versão impressa ISSN 0102-7638
Rev Bras Cir Cardiovasc vol.29 no.1 São José do Rio Preto jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/1678-9741.20140014
Abreviaturas, acrônimos & símbolos | |
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3D | Três dimensões |
AAA | Aneurisma de aorta abdominal |
DICOM | Digital imaging and communications in medicine |
h | Altura |
MIP | Maximum intensity projection |
MPR | Multiplanar reconstruction |
r | Raio |
TC | Tomografia computadorizada |
Veja o vídeo acessando o link abaixo: http://rbccv.org.br/video/2221/Proposta_de_correcao_virtual_geometrica_da_projecao_ostial_da_arteria_renal_no_estudo_operatorio_de_aneurismas_infrarrenais__resultados_iniciais_de_um_estudo_piloto
Sabe-se que para o preparo pré-operatório endovascular dos aneurismas de aorta abdominal (AAA) infrarrenais é necessária a mensuração acurada das características morfológicas e anatômicas do aneurisma, como diâmetros, comprimentos e angulações, estratégia essencial para a sua exclusão, resultado final do procedimento endovascular [ 1 ].
Com o aprimoramento da tecnologia de informação, o estudo de tomografias biplanares helicoidais associado à aortografias complementares com cateteres centimetrados foi substituído pelo uso de tomografias computadorizadas (TC) multicanais (multislice), com cortes em espessuras menores e com maior riqueza de detalhes que, quando associadas a softwares de reconstrução em três dimensões (3D), permitem a reprodução virtual digitalizada do doente e de sua anatomia [ 2 ].
A TC e a angiotomografia (angioTC) têm um papel essencial no planejamento pré-intervencionista e no controle do procedimento, sendo considerada o exame de escolha na avaliação do paciente candidato ao tratamento envodascular e para o seu acompanhamento, na pesquisa de complicações [ 3 ].
Estas reconstruções permitem a avaliação rápida da extensão do aneurisma, acometimento visceral, presença de angulações, tortuosidade e dificuldade de acesso. Uma análise acurada dos cortes axiais, coronais e sagitais possibilita o planejamento do tipo de endoprótese a ser utilizada. Isto é alcançado com o uso de métodos de reconstrução disponíveis nos softwares, como a reconstrução multiplanar (MPR e MPR-Curved ), projeção de intensidade máxima (MIP ) e reconstrução 3D da imagem de volume.
Nesta etapa, realizada no período pré-operatório, obtém-se as informações necessárias para o planejamento cirúrgico. Desta forma, é possível a aquisição de imagens finais que ofereçam não só melhor acurácia das medidas e das características morfológicas do aneurisma como também o estudo da sua relação anatômica com demais artérias do eixo aorto-ilíaco [ 1 ].
Um aspecto importante do planejamento é a determinação do melhor posicionamento intraoperatório da radioscopia, com uma visualização perfeitamente perpendicular à origem da artéria renal mais baixa. Um posicionamento subótimo pode causar sobreposição das estruturas vasculares, impedindo o uso de toda a extensão do colo para fixação da endoprótese e selamento proximal [ 4 ].
Expõem-se aqui os resultados iniciais de um projeto piloto, feito por análise da viabilidade da manipulação de imagens tomográficas em software, na visualização e determinação da angulação radioscópica do colo do aneurisma, através do emprego de uma técnica inédita. Acredita-se que esta técnica é bastante simples, de alcance prático imediato e que pode ser facilmente incorporada na rotina de planejamento de tratamentos endovasculares com endopróteses. Até o momento, reunimos uma série de casos de cerca de 14 estudos com resultados animadores. Para fins de ilustração da técnica empregada, descrevem-se a seguir os passos desenvolvidos em um dos casos de nossa série.
Foram analisadas tomografias multicanais de doentes submetidos a correção endovascular de AAA infra-renal no Centro de Alta Complexidade em Cirurgia Endovascular da Universidade Estadual de Campinas, de Agosto a Dezembro de 2013.
Utilizou-se de reconstrução tridimensional multiplanar por meio de software (OsiriX MD ) de manipulação de imagens DICOM - Digital Imaging and Communications in Medicine - em análise de aneurismas em série de imagens com cortes tomográficos finos de 1 a 3mm, meio de contraste iodado intravenoso em fase arterial.
