versão On-line ISSN 2526-8910
Cad. Bras. Ter. Ocup. vol.27 no.2 São Carlos abr./jun. 2019 Epub 09-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao1726
Os membros superiores (MMSS) são de extrema importância para a vida dos seres humanos por estarem intimamente envolvidos nas atividades funcionais e ocupacionais (SILVA; BRACCIALLI; MANZINI, 2009). É com as mãos que são realizados os movimentos necessários para diversas funções essenciais dos seres humanos, tais como, se alimentar, escrever, alcançar, apreender, manipular, deslocar objetos no espaço, soltá-los e atirá-los, além de tarefas rotineiras de autocuidado (CARVALHO, 2004; CORBETTA, 1998; FERRIGNO, 2007).
Desde muito cedo o ser humano interage e reconhece o ambiente, o outro e a si próprio por meio das extremidades superiores. As habilidades manuais exercem influência sobre o desenvolvimento motor global, cognitivo, emocional e social, facilitando a exploração, interação e aprendizagem (CHIEN; BROWN; MCDONALD, 2009; FERRIGNO, 2007). Dois quartos da superfície de representação da mão no Sistema Nervoso Central (SNC) estão relacionados à função motora da mão, principalmente do indicador e polegar (FERRIGNO, 2007).
Em crianças com assimetria de membros superiores evidenciada pelo acometimento de um hemisfério corporal ou dois hemisférios corporais (sendo um membro acometido de forma mais sutil), pode-se observar que o lado menos comprometido é, predominantemente, a sua primeira escolha na realização de tarefas e manuseio de objetos (HOARE et al., 2007; SKÖLD; JOSEPHSSON; ELIASSON, 2004).
Quando ocorre alguma afecção do SNC ou periférico, tais como Paralisia Cerebral ou lesão obstétrica do plexo braquial, há possibilidade do lactente apresentar prejuízo no desenvolvimento da motricidade manual, assim como alteração sensitiva do membro superior acometido, apresentando variabilidade na idade de aquisição do alcance, podendo apresentar disfunções unimanual, com menor sucesso de preensão, e de tarefas de coordenação bimanual (EVANS et al., 2003; FERRIGNO, 2007). Poderá ocasionar comprometimento no desempenho de atividades básicas, como as de autocuidado, até atividades mais complexas como as de trabalho e lazer e, consequentemente, interferir na sua qualidade de vida (CORBETTA et al., 2005; HADDERS-ALGRA et al., 1999; PEREIRA et al., 2004).
Poucas técnicas ou protocolos de intervenção têm sido realizados objetivando exclusivamente melhora na função manual ou bimanual de crianças com assimetria de membros superiores. Entre as técnicas existentes para a melhora da função do membro superior, destacam-se a Terapia de Movimento Induzido por Restrição (CIMT) (ELIASSON et al., 2005) e a terapia intensiva bimanual de mãos e braços (HABIT) (GORDON et al., 2007).
A CIMT possui um protocolo de reabilitação da função motora e superação do desuso aprendido, influenciando positivamente nas tarefas diárias e na independência funcional (ELIASSON et al., 2005; SMANIA, 2006). É uma combinação de elementos estruturados e sistematizados que restringe o lado não acometido para incentivar o uso do membro afetado (CHARLES; GORDON, 2005; TAUB; USWATTE; PIDIKITI, 1999). Fundamenta-se em três pilares fundamentais: (1) treino intensivo de terapia orientada à tarefa; (2) conjunto de métodos comportamentais; e (3) uso de uma restrição no membro superior não afetado ou menos afetado (MORRIS; TAUB; MARK, 2006).
O HABIT também se baseia na prática intensiva de terapia, porém, defende uma proposta menos estressora, já que não restringe o membro superior mais funcional. O objetivo do HABIT é melhorar a coordenação bimanual nas atividades estruturadas de vida diária, bem como, nas atividades lúdicas, visando à recuperação ou a aprendizagem funcional através dos princípios motores de aprendizagem e neuroplasticidade. O protocolo de reabilitação através do HABIT oferta brincadeiras e atividades funcionais que proporcionam práticas bimanuais estruturadas em um período de 6 horas diárias (GORDON et al., 2007). Assim como a CIMT, o HABIT vem mostrando resultados positivos e satisfatórios nas ações motoras de crianças com assimetria (NOVAK et al., 2013).
Muitos estudos têm sido realizados com a população infantil utilizando os protocolos da CIMT ou do HABIT, tanto em suas versões originais como modificadas. Porém, nenhum até que se saiba, têm focalizado a prática das duas técnicas associadas no tratamento de lactentes. Sabendo da importância da estimulação realizada o mais precocemente possível, o presente estudo elaborou, aplicou e avaliou um protocolo de intervenção de terapia intensiva baseado nas técnicas atuais (CIMT e HABIT) junto a lactentes com assimetria de membros superiores.
Neste sentido, levantam-se as seguintes questões de pesquisa: Lactentes com assimetria de membros superiores se beneficiaram de uma intervenção de alta intensidade? Um protocolo de intervenção baseado em técnicas atuais (CIMT e HABIT) seria eficaz para lactentes?
Trata-se de um estudo de casos múltiplos, de natureza aplicada, com abordagem quantitativa e teor exploratório-descritivo com foco em reabilitação de lactentes com assimetria. Este estudo atendeu a todos os aspectos éticos de pesquisa com seres humanos segundo a resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/2012, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCRP, da FMRP-USP sob o parecer nº 1.011.008.
