versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 23-Abr-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018rw4007
Tratamentos oncológicos, como a quimioterapia, têm como objetivo principal destruir as células cancerosas. No entanto, a maioria dos agentes quimioterápicos não atua de forma seletiva, danificando tanto as células malignas quanto as normais, particularmente as de crescimento rápido como as gastrintestinais, as capilares e as imunológicas.(1-3) Sabe-se que a toxicidade do agente quimioterápico está associada ao modo de ação, à dose e às interações entre estes agentes em um determinado protocolo.(4,5)
A mucosite oral (MO) é um importante efeito adverso observado em pacientes oncológicos submetidos ao tratamento com quimioterapia e/ou radioterapia para cabeça e pescoço.(2,6,7) Esta doença se manifesta clinicamente como lesões erosivas e/ou ulcerativas, que podem causar dor leve a grave.(1,2,8) Estas lesões geralmente levam à diminuição significativa da qualidade de vida, uma vez que podem prolongar o tempo de internação hospitalar, influenciar no estado nutricional do paciente, aumentar o risco de infecções e aumentar a prescrição de opioides.(9-11)
Desta forma, o tratamento da MO é extremamente necessário, com o objetivo de aliviar os sintomas, acelerar o reparo tecidual e controlar eventuais infecções de origem bucal. Atualmente, esforços estão focados na prevenção da MO. O Mucositis Study Group of the Multinational Association of Supportive Care in Cancer and the International Society of Oral Oncology (MASCC/ISOO) publicou diretrizes(12) que orientam a prática clínica para prevenção/tratamento desta doença. Nestas diretrizes, as medidas preventivas para MO são descritas sem distinção de protocolos quimioterápicos utilizados.
O conhecimento da associação entre toxicidade e do protocolo quimioterápico pode auxiliar na indicação de métodos de prevenção no controle da MO em grupos de risco.
Analisar a produção científica sobre a gravidade da mucosite oral como efeito adverso de diferentes protocolos quimioterápicos.
Revisão integrativa, que reúne dados de artigos para auxiliar na compreensão de como diferentes protocolos quimioterápicos podem desencadear graus leves ou graves de MO. Na área da saúde, é crescente a quantidade de informações, fazendo-se necessária a prática baseada em evidências. Desta forma, a metodologia empregada por revisões integrativas visa sintetizar o conhecimento a ser incorporado na prática, por meio da identificação de estudos independentes sobre o mesmo assunto, e análise de seus resultados.
Esta revisão foi realizada a partir de pesquisas nos bancos de dados do PubMed. A pesquisa de dados foi iniciada e concluída em maio de 2016. Estudos publicados em inglês, espanhol ou português foram selecionados para a análise. Não houve restrição quanto ao ano de publicação, tendo sido analisados estudos publicados até maio de 2016. Posteriormente, os artigos foram selecionados de acordo com critérios de inclusão e exclusão. A estratégia de busca foi realizada pelo cruzamento do descritor “oral mucositis” (mucosite oral), com “chemotherapy protocols” (protocolos de quimioterapia).
Os critérios de inclusão foram artigos originais, com acesso livre ao texto completo, incluindo como sujeitos de pesquisa indivíduos com diagnóstico de MO após o tratamento quimioterápico. Foram excluídos relatos de casos, ensaios clínicos e revisões de literatura, além de artigos que não descreveram os resultados da MO associada à quimioterapia.
As coletas foram realizadas de forma independente por um pesquisador. Depois de aplicar a estratégia de pesquisa contendo os descritores definidos, foi realizada a seleção dos artigos. No primeiro momento, os títulos foram lidos, e aqueles que claramente não atenderam os critérios de inclusão do estudo foram excluídos. Na segunda etapa, foi realizada a leitura dos resumos dos artigos selecionados e, como os títulos, artigos que claramente não atenderam a quaisquer dos critérios de inclusão preestabelecidos foram excluídos. Finalmente, todos os estudos que não foram excluídos nestas duas primeiras etapas foram lidos na íntegra para a seleção daqueles que seriam incluídos nesta revisão.
Os principais dados de cada artigo foram coletados e arquivados no banco de dados do programa Microsoft® Excel® para Mac 2011. Foram consideradas como variáveis: periódico, ano/local, delineamento, amostra, protocolo utilizado e incidência de MO.
