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Propriedades psicométricas do Índice de Religiosidade de Duke aplicado em plataforma virtual

Propriedades psicométricas do Índice de Religiosidade de Duke aplicado em plataforma virtual

Autores:

Jonas Jardim de Paula

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.23 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2015 Epub 06-Out-2015

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500030090

Abstract

Introduction

The Duke Religion Index (DUREL) is a brief instrument for the assessment of organized, non-organized and intrinsic religiosity. It’s been increasingly used on mental and public health studies in the recent years. The use of virtual platforms for data collection can be an alternative to its research context in the public health.

Objective

This study aims to assess the psychometric properties of DUREL applied in a virtual platform.

Methods

We studied 253 adults assessed through a series of online questionnaires, including DUREL. We compared the scores of atheists/agnostics, catholic, evangelicals and participants with other religions in the scale and calculated its internal consistency, factorial structure and correlations with other measures.

Results

The DUREL applied in virtual platform presented moderate-high internal consistency, factorial structure of a single component and associations with sociodemographic and mental health variables.

Conclusion

The results suggest that the psychometric properties of the DUREL applied in an online platform are similar to the conventional application.

Keywords:  religiosity; mental health; psychological assessment

INTRODUÇÃO

O estudo da religiosidade e da espiritualidade no contexto da saúde tem crescido de forma expressiva nas últimas décadas, tornando-se um ponto fundamental de estudos na área de saúde mental e saúde coletiva. Em um volume recente dos Cadernos de Saúde Coletiva, Martinez et al.1 apresentaram evidências favoráveis de propriedades psicométricas para o Índice de Religiosidade de Duke – a versão em português do Duke Religion Index (DUREL) –, adaptado ao nosso contexto por Moreira-Almeida et al.2. O DUREL apresentou evidências de confiabilidade, com base na análise de sua consistência interna, de validade, com base na estrutura latente unifatorial compatível com o construto de religiosidade/espiritualidade abordada pelos autores da versão original do índice3, e também intercorrelações, que variaram em magnitude moderada a forte entre as três subescalas do DUREL. Os autores1 discutiram seus resultados com base em outros estudos brasileiros e concluíram de forma convergente que o índice apresenta boas evidências de validade e de confiabilidade. O estudo é de grande relevância para a prática acadêmica e tem grande valor heurístico, visto que as propriedades analisadas no contexto da saúde pública sustentam a aplicabilidade do DUREL em pesquisas futuras.

Muito se discute, atualmente, sobre outros métodos para coletas de dados em estudos populacionais, incluindo aqueles na área de saúde. Os questionários e as escalas oferecem uma alternativa importante às entrevistas clínicas devido à sua praticidade, ao baixo custo e à maior padronização4. Nesse contexto, uma alternativa cada vez mais explorada é o uso de plataformas virtuais para a coleta de dados em pesquisa. O procedimento é, geralmente, ainda mais barato, rápido e prático em contextos em que o uso de escalas e de questionários de autorrelato são solicitados4,5. A coleta desses dados é, em geral, fidedigna e semelhante ao uso pessoal ou coletivo das medidas de autorrelato6, embora o recrutamento dos participantes quase sempre resulte em um viés de seleção5. O procedimento demanda, contudo, bens e recursos que, muitas vezes, mostram-se indisponíveis no contexto brasileiro, como computador pessoal, acesso à internet e familiaridade com essa interface7. Entretanto, o acesso a essas tecnologias é cada vez maior, visto que muitos dos usuários de telefones celulares já possuem serviço de acesso à internet nos aparelhos atuais7. Nesse contexto, estudos conduzidos em outros países utilizaram versões on-line do DUREL para coleta de dados com diferentes populações e amostras8,9.

Em uma pesquisa com foco na validação de um teste cognitivo para a população brasileira, utilizamos uma plataforma virtual para coleta de dados envolvendo, entre outras escalas de interesse, o DUREL. Com base nos resultados apresentados por Martinez et al.1, que estudaram as propriedades do índice em uma amostra heterogênea de usuários de serviços de unidades básicas de saúde, analisamos as propriedades psicométricas estudadas por esses autores em uma amostra de participantes avaliados via internet. Acreditamos que a versão on-line apresente evidências de confiabilidade e de validade similares à versão impressa, o que, caso se sustente, possibilita uma nova plataforma para coleta de dados utilizando o DUREL.