Foram considerados elegíveis ao estudo lactentes com idade entre 6 e 24 meses; com assimetria de membro superior devido a alteração neurológica central ou periférica não evolutiva ou degenerativa. Desta forma, recrutaram-se lactentes com PC do tipo unilateral ou bilateral evidenciada pela assimetria corporal, ou com paralisia braquial obstétrica - PBO. Esta foi uma amostra de conveniência, sendo que os lactentes foram recrutados através de convite aberto em clínicas particulares e serviços públicos de pediatria e neonatologia em 3 municípios de médio porte do interior do estado de São Paulo (Brasil). Foram excluídos lactentes que tivessem recebido aplicação de toxina botulínica no prazo de 6 meses antes do início do estudo; participado de algum protocolo de terapia de contensão; não compreendesse comandos verbais simples; apresentasse deficiência auditiva ou visual associada (sendo diagnosticado por um profissional habilitado ou observado pelos cuidadores); ou não apresentasse nenhum grau de amplitude de movimento ativo espontâneo (avaliada observacionalmente pelo terapeuta).
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, os cuidadores responderam as questões de um formulário elaborado pelos autores do estudo com o objetivo de caracterizar a amostra.
Para caracterização da amostra, foram coletadas informações sobre idade, sexo e diagnóstico do participante, quem era o cuidador principal e qual sua escolaridade, idade e classificação sócio econômica por meio da ABEP (ASSOCIAÇÃO..., 2015).
Logo em seguida, os participantes com PC foram classificados de acordo com sua limitação funcional, por meio do GMFCS E & R (Gross Motor Function Classification System for Cerebral Palsy Expanded and Revised) e Mini-MACS (Mini-Manual Ability Classification System) (ELIASSON et al., 2017; SILVA; PFEIFER; FUNAYAMA, 2013). A capacidade de desempenho funcional no ambiente domiciliar e terapêutico foi avaliada por meio do PEDI (MANCINI, 2005) e AMIGO (SABINO, 2016).
O GMFCS E & R é utilizado para classificar a função motora grossa de crianças com PC. Possui cinco níveis de classificação de acordo com a assistência que a criança necessita, sendo o que nível I representa maior independência e o nível V total dependência. Esta classificação apresenta divisões por idade, o presente estudo utilizou a classificação para crianças menores de 2 anos (PALISANO et al., 2008). A tradução dessa classificação para a língua portuguesa do Brasil foi realizada em 2010 e suas propriedades psicométricas já estão bem estabelecidas. Em 2013, foi realizado um estudo no Brasil de confiabilidade intra e interexaminadores obtendo concordância quase perfeita (SILVA; PFEIFER; FUNAYAMA, 2013).
O Mini-MACS é um sistema de classificação de habilidades manuais para crianças com PC e idades entre 1 e 4 anos, e segue o mesmo critério de classificação de 5 níveis utilizado no GMFCS E&R (ELIASSON et al., 2017). Esta versão da classificação ainda não foi traduzida para o português do Brasil, mas, sua validade de conteúdo e confiabilidade entre avaliadores já foram estabelecidas (SILVA; PFEIFER; FUNAYAMA, 2013). É válido lembrar que a primeira versão desta classificação foi traduzida para a língua nativa do presente estudo, porém, decidiu-se utilizar a versão mais atualizada e apropriada para a idade investigada.
O PEDI é um questionário padronizado, sensível a pequenas mudanças longitudinais, que consiste em três partes: Parte I – avalia a função da criança em seu ambiente domiciliar no que diz respeito às tarefas e atividades cotidianas nas áreas de autocuidado (73 itens), mobilidade (59 itens) e função social (65 itens); parte II – avalia a independência da criança através da quantidade de ajuda fornecida pelo cuidador, no âmbito do autocuidado (8 itens), mobilidade (7 itens) e função social (5 itens), e por fim, parte III – avalia se a criança utiliza alguma modificação no ambiente, a fim de facilitar sua execução/desempenho em tarefas funcionais. Nesta pesquisa, foi aplicada apenas a Parte I do PEDI já que o objetivo centra-se no desempenho funcional individual do lactente (MANCINI, 2005).
Na Parte I do instrumento, cada tarefa pode receber o escore 0 se a criança não for capaz de executá-la, ou 1 se a criança for capaz de executá-la. Os pontos são atribuídos de forma quantitativa e não qualitativa, ou seja, não importa se a criança realiza algum ajuste ou compensação na execução da atividade funcional. O escore total bruto de cada área é obtido através da somatória de pontos. A partir desse escore é obtido o escore normativo e o escore contínuo. O escore normativo compara crianças da mesma faixa etária sem disfunções, enquanto o escore contínuo representa o nível de capacidade da criança ao longo dos itens que compõem a escala (MANCINI, 2005).
O questionário incorpora a observação dos pais uma vez que seja aplicado através de entrevista com o cuidador. Também pode ser respondido por alguns terapeutas através de seu julgamento clínico em relação ao paciente ou aplicado em educadores que estejam familiarizados com a criança ou através da observação direta durante a execução das tarefas. É apropriado para crianças com idades entre 6 meses a 7 anos. A tradução e adaptação transcultural do instrumento para o idioma português do Brasil foi realizada por Mancini (2005).
Na presente pesquisa foi realizado o formato de entrevista junto aos cuidadores para verificar a percepção dos mesmos em relação à capacidade funcional da criança em realizar determinada tarefa não importando o membro superior de escolha e optado pela utilização do escore contínuo.
