versão On-line ISSN 1807-5762
Interface (Botucatu) vol.21 supl.1 Botucatu 2017 Epub 02-Out-2017
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0558
Em 2013, o governo brasileiro criou o Programa Mais Médicos, com vistas a reorientar a formação médica, aumentar o número de vagas nos cursos de Medicina e nos programas de residência médica, melhorar a infraestrutura de Unidades Básicas de Saúde e minimizar a escassez de médicos por meio da provisão desses profissionais em regiões de maior carência no país. Esse último objetivo, conhecido como provimento emergencial, é realizado por intermédio do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB). Os médicos vinculados ao PMMB atendem nas Unidades Básicas de Saúde ou Unidades de Saúde da Família e são acompanhados periodicamente por uma instituição de ensino superior, que desenvolve ações de supervisão acadêmica 1-5 .
Denomina-se Supervisão Acadêmica o acompanhamento periódico e sistemático aos médicos participantes, por meio do qual é concedido apoio pedagógico, realizado de forma presencial e a distância. Embora essas atividades de supervisão sejam monitoradas pelo Ministério da Educação (MEC) via sistemas informatizados, elas são parte da coordenação e avaliação do programa, realizadas em conjunto com o Ministério da Saúde (MS), Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) 2 .
No âmbito do MEC, a gestão do PMMB se dá na Coordenação Geral de Expansão e Gestão da Educação em Saúde (CGEGES), alocada na Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior (DDES/SESu) 6 . Essa Coordenação realiza o acompanhamento das ações relacionadas à supervisão acadêmica aos médicos participantes, bem como coordena os Módulos de Acolhimento e Avaliação, o primeiro momento formativo dos médicos no projeto.
Ao ressaltar que o PMMB, em suas ações, tem por objetivo o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), da Atenção Básica/Estratégia Saúde da Família (AB/ESF) e da Educação Permanente em Saúde, torna-se relevante examinar os aspectos de sua ação no território e seu impacto.
Nesse sentido, cabe destacar que, durante a permanência no PMMB, os médicos participam de processos de aperfeiçoamento profissional, em uma perspectiva de educação permanente, organizada em dois ciclos. O primeiro ciclo formativo está subdividido nos eixos educacionais Especialização e Supervisão Acadêmica. O segundo ciclo formativo está subdividido em Aperfeiçoamento e Extensão, além da continuidade das atividades da Supervisão Acadêmica. Para os médicos formados no exterior, faz-se necessária a participação no Módulo de Acolhimento e Avaliação antes de iniciar o primeiro ciclo 1-3 .
Assim, a Supervisão Acadêmica mostra-se como ferramenta pedagógica permanente no PMMB e de caráter obrigatório para o funcionamento do Programa, sendo de extrema relevância analisar suas atividades. De modo a contribuir com esse entendimento, este artigo visa descrever e analisar as principais temáticas trabalhadas pelos supervisores com os médicos participantes do PMMB, no ano de 2015.
A Supervisão Acadêmica é um dos eixos educacionais do PMMB e prevê ações de fortalecimento da política de educação permanente, por meio da integração ensino-serviço no componente assistencial da formação dos médicos participantes do projeto 3-4 . O supervisor – médico vinculado a uma instituição supervisora do PMMB – realiza o acompanhamento periódico dos médicos integrantes do projeto, concedendo apoio pedagógico para a consolidação das competências necessárias ao desenvolvimento das ações e qualificação da Atenção Básica.
Por meio de visita individual e presencial e de ferramentas de comunicação a distância, como telefone ou internet, desenvolvem-se ações de segunda opinião formativa, interconsulta ou outras atividades necessárias para o aprimoramento do médico participante. Cabe ao supervisor, igualmente, apoiar os médicos na elaboração e implementação dos projetos de intervenção desenvolvidos durante o Curso de Especialização realizado por todos os médicos do PMMB no primeiro ciclo formativo, assim como também compete a esse profissional avaliar os médicos participantes do Projeto e acompanhar, em apoio aos gestores do SUS, o cumprimento da carga horária dos supervisionados 2-4 .
