versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AO3705
A insuficiência cardíaca (IC) caracteriza-se como uma síndrome de alta complexidade devido a alterações estruturais e funcionais do coração, envolvendo diversos mecanismos causais e compensatórios.(1) Trata-se de uma patologia considerada endêmica em países em desenvolvimento, como o Brasil, sendo uma causa frequente de morte e hospitalizações.(2)
Entre os possíveis fatores associados com a gênese da IC, destaca-se a obesidade.(3) No entanto, sugere-se que pacientes com diagnóstico de IC e com excesso de peso tenham maior sobrevida quando comparados aos pacientes com o diagnóstico da doença e eutróficos, de acordo com o índice de massa corporal (IMC).(4) O tecido adiposo, presente de forma excessiva nos indivíduos obesos, é um órgão endócrino, que está envolvido na regulação de mecanismos fisiológicos e patológicos (incluindo processos inflamatórios),(5) em que concentrações de proteínas de fase aguda, bem como de citocinas pró-inflamatórias, encontram-se elevadas.(6)
A proteína C-reativa (PCR) é um mediador inflamatório de fase aguda amplamente estudado como biomarcador de doenças cardiovasculares(7) e é considerado um marcador inespecífico de inflamação sistêmica.(8) A PCR ultrassensível (PCR-us) tem valor prognóstico para a cardiopatia isquêmica assim como para a IC.(9,10) Níveis elevados de PCR-us em pacientes com IC associam-se ao aumento da morbidade e da mortalidade nos casos de etiologia isquêmica e também não isquêmica.(11)
Tanto as ativações neuro-humorais quanto as inflamatórias são consideradas importantes mecanismos para a progressão da IC. Pacientes com IC e níveis elevados de PCR-us possuem o dobro de chance para reinternação e óbito, quando comparados aos indivíduos com níveis inferiores de PCR-us.(11)
Avaliar a associação entre indicadores de obesidade central e geral, e níveis de proteína C-reativa ultrassensível entre pacientes com insuficiência cardíaca admitidos para internação em um hospital terciário.
Trata-se de uma análise transversal da linha de base de um estudo de coorte em que foram arrolados consecutivamente pacientes internados por IC no Serviço de Cardiologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) de Porto Alegre (RS).
Os critérios de inclusão foram: história de IC classe I-IV da New York Heart Association (NYHA);(12) IC sistólica e diastólica; idade entre 20 e 85 anos; ausência de história ou evidência clínica de complicações graves relacionadas à IC nos últimos 30 dias; pacientes com residência na região metropolitana de Porto Alegre, e que concordaram em participar do estudo. Foram critérios de exclusão: situações que impossibilitassem avaliação antropométrica (amputação de membros ou sequela de acidente vascular cerebral) e não concordância em participar do estudo.
A avaliação clínica inicial foi realizada por médicos e acadêmicos de medicina treinados e com supervisão de cardiologistas. O treinamento foi feito durante o estudo piloto, em que os acadêmicos aplicavam o questionário em pacientes internados, com características semelhantes aos que efetivamente foram incluídos no estudo.
As variáveis estudadas consistiam de dados clínicos, demográficos, socioeconômicos e questões relativas a tabagismo e consumo de álcool, além de avaliação antropométrica realizada por nutricionista e acadêmicas de nutrição igualmente treinadas. Morbidades associadas foram identificadas a partir da história prévia do paciente; foram registrados diagnósticos médicos prévios: diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal crônica, anemia e dislipidemia.