A AMIGO é um instrumento de avaliação da função manual para crianças de 0 a 7 anos de idade, que apresenta um roteiro de atividades estruturadas sequenciais para cada faixa etária e os critérios de pontuação para cada item avaliado, sendo que, de modo geral, considera-se 2 pontos para execução da ação; 1 ponto para execução parcial da ação, e 0 para a não execução da ação (SABINO, 2016). Este instrumento ainda está em processo de avaliações psicométricas, porém, já passou pelo processo preliminar de validação e tem sido utilizado no centro de reabilitação do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto como medida de desfecho (SABINO, 2016; HOSPITAL..., 2018). No presente estudo, foram utilizadas as categorias da AMIGO de 6 a 11 meses e de 1 a 1 ano e 11 meses, permitindo verificar a função manual do lactente, pelo ponto de vista profissional, já que foi aplicado presencialmente pelo avaliador.
As avaliações ocorreram antes, imediatamente após a intervenção, e com 4 meses de follow-up; de forma que cada criança foi estudada em um total de 5 meses.
O protocolo de intervenção desenvolvido no presente estudo foi baseado no treino intensivo de terapia orientada à tarefa, a restrição do uso do membro superior menos afetado e no oferecimento de atividades específicas bimanuais, baseando-se nas fundamentações teóricas da CIMT e HABIT e adequando à população de lactentes.
Desta forma, o presente estudo elaborou uma intervenção com restrição de 1 hora diária realizadas em 5 sessões semanais, durante 4 semanas. O protocolo foi aplicado por uma profissional com experiência em intervenção precoce, com o objetivo de desenvolver a motricidade grossa e fina por meio de atividades específicas e de complexidades evolutivas que visem à funcionalidade bimanual e aumento quantitativo e qualitativo da utilização do membro superior afetado.
As principais adequações realizadas no presente protocolo foram em relação ao tempo de aplicação da intervenção, ao tipo de restrição do membro superior menos afetado e às atividades estruturadas, para facilitar a participação de lactentes com idade entre 6 meses e 2 anos, já que, como citado na introdução, até que se saiba, não há estudos específicos da CIMT e HABIT junto à esta população.
Aplicação do Protocolo: Definiram-se sessões de intervenção de 1 hora diária, considerando que este tempo de reabilitação é intensivo para lactentes. De acordo com as Diretrizes Educacionais de Estimulação Precoce, a estimulação precoce para crianças com até 2 anos de idade, em atendimento individual, deve ser realizada em duas sessões semanais com duração máxima de 40 minutos (BRASIL, 1995).
Tipo de restrição: Optou-se pelo uso da luva removível, por permitir e facilitar o desenvolvimento bimanual nas tarefas. Esta opção não exclui o caráter de contenção da CIMT e leva em consideração as propostas do HABIT, uma vez que a mão não acometida seja recrutada principalmente como apoio nas tarefas estruturadas, podendo participar ativamente nas atividades propostas. Esta restrição não foi mantida no ambiente domiciliar, mas permaneceu durante toda a sessão. A luva foi confeccionada em material de neoprene e velcro para ajustar o tamanho. O modelo escolhido seguiu um padrão lúdico em formato de peixe.
Atividades estruturadas: Foi elaborado um banco de atividades sensoriais e motoras (Tabelas 1 e 2) que, de acordo com a literatura, são atividades cujas capacidades típicas compreendem a faixa etária dos participantes deste estudo (BURNS; MACDONALD, 1999; FRANKENBURG et al., 1992; MANCINI, 2005; TECKLIN, 2002). As atividades propostas favorecem o envolvimento de ambas as mãos, de modo que as ações necessárias para a execução possibilitam a repetição de movimentos, levando ao aprimoramento do desempenho a partir da aprendizagem motora. Com a melhora do padrão de desempenho na execução de determinada atividade, o nível de dificuldade era elevado para um nível mais desafiador dentre as capacidades do lactente.
Tabela 1 Atividades por domínio de alcance e preensão.