Para a realização das atividades de Supervisão Acadêmica, são previstos três momentos, caracterizados enquanto espaços de educação permanente: I) Supervisão In Loco , presencial e de caráter individual, com periodicidade mensal, a ser realizada no local de trabalho do profissional médico do PMMB; II) Supervisão Locorregional, de caráter coletivo, que se caracteriza pelo encontro presencial (a cada três meses) dos atores participantes do PMMB de uma determinada região – trata-se de espaços coletivos de ensino-aprendizagem, nos quais as práticas e as realidades de saúde vivenciadas pelos médicos podem ser compartilhadas e aperfeiçoadas, levando em consideração as características e as singularidades de cada vivência, bem como as especificidades regionais; e III) Supervisão Longitudinal, caracterizada pelo diálogo constante entre supervisor e médico participante por meio da utilização de tecnologias de informação e comunicação, como internet e telefone. Esta última modalidade é permitida apenas para a supervisão de médicos alocados em território indígena e/ou supervisionados pelo Grupo Especial de Supervisão 5 e/ou casos especiais autorizados pelo Núcleo Gestor do Projeto no MEC e é realizada no intervalo entre as visitas de Supervisão In Loco3 .
Todas as modalidades de supervisão buscam oferecer suporte para o desenvolvimento das ações do médico e de sua equipe, no intuito de (i) sanar dúvidas relativas ao manejo clínico; (ii) realizar diagnóstico das condições de trabalho; (iii) identificar necessidades de aprendizagem; (iv) estimular o trabalho em equipe como estratégia de educação permanente; (v) apresentar e incentivar o uso das ofertas pedagógicas; (vi) estabelecer-se como cenário de avaliação formativa do profissional; (vii) desenvolver conhecimentos e competências nos eixos Família e Comunidade; Gestão; Processo de trabalho da equipe; e Clínica e Comunicação; e (viii) acompanhar o desenvolvimento de atividades pactuadas nos encontros de Supervisão Locorregional 3 .
Em que pese o discurso normativo, a CGEGES, a DDES/SESu e o MEC têm optado por não determinar as metodologias e/ou conteúdos a serem trabalhados no âmbito da Supervisão, sobretudo por considerar a heterogeneidade de realidades no trabalho dos médicos e dos supervisores do PMMB em todo o país. Entretanto, cabe identificar os conteúdos dessas atividades, com o intuito de analisar a pertinência destes frente ao perfil epidemiológico da população e à dinâmica de trabalho na Atenção Básica.
Para realizar o estudo aqui proposto, lançou-se mão de análise documental como metodologia, utilizando-se dados primários obtidos da base informatizada do Ministério da Educação, denominado Sistema Webportfólio/UNA-SUS. Esse sistema foi desenvolvido para abrigar relatórios mensais postados pelos supervisores, nas quais são registradas as diversas atividades desenvolvidas com os médicos durante a visita de supervisão, bem como condições de trabalho referidas pelos profissionais, e por meio do qual são gerados relatórios gerenciais de monitoramento e avaliação do Programa Mais Médicos pelo MEC.
Entre as variáveis existentes no relatório, para este estudo, foi escolhida a variável “temática abordada na supervisão”, que é registrada pelos supervisores a partir do seguinte questionamento contido no relatório: Qual(is) temática(s) foi(ram) abordada(s) durante a supervisão?
Foram analisados 171.123 relatórios de supervisão, sendo 124.933 de supervisão in loco , 592 de supervisão longitudinal e 45.598 de supervisão locorregional, preenchidos por supervisores de todo o país no período de janeiro a dezembro de 2015, perfazendo a totalidade de relatórios de supervisão postados.
Foi extraída planilha Excel contendo todas as respostas dos relatórios quanto à variável selecionada (temáticas abordadas na supervisão) e considerando o período supramencionado. Ponderando que o questionamento admite múltiplas opções de resposta, as respostas de cada relatório foram isoladas, com vistas a permitir sua codificação. Em seguida, realizou-se análise de conteúdo temático-categorial 7 , considerando a frequência simples com a qual emergiram e a similaridade dos conteúdos, bem como buscando atender às exigências metodológicas propostas para este tipo de análise 7-9 .