A partir dos descritores selecionados, foram analisados 547 artigos. Destes, foram excluídos 325 artigos pelo título, 173 pelo resumo e 23 pelo texto, sendo selecionados então, 26 artigos.
Os 26 artigos selecionados estavam em língua inglesa, foram publicados entre 1987 e 2015, e o maior número de estudos foi dos últimos 5 anos (n=8). Todos os artigos eram originais, sendo 24 deles prospectivos e apenas dois retrospectivos. Dentre os 26 artigos, só dois tinham como objetivo avaliar a gravidade de MO gerada por determinado protocolo quimioterápico. Os outros 24 estudos avaliaram eficácia do tratamento e sua segurança, sendo a ocorrência de MO apenas relatada.
Na tabela 1, podemos observar a amostra de cada estudo, o protocolo quimioterápico estudado e o grau de MO desenvolvido em cada protocolo. A mediana de número de participantes avaliados em cada artigo foi 135 (mínimo 16 e máximo 716). A média de idade dos participantes foi 43,54 anos (mínimo 5,2 anos e máximo 65 anos).
Tabela 1 Distribuição dos protocolos utilizados em cada estudo e gravidade de mucosite oral
Artigo | Amostra | Protocolo | Grau de mucosite |
---|---|---|---|
Chibaudel et al.,(13) | 42 pacientes Média de idade: 56 anos Carcinoma de orofaringe |
Cetuximab (IV) D1, 8 e 15 Docetaxel Cisplatina D1, 8 e15 5-FU 750mg/m2 D1-5 |
G0 = 27 (65,8%) G1 = 5 (12,2%) G2 = 4 (9,8%) G3 = 5 (12,2%) G4 = 0 |
Bano et al.,(14) | 38 pacientes Média de idade: 61 anos Carcinoma coloretal Protocolo 1 = 13 pacientes Protocolo 2 = 12 pacientes Protocolo 3 = 5 pacientes Protocolo 4 = 8 pacientes |
Protocolo 1 - FOLFOX 4 - Oxiplatina 85mg/m2 (IV) D1 - 5-FU 400mg/m2 IV bólus + 600mg/m2 contínuo D1 e 2 - Leucovorin 200mg/m2 D1 e 2 Protocolo 2 - FOLFOX 6 - Oxiplatina 100mg/m2 (IV) D1 - 5-FU 400mg/m2 IV bólus + 2.400mg/m2 contínuo D1 e 2 - Leucovorin 400mg/m2 D1 e 2 Protocolo 3 - mFOLFOX 6 - Oxiplatina 100mg/m2 (IV) D1 - 5-FU 2.000mg/m2 contínuo D1 e 2 - Leucovorin 100mg/m2 D1 e 2 Protocolo 4 - FOLFOX 7 - Oxiplatina 130mg/m2 (IV) D1 - 5-FU 2.400mg/m2 contínuo D1 e 2 - Leucovorin 400mg/m2 D1 e 2 |
Protocolo 1 - G0 = 24% G1 e 2 = 65% G3 e 4 = 11% Protocolo 2 - G0 = 38% G1 e 2 = 56% G3 e 4 = 6% Protocolo 3 - G0 = 21% G1 e 2 = 79% G3 e 4 = 0 Protocolo 4 - G0 = 7% G1 e 2 = 90% G3 e 4 = 3% |
Wang et al.,(15) | 65 pacientes Média de idade: não informada Carcinoma oro e hipofaringe |
Cisplatina 50mg/m2 (IV) D1 Tegafur 800mg (VO) D1-14 Leucovorin 60mg (VO) D1-14 |
G0 = 3,1% G1 = 1,5% G2 = 15,4% G3 = 73,8% G4 = 6,2% |
Aapro et al.,(16) | 1. Carcinoma renal = 274 pacientes 2. Tumores neuroendócrinos = 204 pacientes 3. Câncer de mama = 482 pacientes Média de idade: não informada |
Everolimus | 1. G1-G4 = 44% 2. G1-G4 = 64% 3. G1-G4 = 59% |
Tao et al.,(17) | 34 pacientes Média de idade: 16 anos Carcinoma nasofaríngeo |