Tarefa | Material | Descrição | Adaptação | Progressão |
---|---|---|---|---|
Alcançar um objeto | Objetos coloridos de diferentes tamanhos e texturas (ex. chocalhos, bolas, bichinhos de feltro) | Alcançar com a mão afetada objetos oferecidos em diferentes posições espaciais (direita, esquerda, linha média, altura do ombro, da cabeça ou acima da cabeça). Mão não afetada → apoio postural. | Oferecer objeto mais próximo do tronco do bebê; e do lado de projeção do mesmo. | Aumentar a distância do objeto; oferecer do lado contrário à projeção funcional do bebê; realizar transições posturais para alcançar. |
Segurar um utensílio | Objetos coloridos de diferentes tamanhos e texturas | Utilizar a mão afetada para segurar e manter o objeto na mão, enquanto uma música era cantada ou alguma brincadeira ofertada. | Objetos leves e pequenos (pouco menor que a palma da mão) e manter por pouco tempo | Objetos maiores e mais pesados e manter por mais tempo |
Pegar objeto pequeno | Bolinhas coloridas em gel e recipiente | Mergulhar a mão no recipiente cheio de bolinhas coloridas e agarrá-las | Recipiente disponível na linha média | Colocar o recipiente em diferentes posições espaciais. |
Tocar partes do corpo | ----- | Utilizar a mão afetada para tocar partes do corpo | ----- | ----- |
Grudar e desgrudar | Objetos com velcro (bichinhos e bolas de feltro de diferentes tamanhos) e painel de velcro | Grudar o objeto no painel com a mão afetada. A outra mão apoia o painel ou realiza apoio postural dependendo da posição do painel. Desgrudar o objeto | Colocar o painel sobre a mesa e na altura da mão do bebê. Solicitar apenas que a criança grude o objeto | Colocar o painel na vertical e na lateral da criança. Solicitar que a criança grude e desgrude o objeto (para desgrudar o bebê precisa recrutar força e controle muscular) |
Pegar objeto em 4 apoios | Objetos coloridos de diferentes tamanhos e texturas | Na postura de 4 apoios, pegar com a mão afetada um brinquedo de maior interesse. | Não realizar alcance (permanecer na postura enquanto assiste um vídeo ou enquanto se canta uma música) | Realizar alcance de objeto na postura de 4 apoios, deixando a mão não afetada no chão e progredindo para mão afetada como apoio. |
Posicionar argolas | Argolas coloridas e barra de madeira | Colocar as argolas na barra de madeira. | Colocar as argolas no braço não afetado | Posicionar a barra de madeira em locais mais distantes, mais baixos ou mais altos que a altura da mão. |
Guardar pequenos objetos em um recipiente | Bolinhas de gude ou de “ping pong”, baleiro de plástico e caneca. | Retirar as bolinhas de gude de dentro de um baleiro com boca larga e colocá-las dentro de uma caneca de plástico. A mão não afetada apoia a caneca. | Baleiro do lado afetado e caneca na linha média; pegar a bolinha com preensão palmar e/ou utilizar bolinha de “ping pong” | Baleiro na linha média e caneca do lado afetado. Recipientes em alturas distintas; pegar a bolinha com pinça de 2 dedos (polegar/indicador) |
Apertar/ acionar | Brinquedos com botões que ao acionar emite sons ou acende luzes. | Acionar o botão com a mão afetada. A mão com restrição era utilizada para apoiar o brinquedo. | Botão mais próximo da criança, oferecer do lado acometido | Botão mais distante (na linha média e depois do lado contrário ao membro afetado, de forma que a criança deveria cruzar a linha média para alcançar) |
Cubos na caixa | Jogo quebra gelo | Mover os pequenos cubos da mesa para uma caixa | Deixar os cubos e a caixa à frente do lado afetado | Colocar os cubos do lado não afetado e a caixa do lado afetado. Inverter a situação |
Tabela 2 Atividades por manipulação de objetos.
Tarefa | Material | Descrição | Adaptação | Progressão |
---|---|---|---|---|
Manipular brinquedos | Objetos de diferentes tamanhos e texturas | Na posição sentada, brincar livremente com objetos de diferentes tamanhos e texturas | Apoio da mão não afetada ou externo, se necessário | Brincar na linha média sem apoio e inserir situações de desequilíbrio postural |
Jogar bola | Bola de diferentes tamanhos | Jogar a bola na cesta ou no gol, utilizando a mão afetada e, em seguida as duas mãos simultaneamente | Bolas pequenas, leves e macias. Delimitar um espaço grande para o gol. | Bolas maiores; diminuir o alvo; colocar o alvo em locais mais distantes, mais altos e mais afastado do hemisfério afetado. |
Modelar | Massinha de modelar | Apertar a massinha fazendo rolinhos, bolinhas, e espalhar a massa fazendo “pizza”. A mão não afetada era utilizada como apoio | Entregue uma maior quantidade de massa | Quantidade menor de massa, diminuindo o diâmetro dos rolinhos, das bolinhas e a espessura da “pizza”. |
Pintar | Papel e tinta guache | Colocar a mão no recipiente com tinta e levar a mão até a folha pintando livremente. A mão não afetada apoia a folha. | O recipiente com tinta é colocado ao lado da mão afetada | Colocar o recipiente ao lado da mão afetada, porém mais afastado; evoluir colocando o pote do lado não afetado |
Desenhar | Giz de cera, canetão e papel | Desenhar com o giz de cera no papel, utilizando a mão afetada. A mão não afetada fica em cima da mesa e apoia o papel | Canetão, giz de cera de maior diâmetro | Giz de cera de menor diâmetro; folha mais longe do tronco. |
Montar peças | Jogo de caretas | Pegar as peças e montar as caretas. As peças deste jogo são grandes e a mão não acometida apoia o tabuleiro | Tabuleiro próximo do corpo e peças disponíveis ao lado do membro afetado | Tabuleiro longe do corpo de peças do lado não afetado |
Empilhar blocos | Jogo de legos para bebês e/ou cubos coloridos | Montar uma torre em cima da mesa utilizando o maior número de peças. A mão não afetada apoia a torre | Cubos dispostos à frente da linha média do paciente ou do lado afetado | Colocar os blocos no chão ou do lado não afetado. |
Martelar | Jogo quebra gelo | Cubos posicionados pelo lactente e pelo terapeuta na mesinha do jogo e o bebê deveria bater nos cubos para derrubar as peças | Bater com as mãos | Bater com o martelo. |
