e rugosidade leves podem ser observadas; a frequência fundamental média das mulheres fica ao redor de 180 Hz e dos homens 140 Hz; o pitch das mulheres tende a grave e dos homens a agudo; a extensão vocal é reduzida; a identificação do gênero por meio da voz pode estar comprometida; a intensidade vocal tende a ser reduzida; assim como a loudness, a respiração é mais superficial, com impacto na coordenação pneumofonoarticulatória e nos tempos máximos de fonação que ficariam por volta de dez segundos nas mulheres e 15 segundos nos homens; e o ataque vocal pode ser soproso( 3 ). Acredita-se que os efeitos do envelhecimento sobre a voz podem ser minimizados ou retardados com fonoterapia( 2 , 4 ). Acredita-se que uma proposta baseada na epistemologia genética de Jean Piaget associada às técnicas vocais na fonoterapia contribui com o sucesso terapêutico( 5 , 6 ). O objetivo é propor e verificar a efetividade de um programa de intervenção fonoaudiológica denominado Programa Vocal Cognitivo (PVC) para indivíduos com sinais de presbilaringe com ou sem queixa vocal.
Este estudo é longitudinal e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina (n° 120.831). Nesta fase preliminar (total previsto de 20 idosos de ambos os gêneros) participaram três mulheres (idades de 65 a 69 anos), duas com queixa vocal e uma com diagnóstico de presbifonia segundo avaliação otorrinolaringológica por meio de videolaringoscopia de alta velocidade. Para esse estudo foram selecionados os seguintes dados da avaliação pré e pós-programa: videolaringoscopia de alta velocidade; tarefas do CAPE-V( 7 ) gravadas em sala acusticamente tratada (programa Audacity, placa de som USB 5.1 3D externa ao computador, amplificador interno digital Class B 3D Sound e microfone headset AKG-520); e Protocolo de Rastreio de Risco de Disfonia (PRRD)( 8 ). Este instrumento foi elaborado pelo serviço em questão e teve sua aplicabilidade comprovada junto a mulheres, crianças e idosos, tanto para a clínica quanto para ações preventivas; apresenta a proposta de cálculo de escore, atribuindo-se pontos às respostas negativas, sendo que quanto mais negativa a resposta maior a pontuação.
A formatação do programa, bem como as técnicas vocais eleitas, tiveram por base a literatura( 9 - 11 ) e os estímulos visuais dinâmicos repetitivos de base cognitiva basearam-se na epistemologia genética de Jean Piaget( 5 , 6 , 12 ). A íntegra do programa está apresentada na Quadro 1.
Os achados vocais perceptivo-auditivos e acústicos pré e pós-intervenção foram comparados a partir da análise cega feita por duas fonoaudiólogas com confiabilidade intrajuiz maior que 80%( 13 , 14 ). Consideraram-se também escores obtidos com o PRRD com a autoavaliação pela escala analógica visual, achados laringológicos, avaliação dos estímulos repetitivos (realizada subjetivamente pelas participantes e terapeuta) e a aderência ao programa.
A Tabela 1 apresenta os parâmetros avaliados em relação à qualidade vocal nos momentos pré e pós-PVC. A espectrografia mostrou harmônicos melhor definidos e em maior número, além da elevação da intensidade; no PRRD houve melhora do escore de duas e piora do escore de uma. Após o programa, loudness, coordenação pneumofonoarticulatória, clareza articulatória, jitter e proporção harmônico-ruído apresentaram melhora, ficando tais parâmetros dentro do esperado para a faixa etária. Nas três participantes, observou-se evolução na qualidade vocal. Em duas verificou-se tensão associada à elevação da loudness. Nas três houve aumento da frequência fundamental e melhora dos tempos máximos de fonação. O escore PRRD de duas pacientes apresentou melhores resultados. Na laringoscopia houve redução dos sinais de presbilaringe com melhor coaptação glótica e movimentação da onda mucosa em todas idosas. A repetição dos conceitos baseada na epistemologia genética foi considerada positiva pelas participantes e terapeuta.