Cisplatina 5-FU Radioterapia |
G0 = 0 G1 = 10 (29,4%) G2 = 14 (41,2%) G3 = 9 (26,5%) G4 = 1 (2,9%) |
Lin et al.,(18) | 124 pacientes Média de idade: 42 anos Carcinoma nasofaríngeo |
3 ciclos 5-FU 750mg/m2 D1-5 Radioterapia |
1. G0 = 82 G1 e 2 = 42 G3 e 4 = 0 2. G0 = 58 G1 e 2 = 43 G3 e 4 = 14 3. G0 = 0 G1 e 2 = 64 G3 e 4 = 60 |
Iwata et al.,(19) | 51 pacientes Média de idade: 55 anos Carcinoma de mama |
Lapatinib 1.250mg 1 vez/dia Capecitabine 1.000mg/m2 2 vezes/dia |
G0 = 30 (59%) G1 = 21 (41%) G2 = 0 G3 = 0 G4 = 0 |
Palappallil et al.,(20) | 1. 50 pacientes 2. 50 pacientes Média de idade: 45 (20-70) anos Carcinoma de mama |
1. FAC 5-FU 500mg/m2 Doxorrubicina 50mg/m2 Ciclofosfamida 500mg/m2 2. AC-P Doxorrubicina 60mg/m2 Ciclofosfamida 600mg/m2 Paclitaxel 175mg/m2 |
1. G1-G4 = 45 (90%) 2. G1-G4 = 2 (4%) |
Baird et al.,(21) | 1. 200 pacientes 2. 200 pacientes Média de idade: 65 anos Carcinoma coloretal |
1. CAPOX 2000 Capecitabine 2.000mg/m2 D1-14 Oxiplatina 130mg/m2 D1 2. CAPOX 1.700 Capecitabine 1.700mg/m2 D1-14 Oxiplatina 130mg/m2 D1 Cetuximabe |
1. G1 = 22 (11%) G2 = 5 (2,5%) G3 = 0 (0%) G4 = 0 (0%) 2. G1 = 22 (11%) G2 = 5 (2,5%) G3 = 2 (1%) G4 = 0 (0%) |
Lee et al.,(22) | 32 pacientes Média de idade: 53 anos Carcinoma coloretal |
Capecitabine 2.000mg/m2 D1-14 Cisplatina 60mg/m2 D1 |
G1-G2 = 4 (12,9%) G3-G4 = 1(3,2%) |
Abromowitch et al.,(23) | 1. 85 pacientes 2. 82 pacientes 3.1. 76 pacientes 3.2. 73 pacientes 3.3. 70 pacientes 3.4. 68 pacientes 3.5. 65 pacientes 3.6. 65 pacientes Média de idade: 5,1 anos Leucemia linfoblástica |
1. Indução Vincristina 1,5mg/m2 D0, 7 e 14 Daunomicina 60mg/m2 D1 e 2 Ciclofosfamida 1.200mg/m2 D0 L-Asparaginase 2. Consolidação Vincristina 1,5mg/m2 D0 e 7 Citarabina 2.000mg/m2 D0 e 1 Etoposide 200mg/m2 D0 e 1 Tioguanina 300mg/m2 D0-3 Metotrexato 1.000mg/m2 (IV) 3. Manutenção Ciclofosfamida 1.200mg/m2 D0 Tioguanina 300mg/m2 D0-3 Vincristina 15mg/m2 D14 e 21 Doxorrubicina 30mg/m2 D14 Ciclofosfamida 1.200mg/m2 D0 Vincristina 15mg/m2 D28 Metotrexato 1.000mg/m2 (IV) |
1. Indução G1-G4 = 0 (0%) 2. Consolidação G1-G4 = 5 (6,1%) 3. Manutenção 3.1 G1-G4 = 3 (3,9%) 3.2 G1-G4 = 6 (8,2%) 3.3 G1-G4 = 2 (2,9%) 3.4 G1-G4 = 3 (4,4%) 3.5 G1-G4 = 1 (1,5%) 3.6 G1-G4 = 4 (6,2%) |
Shin et al.,(24) | 17 pacientes Média de idade: 38 anos Linfo-histiocitose hemofagocítica |
CHOP Ciclofosfamida 750mg/m2 D1 Doxorrubicina 50mg/m2 D1 Vincristina 1,4mg/m2 D1 Predinisona 40mg/m2 D1-5 |
G0 = 10 (58,84%) G1 = 2 (11,76%) G2 = 2 (11,76%) G3 = 3 (17,64%) G4 = 0 |
Blijlevens et al.,(25) | 1. 109 pacientes com mieloma múltiplo Média de idade: 56,8 anos 2. 88 pacientes com linfoma não Hodgkin Média de idade: 50 anos |
1. Melfalan 200mg/m2 2. BEAM Carmustina 300mg/m2 Etoposide 800mg/m2 Citarabina 800-1.600mg/m2 Melfalan 140mg/m2 |
