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Prostituição, HIV/Aids e vulnerabilidades: a “cama da casa” e a “cama da rua”

Prostituição, HIV/Aids e vulnerabilidades: a “cama da casa” e a “cama da rua”

Autores:

Renata Mota Rodrigues Bitu Sousa,
Myrna Maria Arcanjo Frota,
Camila Castro,
Fabrício Bitu Sousa,
Bernard Carl Kendall,
Ligia Regina Franco Sansigolo Kerr

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.25 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700040242

Abstract

Introduction

This study seeks to understand the limits and barriers associated with prevention and diagnosis of HIV among female sex professionals.

Methods

We analyzed the narratives on the relationship between sexual practices, prostitution, love and family, associated with the prevention of sexually transmitted diseases. We used the qualitative methodology of Rapid Anthropological Assessment. The population studied included 37 female sex professionals, age between 18 and 50 years, from Fortaleza, Ceará.

Results

The analysis pointed out that the decision to be or not be tested for HIV is linked to the subjective construction of who their partner is, customer or not, rather to the risk of having unprotected intercourse. The better understanding led the participants to reflect on the need to fully manage the risks.

Conclusion

We conclude that studying the production of meaning can contribute to greater adherence of these women to practices that are simultaneously safe and sustainable, regardless of the partner.

Keywords:  Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; prostitution; health vulnerability

INTRODUÇÃO

As experiências vividas por mulheres que fazem do corpo e do sexo sua forma de trabalho perpassam as idealizações em torno do que é romântico, sagrado e confiável (referente ao marido ou parceiro fixo), e o que é profissional, ‘profano’ e desconfiável (no caso, o cliente). Tais concepções interpelam as possibilidades das práticas sexuais protegidas ou não, bem como os cuidados com a saúde 1 .

Há uma diferenciação bem determinada entre o homem cliente, habitante cotidiano do universo de trabalho das profissionais do sexo, e o homem que transita na sua vida pessoal, seja pela paixão ou pela segurança de ter um “marido”. Tais aspectos são descritos como um dos contextos mais significativos de vulnerabilidade ao HIV para esta população no Brasil 2 .

No mundo, cerca de 7.000 pessoas se infectam diariamente com o vírus HIV, e atualmente a Aids corresponde à quinta causa de morte entre adultos, e uma das principais causas em mulheres entre 15 e 49 anos 3 . Na América Latina e Caribe, as características epidemiológicas são de epidemia concentrada, afetando especificamente algumas populações, dentre elas as mulheres profissionais do sexo, com doze vezes mais chance de serem positivas para o HIV do que mulheres em geral 4 .

Segundo estudo sobre prostituição feminina e Aids do Ministério da Saúde Brasileiro quanto aos aspectos relacionados aos tipos de parcerias, 69% das mulheres profissionais do sexo usaram preservativo em todas as relações sexuais com clientes nos últimos 12 meses da referida pesquisa. Na direção oposta, constatou-se que 71% das mulheres tinham parceria fixa, mas somente 21% usaram preservativo em todas essas relações sexuais com os companheiros afetivo-sexuais 5 .

Nesse sentido, há necessidade de imergir na compreensão de como essa classificação que as mulheres fazem sobre as relações da casa e da rua 6 , do parceiro fixo e do cliente, está imbuída de contextos socioculturais que potencializam situações de maior ou menor vulnerabilidade para a infecção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.

Visando ampliar informações sobre esta temática de relevância para a saúde pública, este estudo teve como objetivo analisar, entre as profissionais do sexo, o modo como concepções sobre prostituição, amor e família têm influenciado a prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, na diferenciação entre o cliente na prostituição e o parceiro fixo na vida pessoal.

MÉTODO

Analisamos aqui os dados relativos à abordagem qualitativa que realizamos junto à população de mulheres profissionais do sexo. Buscamos compreender os limites e barreiras para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis associados às questões de gênero, concepções sociais sobre prostituição e família, e práticas sexuais envolvidas em diferentes contextos da vida dessas mulheres.