Os dados sobre condições de inflamação entre os pacientes foram coletados por médico do serviço, sendo consideradas doenças inflamatórias: doença obstrutiva pulmonar crônica exacerbada durante a internação, pneumonia, doenças reumáticas, doenças autoimunes, infecção do trato urinário e sepse. Os níveis de PCR-us foram analisados conforme protocolo do laboratório de análises clínicas do HNSC, seguindo o método de nefelometria.(13)
O peso foi aferido por meio de balança digital, com indivíduo descalço e vestindo roupas leves. No caso de alterações volêmicas confirmadas por meio de exame físico (presença de edema), o peso do paciente foi aferido após tratamento para essa condição e, permanecendo edema residual, foi aplicada fórmula para estimativa de peso corporal ajustado para edema.(14) A altura foi aferida com auxílio de estadiômetro fixo e o IMC foi calculado; para classificação de sobrepeso e obesidade, foram considerados os pontos de corte ≥25kg/m2 e ≥30kg/m2, respectivamente.(15)
Foram realizadas, com o auxílio de fita métrica inelástica, as seguintes medidas em centímetros: circunferência da cintura (CC), considerando-se circunferência mínima entre as costelas e a pelve; circunferência do quadril (CQ), sendo circunferência máxima na região do quadril; e circunferência do pescoço (CP), realizada no ponto médio do pescoço. Obesidade abdominal foi definida como valor da CC ≥ 102cm para homens e ≥88cm para mulheres,(16) e o valor da razão cintura-quadril (RCQ) >0,95 para homens e >0,85 para mulheres.(17)
A aferição da dobra cutânea tricipital (DCT) foi realizada com o paciente em pé ou sentado, com o braço não dominante estendido livremente ao longo do corpo; aferiu-se no ponto médio entre o processo acromial da escápula e o olécrano da ulna. Para a aferição da dobra cutânea subescapular (DCS), identificou-se o ponto abaixo do ângulo inferior da escápula, com o ombro e o braço relaxados, paralelamente às linhas naturais da clivagem da pele.(18) As dobras cutâneas foram identificadas por meio de adipômetro.
A etiologia da IC foi definida por médico cardiologista e obtida por meio de prontuário (dado secundário). Os pacientes realizaram ecocardiografia transtorácica com Doppler colorido, sendo avaliadas medidas da função sistólica, e cálculo da fração de ejeção (FE) por meio da fórmula de Teichholz;(19) indivíduos com alterações segmentares na contratilidade do ventrículo esquerdo tiveram sua FE determinada pelo método Simpson. Todos os pacientes realizaram teste ergométrico em esteira rolante com protocolo de rampa.(20)
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa do HNSC, sob protocolo 10–118, de agosto de 2010, e da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), sob o protocolo 1.747, de junho de 2012. Todos os indivíduos que participaram do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O tamanho amostral foi calculado por meio do programa WinPepi, versão 11.15. Considerando uma prevalência de obesidade de 30% entre os portadores de IC (proporção de 2:1) e uma prevalência de PCR-us elevada entre obesos (expostos) de 60% e entre não obesos de 30%, o tamanho da amostra foi estimado em pelo menos 96 pacientes, para um nível de confiança de 95% e poder de 80%.(21,22)
A análise estatística foi realizada com o auxílio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0. As variáveis contínuas foram descritas por meio de médias e desvios padrão, quando apresentavam distribuição simétrica, e por medianas e intervalo interquartil, nas distribuições assimétricas. Para avaliar as diferenças nas variáveis contínuas simétricas, foi utilizado o teste t de Student; para variáveis assimétricas, foi utilizado o teste de Mann-Whitney e, para variáveis categóricas, o teste exato de Fisher. Para avaliar correlações, foi utilizada a correlação de Pearson e, para ajuste das variáveis de confusão, foi utilizada regressão linear múltipla. Em todas as análises, foi considerado um nível de significância de 5%.
Foram avaliados 123 indivíduos internados predominantemente com quadro de descompensação aguda da IC, com média de idade de 61,9±12,3 anos, sendo 60,2% do sexo masculino e 84,3% classificados entre as classes funcionais III e IV segundo NYHA. A tabela 1 apresenta as características gerais da amostra.