1. G0 = 10% G1-G2 = 44 % G3-G4 = 46% 2. G0 = 17% G1-G2 = 41% G3-G4 = 42% |
Fadda et al.,(26) | 231 pacientes pré-TCTH Média de idade: 7,6 anos |
Agentes alquilantes 1. Melfalan 2. Bussulfano 3. Outros |
1. Melfalan G0 = 20 G1-G4 = 24 2. Bussulfano G0 = 34 G1-G4 = 153 3. Outros G0 = 42 G1-G4 = 64 |
Castagna et al.,(27) | 1. 29 pacientes 2. 24 pacientes Média de idade: 31 anos TCTH Linfoma Hodgkin |
1. Melfalan 200mg/m2 D1 2. BEAM Carmustina 300mg/m2 D1 Etoposide 800mg/m2 D1-4 Citarabina 1.600mg/m2 D1-4 Melfalan 140mg/m2 D1 |
1. Melfalan - G3-G4 = 17 (60%) 2. BEAM - G3-G4 = 12 (50%) |
Oh et al.,(28) | 43 pacientes Média de idade: 55 anos Carcinoma gástrico |
Docetaxel 70mg/m2 5-FU 1200mg/m2 Cisplatina 40mg/m2 |
G1 = 1 (2,3%) G2 = 1 (2,3%) G3-G4 = 0 (0) |
Schmid et al.,(29) | 93 pacientes 1. 48 2. 45 Média de idade: 1. 29 anos 2. 25 anos Carcinoma de mama |
1. AT Doxorrubicina 60mg/m2 Paclitaxel 200mg/m2 2. HDCT Mitoxantrona 45mg/m2 Ciclofosfamida 2400mg/m2 Etoposide 2500mg/m2 |
1. AT - G3-G4 = 4,6% 2. HDCT - G3-G4 = 26,3% |
Saini et al.,(30) | 716 pacientes Média de idade: 63 anos Carcinoma coloretal |
1. 5-FU 300mg/m2 IV contínuo 2. 5-FU 425mg/m2 bólus D1-5 |
1. G3-G4 = 3,6% 2. G3-G4 = 19,6% |
Kremens et al.,(31) | 20 pacientes Média de idade: 5,67 anos Tumor de Wilms |
Melfalan 200mg/m2 D1-5 Etoposide Carboplatina |
G3-G4 = 10 (50%) |
Lacayo et al.,(32) | 38 pacientes 1. 15 2. 23 Média de idade: não informado Leucemia mieloide aguda |
1. DAT Daunomicina 45mg/m2 D1-3 Citarabina 100mg/m2 D1-7 Tioguanina 100mg/m2 D1-7 2. DAT + citarabina altas doses DAT Citarabina 1.000mg/m2 2 vezes/dia D1-7 |
1. DAT - G3-G4 = 2 (13%) 2. DAT + Citarabi-na altas doses - G3-G4 = 8 (35%) |
Leblond et al.,(33) | 1. 46 pacientes 2. 46 pacientes Média de idade: 64 anos Macroglobulinemia de Waldenström |
1. FAMP Fludarabina 25mg/m2 D1-5 2. CAP Ciclofosfamida 750mg/m2 D1 Doxorrubicina 25mg/m2 D1 Prednisona 40mg/m2 D1-5 |
1. FAMP - G1-G4 = 0 2. CAP - G1-G4 = 10 |
Lissoni et al.,(34) | 49 pacientes Média de idade: 53,7 anos Adenocarcinoma endometrial |
Epirubicina 70mg/m2 Paclitaxel 175mg/m2 Cisplatina 70mg/m2 |
G1 = 12 G2 = 0 G3 = 0 G4 = 0 |
Wang et al.,(35) | 16 pacientes Média de idade: 42,7 anos Linfoma não Hodgkin refratário |
Citarabina 3.000mg/m2 2 vezes/dia D1-4 Mitoxantrona 6mg/m2 D1-5 |
G1 = 6 G2 = 2 G3 = 5 G4 = 1 |
Anderson et al.,(36) | 148 pacientes 1. Bólus =78 2. Infusão= 70 Média de idade: 61 anos Carcinoma de pequenas células pulmão |
Doxorrubicina 35mg/m2 D1 Etoposide 100mg/m2 D1-5 Ifosfamida 5.000mg/m2 D1 |
1. Bólus - G1-G4 = 24 (31%) 2. Infusão - G1-G4 = 37 (53%) |
Bishop et al.,(37) | 274 pacientes Média de idade: não informado Leucemia não linfocítica aguda |
Daunorrubicina 50mg/m2 D1-3 Etoposide 75mg/m2 D1-7 |
G3-G4 = 26% |
Clavel et al.,(38) | 1. 93 pacientes 2. 92 pacientes Média de idade: 57,5 anos Carcinoma de cabeça e pescoço |