  • Tipo de estudo: pesquisa qualitativa por meio da metodologia Rapid Anthropological Assessment (RAA) – Avaliação Antropológica Rápida. A RAA é uma metodologia qualitativa focada em uma área adstrita, sendo realizada em um período curto (até três meses). Tem como característica a aplicação de múltiplas técnicas, dentre as quais, para este estudo, aplicamos entrevistas e observação participante, focadas numa temática específica em saúde. O destaque para o uso desta metodologia constituiu-se também em uma de suas características mais relevantes, que é o envolvimento de trabalhadores do próprio território estudado, com vínculo e conhecimento sobre o referido espaço 7,8 .

O estudo foi iniciado a partir de uma formação realizada com um grupo de entrevistadores constituído por educadores sociais da Secretaria de Direitos Humanos da cidade de Fortaleza que trabalhavam nas próprias zonas de prostituição junto às profissionais do sexo. O trabalho desses educadores era informar e contribuir para a inclusão das profissionais do sexo em políticas públicas sociais existentes no município. Considerando o conhecimento aprofundado desses sujeitos sobre o território e o cotidiano, além da capacidade de aproximação e interação com essas mulheres, eles foram convidados a integrar a pesquisa, realizando entrevistas e discutindo os casos semanalmente com os pesquisadores.

  • Local do estudo: cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, Nordeste brasileiro, no período de 2012 a 2013. As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas, além de observações nos locais de prostituição, tais como ruas, bares e boates, praças e postos de gasolina durante o período de 03 meses. Nesses locais pudemos conversar com as mulheres quando estavam à espera dos clientes, observando suas práticas e relações estabelecidas em cada território. Por meio das técnicas da etnografia, construímos um diário de campo com essas observações e reflexões, o qual integra as análises aqui apresentadas.

As entrevistas foram gravadas, codificadas, categorizadas, analisadas e sistematizadas por meio da análise compreensiva 9 . O critério para finalizar a fase de coleta das informações foi o de saturação teórica da amostra, técnica utilizada para sinalizar a interrupção da coleta de dados e finalização das entrevistas. Esse processo ocorre quando começamos a identificar as regularidades nas falas dos entrevistados, considerando os aspectos discursivos em torno da percepção da realidade. Neste estudo, as principais categorias abordadas na discussão dos resultados se constituíram como principais regularidades ao avaliar a saturação dos dados.

Em nossas analises objetivamos refletir sobre as limitações associadas ao teste de HIV, considerando os contextos histórico-sociais e a produção de sentidos e significados que envolve a percepção das mulheres sobre prostituição, sexualidade, prevenção e teste de diagnóstico do HIV.

Tivemos ainda como pilar das nossas análises o conceito de vulnerabilidade 10 . Nesta direção 11,12 , é necessário uma reflexão ampliada acerca da epidemia de Aids, considerando, além de comportamentos individuais, os diversos elementos estruturais existentes no contexto, que são fundamentais para compreendermos sua evolução e realizar avaliações de efetividade acerca das ações preventivas e terapêuticas em HIV e Aids.

População participante da pesquisa: 37 mulheres com idade entre 18 e 50 anos de idade. Os critérios de participação para serem entrevistadas foram: ter mais de 18 anos, estar exercendo o sexo comercial nas áreas descritas como local de estudo, definidas pela Secretaria de Direitos Humanos do município de Fortaleza como áreas de maior vulnerabilidade social.

As identificações das entrevistadas foram preservadas, de modo que utilizamos para escrita deste artigo nomes fictícios.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (COMEPE) da Universidade Federal do Ceará, de acordo com a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas que envolvem seres humanos, sendo aprovado sob o protocolo nº 263/09. A condução da pesquisa ocorreu de acordo com os padrões éticos exigidos. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da análise dos dados relativos ao perfil sociodemográfico das 37 mulheres participantes, obteve-se o seguinte perfil: 1. A faixa etária estudada variou entre 18 e 50 anos de idade, com uma média de 29 anos; 2. Em relação às parcerias fixas, 42% dessas mulheres consideravam-se solteiras, embora também tenham declarado algum tipo parceria fixa, 10% afirmaram ser lésbicas e 11% bissexuais, tendo como parceria fixa outra mulher; 3. Mais da metade das mulheres entrevistadas tinha a prostituição como atividade principal, dentre os demais casos, como temporária e de forma complementar à renda proveniente de outra ocupação; 4. Nem todas afirmaram sua crença religiosa, e dentre as que declararam, a maioria referiu a religião católica; 5. Em relação à escolaridade, 59,5% apresentavam fundamental incompleto.

