Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.5 São Paulo Sept/Oct. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500080
O estabelecimento de relação horizontal entre profissionais de saúde e adolescente pode permitir uma nova forma de abordagem na atenção à saúde, incorporando a ideia do adolescente como protagonista na construção do processo de saúde pessoal e coletiva, e conferindo um potencial de emancipação, autonomia e responsabilidade social.(1)
Ao levar em consideração a dimensão da adolescência, é indispensável atender às necessidades contemporâneas de desenvolvimento, bem como ampliar as alternativas de prevenção de situações de vulnerabilidade, por meio da educação. Faz-se necessário também assumir o desafio da aplicação de metodologias participativas, que promovam o protagonismo do adolescente no planejamento e na implementação das ações.(2)
No combate das doenças sexualmente transmissíveis (DST), do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) entre os adolescentes, deve-se dar preferência à construção de estratégias que os aproximem do autocuidado e que enfoquem os riscos de uma relação sexual sem proteção. Dessa forma, deve ser ressaltada a importância da mudança de comportamento, como o uso do preservativo em todas as relações sexuais.(2,3)
Nos últimos 10 anos, o perfil etário dos casos de AIDS mudou para indivíduos mais jovens, com tendência de aumento nas taxas de detecção de 11,8%. O caráter de cronicidade da AIDS e os avanços com a terapia medicamentosa têm deixado as medidas preventivas de lado por parte da população, estando os adolescentes mais vulneráveis a esse tipo de comportamento.(4)
Pesquisas que evidenciem a importância do adolescente como protagonista na elaboração de soluções às questões relacionadas à sua saúde são necessárias para abrir espaços e facilitar processos que permitam sua participação efetiva para construção de estratégias na dinâmica social da prevenção às DST/HIV/AIDS.(2,3,5)
O objetivo deste estudo foi analisar o protagonismo de adolescentes escolares na criação de espaços de prevenção de DST no ambiente escolar.
Pesquisa qualitativa desenvolvida no período de janeiro a junho de 2013, em escola pública da cidade de Imperatriz, estado do Maranhão, região Nordeste do Brasil.
Fez parte da pesquisa uma amostra conveniente de dez adolescentes escolares menores de 18 anos, regularmente matriculados, na fase intermediária da adolescência, por se considerar que esta é a fase de maior incidência na infecção por DST/HIV/AIDS. Foram excluídos os adolescentes que não participaram de todas as etapas da pesquisa.
As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram entrevista, grupo focal e observação participante. A entrevista foi realizada de forma individual, semidirigida, e propiciou a caracterização sociodemográfica dos adolescentes. As entrevistas foram audiogravadas, com duração média de 30 minutos e, posteriormente, seu conteúdo foi transcrito na íntegra.
A técnica do grupo focal contou com a participação de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa e consistiu na utilização de um roteiro que abordou as seguintes questões para discussão: O que os adolescentes querem saber em relação à sexualidade e à prevenção de DST/HIV/AIDS? Como deve ser denominada a intervenção educativa? O que torna um ambiente acolhedor e atraente para trabalhar a educação em saúde com um adolescente? Como devemos organizar o local da intervenção? Quais os materiais educativos a serem disponibilizados?
Os adolescentes de ambos os sexos permaneceram juntos durante o desenvolvimento dos grupos focais, pelo fato de as experiências singulares de gênero serem consideradas importantes mecanismos de reflexão e análise na discussão da temática.
A pesquisa fundamentou-se no referencial Community-based Participatory Research (CBPR), em que pesquisa e colaboração ocorrem simultaneamente e de forma equânime, entre os participantes e pesquisadores.(6)
Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise do discurso,(7) que possibilita uma abordagem do sentido e não apenas do conteúdo textual, ao revelar a essência de cada depoimento. Dessa maneira, os depoimentos colhidos foram submetidos a uma leitura e releitura e categorizados em unidades de significação, conforme o sentido atribuído pelos participantes. Ademais, colaborou na análise e rigor metodológico do estudo, o emprego do Consolidated criteria for reporting qualitative research(COREQ). A identificação dos participantes oriunda de entrevista e de grupos focais foi codificada pelas siglas AM para “adolescente masculino” e AF para “adolescente feminino” para garantir o sigilo das informações fornecidas.