Tabela 1. Avaliação vocal pré e pós-Programa Vocal Cognitivo para presbifonia
Aspectos analisados (análise/esperado) | Paciente 1 | Paciente 2 | Paciente 3 | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Pré-PVC | Pós-PVC | Pré-PVC | Pós-PVC | Pré-PVC | Pós-PVC | |
Escala Analógica Visual (reta de 10 cm, em que 0 representa a melhor voz e 10, a pior) | 4,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Avaliação Perceptivo-auditiva | R S (GL) | T (GL) | R S (GL) | R T (GL) | R S A (GL) I (GM) | R S I (GL) |
Loudness | diminuída | adequada | diminuída | adequada | diminuída | adequada |
Clareza articulatória | diminuída | adequada | diminuída | adequada | diminuída | adequada |
Coordenação respiração-fala | alterada | adequada | alterada | adequada | alterada | adequada |
Tempo máximo de fonação (em segundos) | 9,60 | 11,49 | 4,97 | 7,39 | 12,81 | 19,43 |
f0 (em Hertz) | 178,25 | 213,52 | 198,62 | 217,41 | 221,49 | 237,76 |
Jitter (0,3–0,5%) | 1,02 | 0,50 | 0,58 | 0,43 | 1,26 | 0,51 |
Shimmer (3–5%) | 12,28 | 1,51 | 6,89 | 2,38 | 14,88 | 2,60 |
Proporção harmônico-ruído (22 dB) | 14,72 | 25,76 | 17,43 | 20,31 | 11,53 | 24,76 |
Legenda: PVC = Programa Vocal Cognitivo; R = rugosidade; S = soprosidade; GL = grau leve; T = tensão; I = instabilidade; GM = grau moderado
As três pacientes apresentaram inicialmente alterações vocais, independente da queixa de voz, com alterações pré-programa compatíveis com a presença de presbifonia( 1 , 2 ). A alta adesão mostrou-se relevante para a conquista dos resultados, mas deve ser mensurada de forma mais objetiva no seguimento do projeto. Melhoras observadas em loudness, coordenação pneumofonoarticulatória, tempo máximo de fonação e clareza articulatória proporcionam melhor efetividade comunicativa. A instabilidade vocal em um caso diminuiu para leve, o que contribuiu para maior agradabilidade fonatória. A queixa vocal inicial deixou de tê-la no momento pós-PVC, com maior conforto ao falar e voz mais agradável. Apesar de escassos dados normativos de laringoscopia de alta velocidade em idosos( 15 , 16 ), as melhoras observadas no momento pós-PVC reforçam os achados da avaliação perceptivo-auditiva e acústica. Os resultados corroboram estudos que indicam que a fonoterapia pode minimizar ou retardar os efeitos da presbifonia( 2 , 4 ). Apesar da rugosidade, soprosidade e astenia permanecerem alteradas em grau leve, houve melhora observada por meio dos escores CAPE-V. O aparecimento de tensão leve em dois participantes pode ter contribuído para o aumento da intensidade e diminuição da soprosidade, mas, para que não haja impacto vocal negativo no longo prazo este aspecto, será acompanhado nas reavaliações.
A melhora vocal também foi percebida em função da elevação da f0, o que minimizou aspectos vocais característicos da presbifonia em mulheres. A evolução apresentada no escore do PRRD corrobora a observação de maior consciência corporal/vocal, o que levou as participantes a modificações no estilo de vida e hábitos relacionados ao uso da voz. Vale salientar que todas aderiram ao programa e os aspectos relacionados à adesão serão foco de pesquisa específica.
A ênfase na cognição fundamentada na epistemologia genética( 12 ), já aplicada com sucesso em pacientes idosos laringectomizados totais( 5 ), pode ser considerada um dos diferenciais positivos da proposta.
Os resultados preliminares apontam perspectivas animadoras em relação à proposta com melhora dos aspectos analisados. O programa proposto mostrou-se exequível, bem delineado, não sendo necessários ajustes para a continuidade do projeto.