Bardin 9 define a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens.
Fundamentado nesses referenciais, o percurso metodológico adotado neste estudo pode ser assim sintetizado: 1) definição das variáveis de análise, do período e dos objetivos do estudo; 2) leitura parcialmente orientada dos textos (respostas dos relatórios), com vistas à exploração do material; 3) extração e codificação dos dados, com quantificação por frequência simples, considerando unidades de registro temáticas; 4) tratamento e análise temática dos dados, com agrupamento por unidades de análise; 5) análise categorial do texto, com quantificação final de cada categoria emergida; 6) organização e apresentação dos resultados; e 7) discussão dos resultados com base no perfil epidemiológico da população brasileira no período. Os dois últimos pontos são apresentados a seguir.
A análise dos resultados culminou com a emergência de seis categorias, que são apresentadas no Quadro 1 .
Quadro 1 Categorias emergentes dos relatórios de supervisão acadêmica do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Brasil, 2015.
Ética, princípios e diretrizes/Elementos teóricos |
---|
Modelos de Gestão e de Atenção à Saúde/Processo de trabalho na Unidade Saúde da Família (USF) |
Doenças e Agravos |
Apoio ao Diagnóstico |
PMMB |
Ciclos de Vida e Saúde/Ações programáticas |
As temáticas mais trabalhadas nos encontros foram aquelas relacionadas às doenças crônicas não transmissíveis, às doenças tropicais negligenciadas, à apresentação/panorama do PMMB, à Saúde Mental e ao processo de trabalho na Atenção Básica. O Quadro 2 apresenta 90% das temáticas trabalhadas na Supervisão Acadêmica. As demais temáticas agrupadas somaram 10% – categoria Outros –, e, como isoladamente se apresentaram com percentuais inferiores a 0,1%, optou-se pela não apresentação destas neste trabalho.
Quadro 2 Temáticas mais frequentes abordadas nas atividades de supervisão acadêmica do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Brasil, 2015.
Temáticas | N |
---|---|
Avaliação das atividades desenvolvidas na Unidade de Saúde | 1840 |
Aperfeiçoamento da(o) Conduta Clínica/Diagnóstico/Terapêutica/Reabilitação | 1696 |
Carga horária/escala de trabalho e cumprimento de horário do componente prático | 1297 |
Processo de trabalho e reunião de equipe | 1129 |
Acesso e acolhimento com classificação de risco | 1096 |
Articulação com dispositivos da rede (Núcleo de Apoio à Saúde da Família – Nasf/Academia da Saúde/Consultório na Rua/Serviço de Atendimento Móvel de Urgência –Samu/Unidade de Pronto Atendimento – UPA/ Centro de Atenção Psicossocial – Caps) | 996 |
Carga horária/escala de trabalho e cumprimento de horário do momento de estudo | 969 |
Avaliação sobre a supervisão | 922 |
Assistência farmacêutica | 695 |
e-SUS | 655 |
Planejamento em Saúde | 643 |
Telessaúde | 611 |
Regulação em Saúde e redes de atenção | 563 |
Linhas de cuidado | 562 |
Preenchimento correto de prontuários e receituários | 542 |
Humanização em Saúde | 519 |
Gestão do tempo | 485 |
Medicina baseada em evidência | 379 |
Protocolo clínico da Atenção Básica | 370 |
Medicina Centrada na Pessoa | 362 |
Participação popular e organização comunitária | 316 |
Política Nacional de Atenção Básica | 315 |
Projeto de intervenção | 294 |
Integralidade da Atenção à Saúde | 267 |
Sistemas de informação em Saúde | 233 |
Álcool e drogas | 221 |
Projeto Terapêutico Singular | 180 |
Saúde do Adolescente | 157 |
Ao analisar os conteúdos relacionados a Ética, Princípios e Diretrizes/Elementos teóricos, percebe-se que o principal assunto abordado diz respeito aos aspectos históricos, aos princípios e às diretrizes do SUS, seguido do debate acerca da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Considerando que a maioria dos médicos participantes do PMMB é de origem estrangeira, a abordagem desses conteúdos nas visitas de supervisão se mostra bastante oportuna e necessária. Ao ter acesso a discussões acerca do SUS e da PNAB, os médicos do PMMB podem aperfeiçoar os conhecimentos adquiridos quando ingressaram no projeto, visto que os módulos de acolhimento e avaliação abordam ambas as temáticas. Assim, considerando o dinâmico processo de trabalho na Atenção Básica e a necessidade de ações contínuas de educação/formação, discutir permanentemente o SUS contribui fortemente para a reflexão da práxis, de modo a qualificar a prática médica.