O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Os adolescentes tinham idade entre 15 e 16 anos; eram solteiros; alguns com parceiro fixo; residiam com os pais biológicos, mãe e irmãos; e participavam das atividades do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas há pelo menos 6 meses.
Durante o planejamento da intervenção, os adolescentes sugeriram a escolha do local e preparação do ambiente, o material educativo, o tema para discussão e a identificação do espaço, propondo, assim, uma denominação que, ao mesmo tempo, identificasse o local e facilitasse a aproximação de outros adolescentes para a participação das atividades educativas na escola.
Após a escuta ativa dos adolescentes, algumas sugestões foram listadas para construir o ambiente da intervenção educativa. Assim, foi solicitado que eles apresentassem palavras ou elementos que expressassem o conjunto para formação desse ambiente educativo.
A elaboração da intervenção educativa teve a participação dos adolescentes, seguindo os princípios da Community-based Participatory Research (CBPR), no planejamento da sala, em termos de organização, layout e decoração (Figura 1), e demonstrou a motivação e o interesse em colaborar com a atividade educativa, deixando que o espaço refletisse a imagem do adolescente e um sentimento de pertença, que emergiu dando lugar para autoria e protagonismo.
Figura 1 Espaço da intervenção educativa para prevenção de DST/HIV/AIDS planejado e preparado por adolescentes
Além da composição do ambiente, os adolescentes relataram sobre a necessidade de incluir materiais educativos sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e Aids que pudessem ser discutidos no momento da intervenção, de modo a potencializar os conhecimentos.
Os adolescentes consideraram como tema prioritário para ser debatido na intervenção o uso do preservativo nas relações sexuais, com foco na adesão.
Os limites dos resultados desta pesquisa estão relacionados ao desenho qualitativo com baixa reprodutibilidade e a representatividade. Entretanto, a escola e os participantes do estudo em muito se assemelham ao cenário latino-americano, quesito que auxilia no suporte de algumas informações verificadas.
Publicações anteriores não se preocuparam em analisar o teor e a qualidade do protagonismo dos jovens em desenvolver espaços de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis para auxiliar outros jovens. Os profissionais de saúde da Atenção Primária devem estar atentos para o potencial desses jovens em educar outros sujeitos na mesma faixa etária, sempre de forma mais contextualizada, clara e satisfatória.
Os participantes possuíam algum conhecimento sobre a temática e, ainda, compromisso para a construção compartilhada da intervenção.(8,9) Esse fato possibilitou compreender a necessidade de um olhar diferenciado à vivência da sexualidade nesta fase, o que gerou, dos próprios adolescentes, a proposição de estratégias de aproximação e definição de assuntos de difícil abordagem ou de maior resistência para comportamentos saudáveis.
Estudos na temática consultados detêm-se à abordagem que convém aos profissionais de saúde, com base nos referenciais epidemiológicos, desconsiderando o universo de anseios e de autonomia dos adolescentes, de maneira que eles decidam sobre questões de sua saúde.(8,10)Entretanto, a prática da escuta ativa dos adolescentes sobre as expectativas e necessidades nessa temática possibilitou não apenas o aprendizado, como também a formação de vínculo e crença nos objetivos da intervenção.