1. CABO Cisplatina 50mg/m2 D4 Metotrexato 40mg/m2 D1 e 15 Vincristina 2mg/m2 D1, 8 e15 Bleomicina 10mg/m2 D1, 8 e15 2. ABO Metotrexato 40mg/m2 D1, 8 e 15 Vincristina 2mg/m2 D1, 8 e 15 Bleomicina 10mg/m2 D1, 8 e 15 |
1. G3-G4 = 24% 2. G3-G4 = 31 |
IV: via intravenosa; D: dia; 5-FU: 5-fluorouracil; G: grau; FOLFOX: oxaliplatina, 5-fluorouracil e leucovorina; mFOLFOX: FOLFOX com diferente dosagem; VO: via oral; FAC: 5-FU, doxorrubicina e ciclofosfamida; ACP: doxorrubicina, ciclofosfamida e paclitaxel; CAPOX: capecitabine e oxiplatina; CHOP: ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona; BEAM: carmustina, etoposide, citarabina e melfalan; TCTH: transplante de células-tronco hematopoéticas; AT: doxorrubicina e paclitaxel; HDCT: mitoxantrona, ciclofosfamida e etoposido; DAT: daunorrubicina, citarabina e tioguanina; FAMP: fludarabina; CABO: cisplatina, metotrexato, vincristina e bleomicina; ABO: metotrexato, vincristina e bleomicina.
A maior parte dos estudos avaliou protocolos para tratamento de carcinoma 16 (61,53%), 6 (23,07%) envolviam tratamento para neoplasias hematológicas e 4 (15,4%) para transplante de células-tronco hematopoéticas (TCPH) (Figura 1).
Figura 1 Distribuição dos artigos por tipo de tratamentoTCPH: transplante de células-tronco hematopoéticas.
Protocolos baseados no tratamento de carcinoma evidenciaram que, em tratamentos com quimioterápicos como 5-fluorouracil (5-FU) e derivados da platina, agravam-se a incidência e a gravidade de MO de um ciclo para outro – embora estas sejam variadas. Dentre estes protocolos, a utilização de 5-FU esteve fortemente associada ao desenvolvimento de MO, segundo Palappallil et al.(20) Eles demonstraram que 90% dos pacientes desenvolveram MO após utilização de 5-FU. A administração deste quimioterápico em bólus também demonstrou maior toxicidade (19,6% dos pacientes desenvolveram MO) do que de forma contínua (3,6% dos pacientes desenvolveram MO). Na infusão de quimioterápicos como ifosfamida e doxorrubicina, maior gravidade de MO (53% dos pacientes) foi observada em pacientes que os receberam de forma contínua.
Quatro artigos (15,4%) abordaram protocolos de condicionamento para o TCPH. Dois deles fizeram a comparação do uso de melfalan com o protocolo BEAM (carmustina, etoposide, citarabina e melfalan). A incidência de MO grave no uso de melfalan foi de 46% em um estudo(25) e de 60% em outro.(27) O protocolo BEAM também apresentou alta incidência de MO grave em ambos os estudos (42% e 50%). Esta mesma taxa de incidência de MO relacionada ao uso de melfalan também foi verificada por Kremens et al.,(31) (50%) e por Fadda et al.,(26) (54,4%). Estes últimos também verificaram alta incidência de MO em pacientes recebendo bussulfano (81,82%).