Nesse sentido, a Supervisão Acadêmica se apresenta como importante estratégia de educação permanente em Saúde, extremamente necessária no âmbito do SUS 10 . A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde surge como uma alternativa de ação estratégica para contribuir na transformação e aperfeiçoamento das práticas de Saúde, na organização das ações e serviços, nos processos formativos e práticas pedagógicas na formação e no desenvolvimento dos trabalhadores do setor da Saúde. Para tanto, requer trabalho intersetorial, capaz de integrar o desenvolvimento individual e institucional, as ações, os serviços e a gestão local, a Atenção à Saúde e o controle social 11 .
No que diz respeito às temáticas trabalhadas em relação aos Modelos de Gestão e de Atenção à Saúde/Processo de trabalho na USF, observa-se expressiva coerência com o cotidiano de trabalho na ESF. Discutir aspectos relacionados ao acolhimento e à organização das práticas de cuidado é de suma importância para o aprimoramento do trabalho em Saúde, tanto pelo profissional médico quanto por toda a equipe de Atenção Básica. Entretanto, faz-se necessário intensificar na agenda da supervisão diversos conteúdos, entre os quais, aqueles relativos às redes de atenção à Saúde, por serem o novo modelo de organização/atenção preconizado pela Organização Mundial da Saúde (em decorrência do perfil epidemiológico), e aos processos de avaliação e monitoramento das ações desenvolvidas, que são fundamentais para o acompanhamento e aperfeiçoamento do trabalho desenvolvido.
No que tange aos conteúdos relacionados às doenças e agravos, percebe-se coerência com o perfil epidemiológico atual da população brasileira, caracterizado por elevadas prevalências de doenças crônicas não transmissíveis 12-14 , em especial as doenças cardiovasculares, o diabetes, a obesidade e as emergentes doenças psiquiátricas 15 , sobretudo a depressão e a ansiedade, além da permanência de doenças infectocontagiosas.
As doenças cardiovasculares representam uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo, sendo a hipertensão arterial sistêmica (HAS) o fator de risco de maior prevalência, afetando cerca de 30% a 45% da população em geral e aumentando expressivamente com o envelhecimento. No Brasil, dados da pesquisa Vigitel relatam a frequência de adultos que afirmam terem recebido diagnóstico de HAS de 15,2% em Palmas e 30,7% no Rio de Janeiro 14,16-18 .
Tendo em vista o perfil dos médicos, majoritariamente cubanos, também foi positivo observar a escolha de temáticas relacionadas às doenças tropicais negligenciadas, que não são comuns na realidade do país de origem dos médicos. Nessa categoria, critica-se apenas a tímida abordagem de temáticas relacionadas às patologias cujo vetor é o mosquito Aedes aegypti , como a dengue, a chikungunya , a zika e a consequente microcefalia. Em virtude da elevada incidência dessas patologias no ano de 2015 19 , seria de extrema relevância abordar tais temáticas nas atividades de supervisão, com vistas a fomentar o debate em torno da detecção precoce dos sintomas e agravos.