MÉTODOS E RESULTADOS

Analisamos 253 questionários respondidos virtualmente na fase de recrutamento de uma pesquisa sobre avaliação neuropsicológica com testes de atenção seletiva. Os participantes deram consentimento à participação na pesquisa e o projeto foi aprovado pelo comitê de ética local. A idade dos participantes foi, em média, de 27,5±9,2 anos, e a escolaridade, de 13,7±3,4. A maior parte dos respondentes foi do sexo feminino (67,0%). Em relação à religiosidade, parte significativa da amostra se considerou como ateu ou agnóstico (27,0%), e os demais relataram religião católica (43,0%), evangélica (18,0%) e outras religiões (12,0%).

A Figura 1 apresenta as pontuações médias e a variabilidade dos resultados estratificados pela religião do participante. A ANOVA sugere diferenças significativas nos índices de religiosidade organizada (F(3,249)=77,81, p<0.001, η2=0,48), não organizada (F(3,249)=42,64, p<0,001, η2=0,33) e intrínseca (F(3,249)=84,54, p<0,001, η2=0,50). Ateus e agnósticos apresentaram as menores pontuações, quando comparados aos grupos que declararam pertencer a alguma religião, em todas as subescalas (p<0,001). Os evangélicos apresentaram a maior pontuação, quando comparados aos outros três grupos nas escalas de religiosidade organizada (p=0,001), não organizada (p<0,001) e intrínseca (p<0,001). Os católicos ou pertencentes a outras religiões apresentaram escores muito semelhantes entre si, sem diferenças estatisticamente significativas (p=0,999).

Figura 1 Comparação dos participantes no Índice de Religiosidade de Duke (DUREL). A comparação dos grupos foi realizada por ANOVA e foi significativa para os três componentes da escala (p<0,001). Participantes ateus/agnósticos apresentaram menores escores que os demais em todos os índices do DUREL (p<0,001). Participantes católicos e de outras religiões apresentaram pontuações equivalentes (p=0,999), enquanto evangélicos apresentaram escores superiores aos demais grupos (p=0,001) 

A consistência interna do DUREL, nesta amostra, estimada pelo cálculo do alfa de Cronbach, foi de 0,792, e dos itens relacionados à religiosidade intrínseca, de 0,782. A análise fatorial sugere estrutura composta por um único fator (autovalor 2,469), que respondeu por 73,0% da variância explicada. A correlação entre o índice de religiosidade organizada e não organizada foi de 0,710, de religiosidade organizada e intrínseca, de 0,762, e entre esses dois últimos fatores, de 0,763 (p<0,001 para todas as correlações). As correlações responderam por aproximadamente 50,0% da variabilidade entre as medidas. Essas análises sugerem que o DUREL mensura três facetas específicas do construto religiosidade/espiritualidade. Efeitos de chão e de teto (definidos como substanciais, quando menos ou mais de 17,0% dos participantes apresentam escore mínimo ou máximo nas subescalas de religiosidade organizada e não organizada ou de 7,0% dos participantes na subescala de religiosidade intrínseca, como sugerem Martinez et al.1) são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Efeitos de chão / teto nas subescalas do Índice de Religiosidade de Duke (DUREL) 

DUREL - Subescalas Ateu / agnóstico Católico Outras religiões Evangélicos
Chão Teto Chão Teto Chão Teto Chão Teto
Religiosidade organizada 70,0%* 0,0%* 4,0%* 3,0% 31,0%* 31,0%* 5,0% 43,0%*
Religiosidade não organizada 88,0%* 0,0%* 20,0% 9,0%* 34,0%* 9,0%* 6,0% 27,0%*
Religiosidade intrínseca 57,0%* 0,0%* 2,0%* 8,0%* 5,0% 6,0% 0,0% 33,0%*

DUREL: Índice de Religiosidade de Duke

*Efeito considerado como substancial

Analisamos também as correlações entre cada componente do DUREL com a idade e a escolaridade dos participantes. As religiosidades organizadas e não organizadas se correlacionaram negativamente com a escolaridade (r=–0,215 e p=0,001; r=–0,129 e p=0,041, respectivamente). A religiosidade intrínseca se correlacionou positivamente com a idade (r=0,154 e p=0,014) e negativamente com a escolaridade (r=–0,192 e p=0,002). É visível que, nesta amostra, as correlações do DUREL com variáveis sociodemográficas são fracas, respondendo por menos de 5,0% de variância compartilhada.