Tabela 1 Características gerais da população
Total | Masculino (n=74) | Feminino (n=49) | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 61,97±12,29 | 61,30±11,62 | 62,98±13,29 | 0,46* | |
Etnia autorreferida | |||||
Brancos | 89 (72,4) | 53 (71,6) | 36 (73,5) | 0,25† | |
Mista/mulata | 16 (13) | 7 (9,5) | 9 (18,4) | ||
Negros | 13 (10,6) | 10 (13,5) | 3 (6,1) | ||
Outras | 5 (4) | 4 (2,96) | 1 (2) | ||
Tabagismo | |||||
Tabagistas | 15 (12,3) | 11 (15,1) | 4 (8,2) | 0,16† | |
Ex-tabagistas | 59 (48,4) | 38 (52,1) | 21 (42,9) | ||
Nunca fumaram | 48 (39,3) | 24 (32,9) | 24 (49) | ||
Classe funcional NYHA# | |||||
I | 2 (1,7) | 1 (1,4) | 1 (2,1) | 0,23† | |
II | 17 (14) | 7 (9,6) | 10 (20,8) | ||
III | 66 (54,5) | 44 (60,3) | 22 (45,8) | ||
IV | 36 (29,8) | 21 (28,7) | 15 (31,3) | ||
FE (%) | 39,92±14,45 | 36,45±13,44 | 45,19±14,46 | 0,001* | |
Etiologia da IC | |||||
HAS | 42 (34,1) | 19 (25,7) | 23 (46,9) | 0,10† | |
Cardiomiopatias | 39 (31,7) | 29 (39,2) | 10 (20,4) | ||
Doença isquêmica | 29 (23,6) | 18 (24,3) | 11 (22,4) | ||
Outras | 13 (10,5) | 8 (10,8) | 5 (10,2) | ||
Morbidades associadas | |||||
HAS | 97 (79,5) | 54 (73) | 43 (89,6) | 0,38† | |
Dislipidemia | 45 (36,9) | 25 (33,8) | 20 (41,7) | 0,44† | |
DM2 | 42 (34,4) | 23 (31,1) | 19 (39,6) | 0,43† | |
IRC | 25 (20,5) | 14 (18,9) | 11 (22,9) | 0,64† | |
Anemia | 21 (17,2) | 4 (5,4) | 17 (35,4) | <0,001† | |
Pressão arterial | |||||
PAS (mm/Hg) | 122,66±18,55 | 120,89±18,64 | 125,39±18,26 | 0,20* | |
PAD (mm/Hg) | 75,38±11,49 | 74,58±11,78 | 76,61±11,04 | 0,35* | |
PCR-us (mg/L)‡ | 8,87 (0,79–180) | 11 (0,8–101) | 7,80 (0,9–180) | 0,23§ |
Variáveis categóricas expressas em n (%) e variáveis contínuas em média±desvio padrão ou mediana (intervalo inter-quartil).
*Teste t de Student;
†teste exato de Fisher;
‡Avaliada em 119 indivíduos;
§Teste de Mann-Whitney;
#Avaliado em 121 indivíduos.
NYHA: New York Heart Association; FE: fração de ejeção; IC: insuficiência cardíaca; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM2: diabetes mellitus tipo 2; IRC: insuficiência renal crônica; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; PCR-us: proteína C-reativa ultrassensível.
Em relação às morbidades associadas, 79,5% dos pacientes apresentavam história prévia de hipertensão arterial sistêmica, 36,9% de dislipidemia, 32% de diabetes mellitus tipo 2, 20,5% de insuficiência renal crônica e 17,2% de anemia. Não houve diferença significativa entre as morbidades de acordo com o sexo, com exceção da prevalência de anemia, estatisticamente superior entre as mulheres (35,4% versus 5,4%; p<0,001). A FE média foi de 39,9±14,5%, e as mulheres apresentaram maior FE comparativamente aos homens: 45,2±14,5% e 36,5±13,4%, respectivamente (p=0,001).