Entretanto, ao analisar as temáticas referentes aos ciclos de vida e saúde/ações programáticas, é perceptível a insuficiente abordagem a grupos historicamente marginalizados dos serviços de Atenção Básica, como os homens, os adolescentes, os indígenas e os trabalhadores. O que se percebe é a quase exclusividade de abordagens e a manutenção da priorização às temáticas referentes a uma determinada população nas ações das equipes de Atenção Básica: mulheres, crianças e idosos.
É importante ponderar, no entanto, que essa escolha pode advir do próprio perfil demográfico da população de abrangência da unidade onde o médico do programa está alocado, como relatado em experiência descrita por Bertão 20 . Segundo este autor, a supervisão acadêmica auxiliou o médico do Programa na escolha e desenvolvimento do projeto de intervenção do primeiro ciclo formativo, que foi a atenção à saúde do idoso, tendo em vista o elevado índice de envelhecimento da região. É importante mencionar, ainda, que o supervisor ofertou apoio não só ao médico do programa como também à equipe da Unidade de Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde, no que tange à construção de iniciativas de intervenção na saúde dos idosos do território.
Nesse âmbito, uma das críticas que vem se apresentado ao programa é a limitação do trabalho da supervisão ao médico participante do PMMB, como explicitado por Campos e Pereira Júnior 21 . Na prática, existem diversas experiências de supervisão, nas quais alguns, de fato, restringem sua atuação ao médico, enquanto outros dialogam com equipe, gestores e usuários 20 .
As demais temáticas trabalhadas pela supervisão demonstram o constante processo de debate acerca do próprio projeto, o que é relevante frente ao seu processo dinâmico.
Os resultados obtidos neste estudo estão de acordo com aqueles observados por Engstrom 22 , que, ao avaliar encontros locorregionais realizados no município do Rio de Janeiro entre 2014 e 2015, identificou que os supervisores elegeram como temáticas prioritárias: saúde mental, uso de drogas, saúde da mulher/pré-natal e criança. Segundo o autor, as estratégias pedagógicas fomentaram a aproximação de gestores, supervisores e médicos, em consonância com as necessidades da população e do Sistema de Saúde.
Silva e colaboradores 23 , por sua vez, destacaram os protocolos assistenciais como o tema mais abordado por supervisores nos encontros locorregionais realizados no estado do Rio Grande do Norte no ano de 2014.
Corroborando com o estudo supramencionado, Azevedo e colaboradores 24 identificaram que os encontros locorregionais do PMMB no Rio Grande do Sul têm abordado discussões de caso, atualizações sobre manejos e protocolos clínicos, levantamento de necessidades e dificuldades das ações em ato e questões interculturais do cuidado, além de outros temas eleitos como relevantes pelos diversos atores do projeto.
Mesmo que consideradas as associações descritas anteriormente, observam-se, também, padrões de interesse educacional em comum. Apesar de estudos correlacionando interesse e busca por educação em específico serem escassos desde a conceituação de interesse 25 , observa-se que há valor na experiência singular da vivência do médico para que este aprendizado seja significativo, desde as definições constantes no arcabouço da educação permanente do PMMB. O grau de influência do interesse em temas educacionais pelo supervisor tampouco deve ser desconsiderado, mas também pouco é encontrado sobre essa questão na literatura médica, apesar de diversas metodologias incorporarem o interesse como fundamental ao aprendizado. Ao levantamento das questões de interesse de aprendizado, vemos relação com os métodos como a revisão por pares ( peer review ), vista em métodos como o Programa de Educação Permanente para Médicos de Família descrito por Silvério 26 . Ainda que admitida a participação desse fator, maior aprofundamento sobre esta questão será necessário para compreensão de sua participação nos resultados encontrados.
Experiências de supervisão acadêmica a médicos participantes de programas de provimento profissional também são observadas na Austrália, onde os participantes têm acesso a ofertas educacionais para aprimoramento técnico e aulas para realização dos exames de revalidação completa do diploma no país 27-29 .
Por fim, esses estudos têm reconhecido a supervisão acadêmica como espaço privilegiado para o intercâmbio de conhecimento entre médicos e supervisores, por meio do qual são compartilhadas experiências e vivências desses profissionais.