Abrir pote | Baleiro de plástico | Retirar a tampa do pote. A mão não afetada segura o pote com apoio de tronco e o bebê retira a tampa com a mão afetada. | Retirar a tampa desenroscada. | Desenroscar a tampa e retirá-la |
Transferir a comida de recipiente | Jogo de plástico com utensílios de cozinha, uva* e feijão cru | Transferir a comida do prato raso e passar para o prato fundo, utilizando a mão afetada | Transferir as uvas* com a mão | Transferir o feijão realizando pinça de 2 dedos (para desenvolver maior acurácia da pinça fina), como progressão, passar o feijão do prato fundo para o prato raso; realizar a tarefa utilizando colher. |
Alimentar a boneca | Feijão cru e uva* | O lactente tinha que pegar o feijão ou a uva* com a mão não afetada e “alimentar a boneca”. | Bonecas e recipiente com alimento próximo do lactente | Como progressão, fazer o mesmo com o uso de uma colher. |
Alimentar a si mesmo | Alimento e recipiente trazidos pelos cuidadores | Se alimentar com a mão, tirando o alimento de um recipiente | Alimentos grandes como biscoitos, morango, por exemplo | O alimento deveria ser menor exigindo uma pinça mais fina e depois o lactente deveria se alimentar utilizando uma colher |
Encaixar pino e/ou roscas | Tabuleiro com pinos e roscas | Pegar as peças na lateral e encaixá-las nos lugares indicados | Utilizar roscas e tabuleiro próximo ao tronco do lactente | Utilizar pinos e tabuleiros mais distantes |
Empurrar carrinho de boneca | Carrinho de boneca | O lactente que já deambula apoiar as duas mãos no carrinho e levar a “boneca” para passear | Acolchoar a “pega” do carrinho do lado afetado | Manter os dois lados iguais |
Puxar carrinho | Carrinhos de plástico | Puxar o carrinho | Puxar com a mão | Puxar com uma cordinha levemente amarrada na mão afetada e progredir sem nenhuma amarração |
*Uvas sem semente.
A sala de atendimento foi composta pelos seguintes materiais: 5 bancos de madeira com as seguintes medidas 38×65 cm, 33×60 cm, 26×55 cm, 20×50 cm, 14×45 cm, 1 Biombo para delimitar a área de atendimento, 2 tatames de EVA (1×1×20 cm com dentes), colchonete (95×55×3,5 cm), 2 rolos de posicionamento (15×50 cm e 20×50 cm) e cunha lombar (50×50×20 cm), tapete sensorial de EVA e brinquedos de tamanhos e texturas variadas.
Os cuidadores estiveram presentes em todos os encontros, puderam participar ativamente da terapia e receberam informações diárias acerca da importância das experiências motoras vivenciadas pela criança, bem como, da exploração bimanual. Os cuidadores receberam orientações sobre as práticas bimanuais realizadas no ambiente domiciliar e do encorajamento que deveriam fornecer ao lactente sobre a utilização manual do membro acometido.
Os dados foram inseridos no programa EXCEL 2013 e foi realizada análise descritiva entre os escores contínuos do PEDI e escores brutos do instrumento AMIGO em três momentos distintos, pré e pós-intervenção e de follow-up; e verificado o Índice de Mudança Confiável – IMC, por meio do método Jacobson-Truax (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008). O IMC de Jacobson – Truax é uma alternativa de análise para estudos com pequena quantidade de sujeitos, ausência de dados normativos e de grupo controle que inviabilizam a análise inferencial dos resultados com base em medidas de tendência central e dispersão (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008).
Participaram do estudo cinco lactentes com assimetria de MMSS, sendo 3 meninas e 2 meninos. Quatro deles foram diagnosticados com PC e um com PBO. A Tabela 3 evidencia as características dos participantes e do seu núcleo familiar.
Tabela 3 Caracterização dos participantes e cuidadores.
Participantes; sexo; idade cronológica | Diagnóstico | Cuidador Principal | Escolaridade | Idade | ABEP (ASSOCIAÇÃO..., 2015) |
---|---|---|---|---|---|
P1 - masculino; 18 meses | PC hemiparesia espástica bilateral, GMFCS E & R– IV; Mini- MACS – IV | Avó | Ensino Fundamental Incompleto | 41 | Classe C2 |
P2 – feminino; 20 meses | PC hemiparética espástica, GMFCS E & R– I; Mini- MACS – II | Avó | Ensino Médio Completo | 38 | Classe B2 |
P3 - feminino; 20 meses | AVE, hemiparesia espástica, GMFCS E & R- I; Mini- MACS – I. | Mãe | Ensino Fundamental Completo | 19 | Classe C2 |
P4 - feminino; 6 meses | PC, hemiparesia espástica, GMFCS E & R- III; Mini- MACS - III | Mãe | Ensino Superior Completo | 24 | Classe B2 |
P5 - masculino; 15 meses | Lesão do Plexo Braquial; Mini-MACS - I | Avó | Ensino Fundamental Incompleto | 46 | Classe C2 |
As sessões de 60 minutos diárias foram organizadas e divididas em 3 partes:
1. Preparação/Adaptação (5-8 minutos): O objetivo foi trabalhar as deficiências primárias críticas dos sistemas, para aumentar o sucesso da execução dos movimentos recrutados nas atividades. Para isso, foram realizados movimentos passivos globais e alongamentos dos músculos espásticos. É importante ressaltar que as movimentações e alongamentos não foram restritos aos MMSS, já que o lactente utiliza o tronco e os membros inferiores em associação com os membros superiores para realizar grande parte das atividades apropriadas à idade, que englobam a motricidade grossa (ex. engatinhar, tocar os pés, rolar, etc.);
2. Simulação (40 minutos): Por meio de atividades sensoriais e motoras (com foco no desenvolvimento da motricidade fina e grossa) que simulem o objetivo funcional desejado, utilizando o “shaping” (parte da tarefa - método de treinamento no qual a tarefa é gradualmente dificultada em pequenos passos por aproximações sucessivas) e tarefa como um todo;
3. Prática da habilidade funcional de maior interesse (12-15 minutos). A escolha das tarefas foi relacionada a alguma habilidade que o lactente apresentava atraso, ou seja, que ele já deveria ter adquirido ou que estivesse na idade de adquirir, principalmente as relacionadas ao brincar, autocuidado e mobilidade. Foi considerado também o interesse e as queixas do cuidador.