Foram identificados 34 indivíduos (28,5%) com algum tipo de infecção concomitante a IC, durante a internação. A figura 1 mostra o percentual de indivíduos identificado em cada quadro clínico de acordo com o sexo, sendo que não houve diferença significativa entre homens e mulheres.
O IMC médio foi de 28,5±6,5kg/m2, com prevalência de excesso de peso na mostra de 64,2%. A obesidade foi mais frequente nas mulheres (46,9%) e o sobrepeso nos homens (39,2%). A tabela 2 apresenta as classificações de obesidade e sobrepeso segundo diferentes critérios de avaliação antropométrica de acordo com o sexo.
Tabela 2 Classificação de obesidade, segundo diferentes critérios, de acordo com sexo
Sobrepeso | Obesidade | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Total | Masculino (n=74) | Feminino (n=49) | Total | Masculino (n=74) | Feminino (n=49) | |
IMC (kg/m2)* | 38 (30,9) | 29 (39,2) | 9 (18,4) | 41 (33,3) | 18 (24,3) | 23 (46,9) |
DCT (mm)† | 6 (4,9) | 1 (1,4) | 5 (10,2) | 74 (60,2) | 58 (78,4) | 16 (32,7) |
CC (cm) | – | – | – | 66 (53,7) | 26 (35,1) | 40 (81,6) |
RCQ | – | – | – | 98 (79,7) | 57 (77) | 41 (83,7) |
*Segundo a Organização Mundial da Saúde, 2004;
†segundo Blackburn, 1979.
IMC: índice de massa corporal; DCT: dobra cutânea tricipital; CC: circunferência da cintura; RCQ: razão cintura-quadril.
Para análise da PCR-us, foram utilizados dados referentes a 119 pacientes, devido a perdas na linha de base, posto que o paciente obteve alta hospitalar antes que o exame fosse requisitado. A mediana de PCR-us na amostra foi de 8,87mg/L (3,34 a 20,01), e a tabela 3 representa a distribuição do estado nutricional identificada por diferentes critérios, de acordo com os tercis de PCR-us.
Tabela 3 Tercis de proteína C-reativa ultrassensível e distribuição do estado nutricional segundo variáveis antropométricas
Tercis de PCR-us | ||||
---|---|---|---|---|
IMC (kg/m2) | 1 ≤5,5 (mg/L) | 5,6 - 16 (mg/L) | ≥16,1 (mg/L) | |
Desnutrição | 0 (0) | 1 (1,19) | 0 (0) | |
Eutrofia | 17 (20,23) | 12 (14,28) | 13 (15,47) | |
Sobrepeso | 12 (14,28) | 12 (14,28) | 12 (14,28) | |
Obesidade | 11 (13,09) | 15 (17,85) | 14 (16,66) | |
DCT (mm) | ||||
Desnutrição | 15 (17,85) | 11 (13,09) | 7 (8,33) | |
Eutrofia | 1 (1,19) | 2 (2,39) | 5 (5,95) | |
Sobrepeso | 1 (1,19) | 3 (3,57) | 2 (2,38) | |
Obesidade | 23 (27,37) | 24 (28,56) | 25 (29,75) | |
CC (cm) | ||||
Eutrofia | 19 (22,61) | 15 (22,61) | 19 (22,61) | |
Obesidade | 21 (24,99) | 25 (29,75) | 20 (23,80) | |
RCQ | ||||
Eutrofia | 9 (10,71) | 5 (5,95) | 9 (10,71) | |
Obesidade | 31 (36,89) | 35 (41,65) | 30 (35,70) |
Dados expressos em n (%).
PCR-us: proteína C-reativa ultrassensível; IMC: índice de massa corporal; DCT: dobra cutânea tricipital; CC: circunferência da cintura; RCQ: razão cintura-quadril.
Não foram observadas correlações estatisticamente significativas entre níveis de PCR-us e peso (r=−0,031; p=0,74), IMC (r=0,44; p=0,63), CC (r=−0,04; p=0,67), DCT (r=0,31; p=0,74) e DCS (r=0,02; p=0,86). Porém, detectou-se tendência a uma correlação inversa entre CP e PCR-us (r=−0,167; p=0,069).