Foi realizado um cruzamento analítico entre as concepções sobre Aids, amor, família e prostituição, relacionando-as às experiências sexuais relatadas. Na discussão, foram desenvolvidas essas temáticas com base nas diferenças e identificações entre a vida pessoal afetivo-sexual (parceiros fixos: marido, namorado, caso, amante) e a vida profissional (na prostituição, o cliente). Deste contexto, seguiu-se a análise dessas questões ao modo como estratégias de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis (DST), e as práticas sexuais são exercidas por estas mulheres a partir dessa diferenciação dos lugares. Como desfecho analítico, houve categorização dos resultados: 1. A ideia de doença está fora do contexto familiar (parcerias fixas); 2. Marido e Cliente: a casa e a rua.

A ideia de doença está fora do contexto familiar

A epidemia de HIV/Aids na população feminina evidenciou a força do universo simbólico ligado aos padrões históricos, tanto da própria epidemia como da sexualidade feminina 13 . Atribuir o risco de contágio por doenças sexualmente transmissíveis em contextos familiares não têm feito parte dos discursos na sociedade em geral, ou mesmo individuais, de muitas mulheres quanto à prevenção do HIV, independente das suas condições de relacionamento e de trabalho 14 .

A ideia de doença como algo impuro, em determinadas circunstâncias, faz com que homens e mulheres ainda construam modelos de explicação a partir da noção de grupos de risco estreitamente relacionados com o HIV nas últimas décadas, sendo a prostituição e a homossexualidade consideradas como vias prioritárias de transmissão, e que ocupam lugares distintos da compreensão sobre família, lar e casa 15 .

No caso em estudo, foram descritas situações em que a condição de infecção foi associada fortemente ainda à noção de grupos de risco. O perigo é percebido, por exemplo, de acordo com as práticas dos clientes; se esses também relatam sexo com homens, estes são os que representam maior risco. Ao descrever uma hipótese de infecção, uma das entrevistadas considera que homossexual é que é um risco pra pegar o HIV . Para ela, a cadeia de transmissão era idealizada do maior para o menor perigo na seguinte ordem: quando um possível cliente, ao sair com outros homens, pode se infectar e transmitir o vírus para a mulher profissional do sexo. Na sequência, ela (enquanto prostituta) é que pode levar a doença para dentro de casa, infectando o marido. Deste modo, afirma:

Esse vírus pega é com homem aí fora que trepa com homem, depois vem aqui, e se ele tiver Aids, transmite pra nós, né não? Se acontecesse isso, eu não me perdoaria de passar pro meu marido não.... não vou mentir, eu num sei muito isso não (Larissa 20 anos, casada).

Ratifica-se este seu modo de perceber o maior risco no trabalho quando, ainda na mesma conversa, afirma de forma incisiva a necessidade de uso do preservativo ao comercializar o próprio sexo, mesmo que o cliente ofereça mais dinheiro, conforme descrição:

[...] às vezes acontece deles insistirem para não usar a camisinha, agora, eu que não vou não, num vou mentir, às vezes tem pessoas que diz “não, vamos fazer sem [camisinha]” ... mas eu não, ele quer o que? Que a gente pegue doença? Vou não viu, sem camisinha não vou mesmo, aqui [na zona] não (Larissa 20 anos, casada).