A luva foi colocada no início da cada sessão e retirada somente no final. Após a preparação/adaptação, a intervenção aplicada se iniciava com atividades sensoriais (exemplo, colocar o membro afetado num recipiente com bolinhas coloridas e gelatinosas, tocar objetos e/ou tapetes com superfícies diferenciadas, desenhar com tinta guache) e prosseguia com atividades motoras de caráter grosseiro (exemplo, realizar alcance em posição de quatro apoios, sentada ou em pé, facilitando para realizar transições e chegar à outra posição, agarrar objetos em movimento para trabalhar o equilíbrio na postura) e por fim, atividades que exigem coordenação e motricidade fina (desenhar com giz de cera, pegar alimentos como feijão, colocar pinos em tabuleiro, montar torre com blocos de tamanhos variados e se alimentar).
As tarefas e atividades realizadas durante as sessões foram escolhidas de acordo com a capacidade e a necessidade de cada lactente e foram alteradas com frequência, para manter o interesse e a motivação, de forma que cada um permanecesse por no máximo 10 minutos em cada atividade. Foi elaborado um banco de atividades categorizadas por 2 domínios: domínio de alcance e preensão; e manipulação de objetos (Tabelas 1 e 2, respectivamente).
Os brinquedos escolhidos eram coloridos e, sempre que possível, com alguma sonoridade, e de diversas texturas. Estes detalhes foram cuidadosamente escolhidos a fim de estimular todos os aspectos do desenvolvimento motor (motricidade grossa, fina e de equilíbrio), associando a integração de informações visuais, táteis e auditivas.
Para cumprir as técnicas comportamentais propostas pelo CIMT, foi oferecido reforço positivo na execução de cada tarefa proposta e em qualquer progressão realizada, incluindo o uso de recompensas como elogios predominantemente verbais, sorrisos, abraços, aplausos e palmas. As falhas e insucessos não foram valorizados e a utilização do membro afetado foi encorajada durante toda a sessão.
Os pacientes que realizavam atendimentos de fisioterapia e terapia ocupacional mantiveram o seu tratamento habitual durante a aplicação deste protocolo.
Os resultados das avaliações medidas na pré e pós intervenção, bem como, após 4 meses do fim da intervenção (follow-up) são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4 Resultados das avaliações pré, pós intervenção e follow-up.
Participante | Avaliação | Pré | Pós | Follow-up | IMC (pré e pós) |
---|---|---|---|---|---|
P1 | PEDI autocuidado | 27,02 | 35,31 | 32,74 | 3,47 |
PEDI Mobilidade | 6,97 | 11,38 | 14,24 | 2,17 | |
PEDI função social | 34,24 | 37,01 | 40,60 | 2,50 | |
AMIGO | 2 | 10 | 7 | 2,82 | |
P2 | PEDI autocuidado | 49,34 | 55,05 | 55,76 | 2,39 |
PEDI Mobilidade | 45,26 | 56,26 | 58,20 | 5,42 | |
PEDI função social | 47,45 | 50,02 | 51,67 | 2,32 | |
AMIGO | 30 | 38 | 38 | 2,11 | |
P3 | PEDI autocuidado | 37,68 | 46,24 | 49,34 | 3,58 |
PEDI Mobilidade | 36,80 | 46,67 | 51,94 | 4,86 | |
PEDI função social | 47,45 | 48,32 | 50,02 | 0,78 | |
AMIGO | 26 | 32 | 34 | 2,11 | |
P4 | PEDI autocuidado | 35,31 | 39,85 | 52,94 | 1,90 |
PEDI Mobilidade | 6,97 | 14,24 | 27,85 | 3,58 | |
PEDI função social | 24,85 | 29,16 | 47,45 | 3,88 | |
AMIGO | 20 | 24 | 26 | 1,41 | |
P5 | PEDI autocuidado | 43,69 | 44,57 | 49,34 | 0,37 |
PEDI Mobilidade | 48,11 | 52,76 | 51,94 | 2,29 | |
PEDI função social | 46,56 | 47,45 | 49,18 | 0,80 | |
AMIGO | 17 | 31 | 34 | 4,93 |
O IMC analisa a confiabilidade entre as medidas, sendo considerado confiável e positivo quando superior à 1.96. Para o cálculo desta análise, foi considerado o desvio padrão dos dados pré intervenção da própria amostra incluída no estudo (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008).
Nos resultados do PEDI, seção autocuidado, podemos observar que o P4 e P5 não apresentaram índice de mudanças confiáveis entre as avaliações, em relação ao grupo estudado, embora os dois participantes também tenham apresentado melhoras expressivas em seus desempenhos com escores finais superiores aos iniciais.