Escolheu-se a artéria renal mais baixa como referência para o tratamento das imagens, por constituir-se o colo proximal o seu segmento até o início do AAA [ 5 ]. O objetivo foi alcançar uma imagem perfeitamente perpendicular à sua origem - ou seja, sua projeção ostial - de forma a corrigir angulações ântero-posteriores próprias de sua morfologia e quaisquer efeitos rotacionais provocados pela tortuosidade do AAA. Para isto, um corte linear ao eixo da aorta (no nível da emergência da artéria renal mais baixa) foi conseguido em imagem axial, fornecido pela correção em ângulo reto das projeções sagital e coronal em MPR (Figura 1).
Fig. 1 Reconstrução multiplanar (MPR), com correções das projeções sagital e coronal e o corte axial em ângulo reto (abaixo, à esquerda)
Mediante análise da imagem axial, procedeu-se então à construção de um triângulo equilátero circunscrito. Traçou-se uma linha central ao eixo da aorta e paralela à tangente da parede arterial no óstio renal, onde se realizou uma primeira marca na parede anterior da aorta (Figuras 2A e 2B). Este é o vértice assumido como o ápice da pirâmide no início da construção do triângulo.
Fig. 2 Acima: A – Tangente traçada a partir da projeção da artéria renal direita. B – Posicionamento intraluminal para inicio da marcação espacial. Abaixo: C – Construção do triângulo equilátero no corte axial tomográfico em ângulo reto. D – Representação geométrica de um triângulo equilátero em um círculo (para o caso descrito)
Assim, reproduziram-se duas marcas adicionais, orientadas pela altura do triângulo, colocadas posteriormente, de forma a construir um triângulo equilátero (Figura 2C). Para cálculo da marcação, utilizou-se de conceitos de construção geométrica, onde a altura (h) de um triângulo equilátero em um círculo corresponde 3/4 do diâmetro, ou a 1 e 1/2 vez o raio da circunferência [ 6 ] (r) (Figura 2D).
Partindo-se do conceito geométrico de que três pontos estão sempre no mesmo plano, procedeu-se à reconstrução tridimensional da tomografia. Por meio da manipulação rotacional da imagem, alinharam-se os 3 pontos em um único eixo, equidistantes (Figura 3). Os ângulos de projeção da visualização da imagem foram fornecidos automaticamente pelo software (destaque).
Fig. 3 Reconstrução tomográfica tridimensional. Observe que os pontos estão equidistantes e alinhados, permitindo uma visão em ângulo reto da a. renal estudada (direita). Os ângulos de visualização a serem utilizados na correção da radioscopia intraoperatória foram fornecidos pelo próprio software (abaixo à direita, em destaque – neste caso, crânio-caudal 13,6º e oblíquo-anterior-esquerdo 30,6º). Os valores empregados ao arco cirúrgico são aproximados
As imagens e angulações alcançadas durante a reconstrução 3D no software foram reproduzidas no intraoperatório - com correção do posicionamento angular do aparelho de radioscopia - revelando-se serem equivalentes (Figuras 4A, B e C).
Fig. 4 A - Imagem tomográfica por reconstrução 3D. B - Posicionamento intraoperatório do aparelho de radioscopia, respeitando-se as angulações identificadas. C - Arteriografia intraoperatória. D - Posicionamento final da endoprótese
Acrescenta-se ainda que - para próteses que possuem acima de duas marcações radiopacas no mesmo nível em sua porção proximal - pôde-se observar, após a liberação da endoprótese, um posicionamento em linha reta destas marcações [ 4 ] o que reforça a ideia de visualização perpendicular do colo (Figura 4D).
No início da última década, o estudo de TC biplanares helicoidais associado a aortografias complementares com cateteres centimetrados era recomendado a todos os candidatos à correção endovascular dos AAA, por apresentarem-se como exames de valores complementares: enquanto a primeira fornecia informações bastante acuradas sobre os diâmetros, a última permitia uma avaliação precisa do comprimento [ 7 ].
Devido ao acentuado desenvolvimento tecnológico da TC - desde a introdução da aquisição helicoidal aos equipamentos de múltiplos canais de detectores com sistemas eficientes de transmissão, processamento e armazenamento de dados - foi possível a redução do tempo de aquisição das imagens assim como o desenvolvimento de algoritmos de reconstrução mais sensíveis e precisos, com melhor performance e resolução espacial [ 2 ].