Mas, ainda no mesmo depoimento, quando indagada sobre o contexto familiar (sexo com o marido), o discurso mudou imediatamente, e aquela ideia firme de uso consistente do preservativo com o cliente relatada anteriormente se transforma, dando lugar a outras estratégias de proteção, como o amor. O uso do preservativo equiparou-se ao exercício do amor, considerado como forma concreta de proteção, aderindo ao padrão social da mulher casada que projeta seus sonhos numa determinada concepção de família, espaço este supostamente “isento” de risco para o HIV (de forma imaginária) por conta do afeto, como na frase:

Com o meu esposo eu não uso camisinha porque é bom demais do que aqui [zona de prostituição]. Em casa é diferente daqui, com ele [o marido] eu não boto não, a gente se gosta, se conhece, vive junto, não tem doença não (Larissa 20 anos, casada).

Com essas crenças, acreditam que o marido constitui proteção pelo lugar que ocupa na sua vida. De modo geral, a percepção de risco das mulheres ao HIV no ambiente familiar é baixa 13 .

Continuando a linha de pensamento construída pela entrevistada ainda sobre a transmissão do HIV, ela faz referência à preocupação do marido para que ela não “traga” doença para casa, destacando novamente como foco de infecção o exercício da prostituição: “ Ele só fala assim pra mim ‘tenha cuidado de usar camisinha para não trazer ‘doença da rua’ pra casa”. Mesmo que ele (o marido) também tenha relações extraconjugais, como ela mesma afirma: “Eu nem sei o que ele faz na rua por aí não... mas homem é frouxo, não pode ver um rabo de saia, né, prefiro nem pensar ” (Larissa 20 anos, casada).

Afinal, mesmo que haja suspeita sobre o comportamento sexual do marido com outras mulheres, a hipótese da infecção pelo HIV esteve estreitamente relacionada com a sua condição de trabalho (prostituição), atrelada a homens (clientes) que façam sexo com outros homens, ou que também procuram outras prostitutas.

As estratégias de prevenção estabelecidas a partir desse modo de conceber a infecção HIV, historicamente, provocaram isolamento social por centrar a transmissão do vírus no comportamento dos chamados grupos de risco, destituindo-os do convívio social geral e focando as ações de prevenção restritas a estes universos, isentando de risco os espaços das parcerias fixas ou familiares 13 .

Desde o início da epidemia, foi sendo delineado um cenário marcado pela discriminação e o preconceito em torno das diversas sexualidades não heterossexuais. Ao longo do tempo, sabendo-se então que a epidemia não acometia somente alguns grupos de pessoas, a estratégia foi trabalhar com ênfase no conjunto de vulnerabilidades, saber mais das práticas e dos contextos do que culpabilizar os indivíduos 10 .

Desse mesmo modo, neste estudo a ideia da doença transmitida pelo sexo fica relativamente restrita aos territórios considerados socialmente como de ‘risco’, no caso, a prostituição, fato este que contribui para a diminuição da autopercepção de risco e aumento das vulnerabilidades para o HIV diante da invisibilidade dessas questões em casa, no ambiente considerado da família.

Parceiro fixo e cliente: a casa e a rua

As mulheres entrevistadas reconhecem o risco de infecção pelo HIV no universo pessoal como maior do que no lugar da prostituição. Como exemplo, uma das entrevistadas refere-se à diferença entre a mulher prostituta que usa preservativo e a mulher de casa que não usa, reconhecendo o risco das mulheres/esposas dos seus clientes:

Eu acho que as pessoas que fazem programa podem até ter risco, mas não só a mulher que faz programa, a mulher de casa também, porque hoje em dia os homens que vivem com mulheres dentro de casa são pior né, do jeito que as prostitutas se previnem, as mulheres de casa deviam fazer a mesma coisa. No trabalho eu só tenho relação com camisinha, toda vida eu uso, se o cliente não quiser usar, eu não faço o programa, acho uma imundície (Eveline, 35 anos, solteira com namorado).

Mas quando falam de si mesmas, em casa, com o companheiro ou namorado, a conduta é a mesma das “mulheres casadas” que elas criticam: “Quando eu tinha namorado eu não usava [camisinha] com ele não, eu fazia o teste [por causa do trabalho], dava negativo, pronto, já estava certo que ele não tinha” (Benedita, 35 anos, solteira).