O P3 e P5 não apresentaram um índice de mudança confiável nos resultados obtidos pelo PEDI – função social, embora tenham apresentado uma melhora de 0,8 no escore contínuo deste instrumento.
No AMIGO, o P4 foi o que menos apresentou mudanças na avaliação da função manual, embora o seu escore tenha passado de 20 para 24 pontos.
De todos os distúrbios causados pela hemiplegia, evidenciada pelo acometimento de um ou de dois hemisférios corporal (sendo um deles acometido de forma mais sutil), a alteração da função manual é a mais incapacitante (SKÖLD; JOSEPHSSON; ELIASSON, 2004). Além das vias motoras, o comprometimento sensorial pode interferir no desempenho de habilidades motoras finas (GORDON; DUFF, 1999). Consequentemente, há prejuízos no desenvolvimento motor típico das extremidades e na independência de habilidades manuais (HIMMELMANN et al., 2006). Deste modo, muitas crianças hemiplégicas utilizam apenas o membro não afetado para realizar tarefas que normalmente são executadas bimanualmente (CHARLES; GORDON, 2006).
De acordo com uma revisão sistemática acerca das abordagens terapêuticas utilizadas para melhorar as ações motoras de crianças com assimetria de MMSS, destacam-se a CIMT e o HABIT que demonstram eficácia na melhora da função motora do membro superior afetado e a coordenação bimanual (NOVAK et al., 2013).
A maioria dos estudos com crianças utilizam protocolos modificados da CIMT para aumentar a tolerância e adesão da população infantil ao tratamento (CHARLES; GORDON, 2005; GORDON; CHARLES; WOLF, 2005; PAGE et al., 2001, 2002). Foram encontradas na literatura diversas alterações realizadas no protocolo original, em relação à população infantil, que difere entre o tempo e a intensidade de aplicação, o tempo e o tipo de restrição adotado e a organização das sessões (NAYLOR; BOWER, 2005; CHARLES et al., 2006; CHARLES; GORDON, 2007; COPE et al., 2008; DELUCA et al., 2003; DICKERSON; BROWN, 2007; ELIASSON et al., 2005; FERGUS et al., 2008; GLOVER et al., 2002; GORDON; CHARLES; WOLF, 2006; MARTIN et al., 2008; KARMAN et al., 2003; KUHNKE et al., 2008).
Em relação ao tempo de aplicação, o HABIT propõe prática de 6 horas diárias (GORDON et al., 2007), enquanto a CIMT elucida sessões de 2 horas (ELIASSON et al., 2005; GLOVER et al., 2002) a 6 horas diárias (DELUCA et al., 2003). Os estudos com crianças se diferem em termos de intensidade e duração da intervenção entre 1 hora por semana durante 18 meses (FERGUS et al., 2008) a 30 horas de intervenção semanais por 3 semanas (DELUCA et al., 2003). A escolha da intensidade do presente estudo se deu a partir da comprovação da eficácia do método CIMT em crianças com hemiparesia, utilizando uma intensidade de 2 horas diárias (ELIASSON et al., 2005; GLOVER et al., 2002). Como o presente estudo incluiu indivíduos com idades ainda mais precoces e levando em consideração a grande atividade cerebral proveniente da idade, que possibilita a neuroplasticidade (GRANTHAM-MCGREGOR et al., 2007), esse estudo propôs uma intensidade de 1 hora diária, totalizando 5 horas semanais durante 4 semanas.
A restrição do membro superior funcional é fundamental para a técnica original da CIMT (MORRIS; TAUB; MARK, 2006), entretanto, restringir o membro não afetado pode gerar frustração no paciente, além de não trabalhar atividades de transferência e proteção em relação a quedas (GORDON et al., 2007).
Sobre o tipo de restrição, este estudo utilizou uma luva removível feita com tecido de neoprene com extensão até a metade do antebraço, restrição semelhante às utilizadas nas pesquisas de Coker et al. (2009) e Fergus et al. (2008), que realizaram estudos de caso, e de Smania et al. (2009), que estudaram crianças com idade entre 1 a 9 anos. Outros pesquisadores escolheram como forma de restrição, tala de neoprene (COPE et al., 2008), de plástico duro (DICKERSON; BROWN, 2007; ELIASSON et al., 2005), de gesso (LOWES et al., 2014), de fibra de vidro (DELUCA et al., 2003, 2006; TAUB et al., 2004) ou contenção suave de um adulto (NAYLOR; BOWER, 2005). O comprimento da restrição destes estudos estende-se da mão até o ombro. É importante ressaltar que os lactentes não demonstraram irritabilidade ao utilizar a luva e nem demonstraram sinais de estresse pela restrição.
Desta forma, a luva removível permite uma liberdade de movimento do ombro, cotovelo e punho, permitindo trabalhar transferência, lateralidade e proteção a quedas. Com a luva, somente os movimentos seletivos dos dedos ficaram restritos, incentivando o desenvolvimento motor fino da mão acometida que colabora com as tarefas de vida diária. Além disso, a mão não acometida pode chegar até o brinquedo mesmo quando as atividades estão sendo direcionadas para o membro acometido, proporcionando experiências bimanuais e atuando como suporte.
Outra variação foi em relação à participação dos cuidadores. No protocolo original, se aplica um conjunto de métodos comportamentais que transfere as habilidades conquistadas no ambiente clínico para o ambiente real. Para isso, são recomendadas tarefas orientadas para casa (TAUB, 2012).