DISCUSSÃO

Os resultados sugerem que a confiabilidade do DUREL utilizado em uma pesquisa via internet seja muito semelhante aos reportados na literatura brasileira (que oscilam entre 0,73 e 0,89), como revisado por Martinez et al.1. A análise de validade indica estrutura fatorial semelhante a este último estudo. A variância explicada pelo único componente do DUREL em nosso estudo e o padrão mais consistente de intercorrelações entre suas subescalas sugerem que, na amostra estudada, os participantes tenham reportado, aproximadamente, o mesmo nível de religiosidade nos três aspectos mensurados pelo índice. Esses achados, provavelmente, decorrem da distribuição amostral diferente dos demais estudos, visto que a proporção de participantes com diferentes orientações religiosas (sobretudo ateus e agnósticos, neste estudo) é bem distinta.

O uso de protocolos virtuais para a coleta de dados no contexto de saúde pode ser útil ao reduzir o custo envolvido com o preparo do material e com a sua cotação/correção para as práticas acadêmicas. Nossos resultados corroboram as propriedades psicométricas relatadas por autores que utilizaram a versão tradicional do DUREL e sugerem que o uso da interface virtual para coleta de dados com esse instrumento não afete expressivamente suas características psicométricas. O meio virtual pode ser mais propício ao acesso a parcelas mais específicas da população que apresentem características demográficas particulares, como estudado por outros pesquisadores8,9.

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que as propriedades psicométricas do DUREL, aplicado em uma plataforma virtual, sejam equivalentes às reportadas por outros estudos brasileiros que utilizaram a versão tradicional do índice.

REFERÊNCIAS

1 Martinez EZ, Alves AC, Carneiro AFTM, Jorge TM, Carvalho ACD, Zucoloto ML. Investigação das propriedades psicométricas do Duke Religious Index no âmbito da pesquisa em Saúde Coletiva. Cad Saude Colet. 2014;22(4):419-27. http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400040016.
2 Moreira-Almeida A, Peres MF, Aloe F, Lotufo No FL, Koenig HG. Versão em português da Escala de Religiosidade da Duke – DUREL. Rev. Psiq. Clín. 2008;35(1):31-2.
3 Koenig H, Parkerson Jr GR, Meador KG. Religion index for psychiatric research. Am J Psychiatry. 1997;154(6):885-6. . PMid:9167530.
4 Buchanan EA, Hvizdak EE. Online survey tools: ethical and methodological concerns of human research ethics committees. J Empir Res Hum Res Ethics. 2009;4(2):37-48. . PMid:19480590.
5 Eysenbach G, Wyatt J. Using the internet for surveys and health research. J Med Internet Res. 2002;4(2):e13. . PMid:12554560.
6 Alfonsson S, Maathz P, Hursti T. Interformat reliability of digital psychiatric self-report questionnaires: a systematic review. J Med Internet Res. 2014;16(12):e268. . PMid:25472463.
7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso à Internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal: 2005. Rio de Janeiro: IBGE; 2007. [citado em 2015 maio 11]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet/comentarios.pdf
8 Wilkerson JM, Smolensk DJ, Brady SS, Rosser BR. Performance of the Duke Religion Index and the spiritual well-being scale in online samples of men who have sex with men. J Relig Health. 2013;52(2):610-21. . PMid:22441843.
9 Connor KM, Davidson JR, Lee LC. Spirituality, resilience, and anger in survivors of violent trauma: a community survey. J Trauma Stress. 2003;16(5):487-94. . PMid:14584633.