A análise de regressão linear múltipla, ajustada para idade, gravidade da doença (classificação NYHA III e IV, FE baixa, IC com FE preservada) e presença de quadros infecciosos indicou associação inversa em relação a PCR-us e CP (β=−0,196; p=0,03) e PCS (β=−0,005; p=0,01). Porém, após estratificação para o sexo, apenas se manteve tendência de associação para a CP tanto em homens (β=−0,23; p=0,07) quanto em mulheres (β=−0,27; p=0,08) (Tabela 4).
Tabela 4 Regressão linear múltipla entre níveis de proteína C-reativa ultrassensível e diferentes variáveis antropométricas
Variável | Total | Masculino (n=74) | Feminino (n=49) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
B | Valor de p | B | Valor de p | B | Valor de p | |
Peso (kg) | −0,096 | 0,341 | −0,002 | 0,986 | −0,231 | 0,211 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | −0,042 | 0,691 | 0,003 | 0,981 | −0,100 | 0,578 |
Circunferência da cintura (cm) | −0,054 | 0,592 | −0,006 | 0,965 | −0,113 | 0,527 |
Circunferência do pescoço (cm) | −0,196 | 0,036 | −0,231 | 0,073 | −0,274 | 0,082 |
Dobra cutânea tricipital (mm) | −0,020 | 0,844 | −0,041 | 0,758 | −0,58 | 0,774 |
Dobra cutânea subescapular (mm) | −0,005 | 0,011 | 0,017 | 0,117 | −0,156 | 0,525 |
Razão cintura-quadril | −1,255 | 1,465 | −0,026 | 0,836 | −0,109 | 0,486 |
As evidências de relação linear entre obesidade e PCR-us encontradas em pessoas saudáveis parecem não ocorrer em pacientes com IC. Em nossa análise, pelo contrário, houve associação inversa entre algumas variáveis antro-pométricas e níveis de PCR-us.
A obesidade é uma condição de inflamação crônica, mediada pelo aumento na produção de citocinas e de PCR-us pelos adipócitos.(23) Há uma associação entre PCR-us e indicadores antropométricos em pacientes sem história de IC.(24–26) Sanip et al., em estudo com 91 mulheres saudáveis pós-menopausa, encontraram correlação entre PCR-us e obesidade, destacando IMC (r=0,281; p=0,007), CC (r=0,340; p=0,001) e CQ (r=0,257; p=0,014).(24)
Em nosso estudo, foi possível observar altos níveis de PCR-us, fato que possivelmente seja explicado pela gravidade da doença, pela exacerbação de sintomas da própria IC, ou pela presença de comorbidades que levaram os pacientes à hospitalização. O elevado nível de PCR-us encontrado corrobora os achados de Chen et al., em que pacientes avaliados durante admissão hospitalar apresentaram média de PCR-us de 53±57,7mg/L.(27) Já entre japoneses avaliados em nível ambulatorial (média de PCR-us de 10,9±18mg/L na linha de base), os indivíduos classificados no maior quartil de PCR-us (>11mg/L) tiveram pior prognóstico ao final de 3 anos.(28)
A distribuição da amostra foi homogênea em relação ao sexo; 60,2% dos indivíduos eram homens, permitindo, assim, extrapolar resultados de forma mais significativa para ambos os sexos. Esses achados foram diferentes da maioria dos estudos observacionais, que tratam do paradoxo da obesidade, nos quais a diferença entre os sexos tende à maioria absoluta de homens.(29,30)
A maioria da amostra foi classificada como grave, de acordo com a classificação funcional de NYHA, diferindo dos resultados de uma coorte desenvolvida em Porto Alegre, em que apenas 17% dos pacientes se encontravam nas classes funcionais III e IV.(4) Essa diferença pode ser justificada pelo local da coleta de dados: o presente estudo foi realizado durante a internação hospitalar, ao passo que a coorte de comparação foi desenvolvida em nível ambulatorial, no qual possivelmente são atendidos pacientes de menor gravidade.