Ao longo de 2015, o Ministério da Educação implementou mudanças nos relatórios de supervisão, bem como nos processos de avaliação e monitoramento das ações do PMMB, com vistas ao aperfeiçoamento e à qualificação das atividades. Essas mudanças, inclusive, auxiliaram a construção dos resultados apresentados neste artigo.
A análise dos conteúdos das atividades de supervisão acadêmica permitiu observar relativa pertinência frente ao perfil epidemiológico prevalente na população brasileira, inclusive àquela que procura a Atenção Básica para atendimento às necessidades de saúde, bem como coerência com a dinâmica de trabalho nesse nível de atenção. Assim, o elenco dos conteúdos por parte dos supervisores revelou a priorização de temáticas de extrema relevância para a qualificação do trabalho dos médicos participantes do PMMB.
Estudo recente, desenvolvido por Lima e colaboradores 30 , destaca a importância de organizar o trabalho no âmbito do programa a partir das necessidades reportadas por supervisores e médicos e defende que, se este trabalho primar pela sustentação do conceito ampliado de saúde, deve contemplar abordagens à atividade clínica, à oferta de serviços médicos, ao atendimento a doenças prevalentes e tratamentos pontuais e, sobretudo, contemplar o debate sobre modos de organização social de produção. Contudo, problematizam a capacidade/habilidade dos supervisores em adotar a dimensão ampliada de Saúde, haja vista o perfil de formação destes profissionais e a ausência de um ethos para o balizamento pedagógico. Concluem, ainda, que o processo de orientação acadêmica das atividades produtivas de médicos do provimento emergencial não corresponde a um enfrentamento pedagógico isolado, pois é parte e consequência do desenvolvimento histórico da teoria e da prática.
Com relação à pouca referência às patologias veiculadas pelo mosquito Aedes aegypti , acredita-se que isso tenha se dado em virtude de que, no ano em análise, ainda não se tinham evidências suficientes sobre a associação entre o vetor e as manifestações clínicas, e, ainda, pela ausência de materiais instrucionais que pudessem ser utilizados pelos supervisores no processo pedagógico.
Por outro lado, a Supervisão Acadêmica tem sido considerada uma importante estratégia de aproximação entre as universidades (instituições supervisoras) e o SUS 27 , contribuindo para o fortalecimento da integração ensino-serviço-comunidade.
Ousamos afirmar, ainda, que a supervisão tem se mostrado uma ferramenta pujante para a qualificação das práticas clínicas e assistenciais dos médicos, o que, por sua vez, é potencialmente indutor de processos de fortalecimento da Atenção Básica e de consolidação do SUS. Por possibilitar a discussão entre profissionais no seio do serviço, com temáticas que emergem do campo do trabalho, também se mostra como potente estratégia de educação permanente, visto que serve para preencher lacunas e induzir mudanças nas práticas profissionais, o que contribui para o acúmulo de saber técnico, um dos requisitos necessários à transformação das práticas.
Em que pese a importância da supervisão, estudos sobre esse eixo do programa ainda são escassos na literatura, visto que os trabalhos publicados até então têm priorizado analisar o provimento emergencial, com foco nos médicos do programa. Editorial temático especial sobre o Mais Médicos, publicado recentemente, reforça esse cenário, pois, de 36 trabalhos apresentados, apenas dois deles 30-31 abordavam, e ainda de forma tímida, a supervisão e a tutoria acadêmica.
Ante o exposto, ressalta-se a importância do debate aqui introduzido e a necessidade de complementar as reflexões e os resultados ora apresentados com estudos sobre as metodologias utilizadas pelos supervisores na abordagem das temáticas, seus interesses nos temas e influências percebidas, pois tão ou mais importante do que o conteúdo é a forma com que este é motivado e trabalhado em um processo educacional. Cabe, ainda, aprofundar as investigações sobre os efeitos e/ou impactos que essas intervenções têm causado no âmbito do trabalho na Atenção Básica e no desenvolvimento de novos modelos de formação, educação continuada e Atenção à Saúde no Brasil.