Atualmente, por meio da angioTC é realizada a morfometria, baseando-se na avaliação da configuração, comprimentos e diâmetros da aorta e das artérias ilíacas e relacionados com a lesão de interesse quanto à técnica de realização do procedimento endovascular. Permite, inclusive, avaliar variações anatômicas relevantes à escolha da endoprótese e da técnica cirúrgica relacionada [ 2 ].
Entretanto, a avaliação intraoperatória da liberação da endoprótese é geralmente guiada pela angiografia, a qual fornece imagem bidimensional. Por isso, sabe-se que colo proximal dos AAA e/ou artérias ilíacas muito angulados podem dificultar a visualização exata do óstio da artéria renal.
O posicionamento ideal do aparelho de radioscopia durante o procedimento cirúrgico pode ser diferente do esperado durante o estudo pré-operatório, na medida em que o colo do aneurisma possivelmente se encurte ou alongue acima do esperado [ 4 ]. Diante disto, alguns autores argumentam que a anatomia do vaso pode mudar devido à inserção dos fios guia rígidos, introdutores e do próprio sistema de entrega. Assim, acreditam que a imagem da TC pré-operatória pode ser diferente da angiografia intraoperatória [ 6 ].
Van Keulen et. al.[ 4 ] discorrem sobre a necessidade da determinação da disposição intraoperatória do arco cirúrgico, alegando que um posicionamento subótimo levaria o cirurgião a subestimar o comprimento total do colo do aneurisma e a não utilização em sua totalidade para liberação e fixação da endoprótese. Esta interpretação poderia ser causada por uma aparente sobreposição de estruturas vasculares na imagem angiográfica biplanar convencional. Recomenda que a angulação ideal e o posicionamento sejam determinados levando-se em consideração a angulação ântero-posterior do colo e a orientação horária das artérias renais. Descreve, ainda, que, embora a angulação do colo do aneurisma possa ser modificada, o posicionamento angular das artérias renais não se modifica mesmo sob a influência dos fios guias inseridos ou da própria endoprótese [ 4 , 8 ].
Nossa proposta foi simplificar este cálculo, com obtenção simultânea dos ângulos oblíquos e craniocaudais utilizando-se conceitos de geometria tridimensional e de triangulação espacial, com o auxílio do software. Isto posto, embora sejam resultados de um projeto piloto em andamento, estes se mostraram bastante encorajadores.
Com isso, acreditamos que é possível por meio de conceitos de correção geométrica e por meio da manipulação das imagens DICOM em software, traçar o mesmo ângulo de projeção ostial da artéria renal em imagem bidimensional intraoperatória (angiografia).
Ao reproduzir tomograficamente um corte transversal em ângulo reto (ou seja, perpendicular ao eixo da aorta), com rotação e exposição ortogonal da artéria renal, consegue-se prever a necessidade de correção intraoperatória da projeção da radioscopia na obtenção de imagem angiográfica bidimensional.
Utilizando-se da aplicação de conceitos de geometria espacial para alcançar o melhor ângulo de exposição ostial da artéria renal de forma sistemática, reduzem-se as variações entre os observadores do estudo e possibilita-se a reprodutibilidade da técnica, reduzindo-se os erros de interpretação interpessoais.
Quanto mais próxima da reprodução tomográfica for essa correção radioscópica, mais cuidadosa é a visualização do óstio da artéria renal, melhor é o aproveitamento do colo para a fixação e selamento e mais precisa é a liberação da endoprótese.
Papéis & responsabilidades dos autores | |
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GJDPM | Autor principal, idealizador da técnica descrita. Pesquisador principal da manipulação das imagens utilizadas, da redação do Projeto Piloto e do Projeto de Pesquisa e do levantamento bibliográfico. |
AMOD | Coautora. Colaboradora do desenvolvimento e da aplicação da técnica descrita, pesquisadora auxiliar durante o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa |
FHM | Coautor. Revisor da redação da Nota Técnica, correção e elaboração do Abstract. Revisor da bibliografia. |
ATG | Coautora. Orientadora. Revisora Final da Nota Técnica, do Projeto Piloto e do Projeto de Pesquisa |