A FE média identificada foi similar à encontrada em outros estudos.(27,31) Galvão et al. identificaram diferenças entre gêneros acerca da FE de forma similar aos nossos achados no estudo Acute Decompensated Heart Failure National Registry (ADHERE),(32) sendo que essas diferenças podem ser justificadas pelo melhor prognóstico que as mulheres apresentam na evolução da IC em comparação aos homens.
Em nosso estudo, identificamos uma prevalência de excesso de peso avaliada por meio do IMC de 64,2%, sendo 30,9% de sobrepeso e 33,3% de obesidade. Clark et al.(29) descreveram que, entre indivíduos com IC, as prevalências de sobrepeso variam entre 31 e 40% e entre 32 e 49% para obesidade;(6) esses são dados que corroboram os de outros estudos, apresentando prevalências de sobrepeso e obesidade semelhante.(33–36)
A média da CP identificada foi semelhante à observada em outro estudo conduzido entre indivíduos com IC e apneia do sono,(37) e a DCT média foi superior à observada entre pacientes ambulatoriais.(4) Em relação às prevalências de sobrepeso e obesidade classificadas de acordo com a DCT, o presente estudo identificou 4,9% e 60,2%, respectivamente; Casas-Vara et al. encontraram dados semelhantes em relação ao sobrepeso, porém houve grande discrepância na prevalência de obesidade (14,2% de acordo com esse critério de classificação).(33) Quanto a DCS, identificamos médias similares a outros autores.(38)
Estudos que avaliam a associação de medidas antropométricas com o perfil inflamatório em pacientes com IC são escassos. Nos pacientes internados por IC avaliados em nosso estudo, o excesso de peso não acarretou aumento da PCR-us. É possível que o aumento de peso seja um benefício a esses indivíduos, em razão de uma melhor reserva energética, ao contrário da caquexia cardíaca.(39) Outra hipótese é a de que a IC acarrete em isquemia e edema intestinal, permitindo a translocação bacteriana e favorecendo formação de endotoxinas, contribuindo para um estado inflamatório em indivíduos com IC independente do grau de excesso de peso, favorecendo a perda da massa muscular, mas não necessariamente da massa adiposa.(40)
Algumas limitações devem ser consideradas: o delineamento (estudo transversal), o qual não permite definir a causalidade; e o tamanho da amostra dificultou a análise de subgrupos. Outro ponto a ser ressaltado se refere à gravidade dos pacientes arrolados para a amostra: não se pode descartar que haja uma associação entre PCR-us e obesidade em indivíduos com IC de graus mais leves, dificultando a generalização de nossos resultados para pacientes com IC e com menor gravidade. Destacamos também que, na fórmula matemática para estimativa de peso corporal ajustado para edema, apesar de amplamente utilizada na prática clínica, é feita uma abordagem relativamente subjetiva; ademais, as técnicas utilizadas para identificação de dobras cutâneas por meio de adipômetros não apresentam a mesma acurácia dos métodos de imagem para identificação da composição corporal e, nos casos de edema residual ainda presente, essas dobras podem ter sido superestimadas.
Em pacientes internados por insuficiência cardíaca, há importante aumento proteína C-reativa ultrassensível, não tendo sido encontrada associação com a obesidade. Embora a obesidade contribua para concentrações de proteína C-reativa ultrassensível elevadas em indivíduos com função cardíaca normal, o estado inflamatório exacerbado observado na insuficiência cardíaca grave parece ser um fator que influencia de maneira mais importante essas concentrações. Outros estudos que avaliem o impacto prognóstico da proteína C-reativa ultrassensível de acordo com o estado nutricional devem ser realizados para a melhor utilização dos marcadores inflamatórios em pacientes com insuficiência cardíaca.