O vínculo favorece a diferenciação dos profissionais de saúde em relação aos demais na atenção em saúde dos jovens. A escuta ativa dos profissionais de saúde mantém um comportamento que os aproxima, uma vez que veiculam mensagens relacionadas ao desacerto corpo versus mente e pelo fato de que, ao estabelecerem relações de convivência com os adolescentes, passam a ouvir suas opiniões e interesses reais de aprendizado.(11)
Ao se analisar a opinião dos adolescentes sobre a identificação do espaço de realização da intervenção educativa, percebeu-se uma preocupação em propiciar cuidado individualizado, ao sugerirem um ambiente acolhedor e favorável às características próprias da adolescência para debater a temática. O protagonismo juvenil permite ricas possibilidades de participar da construção das identidades e de fortalecer o poder transformador dos adolescentes e de seus pares, no que se refere à saúde.(12)
Contextualizando a ideia dos adolescentes, podemos destacar a escola como um ambiente favorável à sua saúde (uma vez que possibilita um espaço para o adolescente como pessoa), à oportunidade de se cuidar, e à livre expressão de seus problemas (por estarem atentos ao que é significativo para eles e, então, posicionarem-se diante disso). Portanto, inserir no ambiente escolar alguns elementos acolhedores trazidos pelos próprios adolescentes e que deem sentido para a assiduidade dos pares na intervenção educativa pode, de fato, facilitar as discussões sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Dentre os elementos considerados colaborativos na aprendizagem e para a ambientação do espaço educativo, o uso do preservativo foi o mais mencionado pelos adolescentes, sobretudo quando a disponibilização de informações sobre seu uso não é compatível à utilização regular. Embora com mais informações do que as outras gerações, os jovens de até 24 anos ignoram o uso do preservativo por não terem medo das doenças e por confiarem no parceiro.(13)
O grande desafio atual em relação à prevenção é o fato de que os adolescentes só usam o preservativo nas primeiras relações sexuais e, nos primeiros sinais de confiança no parceiro, já o abandonam. Além de fornecer informação, é necessário se aproximar e conhecer o universo dos adolescentes, para descobrir as causas da divergência existente entre conhecimento e comportamento.(13)
Nos relatos dos adolescentes, verificamos que entregar materiais educativos para a prevenção de doenças sexualmente transmissívels não garantem a aquisição de práticas sexuais saudáveis. É precisodar repostas de imediato, possibilitando a abertura do debate para a aquisição de conhecimento. No entanto, reafirmam que, para a aplicação da teoria à prática, outros fatores se relacionam.(14)
O espaço da intervenção educativa, neste estudo, objetivou ser, assim, um local de referência para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis na escola, o que torna relevante a preocupação do grupo de adolescentes participantes. Também é possível perceber que as sugestões dos adolescentes para identificar o local da intervenção demonstraram uma preocupação em não rotular quem o procurasse, como sexualmente ativo ou com intenção para iniciar a vida sexual.
Muitos adolescentes podem encontrar barreiras durante ações de educação em saúde, como, por exemplo, ambientes coletivos de discussão sobre sexualidade, timidez, dificuldade de expressar dúvidas e pouca interação com o educador.(15,16)
Para a efetividades das as ações de educação em saúde dos adolescentes, os profissionais de saúde precisam reconhecer sua autonomia, sua capacidade de assimilação e seu conhecimento prévio, através do diálogo, respeito e compartilhamento os saberes, utilizando os elementos propostos pelos adolescentes.(16)
Alusões que possam identificar a vida sexual dos adolescentes, como denominar a intervenção educativa com títulos associados à sexualidade, podem gerar sentimentos de recusa e resistência para participarem do momento educativo.(9)
Trabalhar com o protagonismo dos adolescentes contribui para a afirmação das ideias emancipatórias, a partir do respeito ao outro e das diferentes formas de exercer sua sexualidade, facilitando o debate por meio de dúvidas, opiniões e valores com adolescentes e, assim, para a possibilidade da expansão de seus próprios recursos de autoproteção.
Uma característica comum verificada no protagonismo juvenil é a preocupação com a escuta de todos, de forma aberta e sem julgamentos. A prática da escuta permite que o adolescente se sinta à vontade diante de outro adolescente para colocar suas dúvidas e problemas, típicos na fase da adolescência, estendendo essa prática diante dos profissionais de saúde.(17)
A escuta do adolescente não é uma escuta comum e nem técnica, mas uma escuta para ouvir, para encaminhar, para orientar, para buscar uma solução com os recursos existentes e não julgar.(17)A escuta ativa coopera para ampliar o conceito de sexualidade, geralmente ligado apenas à relação sexual, e traz novos conhecimentos, o que permite partilhar experiências e dar subsídios a escolhas responsáveis.
Os participantes do estudo apresentaram protagonismo na elaboração de atividades de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis no ambiente escolar.