Dentre os 26 artigos, 6 (23,07%) reportaram casos de MO após tratamento de neoplasias hematológicas. Foi observado que, durante a fase de indução de leucemia, nenhum paciente desenvolveu MO, na fase de consolidação 6,1% desenvolveram e, nos blocos de manutenção, o maior índice foi de 8,2%. Ao relacionar os tipos de quimioterápicos utilizados, foi observado que os pacientes em uso de daunorrubicina e etoposide apresentaram 26% de MO grave, e pacientes em uso de citarabina em altas doses apresentaram 37,5% de MO grave. Outro protocolo estudado foi o de ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona (CHOP), que mostrou que, dos 17 pacientes submetidos, 7 (41,16%) desenvolveram MO em algum grau.
A MO é um efeito adverso do tratamento antineoplásico que, além de provocar desconforto/dor, pode alterar as funções nutricionais do paciente. Assim, é cada vez mais importante o conhecimento do comportamento destas lesões, a fim de oferecer prevenção e tratamento adequados. Entender a relação entre os protocolos quimioterápicos que apresentam maior toxicidade bucal se faz, então, necessário.
Dentre os trabalhos revisados, é interessante observar que apenas dois foram realizados para avaliar a toxicidade bucal gerada pelo antineoplásico. A maior parte deles tinha como objetivo expor a resposta do tratamento oncológico diante de determinados protocolos quimioterápicos, sendo os relatos de MO apenas citados.
A média de idade dos pacientes foi de 43,54 anos. Esta média reflete o fato de a maior parte dos estudos abordar tratamentos para carcinoma, uma lesão mais comum em adultos.
Neste estudo, observamos que muitos artigos demonstraram ação de protocolos quimioterápicos no tratamento de diferentes tipos de carcinoma, mostrando principalmente protocolos baseados no uso de 5-FU e derivados da platina (cisplatina e oxiplatina).(13-18,20-22,28,30,34) Neles, a incidência de MO é bastante variada, mas pudemos verificar que pacientes que receberam cisplatina desenvolveram graus mais graves de MO.(15-17)
No estudo de Lin et al.,(18) a toxicidade bucal se agravou com o passar dos ciclos. Nesta pesquisa, os pacientes receberam três ciclos do mesmo protocolo quimioterápico, sendo que, no primeiro ciclo, apenas 33,87% dos pacientes desenvolveram MO − todos em graus leves (1 e 2). Já no segundo ciclo, 49,57% desenvolveram algum grau de MO − 12,18% em graus graves. No terceiro ciclo, 100% dos pacientes desenvolveram MO − 48,38% em graus 3 e 4. Não encontramos evidências na literatura de que a MO apresente efeito cumulativo ao longo dos ciclos, mas, neste trabalho é significativo o aumento da gravidade de MO ao longo do tratamento.
Palappallil et al.,(20) propuseram a comparação de dois diferentes protocolos para tratamento de carcinoma de mama. Em ambos os protocolos, os pacientes receberam ciclofosfamida e doxorrubicina, mas, no primeiro protocolo, 5-FU também foi administrado. Foi observado que 90% dos pacientes que receberam 5-FU desenvolveram algum grau de MO, enquanto que este índice foi observado em apenas 4% dos outros pacientes, corroborando a toxicidade bucal gerada pelo 5-FU. A administração do 5-FU foi estudada por Saini et al.,(30) em 716 pacientes com carcinoma coloretal. Destes, apenas 3,6% dos que receberam o antineoplásico de forma contínua desenvolveram MO em graus graves, enquanto que, dos pacientes que receberam o 5-FU em bólus, 19,6% apresentaram graus graves de MO, denotando maior toxicidade bucal quando se administra o quimioterápico de forma rápida. Anderson et al.(36) também observaram a forma de administração dos antineoplásicos ifosfamida e doxorrubicina. Ao contrário de Saini et al.,(30) eles observaram maior incidência de MO nos pacientes que receberam a quimioterapia contínua (53%). Apenas 31% dos pacientes que receberam doxorrubicina e ifosfamida por bólus apresentaram algum grau de MO.