Esse modo de organizar estratégias próprias de proteção, quando estão em dissonância com o que está comprovado cientificamente como eficaz, são consideradas proteções imaginárias 16 . Quando o homem faz parte do seu universo pessoal, independente do seu compromisso com a fidelidade, a sensação de segurança se estabelece, dispensando de forma muito constante o uso do preservativo: “O certo mesmo era até com namorado ser com camisinha, mas aí a gente arrisca porque a gente gosta, ele é nosso homem” (Penélope, 29 anos, casada).

Ao serem instituídos, o lugar da família e o da prostituição aparecem, na construção social, de modo diametralmente opostos 17 . Durante as entrevistas, emergiu nos depoimentos que o trabalho com sexo não se constitui de forma natural e agradável. Relatam que a condição de comércio do próprio corpo é violenta também pelo aspecto simbólico, e muitas almejam a saída desta realidade. Ao serem questionadas sobre sua felicidade, revelam que “essa vida” não lhes completa, mas que em casa, às vezes, tudo pode ser diferente. O depoimento a seguir retrata essa situação:

Nessa vida aqui [referindo-se a prostituição] eu não sou feliz não, ..., porque é uma vida velha, desgraçada, ..., me sinto muito bem não, ..., meu destino é terminar logo, tomar banho, e sair de dentro do quarto, me sinto suja, ..., em casa, com meu marido, aí é outra coisa, me sinto direita (Fátima, 32 anos, casada).

Parece não haver forma de conectar estes universos, família e prostituição, pela contradição e a desestruturação que isto causaria pela falta de controle sobre a monogamia e o ser mulher nas famílias em geral 14 .

O perigo da transmissão do HIV não parece perpassar o lugar familiar, considerado “do bem”. O risco está associado ao desvio do que é considerado um padrão social, no caso, a prostituição, associada à falta de vergonha, vida fácil, excedente ao padrão social de controle das relações 17 . Também não há lugar para assumir os riscos de infecção pelo HIV perante o amor, irrevogável por abstração, mas tão contestável na prática. O amor romântico é a ferramenta mais potente para controlar e submeter as mulheres, especialmente nos países em que são cidadãs de plenos direitos e onde, legalmente, não são propriedade de ninguém 18 .

A despeito das conquistas sociais e dos dispositivos legais que postulam a igualdade de direitos entre homens e mulheres, as discriminações ditadas pelo histórico da dominação social, política e cultural masculina ainda são uma forma de violência de gênero e de violação dos direitos humanos das mulheres. Essa questão está em estreita relação com os conceitos de família e casamento hegemônicos. Faz-se necessário ressignificar estas concepções, considerando que não são realidades eternas e imutáveis, mudando socialmente o caráter sagrado e intocável destes, considerando-os como dinâmicos 19 .

CONCLUSÃO

O risco de infecção pelo HIV na rua foi reconhecido e reiterado com a afirmação constante quanto ao uso do preservativo no exercício da prostituição. A partir da análise qualitativa na perspectiva da compreensão, foi possível identificar que, mesmo quando a maioria das mulheres afirma usar camisinha em todas as relações, há também riscos inerentes às práticas sexuais no trabalho que demandam estratégias de proteção para além do ‘uso’ do preservativo. Esse dado teve relação com a necessidade posta socialmente do uso, mas de fato, no ato em si, uma série de situações arriscadas foram identificadas no contexto dos programas. Dentre estas, a facilidade de rasgar o preservativo, a constante intervenção do cliente para retirá-la sem que a mulher perceba e o comércio de preservativos que dificultam o acesso para que efetivamente elas usem em todas as relações que ocorrem em um mesmo dia, por exemplo.

A partir deste estudo, consideramos necessário a construção de programa/espaço educativo junto às mulheres que trabalham com sexo que discuta o uso do preservativo, a importância do diagnóstico oportuno e a saúde sexual em geral. Os resultados sinalizam a importância de processo de educação em saúde que proporcione universos em que as mulheres sejam sujeito da ação e possam discutir abertamente como as relações sexuais acontecem nos diversos tipos de programa que aparecem como demanda masculina.

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