Neste estudo, optou-se por adaptar o conjunto de métodos comportamentais, sem tarefa domiciliar obrigatória, pois não havia como garantir que todas as famílias forneceriam os estímulos de modo adequado, já que havia uma diversidade entre os cuidadores participantes quanto à disponibilidade de tempo com a criança, de instrução escolar ou de recursos financeiros. Caso uma família cumprisse as atividades pré-determinadas e outras não, haveria viés em nossos resultados. Entretanto, os cuidadores foram incentivados a encorajarem a utilização manual do lactente em casa e a não o repreender se houver dificuldade ou falha em determinada função ou tarefa. Outros estudos disponíveis na literatura não envolveram os pais em tarefas específicas e controladas (TAUB et al., 2004; DELUCA et al., 2006; SMANIA et al., 2009).
Em relação às atividades escolhidas, o tratamento incluiu tarefas que promoveram níveis de desempenho cada vez mais complexos utilizando a extremidade afetada. A cada nova habilidade, métodos de progressão eram utilizados, a fim de aumentar as demandas para maior precisão, força, fluência, automaticidade e/ou versatilidade funcional. O objetivo final era que a criança realizasse auto iniciação espontânea de movimento, com o membro afetado, e passasse a utilizar as duas mãos em conjunto. Os objetos utilizados para a realização das tarefas possuíam características atrativas com muitas cores, sonoridades e texturas, proporcionando experiências sensoriais e motoras. Os brinquedos e materiais foram cuidadosamente escolhidos levando em consideração sua utilidade inerente, o interesse dos lactentes, e as estratégias motoras que poderiam proporcionar.
De acordo com Carr e Shepherd (2008) a escolha de materiais utilizados na prática clínica deve elucidar alterações no comportamento motor e despertar interesse no paciente. Além disso, conforme a teoria de Affordances proposta por Gibson (1986), os objetos oferecem possibilidades de interação com o indivíduo, podendo despertar, de forma considerável, através de suas características e finalidades, padrões de movimentos que atuem de forma positiva no desempenho motor.
No que se refere a análise do IMC, devemos considerar que o desvio padrão identificado foi alto, uma vez que a amostra estudada é considerada altamente heterogênea, pois se diferenciam muito em termos de capacidade funcional, seja pela idade ou por gravidade da lesão.
Houve pequenas mudanças na função social de todos os participantes, porém estas não foram identificadas pelo IMC em dois deles (P3 e P5). Importante considerar que o protocolo de intervenção trabalhou a função social por meio de habilidades de interação tais como dar tchau, mandar beijos, entre outras, associadas à reabilitação motora dos membros superiores. As duas crianças (P3 e P5) já apresentavam diversas habilidades de interação e, portanto, já partiram de um escore mais alto, não apresentando diferença evidente entre as avaliações.
Em suma, foi observado que todos os lactentes envolvidos neste estudo demonstraram maior quantidade e qualidade do movimento do membro afetado, desenvolveram novos comportamentos, incluindo avanços na motricidade grosseira, melhora na distribuição e no suporte de peso dos MMSS e de tronco, alcance independente, maior precisão na preensão palmar, melhora na função social com aumento de gestos e maior independência no autocuidado. Os pais notaram ainda diminuição na espasticidade da mão e relataram que em repouso, a mão do lactente ficava mais relaxada. Estas mudanças foram observadas tanto nas avaliações clínicas, quanto na percepção dos pais.
Este estudo permitiu explorar a grande plasticidade do cérebro jovem, considerando que o tratamento em uma idade precoce influencia positivamente o desenvolvimento sensório motor de lactentes com lesões no sistema nervoso, uma vez que, intervenções terapêuticas em períodos críticos durante a maturação do cérebro em desenvolvimento que garantem maior eficácia em idades mais precoces. O protocolo foi modificado quanto a intensidade, restrição e com a utilização de brinquedos e atividades apropriadas à idade, promovendo atividades motoras e sensoriais com níveis de habilidades progressivas. As tarefas seguiram o modelo de repetição proposto pelo protocolo original e houve um cuidado centrado na família a partir de informações e orientações. Como resultado, todos os lactentes obtiveram melhora na utilização espontânea do membro afetado que culminou no aumento da qualidade dos movimentos e melhora das habilidades executadas em tarefas uni e bimanuais.
Importante considerar que o presente estudo apresenta limitações devido ao tamanho da amostra, não permitindo a formação de um grupo controle e heterogeneidade que dificultam comparações entre pacientes assimétricos. É um desafio realizar intervenção precoce com bebês com PC, já que esse diagnóstico é feito com mais frequência aos 19 meses (MCINTYRE et al., 2011), e as lesões unilaterais não levam necessariamente à PC unilateral (HUSSON et al., 2010). Assim como, 80% dos casos de PBO apresentam recuperação espontânea nos primeiros meses de vida (MOLLBERG et al., 2005), sendo difícil recrutar bebês com diagnóstico concluído em uma idade tão precoce.
De todo modo, por meio dos resultados apresentados no presente estudo, é possível inferir que protocolo de intervenção de terapia intensiva é uma ferramenta útil na reabilitação de lactentes assimétricos que possuem lesões central ou periférica. Apresentando, ainda que preliminar, importante contribuição na atenção ao cuidado de lactentes com assimetria, qualificando e ampliando o conhecimento técnico e científico dos profissionais da área, e sugerindo a replicação do estudo em uma amostra maior, seguindo o detalhamento das sessões e do protocolo aqui elaborado e analisado.