A toxicidade oral gerada pelos protocolos de condicionamento para o TCTH já é bem evidenciada na literatura.(3,25-27,31,39) Os danos bucais causados pelos regimes empregados no condicionamento para o TCTH, além de apresentarem alta incidência, possuem protocolos de prevenção e tratamento orientados pelo MASCC/ISOO,(12) mas poucos estudos analisam os efeitos dos quimioterápicos na cavidade oral. No presente estudo, quatro artigos(25-27,31) que analisaram tais protocolos foram selecionados. Blijlevens et al.,(25) e Castagna et al.,(27) realizaram uma comparação entre a utilização do protocolo melfalan e o protocolo BEAM como condicionamento para TCTH. Ambos encontraram alta incidência de MO gerada pelos dois protocolos, sendo levemente maior nos pacientes submetidos ao condicionamento por melfalan. Os dois trabalhos encontraram, em ambos os protocolos, em torno de 50% de pacientes desenvolvendo MO grave. Isso demonstra a toxicidade oral acentuada gerada durante o condicionamento para TCTH. Kremens et al.,(31) demonstraram a também alta incidência de MO grave (50%) em pacientes utilizando melfalan no condicionamento para TCTH em pacientes com tumor de Wilms, mesmo com a amostra contendo apenas 20 pacientes. Também na linha de condicionamento para TCTH, Fadda et al.,(26) analisaram a ação dos quimioterápicos melfalan e bussulfano, e observaram que, dentre os pacientes que receberam melfalan, 54,54% apresentaram algum grau de MO, assim como nos trabalhos previamente descritos. Já 81,82% dos pacientes que receberam bussulfano desenvolveram MO. É conhecido que agentes alquilantes são capazes de formar ligações interfilamentosas com o DNA, sendo estas as mais citotóxicas, uma vez que a alquilação do DNA exige mecanismos mais complexos de reparação e pode até inibir sua replicação. Este grupo é frequentemente associado ao desenvolvimento de MO.(3,39)
Poucos estudos demonstraram a relação entre protocolos quimioterápicos utilizados em neoplasias malignas hematológicas e gravidade de MO. Abromowitch et al.,(23) mostraram a toxicidade gerada durante cada fase do tratamento para leucemia. Não foram relatadas toxicidades bucais significativas, sendo que nenhum paciente desenvolveu MO na fase de indução, 6,1% desenvolveram durante a consolidação e menos de 10% desenvolveram durantes os blocos de manutenção. Tal grau de incidência encontrado por estes autores é muito baixo quando comparado a outros estudos. Bishop et al.,(37) demonstraram tratamento para leucemia utilizando daunorrubicina e etoposide (medicações utilizadas na fase de indução e consolidação), e observaram que 26% dos pacientes desenvolveram MO grave, ou seja, um índice superior ao relatado por Abromowitch et al.(23) Dentro dos estudos para tratamento de leucemia, Lacayo et al.,(32) analisaram protocolo com e sem altas doses de citarabina para pacientes com leucemia mieloide aguda. Pacientes que receberam altas doses de citarabina apresentam índices de MO grave significativamente maiores. Wang et al.,(35) também analisaram um protocolo quimioterápico baseado em altas doses de citarabina para tratamento de linfoma não Hodgkin refratário. Embora o número amostral de pacientes seja pouco expressivo (n=16), 37,5% dos sujeitos apresentaram MO grave. Outro estudo com poucos pacientes incluídos foi o de Shin et al.,(24) que analisou o protocolo ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona CHOP em 17 pacientes com linfo-histiocitose hemofágica; destes, sete pacientes desenvolveram MO em algum grau.
Embora a mucosite oral seja uma condição que afeta não só a qualidade de vida do paciente, mas também o desenvolvimento do tratamento antineoplásico, poucos estudos estão focados no conhecimento da relação entre o protocolo quimioterápico e sua incidência. Nesta revisão, observamos que são escassos os estudos que apresentem como objetivo avaliar a relação de mucosite oral com o protocolo quimioterápico utilizado.
Por meio desta revisão integrativa, corroboramos o que está bem evidenciado na literatura: protocolos para transplante de células tronco hematopoiéticas são de alto risco para o desenvolvimento de mucosite oral. Também concluímos que citarabina, 5-FU em altas doses, agentes alquilantes e compostos derivados da platina comumente desenvolvem mucosite oral. Deve-se, portanto, estar atento a protocolos que sigam esses padrões a fim de oferecer prevenção e tratamento para esta doença. Além disso, é notável que sejam realizados mais estudos analisando a toxicidade bucal gerada por diferentes fármacos, a fim de oferecer uma prevenção mais efetiva.